Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01761/15.8BELRS
Data do Acordão:01/11/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
INSTRUMENTOS FINANCEIROS
JUSTO VALOR
TRIBUTAÇÃO AUTONOMA
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:I - O artº.18, nº.9, na redacção actual, foi introduzido no C.I.R.C., pelo dec.lei 159/2009, de 13/07. O corpo da norma consagra a definição de um princípio geral de irrelevância fiscal do justo valor (corpo do artº.18, nº.9, do C.I.R.C.). Segue-se uma enumeração taxativa, ao longo do código, das várias excepções a esta regra, entre elas nos surgindo certos instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através dos resultados (artº.18, nº.9, al.a), do C.I.R.C.).
II - A norma do artº.45, nº.3, do C.I.R.C. não é aplicável quando ocorre a determinação – de acordo com o critério do justo valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação, dado que o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser "estranho" e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do mesmo activo. A não aplicação da citada norma do artº.45, nº.3, do C.I.R.C., aos gastos, e concretamente aos "gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros", com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Seja teleologicamente, seja por razões sistemáticas, é ilegal a extensão da restrição prevista no aludido artº.45, nº.3, do C.I.R.C., às oscilações patrimoniais latentes que caibam na previsão do artº.18, nº.9, al.a), do C.I.R.C.
III - No que respeita à tributação autónoma em sede de I.R.C., o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.
IV - A norma que consagra a tributação autónoma poderá aproximar-se da natureza das cláusulas específicas anti-abuso, funcionando de uma forma rígida, tendo como vantagem uma aplicação, mais ou menos, automática e dispensando a A. Fiscal de um esforço de indagação (cfr.artº.88, do C.I.R.C.).
V - São objecto de uma tributação autónoma, à taxa de 35%, nos termos do artº.88, nº.13, al.a), do C.I.R.C., os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, Estão, porém, excluídas as indemnizações relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual. São também tributados autonomamente, à taxa de 35%, os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício dos cargos de gestor, administrador ou gerente até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, mais não relevando a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito passivo, quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade. Portanto, o legislador pretende evitar os pagamentos excessivos a altos cargos das empresas, não só durante o exercício das suas funções, mas também quando esses cargos cessam.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P30410
Nº do Documento:SA22023011101761/15
Data de Entrada:09/18/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:H..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.104 a 130 do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação intentada pela sociedade recorrida, "B..., S.A.", tendo por objecto a liquidação adicional de I.R.C. e respectivos juros compensatórios, sendo relativa ao ano fiscal de 2011 e no valor total de € 9.587.535,39.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.145 a 164-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
a-A Fazenda Pública não se conforma que o Tribunal “a quo” tenha considerado que não se aplica a limitação prevista no art. 45° n.° 3 do CIRC às depreciações relativas a instrumentos financeiros, que concorram para a formação do lucro tributável, nos termos do art. 18° n.° 9 al. a) do CIRC.
b-O sentenciado não tomou em consideração a natureza dos ativos financeiros que estão na origem das perdas por justo valor, ou seja, desconsiderou o sentenciado que o regime legal previsto na al. a) do n.° 2 do art. 57° da Lei n.° 53-A/2006, veio permitir que uma concreta parte dos ativos das sociedades sejam mensurados ao justo valor, em oposição ao custo histórico, ou valor de aquisição, conforme vigorou até à entrada em vigor do referido regime legal.
c-Ou seja, até à ocorrência desta alteração legislativa, as perdas por justo valor não eram simplesmente aceites como custos fiscais, a partir daí veio admitir-se que as variações patrimoniais dos ativos e passivos financeiros mensurados pelo justo valor, nomeadamente, as perdas por justo valor, em participações inferiores a 5% do capital social, pudessem concorrer para a formação do lucro tributável.
d-Posteriormente, visando a adaptação do CIRC ao SNC, através do Dec. Lei n.° 159/2009, o art. 18° n.° 9 al. a) do CIRC, veio admitir que os ajustamentos resultantes da aplicação do justo valor sejam considerados ganhos por aumentos de justo valor ou perdas por redução do justo valor.
e-Contudo, afigura-se que o legislador, ao ter previsto sob a al. a) do n.° 9 do art. 18° do CIRC, que concorrem “para a formação do lucro tributável”, sem reservas ou limitações, os “rendimentos ou gastos” que “(...) respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor”, “desde que” sejam reconhecidos “através de resultados”; se tratem “de instrumentos do capital próprio”; “tenham um preço formado num mercado regulamentado”; e “o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação no capital superior a 5 % do respectivo capital social”, tenha pretendido, nesse caso, pôr fim ao tratamento desigual das variações positivas e negativas, previsto no n.° 3 do art. 45.° do CIRC.
f-Dado que, somente desta forma é concretizado um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes de transmissão onerosa.
g-“In casu”, a regulamentação especial e a geral completam -se ou complementam-se, pois, não obstante a perda seja aceite nos termos da al. a) do n.° 9 do art. 18° do CIRC, tem, ainda, na mesma, de passar pelo crivo do art. 45° n.° 3 do CIRC.
h-É certo ainda que, aquando a introdução do n.° 9 do art. 18° do CIRC (pelo DL n.° 159/2009, de 13/07), o n.° 3 do ex art. 42° do CIRC (atual art. 45°), que já existia no CIRC, não foi alterado, pelo que o mesmo se aplicaria em termos idênticos à situação de reconhecimento financeiro quando dissessem respeito a instrumentos de capital próprio.
i-Pois atente-se que, o n.° 3 do art. 45° do CIRC limita-se a considerar todas as perdas relativas a partes do capital ou outras componentes do capital próprio, sem qualquer ressalva das perdas por justo valor de quaisquer instrumentos financeiros através de resultados, considerados fiscalmente relevantes nos termos do CIRC, como refere o art. 5° n.° 1 do Dec. Lei n.° 159/2009.
j-Dos parágrafos 76 e 77 da Estrutura Conceptual do SNC resulta que “A definição de gastos engloba perdas assim como aqueles gastos que resultem do decurso das actividades correntes (ou ordinárias) da entidade. (...)” e no CIRC, após as alterações preconizadas pelo Dec. Lei n.° 159/2009, os conceitos “custos e perdas” são simplesmente substituídos por “gastos” no CIRC (art. 8° n.° 2 al. f) do identificado diploma legal).
k-Afigura-se que o art. 45° n.° 3 do CIRC inclui todas as perdas relativas às partes de capital, quer a diferença entre as mais-valias e as menos-valias realizadas, quer outras perdas potenciais, como por exemplo, os gastos resultantes da aplicação do justo valor.
l-Não se nos afigura relevante a consideração feita pela lei fiscal entre gastos e perdas a propósito das duas normas em apreciação, porquanto na noção de gastos e da enunciação, a título exemplificativo dos mesmos descritos nas diversas alíneas do art. 23° do CIRC se refere a gastos e perdas, pelo que a mera referência a perdas feita no n.° 3 do art. 45° do CIRC não permite a conclusão de que não pretende abranger tais gastos, sob pena de todos os gastos previstos no n.° 9 do art. 18° do CIRC se encontrarem excluídos daquela limitação de dedutibilidade, o que não foi notoriamente o pretendido pelo legislador fiscal ao mencionar tais perdas.
m-A decisão arbitral proferida pelo CAAD, no processo n.° 96/2016-T, de 26/10/2016, confirma este entendimento, conforme, sinteticamente, se reproduz:
“100. Ora, da simples interpretação dos textos normativos relevantes, na sua redação à data, poder-se-á concluir pacificamente que as perdas decorrentes da redução do justo valor de instrumentos financeiros, designadamente partes de capital, e, bem assim, as perdas associadas à alienação de partes de capital valorizadas ao justo valor (as quais, nos termos do artigo 46.°, n.° 1, alínea b) do Código do IRC, não são consideradas como mais-valias) cabem no âmbito do artigo 45.°, n.° 3 do Código do IRC, pelo que, nesse sentido, só deverão ser consideradas, para efeito do apuramento do lucro tributável, em metade do seu valor (no período de tributação em análise).”
n-Ainda sem conceder, as decisões proferidas pela jurisprudência arbitral (CAAD - processos n.°s 87/2016 -T, de 29/10/2016, e 25/2015-T, de 24/09/2015, e ainda o voto de vencido dado no processo n.° 30/2015-T, de 11/12/2015) defendem que se “sobrevaloriza a dicotomia dos termos “gastos” e “perdas”, pois “no processo de adaptação aos novos conceitos do SNC, é possível identificar diversas imprecisões terminológicas” e “se o legislador tivesse pretendido dar um tratamento diferente às perdas resultantes da aplicação do justo valor não poderia deixar de ter alterado a redacção da norma em conformidade”.
o-Discorda-se ainda do sentenciado, por se afigurar que a opção pelo justo valor, com a consequente não aplicação da limitação prevista no art. 45° n.° 3 do CIRC, não afasta de forma alguma as razões de prevenção da fraude e evasão fiscal, que foram algumas das preocupações do legislador ao introduzir no ordenamento jurídico-fiscal o ex art. 42° n.° 3 (atual art. 45°) do CIRC, pela Lei n.° 32- B/2002, para além ser uma medida de moralização, neutralidade e de consolidação orçamental, e que as manteve ao alterar a redação daquele preceito através da Lei n.° 60-A/2005.
p-Conforme ficou melhor demonstrado na alínea 14) das alegações, e seguindo os entendimentos dos autores ali referidos, a mensuração pelo justo valor revela incertezas, com reflexos na realidade económica, e com repercussões nas receitas fiscais, além de que a subjetividade inerente à contabilização pelo justo valor gera uma maior dificuldade do controlo da sua operacionalidade para efeitos fiscais.
q-Acrescidamente, atente-se ainda ao conteúdo do decidido no Tribunal Arbitral:
“- A certeza e objectividade do valor encontrado no mercado, ainda que regulado, não é de todo imune a manipulações, como é comprovado por episódios de que a imprensa internacional tem feito eco;
- O limite de 5% na detenção de participações previsto para consideração do justo valor, permite aplicação do preceito a avultados investimentos, com consequências imprevisíveis para as receitas fiscais, nomeadamente em período de crise financeira e bolsista;
- Mantém-se situações, mesmo nos casos de aplicação de valores considerados objectivamente determinados no mercado, em que se aplica a solução de tratamento desigual dos resultados negativos e positivos previstos no art. 45°, n° 3, como seja o das situações de alienação em mercado regulamentado, em que as perdas se reflectem no lucro tributável apenas no momento da realização, como nos casos de participação superior a 5% ou da opção pela não aplicação da NCRF 27 (cf. nota 9).” (Decisão do CAAD proferida no proc. n.° 25/2015-T, supra melhor identificada).
r-A interpretação, segundo a qual, as perdas por justo valor aqui em causa, se subsumem no âmbito de previsão do art. 45° n.° 3 do CIRC, preconiza, por um lado, um tratamento mais igualitário relativamente às mais e menos-valias, uma vez que, sob certas circunstâncias, estas contribuem para o apuramento do lucro tributável em apenas 50% do seu valor, e, por outro lado, concretiza um tratamento mais equitativo das perdas decorrentes de todas as operações que envolvem partes de capital, de forma, a não distinguir, apenas as resultantes de transmissão onerosa.
s-As variações negativas pelo justo valor apenas concorrem para o lucro tributável em 50% do seu valor, nos termos do art. 45° n.° 3 do CIRC, conforme alguns autores conhecedores do “thema” têm manifestado.
t-“Pela leitura daquele preceito, e dada a extensa abrangência do mesmo, somos levados a concluir que todas as perdas referentes a partes de capital, onde se incluem os activos financeiros ora em análise, apenas relevarão para efeitos fiscal em metade do seu valor.” (“O Justo Valor e o Código do IRC”, constante nas págs. 201 e 202 da Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, Número 4, Inverno).
u-“Conforme referido acima, o actual CIRC prevê, na alínea a) do n° 9 do artigo 18°, o regime de tributação pela variação do justo valor, a acções cotadas, quando participadas em 5% ou menos e quando reconhecidas contabilisticamente ao justo valor por resultados. Com base neste normativo poder-se-ia concluir que, para aquelas acções, quer os ganhos decorrentes de aumentos de justo valor (seja no ano da venda, seja em anos anteriores), quer as perdas resultantes de descidas de justo valor, seriam consideradas fiscalmente. Não obstante, prevê o n.º 3 do artigo 45° que 50% dessas perdas de valor não serão aceites fiscalmente.” (Luísa Anacoreta Correia, Revista Revisores e Auditores, n.º 53, 2º Trimestre de 2011, págs. 34 e 35).
v-“O legislador, manteve, igualmente as condições em que se verificam limitações à dedutibilidade das menos-valias e outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital e outras componentes de capital próprio, constantes dos atuais artigos 23.°, n.ºs 3 a 5, e 45.°, n.° 3, todos do Código do IRC. Cabendo apenas salientar que parece resultar da redacção destas normas que estas limitações serão aplicáveis, inclusive, aos gastos que correspondam a ajustamentos de justo valor de partes de capital.
Ora, se no caso das normas do art.º 23.º tal não se nos afigura ter consequências dado que apenas se aplicam aos gastos suportados com a transmissão onerosa, o mesmo já não ocorre relativamente ao artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, pelo que eventuais perdas por reduções de justo valor em partes de capital e outros instrumentos de capital próprio apenas serão aceites em 50%.” (João Pedro Santos, “in” “Estudos em memória do Prof. Dr. J.L. Saldanha Sanches”, Vol. IV, págs. 818 e 819, Coimbra Editora).
w-Em conclusão, a interpretação que deverá ser efetuada, a nosso ver, é no sentido de que, as perdas decorrentes da aplicação do justo valor às participações de capital de ativos financeiros detidos para negociação devem estar sujeitas à limitação do art. 45° n.º 3 do CIRC, defendendo-se, nesta sequência, que o sentenciado em primeira instância padece de erro de julgamento, e deve ser revogado.
x-Não se aceita ainda o sentenciado na parte que considerou a impugnação judicial procedente, ou seja, anula “a correção respeitante a quantias pagas pelo a um seu colaborador, que a Administração Tributária considera que sobre elas deveria, nos termos da alínea a) do 13 do artº 88º do CIRC, ter sido liquidado uma tributação autónoma à taxa de 35%. ” (pág. 20/27).
y-Conforme resulta do RIT, a Administração Fiscal entende que a indemnização atribuída ao ex-colaborador do Recorrido teve por motivo a cessação de funções de administrador, independentemente de no acordo elaborado entre o Recorrido e o seu ex colaborador constar que a indemnização de € 1.060.000,00 recebida é “pela cessação do seu contrato de trabalho” (fls. 106 do PAT), nomeadamente porque aquele ex colaborador do Recorrido exerceu as funções de administrador durante a maior parte do tempo em que esteve ligado profissionalmente ao Recorrido, e ainda, porque resulta notório, tendo presente o valor da indemnização atribuída e os 21 anos de antiguidade, que a indemnização que lhe foi atribuída é pela cessão de funções como administrador, pois tendo o Recorrido pago (no máximo) 1,5 meses de remuneração por cada ano de antiguidade, temos uma média de remuneração regular com caráter de retribuição sujeita a imposto, auferida nos últimos dos 12 meses anterior à cessão de funções, igual a € 37.857,12, a qual jamais pode ser considerada como correspondente àquela que um diretor central receberia pela cessação de funções como tal (aliás, resulta de fls. 100 e 101 do PAT que o vencimento base do ex administrador do Recorrido, para a categoria profissional de “Director Central” é de € 7.449,55).
z-Face a estas circunstâncias notórias, resulta evidente que a indemnização atribuída foi pela cessação de funções como administrador.
aa-O conteúdo do estatuído sob o n.° 2 do art. 398° do CSC não pode ditar qual a solução que colhe o contrato de trabalho no momento em que o ex administrador foi nomeado para este cargo, pois a aludida norma não tem natureza laboral, nem pode, por esse efeito, disciplinar essa relação.
bb-A partir do momento em que o trabalhador é colocado no cargo de administrador, e este cargo é por si aceite, o contrato de trabalho que previamente celebrou extinguiu-se, pois pela aceitação do cargo de administrador é inequívoco que prescindiu do contrato de trabalho subordinado que mantinha com aquela entidade.
cc-Também a nomeação e aceitação do cargo de administrador é incompatível com a manutenção das duas relações, do que decorre que, de facto, o contrato de trabalho se extinguiu ou caducou.
dd-A jurisprudência confirma este entendimento, conforme se retira do acórdão lavrado pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.° 2974/11.7TTLSB.L1 -4, em 29/01/2014, que concluiu:
“Na verdade, a previsão do n.°2 do artigo 398° do CSC, visa disciplinar as sociedades, não na área laboral, mas sim na sua vida societária pois pretende uma especificação à regulação da administração dessa mesma sociedade, não estando em causa qualquer tipo de direitos ou deveres de trabalhadores, nem desenvolvendo o regime do contrato individual do trabalho, inclusive a sua cessação, razão pela qual esta norma nunca foi incluída no Código do Trabalho, trata-se antes de uma norma própria do Código das Sociedade Comerciais, constituindo uma norma especial para uma situação especial, não ofendendo nenhuma disposição ou princípio constitucional. Com efeito, a investidura do trabalhador no cargo de administrador afasta-o do contrato de trabalho, pressupondo-se que o trabalhador ao aceitar aquele cargo está a prescindir do contrato subordinado que possuía antes, circunstância que desde logo tem conhecimento. O trabalhador ao aceitar o cargo de Administrador fá-lo na expectativa das melhores condições, que irão contrabalançar com o facto de ver o seu contrato de trabalho inicial extinto (liberdade de escolha). Assim sendo, tendo em conta a constitucionalidade do artigo 398.º n.º2 do CSC, deve considerar- se que o contrato de trabalho do Recorrente caducou, ao abrigo do dispositivo em causa, pelo que bem decidiu o tribunal recorrido.”.
ee-Não havia necessidade de ser realizada a distinção da relação laboral da de mandato, desde logo, porque a primeira se extinguiu com a aceitação do cargo de administrador, mas também porque a subsistência das duas relações é inconciliável, mesmo que se pudesse entender que a relação laboral estava “suspensa”, tendo presente a necessária independência que o administrador tem de apresentar no exercício de funções (art. 406° do CSC).
ff-A necessária independência e transparência que o cargo de administrador obriga não se coaduna com um contrato de trabalho suspenso, dado que a manutenção do vínculo laboral, implicaria, sempre, a manutenção de alguns direitos e deveres dos trabalhadores.
gg-A ser possível a co-existência das duas relações, a relação de mandato estava sempre condicionada e não podia ser exercida plenamente, nomeadamente porque estaria sempre o administrador eleito condicionado na votação de estratégias que envolvessem direitos e deveres dos trabalhadores, mesmo quando estes não pressupusessem a efetiva prestação de trabalho.
hh-O cargo de administrador e respetivos poderes deste no exercício do cargo não se coadunam com a suspensão do contrato de trabalho, nomeadamente porque mantendo-se “os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho.” (art. 295° n.° 2 do CT) então também se manteria a possibilidade, do administrador, mesmo não estando a exercer as funções de trabalhador, porque suspensas, ser alvo do poder disciplinar da entidade empregadora, pois o poder disciplinar é um dever da entidade empregadora que não fica afastado quando o contrato de trabalho fica suspenso.
ii-A relação de administrador imperava, nomeadamente atento o regime de responsabilidade civil a que os administradores estão vinculados (arts. 72° a 79° do CSC), pois o mesmo é tão opressivo, que só faz sentido se os administradores se sentirem livres na tomada das suas opções e realizarem as funções de forma totalmente autónoma e independente. Os administradores têm de se sentir totalmente libertados de qualquer tipo de subordinação, o que não acontecerá se se entender que a relação de trabalho se mantém, ainda que da forma suspensa.
jj-Acresce que, o exercício de funções de administrador é por natureza temporário, além de que podem a qualquer momento ser destituídos (art. 391° e 403° do CSC), posto que, o administrador terá tendência a ponderar outros interesses para além dos sociais, ou seja, os dos trabalhadores, decidindo tendencialmente em benefício destes, que também serão os seus, caso não vejamos a relação de laboral como extinta ou caducada.
kk-Atentas as razões alegadas e concluídas, afigura-se que esta parte do sentenciado sofre de erro de julgamento e deve ser revogada.
ll-Requer-se que, nesta instância judicial superior, seja igualmente dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que exceda os € 275.000,00.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.166 a 187 do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
1-O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pelo ora recorrido e anulou totalmente a liquidação de IRC de 2011.
2-A Fazenda Pública, ora recorrente, apresentou recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo alegando, em suma, que a limitação quanto à dedutibilidade dos custos prevista no n° 3 do art° 45° do CIRC é plenamente aplicável à situação do ora recorrido e que a tributação autónoma liquidada pela AT ao ora recorrido é plenamente legal, por não ser aplicável o disposto no n° 2 do art° 398° do Código das Sociedades Comerciais;
3-Como questão prévia, o recorrido entende que este Venerando Tribunal não é a instância jurisdicional competente, em razão da hierarquia, para a apreciação do presente recurso, ao abrigo do disposto nos art°s 26°, b) e 38°, a) do ETAF.
4-Com efeito, da análise das alegações de recurso, resulta, de forma clara, que a recorrente limita-se a esgrimir a sua discordância face ao teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo, deduzindo um conjunto de argumentos sobre as normas legais aplicáveis, de forma a concluir que a sentença recorrida procedeu a uma errónea aplicação e interpretação das normas aplicáveis aos factos tributários, em concreto, as normas do art° 45°, do CIRC e do art° 398°, n° 2 do Código das Sociedades Comerciais;
5-A recorrente não coloca em causa a prova produzida ou a matéria de facto dada por assente;
6-Cingindo-se o presente recurso a matéria de direito, nenhuma dúvida existe sobre a incompetência deste Venerando Tribunal para apreciação do presente recurso, ao abrigo das disposições legais acima referidas, bem como do art° 280°, n° 1 do CPPT.
7-A liquidação de IRC de 2011 emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), resulta, em primeiro lugar, da não aceitação como custo fiscal do recorrido, da totalidade dos custos que este teve relativas a partes de capital de que era titular, em relação às quais houve aplicação do método do justo valor;
8-Sendo embora certo que o art° 18°, n° 1, do CIRC, estabelece como regra a da determinação do lucro tributável de acordo com o princípio da realização e, portanto, os proveitos e os custos só relevam fiscalmente em face de efectivas alienações de bens;
9-A verdade é que, com o Decreto-Lei n° 159/2009, de 13/7, o legislador veio alterar o referido CIRC, adaptando este às Normas Internacionais de Contabilidade;
10-Uma dessas alterações consistiu em se consagrar, embora com um carácter excepcional um regime ou método de determinação de proveitos ou custos não baseados no princípio da realização;
11-Assim, como decorre do n° 9 do art° 18° do CIRC, sempre que esteja em causa a detenção de participações sociais que tenham um preço formado em mercado regulamentado (vulgo, “bolsa”) e essas participações não representem mais de 5% do capital social da entidade emitente, a determinação dos proveitos e dos custos é feita com base no método do justo valor;
12-Isto é: esses proveitos ou custos determinam-se mesmo que as participações não sejam alienadas, determinação essa que é feita todos os anos, verificando-se se, em relação ao ano anterior, o seu valor, fixado em bolsa, aumentou ou diminuiu;
13-Desde 2002, com uma alteração em 2005, que o CIRC estabelecia, primeiro no n° 3 do art° 42° e, depois, no n° 3 do art° 45° do CIRC, que as perdas realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital ou relativas a componentes do capital próprio, apenas relevavam, fiscalmente, em metade;
14-O legislador justificou essa limitação de tais perdas em metade pela necessidade de combater a fraude e a evasão fiscal;
15-Sendo certo que, em relação às mais e às menos-valias, encontramos uma simetria de regimes entre elas, nomeadamente, só sendo tributadas, em metade, as mais-valias de participações financeiras em caso de reinvestimento e só sendo dedutíveis em metade as menos-valias;
16-Sendo também certo que, no mecanismo do justo valor, não há qualquer fuga ou evasão fiscal, porque esse justo valor é o que resulta ou é fixado em mercado regulado e regulamentado (“bolsa”), sendo irrelevante a vontade e a manipulação de preços por parte do contribuinte;
17-Pelo que é completamente absurdo pretender aplicar, como fez a AT, a regra da aceitação do custo em apenas 50% para os custos sofridos pelo recorrente na aplicação do método do justo valor, situação em que não há, repete-se, hipótese de fuga ou evasão fiscal;
18-Como a doutrina e as decisões arbitrais têm assinalado, além de incoerente e não equitativo, aplicar a regra da limitação do custo em 50% a situações em que não há possibilidade de manipulação de valores, tal implica uma muito maior tributação do que a resultante da aplicação da regra ou princípio da realização;
19-Como também implica uma total assimetria, com o ganho de justo valor a ser tributado na totalidade e o custo desse mesmo justo valor a ser aceite em apenas metade;
20-Para além de que a regra estabelecida no n° 3 do art° 45° do CIRC - a limitação da dedutibilidade em 50% - diz respeito a perdas ou menos-valias;
21-Ora, o art° 23°, n° 1, i) do CIRC, não designava os gastos resultantes da aplicação do justo valor como perdas, o que demonstra, no plano da interpretação das normas, que a regra do n° 3 do art° 45° do CIRC não é aplicável a essas situações;
22-Para além de várias decisões arbitrais sufragando este entendimento, também o STA, embora em decisão de uma situação diferente, chamou à colação o acórdão arbitral de 25/11/2013, proferido no processo n° 108/2013-T, para concluir que não se incluem no âmbito do n° 3 do art° 45° do CIRC os factos qualificáveis como “gastos” à luz do CIRC, ainda que relativos a partes de capital ou outras componentes de capital próprio;
23-A correcção em causa é, pois, patentemente ilegal, pelo que ilegal é a impugnada liquidação, razões pelas quais a sentença recorrida não merece qualquer censura;
24-A AT efectuou uma outra correcção, referente à tributação autónoma prevista na alínea a) do art.º 88.º do CIRC.
25-Estão em causa duas indemnizações pagas pelo recorrido a um colaborador seu - uma, cujo quantitativo é igual aos salários que tinha direito a receber, enquanto administrador, até ao final do mandato e outra referente à rescisão do contrato de trabalho;
26-É em relação a esta segunda indemnização, que a AT considera que sobre ela incide a tributação autónoma prevista na alínea a) do n° 13 do art° 88° do CIRC - porém, sem razão;
27-É indiscutível e indiscutido, que a pessoa em causa era funcionário do recorrido tendo o seu contrato de trabalho ficado suspenso, nos termos do art° 398°, n° 2 do Código das Sociedades Comerciais, quando foi designado como administrador do recorrido;
28-Nos termos do art° 295°, n° 1 e 2 do Código de Trabalho, durante a suspensão do contrato de trabalho, “mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes que não pressupunham a efectiva prestação de trabalho "e o tempo dessa suspensão conta-se para efeitos de antiguidade;
29-Tendo havido rescisão do contrato de trabalho, a pessoa em causa tinha direito a indemnização por tal rescisão, sendo que a antiguidade é um elemento a ter em conta no quantitativo indemnizatório;
30-O valor em causa foi pago e recebido como indemnização pela rescisão do contrato de trabalho, nada tendo a ver com as funções de administrador;
31-Na medida em que não tem a ver com o mandato de administrador, a indemnização em causa não é recondutível à alínea a) do n° 13 do art° 88° do CIRC.
X
O TCA Sul, através de decisão sumária (cfr.fls.216 a 240 do processo físico), julgou procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando por que se negue provimento do recurso (cfr.fls.248 a 254 do processo físico).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.257 e 258 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.107 a 113 do processo físico):
A-O Impugnante foi alvo de uma ação inspetiva externa, que teve origem na ordem de serviço n.º OI201400149, de 07/03/2014, com início em 20/05/2014, cujo procedimento foi prorrogado por três meses, teve âmbito geral e incidiu sobre o exercício de 2011 (Conforme resulta de fls. 5 do RIT).
B-Resulta das conclusões do relatório de inspeção tributária:
«1.4. Conclusões da ação de inspeção
1.4.1. imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas RC
1.4.1.1. Correções ao lucro tributável
1.4.1.1.1. Perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital de ativos financeiros detidos para negociação (n.° 3 do art.º 45° do CIRC)- € 18.820.223,70 - Valor referente a perdas relativas a partes de capital que o B... considerou como fiscalmente dedutíveis na sua totalidade quando aquelas podem concorrer para a formação do lucro tributável por apenas metade do seu valor ver ponto
Ill.1.1.1
(…)
1.4.1.3. Imposto em falta
1.4.1.3.1. Tributação autónoma sobre indemnização paga a administrador (alínea a) do n.° 13 do art.° 88.° do CIRC)
- € 371.000,00 –
Valor resultante da aplicação da taxa de tributação autónoma de 35% sobre os gastos ou encargos relativos a indemnização paga a administrador no período de 2011 relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo (ver ponto 111.1.3.1)»
(Conforme resulta de fls. 4 do RIT).
C-Em matéria de “Perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital de ativos financeiros detidos para negociação (n.° 3 do art. 45.° do CIRC) - € 18.820.223,70”, considerou a AT:
«Da análise ao balancete do Sujeito Passivo reportado a 31/12/2011, verificaram-se as seguintes contas:

[IMAGEM]

Desta forma, solicitou-se ao sujeito passivo elementos e esclarecimentos com vista a validar o tratamento conferido as perdas verificadas em partes de capital.
Da análise efetuada aos elementos fornecidos pelo Sujeito passivo (extractos de conta e fichas dos títulos) constatou-se desde logo que o B... não promoveu qualquer ajustamento no quadro de apuramento do lucro tributável com referência às perdas com partes de capital classificadas na carteira de negociação ate porque defende, que os resultados obtidos porquanto financeiros e inerentes à atividade bancária devem integrar na sua plenitude o resultado fiscal. Ora, em termos contabilísticos esta carteira de “Ativos financeiros de negociação” compreende os ativos financeiros adquiridos com o objetivo principal de serem transacionados a curto prazo e apôs o reconhecimento inicial, sendo ativos financeiros que estão mensurados ao justo valor através de resultados as variações são reconhecidas diretamente em cortas de resultados.
Por outro lado no plano fiscal, nos termos expressamente previstos no n.º 3 do art.° 45.º do CIRC, as perdas ou variações patrimoniais negativas relativas as partes de capital, concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
E, neste sentido, refira-se que o “… legislador manteve, igualmente as condições em que se verificam limitações à dedutibilidade das menos-valias e outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital e outras componentes do capital próprio constantes dos atuais artigos 23.º, n.ºs 3 a 5 e 45.º, n.º 3, todos do CIRC. Cabendo apenas salientar que parece resultar da redacção destas normas que estas limitações serão aplacáveis, inclusive, aos gastos que correspondam a ajustamento de justo valor de partes de capital. Ora, se no caso das normas do art° 23.° tal não se nos afigura ter consequências dado que apenas que apenas se aplicam aos gastos suportados com a transmissão onerosa. O mesmo já não ocorre relativamente ao artigo 45.º, n.º 3, do Código do IRC, pelo que eventuais perdas por reduções de justo valor em partes de capital e outros instrumentos de capital próprio apenas serão aceites em 50%.
Para além disso, ainda que subsistisse qualquer dúvida sobre o alcance da redação daquela norma, aquela foi esclarecida com o emissão da informação vinculativa que versa sobre o “Tratamento fiscal da perda apurada por SGPS em resultado da aplicação do modelo do justo valor”, no processo n.° 39/2011, que mereceu despacho no 2011-02-24 do Diretor-Geral dos impostos (atual Autoridade Tributária e Aduaneira - AT) de que passamos a transcrever os pontos 1 a 6.
“1. O artigo 18º, nº 9, alínea a) do Código do IRC (CIRC) estabelece que os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor concorrem para a formação do lucro tributável quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, sendo instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social.
2. Contabilisticamente e fiscalmente estes ajustamentos resultantes da aplicação do justo valor são considerados ganhos por aumentos de justo valor ou perdas por redução do justo valor.
3. O artigo 46º, nº 1, alínea b) do CIRC refere expressamente que não se consideram mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos ou perdas sofridos mediante transmissão onerosa de instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor nos termos da alínea a) do nº 9 do artigo 18º do Código do IRC.
4. Não sendo aplicável o regime das mais-valias ou menos-valias, não será também consequentemente aplicável o regime do reinvestimento dos valores de realização previsto no artigo 48º do CIRC, pelo que no caso de ser apurado um ganho por aumento do justo valor, este concorre na íntegra para a formação do lucro tributável.
5. No caso de ser apurada uma perda por redução do justo valor, o artigo 45º, nº 3 do CIRC, estabelece que “…outras perdas … relativas a partes de capital, … , concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.”
6. Sendo as reduções de justo valor destas partes de capital qualificadas como perdas deverão ser consideradas, nos termos do referido artigo 45º, nº 3, do CIRC, em 50% do seu valor.
7. Tratando-se de uma SGPS, não é aplicável o regime estabelecido no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, uma vez que o mesmo só se aplica às mais-valias ou menos-valias por elas realizadas.
8. Assim, os ajustamentos decorrentes da aplicação do justo valor relevam fiscalmente nos termos atrás indicados quando respeitem a instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através de resultados, desde que, sendo, instrumentos de capital próprio, tenham um preço formado num mercado regulamentado e o sujeito passivo não detenha, direta ou indiretamente, uma participação no capital superior a 5% do respetivo capital social.
Mais, tanto quanto é do nosso conhecimento no Código do IRC não se encontra previsto qualquer regime específico ou exceção aplicável ao setor bancário que ataste a aplicação da limitação em crise.
Dito isto, cumpre-nos recordar a norma inserta no n.º 3 do art.º 45.º do CIRC, segundo a qual, ainda que tenham sido contabilizados como gastos do período de tributação, “A diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital......bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ... concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.
Da leitura daquele articulado legal depreende-se não existir qualquer exclusão ou exceção no que respeita a perdas relativas a partes de capital pelo que se procede à correção no montante de € 18.820.223,70 que corresponde a 50% das perdas verificadas em partes de capital (€ 37.640.447,40), classificadas na carteira de Ativos financeiros detidos para negociação”, apuradas a partir da documentação facultada pelo sujeito passivo que por sua vez foram cruzados com a informação vertida na contabilidade, concretamente com os saldos das contas atrás discriminados (cfr anexo n.° 1 — 7 folhas)»
(Conforme resulta de fls. 8 e 9 do RIT).
D-Em matéria de tributação autónoma, resulta do relatório de inspeção tributária:
«111.1.3. Imposto em falta
11113.1. Tributação autónoma sobre indemnização paga a administrador (alínea a) do n.° 13 do art.° 88.° do CIRC)
- € 371.000.00 -
Da análise efetuada ao balancete antes de apuramento de resultados (reportado a 31 de dezembro de 2011) e ao Relatório de Contas de 2011 do Banco pág. 181 verificou-se que se encontravam relevados contabilisticamente gastos na conta ...00 — INDEMNIZAÇÕES CONTRATUAIS (PCSB) no montante de € 1 500 200 00 correspondente a indemnização para a membro executivo do Conselho de Administração (com o NIF ... que não foi sujeita a tributação autónoma cfr. anexo n.° 2 - 1 folha.
Assim, solicitou-se ao Sujeito Passivo documentação e esclarecimentos com vista à validação da situação em apreço.
Da análise efetuada aos elementos documentos/fornecidos pelo Banco, constatou-se que o referido administrador foi admitido em 1 de julho de 2000 como diretor-geral e promovido a administrador executivo do Conselho de Administração do banco em 1 de janeiro de 2003 (cfr. Curriculum Vitae do referido administrador que constitui o anexo n.° 31 folha)
De acordo, ainda, com os esclarecimentos prestados pelo Sujeito Passivo o colaborador, titular do NIF ..., recebeu a importância de € 1 500 000 00 da seguinte forma:
- € 440 000 00 corresponde à remuneração que auferiria enquanto administrador do banco se se mantivesse até ao final do mandato (2009-2012), recebendo a título de indemnização por renúncia ao mesmo sendo que estes valores foram sujeitos a tributação em IRS e Segurança Social, e não excedendo o limite previsto na parte final da alínea a) do n.° 13 do art.° 88.° do CIRC, não sujeito a qualquer tributação autónoma (cfr anexo n.° 4 - 9 folhas).
- € 1 060 000,00 corresponde a indemnização como Diretor central, dos quais € 570 000,00 foram sujeitos a IRS e Segurança Social devida pela rescisão do contrato de trabalho (e não da cessação de funções de administrador caindo fora do âmbito previsto na alínea a) do n.° 13 do art°88° do CIRC e como tal também não foi sujeito a tributação autónoma (cfr. anexo n.° 4 - 9 folhas). Refira-se que o facto da não sujeição a tributação em sede de IRS da importância de € 490.000,00 - € 570.000,00 decorre do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 2º do CIRS, ou seja, existe uma parte da indemnização não sujeita a tributação tendo em conta a antiguidade do colaborador do Banco.
Ora, dispõe a alínea a) do n.º 13.º do artigo 88.º do CIRC que são tributados autonomamente, à taxa de 35%, os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou a quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efetuado diretamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade.
A tributação autónoma incide sobre indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objetivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções do administrador, pelo que importa encontrar o conceito de indemnização em face da legislação em vigor, no sentido de, consequentemente, limitar o raio de atuação da norma de incidência em causa. O conceito resulta da própria legislação fiscal, nomeadamente do art.° 2.° do CIRS.
A alínea e) do n.º 3 do art.° 2.° do CIRS considera como trabalho dependente as “... indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação de relação jurídica ..., incluindo as que respeitem ao incumprimento das condições contratuais ou sejam devidas pela mudança de local de trabalho…”.
Neste contexto, e de acordo com os elementos fornecidos, pelo Sujeito Passivo, constatamos inequivocamente que o referido colaborador do banco exerceu as funções de diretor central apenas durante 2,5 anos e meio, tendo exercido as funções de administrador do Conselho de Administração do banco durante aproximadamente 8,5 anos, ou seja, exerceu as funções de administrador durante a maior parte da sua carreira profissional no banco.
Assim sendo, resulta claro, que a indemnização deveria ter sido sujeita a tributação autónoma, atendendo que foi atribuída pela de cessação de funções como administrador (demitido, de acordo com a informação constante do anexo n.° 3 - 1 folha), cargo desempenhado pelo colaborador nos últimos 8,5 anos (aproximadamente) como supra referido.
Caso assim não fosse (sujeitar a tributação autónoma o gasto da indemnização recebida), o disposto na alínea a) do n.° 13 do art. 88.° do CIRC não se aplicaria aos colaboradores do banco que fossem promovidos a administradores do Conselho de Administração, apenas se aplicaria aos colaboradores contratados diretamente para exercerem funções de administradores no Conselho de Administração do banco. Mesmo essa situação seria facilmente contornada, bastando, para tal, contratar colaboradores para exercerem primeiro quaisquer funções no banco, com exceção das de administradores, e posteriormente (no dia seguinte) promovê-los para exercerem funções de administradores do Conselho de Administração do banco.
Ora, a letra da lei indicia que o legislador pretendeu, mediante a tributação autónoma, à taxa de 35%, dos “... gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas (...), quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, (...)―, penalizar os gastos ou encargos suportados com indemnizações pagas a administradores, não se vislumbrando de que modo é que a sua aplicação se restrinja, apenas e só, aos colaboradores que somente exerceram aquelas funções, nem vemos como tal poderia suceder, pois, conforme já descrito, para obviar a referida tributação, bastaria, então, tão só, que o colaborador estivesse um primeiro dia de trabalho em funções que não a de administrador e, no segundo dia, ser promovido aquele cargo.
Parece-nos claro que tal interpretação não se mostra razoável pois facilmente frustraria as intenções do legislador.
Desta forma, procede-se à aplicação da taxa de tributação autónoma de 35% sobre os gastos relativos a indemnização paga a administrador no período de 2011, relativos à parte que excede o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daquele cargo até ao final do respetivo contrato (ou mandato), quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, no montante de € 1.060.000,00 (€ 1.500.000,00-€440.000,00), traduzindo-se em imposto em falta no montante de € 371.000,00 (€ 1.060.000,00 x 35%), nos termos da legislação supra referenciada.»
(Conforme resulta de fls. 12 a 14 do RIT).
E-Em 15/06/2011, entre a Impugnante, na qualidade de primeiro contraente e AA, na qualidade de segundo contraente, foi celebrado o “Acordo” que constitui fls. 101 a 104 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F-Nos termos do considerando 3 do acordo a que se refere a alínea anterior, “[é] do interesse de ambos os contraentes a cessação de funções de administrador, no âmbito de um projeto de reestruturação da atividade do primeiro contraente e no âmbito de perspetivas profissionais do segundo contraente…”.
G-Resulta do ponto primeiro que o segundo contraente renuncia ao seu mandato de administrador a partir de 15 de junho de 2011.
H-Nos termos do ponto segundo, “[o] primeiro contraente paga na presente data ao segundo contraente o valor das remunerações fixas a que o segundo contraente tenha direito, enquanto administrador, até 31 de dezembro de 2012, isto é o valor de € 440.000,00…”
I-Em 15/06/2011, entre a Impugnante, na qualidade de primeiro contraente e AA, na qualidade de segundo contraente, foi celebrado o “Acordo de revogação de contrato de trabalho” que constitui fls. 105 a 108 do processo administrativo apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
J-Resulta do considerando 1º) que “[o] segundo contraente está vinculado ao primeiro contraente por contrato de trabalho por tempo indeterminado com a antiguidade reportada a 1 de março de 1990, tendo atualmente a categoria de Diretor Central”.
K-Nos termos do considerando 4º) “[é] vontade de ambos os contraentes por acordo ao contrato de trabalho referido em 1º), com fundamento em motivos objetivos”.
L-Estatui a cláusula 1.ª que os primeiros e os segundos contraentes acordaram em fazer cessar o contrato de trabalho com efeito a partir de 15 de junho de 2011.
M-Prevê a cláusula 2.ª:
“1°) Como compensação pela cessação do seu contrato de trabalho, o segundo contraente receberá na presente data do primeiro contraente a quantia ilíquida de € 1.060.000,00 (um milhão e sessenta mil euros) …”
2°) Sobre o quantitativo referido no número anterior, o Primeiro Outorgante fará as retenções na fonte que sejam legalmente devidas, a título de IRS e de Segurança Social.”
N-Em 26/01/2015, a AT elaborou a demonstração de liquidação de IRC referente ao exercício de 2011.
(Conforme resulta de fls. 27).
O-O prazo para pagamento voluntário terminou em 26/03/2015.
(Conforme resulta de fls. 26).
P-A petição inicial da presente impugnação foi apresentada em 26/06/2015.
(Conforme resulta de fls. 32).
Q-Tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal n.º 3247201501133640, o Impugnante prestou garantia bancária no valor de 8.295.371,01. (Conforme resulta de fls. 30 e 31).
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação.
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que ao não aplicar a limitação prevista no artº.45, nº.3, do C.I.R.C., às perdas decorrentes da aplicação do justo valor às participações de capital de activos financeiros detidos para negociação pela sociedade impugnante e ora recorrida, a sentença do Tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento de direito (cfr.conclusões a) a w) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
É no artº.17 e seg. do C.I.R.C., que se consagram as regras gerais de determinação do lucro tributável, especificando-se no artº.23 quais os custos (gastos, nas palavras do legislador de então - ano de 2011) que, como tal, devem ser considerados pela lei.
Os gastos e perdas da empresa constituem, portanto, os elementos negativos da conta de resultados, os quais são dedutíveis do ponto de vista fiscal quando, estando devidamente comprovados, visem obter ou garantir os rendimentos sujeitos a I.R.C. A ausência de qualquer destes requisitos implica a não consideração dos referidos elementos como custos, assim devendo os respectivos montantes ser adicionados ao resultado contabilístico. Por outras palavras, num primeiro momento e para efeitos de dedutibilidade fiscal em ordem ao apuramento do lucro tributável, os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo, terão de passar pelo crivo geral do disposto no citado artº.23, do C.I.R.C.
A dedutibilidade fiscal é uma decorrência do princípio da capacidade contributiva do sujeito passivo, mas não é exigido para a relevância dos custos ou perdas que eles tenham sido geradores de proveitos, sendo bastante que sejam suportados no interesse do sujeito passivo, com a intenção de obter, ou garantir, os rendimentos sujeitos a I.R.C. Bem se compreende que assim seja, em conciliação com o princípio da tributação do rendimento real das empresas, constitucionalmente consagrado (cfr.artº.104, nº.2, da C.R.P.). Apesar do acabado de aludir, sempre se dirá que, contrariamente aos rendimentos, o legislador consagrou, quanto ao conceito/dedutibilidade de gastos e perdas, requisitos para a sua relevância fiscal que não encontram paralelo no que diz respeito aos primeiros (cfr.Rui Marques, Código do IRC anotado e comentado, Almedina, 2019, pág.203 e seg., em anotação ao artº.23, do C.I.R.C.; Gustavo Lopes Courinha, Manual do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Almedina, 2019, pág.99 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos (cfr.al.C) do probatório supra), não é discutido no presente processo o enquadramento contabilístico-fiscal das variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital de activos financeiros detidos para negociação, pela sociedade impugnante e ora recorrida, no montante de € 37.640.447,40 e enquadráveis no artº.18, nº.9, al.a), do C.I.R.C., na redacção em vigor em 2011.
A recorrente somente contesta o entendimento do Tribunal "a quo", defendendo que tais variações patrimoniais negativas apenas concorrem para a formação do lucro tributável em metade do seu valor (€ 18.820.223,70), atento o disposto no citado artº.45, nº.3, do C.I.R.C.
Vejamos quem tem razão.
A doutrina fiscal dos instrumentos financeiros rompe, em parte, com a regra clássica da realização. Aceita a tributação antes da maturidade e da transmissão, com o estabelecimento de um periódico rendimento de capital durante a vida do instrumento financeiro. Incorpora-se o rédito certo, mas ainda não realizado e acolhe-se, nalguns casos, a tributação do rédito provável. Porém, os entorses ao dogma "no taxation without realization" não se ficam por aqui. Igualmente se introduz uma ruptura total com a completa tributação pelo justo valor dos instrumentos financeiros derivados transaccionados em bolsa de valores. Há, aqui, manifestamente, uma tributação sem realização. Apura-se o rédito fiscal (o ganho ou a perda) em "mark-to-market", por comparação entre o custo de aquisição e o seu preço de mercado (cotação) no final do exercício. A tributação de ganhos e perdas latentes transaccionados em bolsa explica-se por razões práticas: a sofisticação dos agentes (capacidade financeira e de organização) e a fiabilidade valorimétrica associada à cotação viabilizam a total abertura ao critério do justo valor (cfr.Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade, Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011, pág.285 e seg.).
Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
O artº.18, nº.9, na redacção actual, foi introduzido no C.I.R.C., pelo dec.lei 159/2009, de 13/07. O corpo da norma consagra a definição de um princípio geral de irrelevância fiscal do justo valor (corpo do artº.18, nº.9, do C.I.R.C.). Segue-se uma enumeração taxativa, ao longo do código, das várias excepções a esta regra, entre elas nos surgindo certos instrumentos financeiros reconhecidos pelo justo valor através dos resultados (artº.18, nº.9, al.a), do C.I.R.C.).
Os pressupostos legais de aplicação do identificado artº.18, nº.9, al.a), são três, a saber:
a)Tratar-se de instrumentos de capital próprio com um preço formado num mercado regulamentado (ou seja, acções de empresas cotadas);
b)Que esses instrumentos financeiros (acções de empresas cotadas) sejam contabilisticamente reconhecidos pelo justo valor através de resultados, de acordo com o disposto no Sistema de Normalização Contabilística ou com as Normas Internacionais de Contabilidade incorporadas pela União Europeia - consoante o modelo contabilístico eleito pelo contribuinte;
c)Que o sujeito passivo não detenha, directa ou indirectamente, uma participação superior a 5% do respectivo capital social.
A estatuição da norma é a seguinte: preenchidos os requisitos legais, o facto tributário deixa de se associar à realização (venda) dos títulos, mas encerra-se na oscilação da sua cotação oficial entre o início e o fim do período de tributação. Não se tributa já uma venda (realização), mas a mera detenção do activo. A mensuração não se encerra no preço, mas revela-se na anual oscilação valorimétrica do activo (cotação oficial do título). Por último, à tributação pelo justo valor consagrada no examinado artº.18, nº.9, al.a), do C.I.R.C., nunca se aplica o regime das mais e menos-valias tributárias (cfr.Tomás Castro Tavares, Justo valor e tributação das mais valias de acções de sociedades cotadas: a propósito da interpretação do artº.18, nº.9, al.a), do C.I.R.C., in Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Coimbra Editora, 2011, vol.IV, pág.1127 e seg.; Rui Marques, ob.cit., pág.170 e seg., em anotação ao artº.18, do C.I.R.C).
Por outro lado, sempre se dirá que este Tribunal e Secção já em três ocasiões foi chamado a examinar actos tributários paralelos ao presente tendo deliberado que a norma do artº.45, nº.3, do C.I.R.C. não é aplicável quando ocorre a determinação – de acordo com o critério do justo valor – do valor dos activos sujeitos a mercado regulado por entidades oficiais, porque a razão da sua existência, combate à evasão e elisão fiscal, não tem justificação, dado que o valor dos activos – a posição financeira – acaba por ser "estranho" e alheio à vontade do contribuinte que, em última instância, nada releva para a valorização ou desvalorização do mesmo activo. A não aplicação da citada norma do artº.45, nº.3, do C.I.R.C., aos gastos, e concretamente aos "gastos resultantes da aplicação do justo valor em instrumentos financeiros", com a consideração plena das repercussões patrimoniais verificadas, sejam positivas ou negativas, leva a uma coerência da tributação qualquer que seja a altura em que se verifique a alienação do instrumento financeiro. Seja teleologicamente, seja por razões sistemáticas, é ilegal a extensão da restrição prevista no aludido artº.45, nº.3, do C.I.R.C., às oscilações patrimoniais latentes que caibam na previsão do artº.18, nº.9, al.a), do C.I.R.C. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/06/2018, rec.582/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/12/2020, rec.1760/15.0BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/06/2022, rec.179/15.7BELRS).
Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, o Tribunal nega provimento ao presente fundamento do recurso, mais se confirmando a decisão recorrida, neste segmento, embora com a presente fundamentação.
Aduz, igualmente e em síntese, o recorrente que a verba de € 1.060.000,00 paga pela sociedade recorrida a um seu colaborador, quantia relativa às remunerações que seriam devidas pelo exercício do cargo de administrador até ao final do contrato, deveria ter sido sujeita a tributação autónoma, com a aplicação de uma taxa de 35% de acordo com o artº.88, nº.13, al.a), do C.I.R.C. Que a sentença do Tribunal "a quo" incorreu em erro de julgamento de direito ao decidir em contrário (cfr.conclusões x) a kk) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Contrariamente ao que acontece, em regra, na tributação dos rendimentos em sede de I.R.S. e I.R.C., em que se tributa o conjunto dos auferidos num determinado ano (o que implica que só no final do mesmo se possa apurar a taxa de imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere), no caso da tributação autónoma o imposto incide sobre cada despesa efectuada, em si mesma considerada, e sujeita a determinada taxa, sendo a mesma tributação autónoma apurada de forma independente do I.R.C. que é devido em cada exercício, por não estar diretamente relacionada com a obtenção de um resultado positivo, e por isso, passível de tributação.
No que respeita à tributação autónoma em sede de I.R.C., o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa, não se estando perante um facto complexo, de formação sucessiva ao longo de um ano, mas perante um facto tributário instantâneo.
As taxas de tributação autónoma não se referem a um período de tempo, mas a um momento: o da operação isolada sujeita à taxa, sem prejuízo de o apuramento do montante devido pelos agentes económicos sujeitos à referida "taxa" ser efectuado periodicamente, num determinado momento, conjuntamente com outras operações similares, sem que a liquidação conjunta influa no seu resultado e venha ou não a ter rendimento tributável em I.R.C., no fim do período contabilístico respectivo (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 14/02/2013, rec.1375/12; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/01/2015, rec.470/14).
A norma que consagra a tributação autónoma poderá aproximar-se da natureza das cláusulas específicas anti-abuso, funcionando de uma forma rígida, tendo como vantagem uma aplicação, mais ou menos, automática e dispensando a A. Fiscal de um esforço de indagação (cfr.artº.88, do C.I.R.C.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, Coimbra Editora, 2007, pág.406 e seg.; Rui Duarte Morais, Apontamentos ao I.R.C., Almedina, Novembro de 2009, pág.202 e seg.; Gustavo Lopes Courinha, ob.cit., pág.180 e seg.; Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.91 e seg.).
"In casu", a entidade recorrente contesta o entendimento do Tribunal "a quo", defendendo que a verba de € 1.060.000,00 paga pela sociedade recorrida a um seu colaborador (cfr.al.D) do probatório supra), quantia relativa ao valor das remunerações que seriam devidas pelo exercício do cargo de administrador até ao final do contrato, deveria ter sido sujeita a tributação autónoma, com a aplicação de uma taxa de 35% de acordo com o artº.88, nº.13, al.a), do C.I.R.C.
A recorrente admite a não tributação autónoma de € 440.000,00 correspondente à remuneração que o colaborador em causa auferiria enquanto administrador da sociedade impugnante/recorrida, mantendo-se no exercício de funções até ao final do mandato (2009-2012).
Com a nomeação do colaborador como administrador da sociedade impugnante/recorrida, o primitivo contrato de trabalho que o vinculava enquanto Director-Central, por força do disposto no artº.398, nº.2, do Código das Sociedades Comerciais, suspendeu-se, porquanto, tinha uma duração superior a um ano (1/07/2000 a 1/01/2003 - cfr. al.D) do probatório supra).
Assim, o citado colaborador, além de mandatado para o exercício das funções de administrador, mantinha uma relação jurídica de contrato de trabalho, ainda que suspensa.
Como compensação pela cessação do contrato de trabalho, o colaborador da sociedade recorrida recebeu a indicada quantia ilíquida de € 1.060.000,00.
É relativamente a este montante que se estabelece a discórdia entre a recorrente e o Tribunal "a quo".
Vejamos quem tem razão.
O citado artº.88, nº.13, al.a), do C.I.R.C., na redacção em vigor no ano de 2011, a resultante da Lei 3-B/2010, de 28/04, ostentava a seguinte previsão e estatuição:
Artigo 88.º
(Taxas de tributação autónoma)
(…)
13 - São tributados autonomamente, à taxa de 35%:
a) Os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual, quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, bem como os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício daqueles cargos até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, qualquer que seja a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito passivo quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade;
(…)
São objecto de uma tributação autónoma, à taxa de 35%, os gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas quando se verifique a cessação de funções de gestor, administrador ou gerente, Estão, porém, excluídas as indemnizações relacionadas com a concretização de objectivos de produtividade previamente definidos na relação contratual.
São também tributados autonomamente, à taxa de 35%, os gastos relativos à parte que exceda o valor das remunerações que seriam auferidas pelo exercício dos cargos de gestor, administrador ou gerente até ao final do contrato, quando se trate de rescisão de um contrato antes do termo, mais não relevando a modalidade de pagamento, quer este seja efectuado directamente pelo sujeito passivo, quer haja transferência das responsabilidades inerentes para uma outra entidade.
Portanto, o legislador pretende evitar os pagamentos excessivos a altos cargos das empresas, não só durante o exercício das suas funções, mas também quando esses cargos cessam. O pagamento de indemnizações ou compensações pela cessação das funções de gestor, administrador ou gerente, está previsto no artº.403, do C.S. Comerciais. A cessação pode ocorrer findo o prazo previsto no contrato ou por resolução deste. Cumpre notar que, no cômputo do valor da indemnização ou compensação devidas, deve apenas ser sujeito a tributação autónoma o que corresponder ao valor devido pelo exercício dessas funções. Assim sendo, importa aferir, em cada caso concreto, a que título a indemnização é devida (cfr.Rui Marques, ob.cit., pág.742 e seg., em anotação ao artº.88, do C.I.R.C.; Maria Rita G. L. Ribeiro Mesquita, A TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA NO CIRC, A sua (in)coerência, Faculdade de Direito, Escola de Direito do Porto, Universidade Católica Portuguesa, Porto, Maio de 2014, pág.20).
Revertendo ao caso dos autos, na sequência dos acordos indicados no probatório (cfr. als.E) a M) do probatório supra), nos respectivos cálculos de compensação /indemnização ocorreu segregação entre o período de desempenho de funções apenas como funcionário, ao abrigo do respectivo contrato de trabalho, e o período do desempenho de funções como administrador. Sendo que na compensação por rescisão do contrato de trabalho é tida em conta a antiguidade no período de suspensão, aqui aplicável por força do disposto no citado artº.398, nº.2, do C.S.Comerciais, e de acordo com os ditames do artº.295, nºs.1 e 2, do Código do Trabalho.
Ora, o montante de € 1.060.000,00 respeita a indemnização paga por rescisão do contrato de trabalho (cfr.al.M) do probatório supra), não se confundindo com a compensação paga pelas funções e cessação na qualidade de administrador da sociedade impugnante/recorrida, assim não sendo abarcada pela previsão do examinado artº.88, nº.13, al.a), do C.I.R.C.
Com estes pressupostos, deve este Tribunal confirmar a sentença recorrida, igualmente neste segmento.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se a recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil), mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça na presente instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 11 de Janeiro de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.