Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03478/14.1BEPRT
Data do Acordão:04/07/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:ESTADO DE NECESSIDADE
ACTO IMPOSITIVO
AUDIÊNCIA PRÉVIA
Sumário:I - O agir administrativo em estado de necessidade consiste na actuação objecto de permissão normativa à margem do princípio da legalidade em sentido estrito, face a circunstâncias excepcionais de perigo iminente e actual (urgência) para um interesse público essencial e para cuja produção não haja concorrido a vontade do agente, se de outro modo não puder ser alcançado o mesmo resultado - cfr. artº 3º nº 2 CPA.
II - Os pressupostos do estado de necessidade administrativa no quadro do artº 151º nº 1 CPA/91 (actual artº 177º nº 2 CPA/2015) por remissão expressa do artº 90º nº 7 RJUE (actual artº 90º nº 8 na redacção do DL 136/2014, 9.9), mostram-se concretizados, como segue:
· requisito temporal da urgência conexionado com
· factor de perigo actual e iminente por factos graves e anormais, a saber, o colapso das paredes e telhado que não se desmoronaram durante o incêndio e o decurso dos trabalhos de apagamento do fogo pelos Sapadores Bombeiros,
· e consequente prioridade em atender, em juízo de proporcionalidade, ao interesse público essencial de assegurar a integridade física de eventuais transeuntes pelo passeio adjacente ao prédio sinistrado por via de possíveis desmoronamentos e derrocadas de elementos instáveis da construção,
· interesse público julgado mais relevante que os interesses públicos preteridos, a saber, a vistoria técnica prévia à deliberação camarária de determinação de obras necessárias a executar pelo proprietário do edificado, seguindo o procedimento e trâmites prescritos nos artsº 89º nºs. 2 e 3 e 90º nºs. 1 a 6 RJUE.
III - O ofício com a súmula descritiva e nota de despesa discriminada das operações materiais realizadas pelo município em estado de necessidade em razão do incêndio no edificado, constitui a notificação do acto impositivo (título executivo) de interpelação do proprietário do edificado para cumprimento voluntário da obrigação de pagamento pelo prazo indicado, findo o qual a dívida segue para cobrança mediante a emissão de certidão do título executivo para execução fiscal – cfr. artº 151º nº 1 CPA/91 (artº 177º nºs. 1 e 2 CPA/2015).
IV - A audiência prévia dos interessados definida no artº 100º CPA/91 (artº 121º CPA/2015) constitui uma sub-fase procedimental autónoma e corporiza uma formalidade absolutamente essencial, cuja omissão pura e simples gera a invalidade do acto administrativo que defina com efeitos constitutivos a situação jurídica do interessado, isto é, conforme disposto no artº 133º nº 2 d) CPA/91 (artº 161º nº 2 d) CPA/2015) determina a nulidade da decisão final do procedimento por violação do conteúdo essencial do direito de audiência, direito fundamental alicerçado no artº 267º nº 5 CRP.
Nº Convencional:JSTA00071442
Nº do Documento:SA12022040703478/14
Data de Entrada:06/07/2021
Recorrente:A............
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO PORTO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA NORTE
Decisão:CONCEDE PARCIAL PROVIMENTO
Área Temática 1:FORMALIDADE PROCEDIMENTAL
Legislação Nacional:ARTIGOS 100º E 133º, Nº 2, AL. D) DO CPA (1991)
Aditamento:
Texto Integral: O A…………, IPSS com os sinais nos autos, inconformada com o acórdão de 22.01.2021 proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte dele vem recorrer, concluindo como segue:
1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.

2. Com o devido e merecido respeito, não partilhamos do mesmo entendimento, não se conformando a Recorrente com a decisão do Tribunal a quo.

3. A questão essencial do presente recurso prende-se com a correcta interpretação e aplicação dos artigos 89º, 90º, 91º, 107º, 108º do RJUE, 3º, 66º, 100º, 132º, 133º, 135º, 151º, 152º, 157º do CPA e 268º da CRP.

4. Entende a Recorrente que se encontram preenchidos os pressupostos previstos no nº 1 do artigo 150.º do CPTA, porquanto estamos perante a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social - estado de necessidade administrativa - se reveste de importância fundamental, sendo a admissão do recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do direito sobre a situação de estado de necessidade e os seus pressupostos.

5. Defendeu o Acórdão ora posto em crise que face às circunstâncias do caso, os pressupostos de uma situação de estado de necessidade administrativa verificaram-se, o que justificou e legitimou a actuação do Município Recorrido, com as medidas materiais adoptadas.

6. Decorre do Acórdão Recorrido que se encontra legitimada a actuação que o Município do Porto, no caso em apreço, levou a cabo a coberto do invocado estado de necessidade administrativa, sendo que as despesas com os trabalhos executados nos dias 4,5,6,7,8,11,25 e 26 de Março e 4 de Abril de 2013, devem ser suportadas pela Recorrente.

7. Não pode a Recorrente conformar-se com tal entendimento, isto porque, a coberto desse estado de necessidade o Tribunal a quo considerou válidos os despachos de 22/05/2013 e 03/01/2014, atinentes às obras levadas a cabo pelo Município Recorrido no prédio urbano de que é proprietária a Recorrente.

8. A Recorrente continua e entender que tais despachos se encontram inquinados com vícios que se consubstanciam no seguinte: i) ineficácia do despacho proferido pelo Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude, por falta de notificação; ii) por vício de forma por preterição da audiência dos interessados e violação do princípio do contraditório; iii) vício de violação de lei e preterição de formalidades legais; iv) vício de violação do conteúdo de um direito fundamental; v) vício de falta de competência absoluta; vi) vício de forma por falta de fundamentação dos actos impugnados, que foram julgados inverificados.

9. A Recorrente foi proprietária do imóvel em apreço, apresenta-se como uma Instituição Particular de Solidariedade Social conhecida na cidade do Porto, em plena actividade e com longa história na cidade Invicta, sendo fácil a sua identificação pelo Município do Porto, pelo que se não aceita a omissão na sua notificação da ocorrência do incêndio no dia 28/02/2013 e a falta de notificação da necessidade de obras que, apesar de facilmente poder ser identificada através do cadastro urbano/proprietários das bases de dados da Câmara Municipal do Porto, tal não foi efectuado, ultrapassando e atropelando de forma inaceitável os direitos e interesses legalmente protegidos da Recorrente.

10. Com a presente acção visa-se a anulação do ato administrativo que manteve o despacho de cobrança praticado pelo chefe de Divisão Municipal da Receita em 03-01-2014, e comunicado à Recorrente pelo ofício com a seguinte referência “1/225378/13/CMP' de acordo com o qual a Câmara Municipal do Porto através de carta registada notificou a Recorrente, nos termos do artigo 108° do RGEU para que esta procedesse ao pagamento do montante de 18 070,93 € (dezoito mil e setenta euros e noventa e três cêntimos) no prazo de 20 dias contados partir da recepção daquela notificação.

11. Bem como aqueles que o precederam, designadamente, o despacho proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude praticado a 22/05/2013, no uso de competência delegada pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, o despacho proferido pelo Director do Departamento Municipal de Protecção Civil, a 4/04/2013 e o despacho proferido pelo Sr. Comandante a 08/04/2013.

12. Nos termos do disposto no artº 89°, nº 2, do RJUE - como, aliás, sucedia ao abrigo do disposto no artº 10° do RGEU - as câmaras municipais devem ordenar a execução das obras necessárias para corrigir as más condições de segurança ou salubridade, com a faculdade de se substituírem aos proprietários, a expensas destes, e sem recurso aos tribunais, em caso de incumprimento das intimações (artº 91°). Isto, de resto, em sintonia com a genérica prerrogativa de substituição coactiva para cumprimento das obrigações que resultem do ato administrativo (artº 179°, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo).

13. A obrigação de executar as obras de conservação necessárias à reposição da segurança e salubridade do imóvel, ordenadas pela Administração Municipal ao abrigo do artigo 89º, nº 2 do RJUE são da responsabilidade do proprietário, por se tratar de uma obrigação propter rem ou ob rem.

14. A nossa legislação não diz expressamente o que deve entender-se por "ruína" apenas fornecendo em legislação avulsa a definição de "estado limite da estrutura” (artigo 4.1 do Regulamento de Segurança e Acções para estruturas de edifícios e pontes, aprovado pelo Decreto-Lei nº 235/83 de 31 de Maio), nos seguintes termos: "entende-se por estado limite um estado a partir do qual se considera a estrutura fica prejudicada total ou parcialmente na sua capacidade para desempenhar as funções que lhe são atribuídas."

15. Naturalmente como decorre do nº 4 do artº 89º do RJUE apenas após a notificação ao particular dos actos emanados ao abrigo dos nºs.2 e 3 do artº 89º do RJUE que definam um prazo razoável para o seu cumprimento é que se poderá afirmar a oponibilidade destes ao particular – neste sentido vide, RJUE Comentado, Paula Oliveira, Fernanda, Editora Almedina, 3a Edição, páginas 604 e 605.

16. Determina o artigo 91°, nº 1 do RJUE que, "Quando o proprietário não iniciar as obras que lhe sejam determinadas nos termos do artigo 89° ou não as concluir dentro dos prazos que para o efeito lhe forem fixados, pode a câmara municipal tomar posse administrativa do imóvel para lhes dar execução imediata."

17. Prescrevendo o nº 2 daquele normativo que, “À execução coerciva das obras referidas no número anterior aplica-se, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 107º e 108º.”

18. Por sua vez o artigo 108°, nº 1 do RJUE determina que, “As quantias relativas às despesas realizadas nos termos do artigo anterior, incluindo quaisquer indemnizações ou sanções pecuniárias que a Administração tenha de suportar para o efeito, são de conta do infractor.”

19. Ora face aos pontos 11° e 12° do probatório extrai-se que o despacho proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude praticado a 22/05/2013, no uso de competência delegada pelo Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto, que entendeu, ratificar “(...) os actos praticados com fundamento no estado de necessidade nas condições da informação que antecede, pelos factos e fundamentos expressos.", nunca foi notificado à Recorrente.

20. Assim, como não foi notificado à Recorrente o despacho proferido pelo Director do Departamento Municipal de Protecção Civil, a 4/04/2013, como não foi notificado à Recorrente o despacho proferido pelo Sr. Comandante a 08/04/2013, assim, como não foi notificada a Recorrente do teor da informação com a referência 1/55825/13/CMP, prestada no âmbito do processo registada com o NUD 1/41479/13/CMP.

21. O ónus da prova da efectiva comunicação, bem como da respectiva data, recai sobre a Administração.

22. Dos pontos 11º e 12° da matéria de facto dada como provada resulta cristalino que a Câmara Municipal não notificou a Recorrente de qualquer acto administrativo, designadamente, de qualquer despacho a ordenar a execução de obras de conservação extraordinárias ou de demolição.

23. Foi, sim, emitido pela Direcção Municipal de Finanças e Património, Departamento Municipal de Finanças, Divisão Municipal de Receita, ofício com o nº 1/225378/13/CMP, em 03/01/2014, dirigido à aqui Recorrente e recepcionado em 07/01/2014, a notificar a mesma da conta referente às obras levadas ordenadas pela Câmara Municipal e cujo destinatário foi a empresa municipal DomusSocial E.M.

24. A Câmara Municipal não pode fazer obras de conservação ou de demolição e enviar a conta ao particular sem lhe dar a possibilidade de por ele e de forma menos dispendiosa (não se sujeitando ao agravamento de 25% sobre o valor despendido em mão-de-obra e materiais aplicadas pelo Município do Porto) realizar tais obras.

25. Existe claramente um vício de violação de lei, relativamente, tanto ao despacho proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude praticado a 22/05/2013 como em relação ao ato administrativo que manteve o despacho de cobrança praticado pelo chefe de Divisão Municipal da Receita em 03/01/2014, por violação dos artigos 91° e 108° do RJUE, isto porque, uma vez que a Recorrente nunca foi notificada para realizar quaisquer obras, não pode o Município vir dizer que levou a cabo obras coercivas, pretendendo cobrança nos termos do 108° do RJUE,

26. A Recorrente não é infractora.

27. A Recorrente não teve atempado conhecimento do incêndio e da necessidade de realização de obras, pois nada lhe foi comunicado e poderia e deveria ter sido efetuada essa comunicação.

28. As obras foram levadas a cabo pelo Município Recorrido em 4, 5, 6, 7, 8,11, 25, 26 de Março e 4 de Abril de 2013, e só em 20 de Junho de 2013, foi emitido ofício com o nº 1/111365/13/CMP, do Departamento Municipal de Protecção Civil do ora Recorrido, dirigido à aqui Recorrente, por carta simples, que nunca chegou ao conhecimento do destinatário - Notificação do teor da informação ref. 1/55825/13/CMP.

29. O Município Recorrido não notificou a Recorrente para executar obras nos termos e para os efeitos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 89° e 91° do RJUE, e não ordenou a realização dessas obras num prazo razoável,

30. O Município não praticou qualquer ato administrativo de intimação do particular à realização de obras num prazo razoável, obras nos termos e para os efeitos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 89°, 91° e 108° do RJUE.

31. Mais, determina o artigo 157°, nº 1 do CPA que, “No caso de execução para prestação de facto fungível, a Administração notifica o obrigado para que proceda à prática do ato devido, fixando um prazo razoável para o seu cumprimento.’’

32. Sem cobertura legal, levou ele próprio a cabo as obras e passado mais de 10 (dez) meses sobre os factos deu conhecimento à Recorrente da conta!

33. Ou seja, nos termos conjugados dos artigos 89°, nº 4 do RJUE, e artigo 132.º do C.P.A. o acto administrativo praticado pelo Sr. Vereador do Pelouro da Protecção Civil Fiscalização e Juventude é ineficaz, não produz quaisquer efeitos jurídicos, não é oponível à ora Recorrente, assim como, os actos consequentes.

34. “Valoriza-se assim a ideia, referida pelos AA. do Projecto do Código (ob. cit. pág. 231), de que a execução dos actos impositivos passa pela obrigação de dar ao respectivos destinatários a possibilidade de os cumprirem voluntariamente - surgindo a execução coerciva por parte da Administração, como “último recurso" Vide in, CPA Anotado Mário Esteves de Almeida, 2ª Edição, Editora Almedina, página 728.

35. Quanto ao vício de violação de lei e preterição de formalidades legais, salvo o devido e merecido respeito, o Tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos, isto porque, nos termos do artigo 90°, nº 8 do RJUE "As formalidades previstas no presente artigo podem ser preteridas quando exista risco iminente de desmoronamento ou grave perigo para a saúde pública, nos termos previstos na lei para o estado de necessidade."

36. Não obstante, o estado de necessidade a que alude o nº 8 do artigo 90° do RJUE não afasta a formalidade de notificação ao proprietário para executar as obras nos termos do artigo 89°, nº 4 do RJUE, em consonância com o disposto nos artigos 152° e 157° do CPA, pois só apenas após a notificação ao particular dos actos emanados ao abrigo dos nºs 2 e 3 do artigo 89° do RJUE que definam um prazo razoável para o seu cumprimento é que se poderá afirmar a oponibilidade destes ao particular.

37. Note-se que não decorre de tal informação do Batalhão Sapadores Bombeiros, datada de 28/02/2013 (ponto 4.° do probatório) que a necessidade de inspecção ao local seja motivada por risco iminente de desmoronamento ou grave perigo para a saúde pública.

38. Só após inspecção realizada ao local, no dia 04/03/2013 é que os técnicos concluíram pela "existência de perigo de derrocada dos elementos construtivos da parte restante não desmoronada do interior, e por arrastamento, passível, de afectar a fachada principal, constituindo como tal graves riscos para a segurança e integridade física de terceiros - transeuntes e utilizadores das vias públicas acima referenciadas pelo que se solicita a V. Exas. a realização das obras consideradas necessárias para mitigar o perigo de segurança para terceiros

39. Dos factos constantes da informação de fls. 6 do Processo Administrativo com o nº V41479/13 junto aos autos parece resultar que a situação de estado de necessidade era inexistente, pelo menos imediatamente antes da inspecção.

40. Só no momento da inspecção é que os técnicos do município concluíram por um alegado estado de necessidade e pela urgência na realização das obras.

41. Obras, essas, note-se que consistiram, na remoção da parte restante não desmoronados dos elementos construtivos da cobertura - tecto, incluindo o apeamento das coberturas afectadas e, parcialmente, as paredes interiores excepto os contraventamentos tidos como necessários á estabilização do edificado, com posterior coroamento de paredes correspondentes à sua implantação remoção de entulho, entaipamento de vãos de janelas e portas

42. E que demoraram cerca de 30 (trinta) dias a serem executadas.

43. O início das obras efectivas e que apenas terão iniciado no dia 7/03/2013 - note-se que a comunicação enviada por fax e elaborada pelo Departamento Municipal de Protecção Civil, sob o assunto de Intervenção imediato na Rua do ........., nº ...... ......... nº ......, dirigida à DomusSocial, E.M., apesar de estar datada do dia 4/03/2013, apenas foi remetida por fax ao destinatário para o nº ………, no dia 6/03/2013, pelas 14h48m, sendo improvável que as obras tenham tido início nesse dia, pelo que na melhor das hipóteses terão começado no dia 7/03/2013 (fls. 4 do PA).

44. O Município Recorrido, e logo por aqui se nota o estado de necessidade, andou a remover do prédio da lesada/Recorrente, os elementos da cobertura/teto que não haviam desmoronado em virtude do incêndio, demoliu paredes interiores do edificado, removeu entulho, e veja-se (!) fechou/entaipou janelas e portas.

45. E mais, o estado de necessidade era tal que o Município Recorrido fez obras às “pinguinhas”, tendo demorado cerca de 30 (trinta) dias a executar as mesmas.

46. Assim, reitera-se o vício de violação de lei, no despacho proferido pelo Sr. Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude praticado a 22/05/2013 como no ato administrativo que manteve o despacho de cobrança praticado pelo chefe de Divisão Municipal da Receita em 03/01/2014, por violação, designadamente dos artigos 89°, nº 4 do RJUE, e 90°, 91° e 108° do mesmo diploma.

47. Mais, relativamente, aos supra identificados actos, nos termos dos artigos 89°, nº 4 e 90°, nºs 1 a 8 do RJUE, efectivamente houve preterição de formalidades essenciais. Vícios esses que determinam a nulidade do acto posto em crise ou caso assim não se entenda a sua anulabilidade. - Cfr. com 133° e 135° do C.P.A.

48. Como resulta do ponto 6º do probatório foram levadas a cabo nos termos do artigo 89°, nº 2 obras de conservação extraordinárias que consistiram na remoção da parte restante não desmoronados dos elementos construtivos da cobertura - tecto, incluindo o apeamento das coberturas afectadas e, parcialmente, as paredes interiores excepto os contraventamentos tidos como necessários à estabilização do edificado, com posterior coroamento de paredes correspondentes à sua implantação remoção de entulho, entaipamento de vãos de janelas e portas.

49. Aliás de fls. 11 do PA resulta que do edificado não foram removidos quaisquer resíduos de construção e demolição. Foram sim removidas madeiras - cerca de 4000 quilos - (cfr. com fls. do pa), tendo o edificado mantido a sua estrutura na íntegra.

50. Atendendo ao disposto nos artigos 89º e ss do RJUE, a Administração Municipal pode, em qualquer momento, ordenar a realização de obras de conservação necessárias à correcção de más condições de segurança ou de salubridade, podendo actuar, quer a requerimento dos interessados, quer oficiosamente, por sua própria iniciativa, bastando para tal que o prédio em causa reclame obras de conservação, de forma a estancar a situação de perigo para a segurança e salubridade.

51. A obrigação pela execução das obras de conservação necessárias à reposição da segurança e salubridade do imóvel será sempre do proprietário dado tratar-se de uma obrigação propter rem ou ob rem, isto é, que decorre automaticamente do estatuto de proprietário.

52. O acto administrativo proferido pelo Vereador com Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude assentou num alegado estado de necessidade, com preterição de formalidades essenciais ao abrigo do artigo 90°, nº 8 do RJUE, logo, e conforme, abundantemente explanado, nos termos do artigo 89°, nº 3 do RJUE o Recorrido deveria ter proferido despacho de execução de demolição total/parcial e ordenado à Recorrente que o executasse.

53. Assim houvesse vontade e diligência do Recorrido, este teve tempo suficiente para entre os dias 28 de Fevereiro e 6 de Março de 2013 ter notificado a Recorrente por qualquer meio legalmente admissível, nomeadamente por contacto pessoal levado a cabo pelos técnicos do Departamento Municipal de Protecção Civil, dando-lhe conhecimento do incêndio e da necessidade da realização de obras.

54. A Administração - considerando os factos dados como provados nos autos - não pode agir arbitrariamente, e desenvolver obras de conservação extraordinária ao abrigo de uma cláusula geral como é a do estado de necessidade.

55. Defende o Acórdão Recorrido que a actuação do Município em causa se encontrou legitimado pelo estado de necessidade administrativa.

56. A medida tomada pelo Recorrido não foi objectivamente adequada à realização desse interesse "maior", o estado de necessidade, existem e existiam outras sensivelmente menos lesivas do interesse sacrificado para alcançar o mesmo resultado.

57. É o próprio RJUE que determina a forma da Administração agir, caso as construções ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas.

58. Além da necessidade (e da proporcionalidade) vigoram ainda, em matéria de estado de necessidade: o princípio da realidade (as circunstâncias excepcionais e o perigo que delas advém têm que ser reais): o princípio da actualidade (as necessidades a satisfazer devem ser atuais); o princípio da excepcionalidade (a situação normal é a da observância e cumprimento da lei); o princípio da ressarcibilidade (os lesados devem ser indemnizados pelos prejuízos causados pela actuação em estado de necessidade, princípio que o CPA admite em consonância com a regra, há muito estabelecida, do n.° 2 do artº 9º do Decreto-Lei nº 48.051 de 21.11.67).

59. Face aos pontos 7º e 12° do probatório constata-se não só pela natureza das obras que foram levadas a cabo – obras de conservação extraordinária, bem como pelo lapso de tempo – pelo menos 30 (trinta dias), que inexistia qualquer estado de necessidade ou urgência.

60. Não estão, pois, reunidos quaisquer pressupostos referentes ao estado de necessidade que possam afastar o cumprimento do estipulado nos nºs 2, 3, e 4 do artigo 89° do RJUE.

61. Razão pelo qual o ato administrativo principal e subsequentes são anuláveis nos termos do artigo 135° do CPA, por vício de violação de lei designadamente do estipulado nos nºs 2, 3, e 4 do artigo 89°, 90°, 91° e 108° do RJUE.

62. Extrai-se da leitura do Acórdão Recorrido que o mesmo faz uma interpretação incorrecta e inadequada dos normativos, designadamente, os previstos no artigo 90°, nº 8 do RJUE, e os previstos nos nºs 4, 3, e 2 do artigo 89° do referido diploma.

63. O estado de necessidade administrativa tem como limite negativo o conteúdo dos direitos fundamentais, a regra da sujeição dos actos administrativos à exigência da respectiva notificação aos interessados está consagrada como um direito dos administrados no nº 3 do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual, na lei ordinária, se concretiza no artigo 66°, 151°, 152° e 157° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), redacção à data, e no caso em concreto no artigo 89°, nº 4 do RJUE.

64. O Município Recorrido procedeu a operações materiais, não legitimado para o efeito, sem disso dar conhecimento à Recorrente e agora pretende receber €18.070,93.

65. Incumbindo à Recorrente a obrigação de realizar as obras (de conservação extraordinária ou de demolição voluntárias) não foi notificada para o efeito.

66. Quanto ao vício de violação do conteúdo de um direito fundamental, a Recorrente discorda que não tenha sido verificado tal vício, não só porque alegou, como provou os factos alegados em sede de pi (artigos 5º, 6°, 7º, 10°, 11°, 12° e 13°), como estes fazem parte integrante dos pontos 11º e 12º da matéria de facto dada como provada.

67. É inegável que a CRP atribui dignidade constitucional ao princípio da participação dos cidadãos nas decisões administrativas que lhes digam respeito, ao impor, no seu artigo 267°, nº 5, que a lei ordinária assegure tal participação.

68. É facto atento ao ponto 11° e 12° do probatório que a Administração executou operações materiais, em prédio, propriedade da Recorrente e não a notificou nos termos do artigo 89°, nº 4 do despacho que determinou a realização de operações urbanísticas ao abrigo do preceituado nos nºs 2, e 3 (?) do artigo 89° do RJUE, e cuja responsabilidade de execução era da Apelante, por se tratar de uma obrigação de propter rem.

69. O artigo 268° da CRP estabelece os direitos e garantias dos administrados, ou seja, os direitos fundamentais do cidadão enquanto administrado, entre os quais, o direito à fundamentação dos actos que afectem direitos ou interesses protegidos.

70. Trata-se de direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, partilhando do mesmo regime, designadamente a aplicabilidade directa e a limitação da possibilidade de restrição apenas nos casos expressamente previstos na Constituição e mediante lei geral e abstracta.

71. A regra da sujeição dos actos administrativos à exigência da respectiva notificação aos interessados está consagrada como um direito dos administrados no nº 3 do artigo 268° da Constituição da República Portuguesa (CRP), o qual, na lei ordinária, se concretiza no artigo 66°, 152° e 157° do Código do Procedimento Administrativo (CPA), redacção à data, e no caso em concreto no artigo 89°, nº 4 do RJUE.

72. Com devido e merecido respeito o Tribunal a quo faz tábua rasa da lei, designadamente dos nºs 2, 3, e 4 do artigo 89°, dos artigos 90° e dos artigos 91° e 108° do RJUE.

73. Efectivamente determina o artigo 108°, nº 1 do RJUE que as quantias devidamente justificadas que decorram da execução coerciva das medidas de tutela da legalidade (designadamente o custo das demolições dos trabalhos ou indemnizações para terceiros decorrentes de danos provocados com tais obras) são de conta do infractor que deve pagá-las voluntariamente no prazo de vinte dias após a notificação para o efeito.

74. Ora postula o artigo 91°, nº 1 do RJUE quando o proprietário não iniciar as obras que lhe sejam determinadas nos termos do artigo 89° ou não as concluir dentro dos prazos que para o efeito lhe forem fixados pode a Câmara Municipal tomar posse administrativa do imóvel para lhes dar execução imediata.

75. Face aos pontos 5º a 19° da matéria de facto dada como provada a conduta do Recorrido implicou a violação de princípios fundamentais da actividade administrativa (como o da proporcionalidade e da protecção da confiança dos particulares) de um modo de tal forma grave que inquina o ato principal, bem como os subsequentes é geradora de nulidade (133° C.P.A.) ou caso assim não se entenda, de anulabilidade (135° 133° C.P.A.).

76. Toda a execução que envolva confronto com direitos e interesses de terceiros - seja-lhes favorável ou desfavorável - deve ser sempre pautada pela ideia da utilização dos instrumentos ou medidas executivas que menor prejuízo (ou maior benefício) lhes causem.

77. Usando meios excessivos (ou defeituosos) em relação àquilo que a execução do ato pedia, a Administração atua ilegalmente, resultando daí a invalidade dos respectivos actos (ou a sua eventual responsabilização em sede de ilícito), o que in casu se verifica.

78. Para atingir os mesmos resultados bastava que o Recorrido tivesse notificado a Recorrente para a realização das obras que entendia convenientes, que é o que dita a lei e que o Recorrido tinha condições e tempo para o fazer, dado que a Recorrente é uma Instituição conhecida da cidade do Porto, com possibilidade de ser contactada 24h por dia, na medida em que os seus trabalhadores prestam funções em laboração contínua, podendo a Recorrente A………… ser contactada a todo o tempo e de modo imediato e fácil, circunstância que o Recorrido deveria e poderia ter ponderado, mas que o não pretendeu fazer, sendo-lhe mais fácil realizar as obras durante 30 (trinta) dias e enviar a conta das despesas à Recorrente para que esta pague, sem mais.

79. Este comportamento do Recorrido não pode ser legitimado pelo estado de necessidade, dado que as circunstâncias do caso em concreto nos indicam que o Recorrido poderia ter notificado a Recorrente por qualquer meio legal admissível entre os dias 28 de Fevereiro e 6 de Março de 2013.

80. A Recorrente não é pessoa em parte incerta, sendo de afastar o fundamento da sua difícil notificação e o perigar da necessidade de obras urgentes.

81. Estas obras urgentes, que não nos cansamos de o referir, eram tão urgentes que face aos trabalhos desenvolvidos foram realizadas em 30 (trinta) dias.

82. Não tendo o Recorrido notificado a Recorrente, como o poderia ter feito, tendo condições para a realização da notificação, as obras que realizou e que deveria ter sido a Recorrente notificada para as executar, deve o Recorrido assumir as despesas que levou a cabo, não devendo a Recorrente, ao contrário do entendimento plasmado no Acórdão Recorrido, suportar tais despesas, dado que foi coarctada à Recorrente a possibilidade de as realizar.

83. É grave e excessivo o não cumprimento do nº 4 do artigo 89° do RJUE, pois que vai daí, os municípios (todos eles) vão poder alegar estado de necessidade para incumbir empresas municipais de executarem obras - pois que coisa que não falta neste país são prédios devolutos e em ruínas.

84. A fiscalização da desproporcionalidade dos meios executivos utilizados - desde que a medida da intensidade do interesse público esteja definida pela lei, pelo autor do acto exequendo ou pela própria Administração executiva - é relativamente fácil de fazer, bastando determinar se havia meios executivos causadores de menor prejuízo (ou de maior benefício) para o destinatário ou interessados no acto. E efectivamente havia, o cumprimento da lei nos termos do artigo 89°, nº 4 do RJUE.

85. Mais se diga, um facto é notório quando o juiz o conhece como tal, colocado na posição do cidadão comum, regularmente informado, sem necessitar de recorrer a operações lógicas e cognitivas, nem a juízos presuntivos. De acordo com este tipo de consideração, o Tribunal a quo ao abrigo do disposto no artigo 5º, nº 2, alínea c) do CPC pode considerar certos factos como notórios.

86. É notório que a quantia de sensivelmente 1600,00 € (mil e seiscentos euros) por dia, por uns trabalhos de limpeza e escoramento de paredes é um valor excessivo, exorbitante e despropositado.

87. A Recorrente não tem de alegar e provar factos que são óbvios a qualquer cidadão comum. É notório que o Município Recorrido impôs, à revelia da Recorrente, obras de quantidade e valor desproporcionais sem que o destinatário daquela determinação/deliberação tenha tido oportunidade de sobre ela se pronunciar.

88. Quanto ao vício de forma por preterição da audiência dos interessados, dispõe o artigo 267.º nº 5 da Constituição da República Portuguesa, “o processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” - sublinhado nosso.

89. Prescreve o artigo 7º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) que: “Os órgãos da Administração Pública devem actuar em estreita colaboração com os particulares, procurando assegurar uma adequada participação no desempenho da função administrativa (...)” Postulando ainda o artigo 8.° do mesmo Código que “Os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito, designadamente através da respectiva audiência nos termos deste Código”.

90. Obriga o artigo 100°, nº 1 do CPA que “Concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103° [o que não se verifica] os interessados têm direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informado, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”

91. A audiência dos interessados, como figura geral do procedimento administrativo decisório de 1º grau, representa o cumprimento da directiva constitucional de “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” determinando para o órgão administrativo competente a obrigação de associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final.

92. No caso em apreço, a Recorrente é um interessado obrigatório, uma vez que é destinatária directa dos efeitos daquela decisão. Devia, assim, ter sido ouvida antes de terem sido praticados os actos administrativos datados, respectivamente de 22/05/2013 e 3/01/2014.

93. Designadamente, devia a Recorrente ter sido notificada para, querendo, se pronunciar relativamente às pretensões do Município do Porto, de tomar medidas de tutela imediatas de salvaguarda de segurança pública relativamente ao prédio urbano que a Recorrente é dona e legítima proprietária, como relativamente à pretensão de cobrança coerciva de obras levadas a cabo pelo Recorrido num imóvel da Recorrente.

94. O acto administrativo de tomada de medidas de tutela imediatas de salvaguarda de segurança pública, ora impugnado foi praticado sem que a Recorrente tivesse sequer a mínima suspeita da iminência da sua prática,

95. Nunca a Recorrente foi tida ou achada nesse procedimento, tendo sido surpreendida com a notificação do pagamento de obras quando nada o fazia prever.

96. Tendo o Recorrido postergado não só o direito de participação dos interessados, consubstanciado, designadamente, na audiência prévia, mas também o princípio do contraditório.

97. Tratando-se de uma decisão surpresa, com a qual não contava razoavelmente, impedindo-a a seu tempo de alegarem o que tivessem por conveniente na matéria em apreço.

98. A par da consagração do direito de audiência prévia dos interessados, como regra em todos os procedimentos administrativos, o CPA previu ainda casos excepcionais em que não há lugar a essa audiência ou a mesma pode ser dispensada, conforme prescreve o artigo 103º daquele diploma. Sucede que, como anteriormente referido, nenhuma das situações aí previstas tem aplicação ao caso sub judice.

99. Destarte, não tendo o Município do Porto Recorrido dado cumprimento ao disposto no artigo 100º do CPA impõe-se agora extrair as consequências da sua preterição.

100. Razões pelas quais se invoca a nulidade do acto administrativo, supra identificado, nos termos e com fundamento no artigo 133º nº 2 alínea d) do Código de Procedimento Administrativo. Mesmo que assim não se entenda, o que se admite embora sem conceder, não se pode olvidar que o disposto no artigo 100º do CPA constitui uma importante manifestação do princípio do contraditório e que o mesmo representa "uma dimensão qualificada do princípio da participação a que se alude no artº 8º do CPA" Vd, S. Botelho, A. Esteves e C. Pinho in CPA, Anotado, 4º ed., pags.378 e 383., pois que, dessa forma, não só se possibilita o confronto dos pontos de vista da Administração com os do Administrado como também se permite que este requeira a produção de novas provas que invalidem, ou pelo menos ponham em causa, os caminhos que a Administração intenta percorrer.

101. Esta disposição visa, assim, pôr em prática a directiva constitucional de "participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” (artº 267º/5 da CRP) constituindo um princípio estruturante da actividade administrativa. A referida disposição, representando a obrigação de associar o administrado à tarefa de preparar a decisão final e traduzindo-se na concessão do direito de influenciar a formação da vontade da Administração, constitui uma sólida garantia de defesa dos direitos do administrado e, porque assim, uma formalidade essencial.

102. A violação desta norma procedimental ou a sua incorrecta realização tem como consequência normal a ilegalidade do próprio acto final, a qual, em princípio, é geradora de anulabilidade, sanção regra prevista no CPA para os "actos administrativos praticados com ofensa de princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção" (art. 135° do CPA).

103. Face ao supra exposto, deve assim ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se, em consequência, a sentença recorrida por violação, nomeadamente, dos artigos 89°, 90°, 91°, 107°, 108° do RJUE, 3º, 7º, 8º, 66°, 100°, 132°, 133°, 134°, 135°, 151°, 152°, 157°, do CPA, e 268° da C.R.P.


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O Município do Porto contra-alegou, concluindo como segue:

A. O artigo 150° do CPTA prevê a regra do duplo grau de jurisdição para as contendas judiciais administrativas, reservando os recursos de revista para o STA a situações excepcionais, quando ‘‘pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito

B. Compulsado o recurso de revista, resulta que a Recorrente não logrou, em momento algum, alegar e demonstrar em que medida o objecto do recurso é subsumível a alguma das hipóteses enunciadas no artigo 150.º do CPTA, o que implica, desde logo e inevitavelmente, a inadmissibilidade do presente recurso. 

C. O objecto do recurso em crise não contém questões de “importância fundamental” pela sua relevância social ou jurídica, nem se mostra necessário para melhor aplicação do Direito, pelo que não deverá ser admitido no momento em que for objecto da apreciação preliminar sumária, prevista no nº 6 do artigo 150.º do CPTA. Sem prescindir, caso assim não se entenda,

D. Entende, assim, a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo ao decidir que, atento os factos dados como provados nos autos em crise, verificava-se a existência de um estado de necessidade administrativa, o que legitimou e justificou a actuação do Recorrido, e, deste modo, improcedem as alegadas invalidades assacadas aos actos administrativos sindicados, sendo responsável pelas despesas dos trabalhos realizados nos dias 4, 5, 6,7, 8, 11,25 e 25 de Março, e do dia 4 de Abril, todos do ano de 2013.

E. Contudo, não assiste qualquer razão à Recorrente, uma vez que o Tribunal a quo aplicou, irrepreensivelmente, os factos ao Direito, não merecendo a decisão recorrida qualquer tipo de censura.

F. In casu, revela-se essencial, em primeiro lugar, verificar se os actos levados a cabo pelo Recorrido foram praticados ao abrigo do estado de necessidade administrativa, uma vez que, em caso afirmativo, as pretensões da Recorrente terão, irremediavelmente, de improceder.

G. O estado de necessidade justifica-se quando se pratica um ato, seja ele administrativo ou operação material, como meio adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses públicos, na medida em qua haja sensível superioridade do interesse a salvaguardar relativamente ao sacrificado e seja razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse.

H. A factualidade em crise, subsume-se a um inquestionável estado de necessidade, legalmente previsto e disciplinado, atendendo primacialmente à segurança pública e de forma a afastar o perigo iminente de derrocada provocada pela debilidade estrutural dos elementos construtivos.

I. Acresce que, os actos praticados pelo Recorrido mostraram-se, in casu, necessários, adequados e proporcionais ao fim visado, em ordem ao princípio da proporcionalidade, o qual deve, mesmo em caso de estado de necessidade, imperar na actuação administrativa, como prevê, aliás, o nº 5 do artigo 2º do CPA.

J. No que importa ao despacho datado de 22.05.2013, do Vereador com o Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude da Câmara Municipal do Porto, não poderá ser assacado o vício de falta de fundamentação uma vez que a fundamentação em qual se louvou, constante da informação nº I/55825/13/CMP, expõe com clareza, os motivos e os pressupostos que justificaram a actuação dos serviços municipais, sendo perceptível ao “homem médio” o iter percorrido para chegar à decisão.

K. Igualmente, improcede o vício de preterição de formalidades essenciais uma vez que muito não se justificava um direito de audição prévia ao acto administrativo de 22.05.2013, que ratificou todos os actos praticados com fundamento no estado de necessidade, na medida em que tal acto seria simplesmente inútil, porquanto os actos de execução das obras já haviam sido praticados com base no estado de necessidade, ao abrigo do disposto no nº 8 do artigo 90º do RJUE.

L. Atendendo à verificação do estado de necessidade administrativa, irremediavelmente improcedem os vícios de violação de lei e de procedimento consubstanciado na preterição de formalidades do artigo 90º do RJUE, porquanto a conduta do Recorrido encontra-se legitimada pelo nº 8 do referido artigo.

M. Por fim, quanto à alegada ineficácia do ato administrativo de 22.05.2013 e dos actos que o procederam, andou bem o Tribunal a quo ao decidir que “como a A. impugnou contenciosamente os actos não notificados, imputando os vícios que bem entendeu lhes serem assacados, a eventual deficiência da notificação sempre estaria ultrapassada, pelo que, não integrando vícios desse mesmo ato, por lhe ser algo externo e posterior, em nada afecta a validade desses mesmos actos, como, aliás, a A. refere quando defende que a sua falta tem apenas como consequência a inoponibilidade do acto, particularmente para efeitos de impugnação contenciosa”. Pelo que, como bem se concluiu na sentença recorrida, a invocação feita pela autora a este propósito não atinge (nem atingiria) a validade daqueles actos

N. Pelo exposto, e pelos fundamentos constantes da decisão judicial recorrida proferida pelo Tribunal a quo, é entendimento do Recorrido que a mesma não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada por V. Exas.

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Mediante acórdão da Formação de Apreciação Preliminar deste STA foi decidido admitir a revista.

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Colhidos os vistos legais e entregues as competentes cópias aos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem para decisão em conferência.
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Pelas Instâncias foi julgada provada a seguinte factualidade:

1. Na Conservatória do Registo Predial do Porto, encontra-se descrito sob o nº ………, o prédio composto por casa de rés-do-chão e andar, dependência e quintal, sito na Rua do ........., nº ......, na freguesia de Campanhã, inscrito na matriz predial sob o nº ………, a favor de A…………, aqui A., constando como causa aquisitiva compra, registada definitivamente pela Ap. nº …… de 05/02/2003 (cfr. teor do extracto da descrição do prédio registado na Conservatória do Registo Predial do Porto, junta como Doc. nº 6 na petição inicial);

2. Na Conservatória do Registo Predial do Porto, encontra-se descrito sob o nº ………, o prédio composto por casa de rés-do-chão e andar, sito na Rua do ........., nº ……, na freguesia de Campanhã, inscrito na matriz predial sob o nºs ………, a favor de A…………, aqui A., constando como causa aquisitiva Usucapião, registada pela Ap. nº ……… de 18/10/2012 (cfr. certidão permanente da Conservatória do Registo Predial do Porto, junta como Doc. nº 7 na petição inicial);

3. No seguimento de pedido de avaliação dos prédios descritos nos pontos 1 e 2 supra, formulado pela aqui A. à empresa "B…………..", em 10/12/2012, foi dirigida carta àquela, da qual se extrai, além do mais, o seguinte:

"(...) As paredes exteriores do edifício apresentam bom estado de conservação, não apresentando fissuras. As portas e janelas ao nível do rés-do-chão estão emparedadas. O telhado encontra-se num razoável estado de conservação, não tendo sido detectadas ausência de telhas. (...) podemos observar que o seu interior, embora não apresente risco de derrocada de paredes interiores, tectos ou pavimentos, se encontra em mau estado de conservação, com várias marcas de infiltrações de humidade ao nível dos tectos e paredes do 1º andar. O edifício não apresenta as condições mínimas de habitabilidade (...)" (cfr. Doc. nº junto com a petição inicial);

4. Em 28/02/2013, foi preenchido pelo Chefe de Guarnição do Batalhão Sapadores Bombeiros, documento relativo, como aí é referido, a "dar conhecimento em tempo útil ao Sr. Comandante, das ocorrências que necessitem de ser comunicadas ao Departamento Municipal de Protecção Civil ou a outros Serviços do Município do Porto..." , com a seguinte informação, da qual o Comandante teve conhecimento com a aposição que o mesmo fosse dirigido ao "DMPC", e de que se extrai o seguinte:

"Local (da ocorrência/sinistro) - Rua do ......... – nºs ......-……

(...)

Descrição (sumária)

Fogo no local indicado, onde constatei que havia necessidade de ir ao local uma inspecção motivado a que existe muito material combustível em redor da habitação que se encontra devoluta que na mesma houve derrocada do telhado e interior e deveria ser novamente emparedada. Quanto ao nº …… também se encontra com muita matéria combustível, no interior (...)" (cfr. Doc. de fls. 6 do Processo Administrativo com o nº 1/41479/13 junto aos autos);

5. Em 04/03/2013, o Departamento Municipal de Protecção Civil, através do seu Director, emitiu "Telefax", para "DomusSocial, E.M. a/c Eng.º C…………", sob o "ASSUNTO: Intervenção imediata. Local: Rua do ......... nº ...... ......... nº ......", do qual se extrai, além do mais o seguinte:

"Em função do incêndio ocorrido no interior do prédio sito na morada supra referenciada, os técnicos visualizaram, nesta data, a existência de perigo de derrocada dos elementos construtivos da parte restante não desmoronada do interior, e por arrastamento, passível de afectar a fachada principal, constituindo como tal graves riscos para a segurança e integridade física de terceiros transeuntes e utilizadores das vias públicas acima referenciadas -, pelo que se solicita a V. Exas. a realização das obras consideradas necessárias para mitigar o perigo de segurança para terceiros e que consistem:

a) Remoção da parte restante não desmoronados dos elementos construtivos da cobertura, incluindo o apeamento das coberturas afectadas e, parcialmente, as paredes interiores, excepto os contraventamentos tidos como necessários á estabilização do edificado, com posterior coroamento de paredes correspondentes á sua implantação e reposição do muro de vedação - bloco.

b) Remoção, parcial de lixos, entulhos e escombros resultantes dos desmoronamentos ocorridos aquando do incêndio, incluindo os resultantes da presente intervenção.

c) Posterior entaipamento/fecho adequado de vãos do prédio a fim de impedir/evitar a continuidade de intrusão de estranhos, originários de passíveis focos de marginalidade." (cfr. Doc. de fls. 2 e 3 do Processo Administrativo com o Nº 85782/13 junto aos autos);

6. Em 05/03/2013, o Departamento Municipal de Protecção Civil, através do seu Director, emitiu "Telefax", para "DMPCASU A/C Sr. Engº D…………", remetido em 06/03/2013, sob o "ASSUNTO: Remoção e limpeza dos escombros. Local: Rua do ......... nº ...... ......... nº ......", do qual se extrai o seguinte: "Solicitamos a Vª Exª que procedam à remoção e limpeza dos escombros, lixos e entulhos resultantes da demolição, parcial, do edificado, supra referenciados, a fim de eliminar os focos de insalubridade originários de perigos para o ambiente, bem como ao desimpedimento da via pública" (cfr. Doc. de fls. 1 do Processo Administrativo com o nº 1/41479/13 junto aos autos);

7. Em 25/03/2013, foi elaborada, pelo Departamento Municipal de Protecção Civil do ora R., a informação n.º 1/55825/13/CMP, no processo n.º 1/41479/13/CMP, da qual se extrai, além do mais, o seguinte:

Requerente: DMPCivil/BSB

Proprietário: A…………

Local: Rua do ......... nº ...... ......... nº ......

Assunto: Medidas de tutela imediatas de salvaguarda de segurança pública

Caracterização do processo

1.1.1 Descrição sucinta do historial do processo: O presente processo foi iniciado em 04/03/2013 e originado por solicitação dos BSB aquando do incêndio ocorrido no edificado, sito na morada supra referenciada, á data devoluto/desocupado (...)

1.1.2 A presente informação é correspondente à medida de tutela imediata de salvaguarda de segurança pública no edificado supra referenciado, á data desocupado/devoluto e relacionada com a necessidade de intervenção imediata, em função da debilidade estrutural dos elementos construtivos, nomeadamente ao nível das partes restantes da cobertura não desmoronadas, incluindo o interior, e como tal, a fachada principal por arrastamento, passível de derrocada sobre a via pública constituindo, graves riscos para a segurança pública.

(...)

2. Descrição da situação

2.1 Em 04/03/2013, presentes no local supra referenciado foi promovida uma avaliação ao edificado supra identificado, com o objectivo de se analisar as passíveis consequências para a segurança pública, em função da debilidade estrutural dos elementos construtivos, originado, ao que tudo indicia, em função do incêndio ocorrido e agravadas pelo facto das partes restantes não desmoronadas se encontrarem debilitadas estruturalmente e como tal passíveis de derrocada nomeadamente ao nível das partes restantes da cobertura não desmoronadas, incluindo o interior e por arrastamento, a fachada principal passível de derrocada sobre a via pública, constituindo graves riscos para a segurança publica.

(...) [inclui fotos do edificado]

2.2 Ora de acordo com o nº 1 do artº 89º do Dec. Lei 555/99 de 16 de Dezembro na redacção dada pela Lei nº 60/07 de 4 de Setembro compete aos proprietários ou legal representante o dever de conservar o edificado, proceder à fiscalização/observação do estado de conservação dos seus prédios, realizando todas as obras necessárias à manutenção da sua segurança, salubridade e arranjo estético. Acresce que de acordo com o artº 89º-A o proprietário não pode, dolosamente, provocar ou agravar uma situação de falta de segurança ou salubridade, provocar a deterioração do edifício ou prejudicar o seu arranjo estético.

2.3 Perante os factos, descritos no ponto 2.1, reveladores de um perigo iminente para a segurança pública, segurança pública, em função da debilidade estrutural dos elementos construtivos, originado, ao que tudo indicia, em função do incêndio ocorrido e agravadas pelo facto das partes restantes não desmoronadas se encontrarem debilitadas estruturalmente e como tal passíveis de derrocada e nomeadamente por arrastamento, a fachada principal, e do consequente estado de necessidade verificado, o Município, considerado os princípios especiais consagrados na Lei nº 27/06 de 3 de Julho, e nos termos e a coberto do disposto no nº 7 do artigo 90º do DL nº 555/99, de 16 de Dezembro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 26/10, de 30 de Março, solicitou á DomusSocial, EM, e à DMPCASU os recursos humanos e meios materiais a fim de se promover de imediato às medidas adequadas e no momento, consideradas estritamente necessárias para mitigar os riscos para a segurança pública e que consistiram, respectivamente, através da:

DomusSocial E.M. -

a) Remoção da parte restante não desmoronados dos elementos construtivos da cobertura, incluindo o apeamento das coberturas afectadas e, parcialmente, as paredes interiores excepto os contraventamentos tidos como necessários à estabilização do edificado, com posterior coroamento de paredes correspondentes à sua implantação.

b) Remoção, parcial, de lixos, entulhos e escombros resultantes dos desmoronamentos ocorridos aquando do incêndio, incluindo os resultantes da presente intervenção;

c) Posterior entaipamento/fecho adequado de vãos do prédio a fim de impedir/evitar a continuidade de intrusão de estranhos, originários de passíveis focos de marginalidade.

DMPCASU

Remoção e limpeza dos escombros, lixos e entulhos resultantes da demolição, parcial, do edificado, supra referenciados, a fim de eliminar focos de insalubridade originários de perigos para o ambiente, bem como ao desimpedimento da via pública. (...) [inclui fotos do edificado]

2.4 As obras assim efectuadas corresponderam a uma despesa para o Município que devem ser imputadas ao infractor, nos termos do disposto no artigo 108º do RJUE, pelo que deverá remeter-se as notas internas à DMFP para cobrança da mesma.

3. Proposta de Despacho

Face ao exposto, proponho que o Sr. Vereador com o Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude:

3.1. Ratifique os actos praticados com fundamento no estado de necessidade, nos termos supra-descritos.

3.2. Envio das notas de débito do trabalho executado pela DomusSocial, EM., e DMPCASU, à DMFP para respectiva cobrança ao proprietário

3.3 Notificação da presente informação às partes interessadas referidas no ponto 1.3

O Gestor do Processo

(…………, TPCC - Esp. Principal) (………… - Técnico Superior)" (cfr. Doc. de fls. 8 a 9 verso do Processo Administrativo com o nº 1/41479/13 junto aos autos);

8. Sobre a informação referida no ponto antecedente, em 04/04/2013, foi elaborado pelo Director do Departamento Municipal de Protecção Civil o seguinte parecer: “Proponho que sejam ratificados os actos praticado com fundamento no estado de necessidade, nos termos descritos na informação I/55825/13/CMP, pelos factos e fundamentos expressos” (cfr. Doc. de fls. 10 do Processo Administrativo com o nº 1/41479/13 junto aos autos);

9. Sobre a informação referida no ponto 7.º supra, em 08/04/2013 foi elaborado pelo Comandante …………, no uso da competência delegada conforme OS nº I/15061/12/CMP o seguinte parecer: “Concordo. Proponho que sejam ratificados os actos praticados com fundamento no estado de necessidade nas condições da informação que antecede, pelos factos e fundamentos expressos” (cfr. Doc. de fls. 10 do Processo Administrativo com o nº 1/41479/13 junto aos autos);

10. Sobre a informação referida no ponto 7.º supra, em 22/05/2013 foi proferido pelo Vereador com o Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude, no uso da competência delegada pelo Presidente conforme ordem de serviço nº I/15061/12/CMP o seguinte parecer: “Ratifico os actos praticados com fundamento no estado de necessidade nas condições da informação que antecede, pelos factos e fundamentos expressos” (cfr. Doc. de fls. 10 do Processo Administrativo com o nº 1/41479/13 junto aos autos);

11. Em 20/06/2013, foi emitido ofício com o nº 1/111365/13/CMP, do Departamento Municipal de Protecção Civil do ora R., dirigido à aqui A., por carta simples, do qual se extrai o seguinte:

"Assunto: Notificação do teor da informação refª 1/55825/13/CMP Em referência ao processo e local em epígrafe, levo ao conhecimento de V. Exas., a informação técnica com o n.º 1/55825/13/CMP, prestada no âmbito do processo registado com o NUD: 1/41479/13/CMP.

Junta-se fotocópia da informação nº 1/55825/13/CMP e dos respectivos despachos." (cfr. Doc. de fls. 11 e 12 do Processo Administrativo com o N.º 1/41479/13 junto aos autos);

12. Em 03/01/2014, foi emitido pela Direcção Municipal de Finanças e Património, Departamento Municipal de Finanças, Divisão Municipal de Receita, ofício com o nº 1/225378/13/CMP, dirigido à aqui A., e recepcionado em 07/01/2014, com o seguinte teor, que além do mais, dele se extrai:

"Assunto: Despesas relativas à execução de obras coercivas Prazo limite de pagamento: 20 dias (corridos) a contar da recepção da presente notificação. Na sequência da execução de 4,5,6,7,8,11,25,26 de Março e 4 de Abril de 2013 dos trabalhos relativos a remoção da parte restante não desmoronada dos elementos construtivos da cobertura, e parcialmente, as paredes interiores, com posterior coroamento de paredes correspondentes à sua implantação, argamassamento, parcial das paredes confinantes com os prédios confinantes com os prédios contíguos; remoção parcial de lixos, entulhos e escombros resultantes dos desmoronamentos ocorridos, no prédio sito à Rua do ......... nº ....../Rua ......... nº ......, do qual V. Exª é proprietária, nos termos do nº 1 do artº 108º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, serve o presente para notificar V.Exª para proceder, até ao termo do prazo acima indicado, ao artº 36º da Tabela de Preços e Outras Receitas Municipais (TPORM), publicada no D.R. nº 189, II série, de 2012.09.28 e cuja fundamentação consta do final da presente notificação. 

Mais se informa que o não pagamento, no prazo estabelecido, implica o envio do débito correspondente para execução fiscal, nos termos do nº 2 do artº 108º do mencionado regime jurídico.


TPORM




Junto se anexa cópia dos documentos comprovativos dos trabalhos executados. (..)” (cfr. Doc. de fls. 17 e 17 verso e aviso de recepção de fls. 18, do Processo Administrativo com o nº 85782, junto aos autos);

13. Na sequência da notificação referida no ponto que antecede, a A., em 31/01/2014, através de Mandatária, apresentou "Reclamação", nos termos e com os fundamentos constantes do Doc. de fls. 21 a 25 do Processo Administrativo com o nº 85782/13, junto aos autos;

14. Em 20/02/2014, foi elaborada pela Direcção Municipal de Finanças e Património, Departamento Municipal de Finanças, Divisão Municipal de Receita, informação sobre a reclamação referida no ponto que antecede, da qual se extrai, além do mais, o seguinte: "(...) Na sequência de um incêndio ocorrido no interior do prédio sito à Rua do ........., ....../Rua ........., ......, foi verificada em 2013.03.04, a existência de perigo de derrocada dos elementos construtivos da parte restante não desmoronada do edificado, com o perigo para a segurança e integridade física de terceiros.

Ora, em face do estado de necessidade, foram executados, nos dias 4, 5, 6, 7, 8, 11, 25 e 26 de Março e 4 de Abril de 2013, trabalhos de remoção de parte restante não desmoronada dos elementos construtivos da cobertura, apeamento das coberturas afectadas necessárias à estabilização do edificado, remoção de lixo, entulhos e escombros resultantes dos desmoronamentos ocorridos aquando do incêndio e posterior entaipamento/fecho dos vãos de forma a impedir a intrusão de estranhos, originários de possíveis focos de marginalidade. (...)

De acordo com a informação prestada pelo Departamento Municipal de Protecção Civil (1/55825/13/CMP), os trabalhos em causa foram executados ao abrigo do estado de necessidade.

Da descrição efetuada, conclui-se que havia efectivamente uma deterioração e degradação do edificado decorrente da falta de cumprimento dos deveres de conservação que impendem sobre os proprietários dos imóveis, pelo que era determinante o Município acautelar a segurança e saúde das pessoas, o que dado o risco existente, e de acordo com os critérios ditados pelo princípio da proporcionalidade, obrigou à remoção da parte restante não desmoronada dos elementos construtivos da cobertura, apeamento das coberturas afectadas necessárias à estabilização do edificado (...)

Desta forma, atendendo ao risco iminente não foi possível seguir os trâmites do art.9 90.9 do RJUE, nem sequer comunicar prévia ou concomitantemente ao proprietário a necessidade de intervenção no edificado. (...)" (cfr. Doc. de fls. 32 e 33 do Processo Administrativo n,° 85782/13, junto aos autos);

15. Em 11/08/2014, foi elaborada pela Direcção Municipal de Finanças e Património, Departamento Municipal de Finanças, Divisão Municipal de Receita, do ora. R., informação sobre a reclamação referida no ponto 13 supra, da qual se extrai, além do mais, o seguinte:

"(...) Na informação 1/55825/13/CMP, de 25/03 do Departamento Municipal da Protecção Civil (fls. 4 a 6 do presente processo) procede-se à descrição da situação ocorrido no local, com registo fotográfico do estado do imóvel, bem como as medidas de tutelas para salvaguarda da segurança pública.

2. Tendo em consideração o disposto no artigo 108º do Regime Jurídico da Edificação e Urbanização que estabelece as quantias relativas às despesas suportadas pela administração no âmbito da realização de obras coercivas são da conta do infractor, verifica-se que sobre a entidade em causa recai a obrigação de pagamento ao Município do Porto o valor de 18.070.93 €, que corresponde ao montante despendido de matérias, mão de obra e deslocações, acrescido de 25% apurado em conformidade com o definido no artº 36º da Tabela de Preços e Outras Receitas Municipais em vigor à data da realização desses trabalhos coercivos.

3. Perante tal facto, e tendo em consideração as dificuldades financeiras desta instituição (...) a seguir se apresentam as propostas de resolução do processo em causa:

2. Tendo em consideração o disposto no artigo 108º do Regime Jurídico da Edificação e Urbanização que estabelece as quantias relativas às despesas suportadas pela administração no âmbito da realização de obras coercivas são da conta do infractor, verifica-se que sobre a entidade em causa recai a obrigação de pagamento ao Município do Porto o valor de 18.070.93 €, que corresponde ao montante despendido de matérias, mão-de-obra e deslocações, acrescido de 25% apurado em conformidade com o definido no artº 36º da Tabela de Preços e Outras Receitas Municipais em vigor à data da realização desses trabalhos coercivos.

3. Perante tal facto, e tendo em consideração as dificuldades financeiras desta instituição (...) a seguir se apresentam as propostas de resolução do processo em causa:

a) Autorização do pagamento em prestações (...)

b) Concessão de apoio à entidade por via da redução do preço do serviço prestado (...)"(cfr. Doc. de fls. 35 a 36 do Processo Administrativo com o nº 85782/13, junto aos autos);

16. Sobre a informação referida no ponto que antecede, recaiu em 11/08/2014, despacho do Director Municipal de Finanças e Património do ora R., com o seguinte teor: "Notifique-se a entidade para a possibilidade do pagamento em prestações solicitando-se a indicação do número de prestações mensais pretendidas" (cfr. Doc. de fls. 35 do Processo Administrativo com o nº 85782/13, junto aos autos);

17. Em 25/08/2014, pela Direcção Municipal de Finanças e Património, Departamento Municipal de Finanças, Divisão Municipal de Receita, do ora. R., foi emitido ofício com o nº 1/146012/CMP, dirigido à aqui A., recepcionado em 29/08/2014, do qual se extrai, além do mais, o seguinte:

"(...) Na sequência da exposição apresentada por V.Exas após a recepção da notificação ref2 l/225378/13/CMP(...) e tendo em consideração as dificuldades financeiras dessa instituição para proceder ao pagamento integral do montante em divida, leva-se ao conhecimento de V. Exas. a possibilidade de efectuar o pagamento do montante de 18.070,93 € em prestações mensais, nos termos do artº G/242 do Código Regulamentar do Município do Porto em vigor (...)" (cfr. Doc. de fls. 37 e aviso de recepção de fls. 38, do Processo Administrativo com o nº 85782/13, junto aos autos);

18. Em resposta à notificação referida no ponto que antecede, a A. em 10/09/2014, remete exposição informando que o acto administrativo em apreço enferma de vícios graves e nulidades já suscitados nos autos, que impedem a sua eficácia e execução, pelo que não revendo o Departamento Municipal de Protecção Civil a sua posição, recorrerá a instâncias judiciais para reposição da legalidade (cfr. Doc. de fls. 39 do Processo Administrativo com o nº 85782/13, junto aos autos);

19. Em 21/10/2014, tendo como "Requerente: A…………", foi emitido pelo Batalhão Sapadores Bombeiros, "Relatório de sinistro: - Incêndio", com o seguinte teor, que entre o mais, se extrai:

"1. Caracterização do Processo

Através do registo 109396/14/CMP de 14 de Outubro de 2014, vem o Requerente, solicitar cópia do relatório elaborado aquando do sinistro ocorrido na morada em epígrafe.

2. Descrição da ocorrência

2.1 Para os devidos efeitos, se declara que fomos solicitados para a artéria em referência pelas 17H18, do dia 28 de Fevereiro de 2013, para acudir a um incêndio. (...)

2.5 Demos o serviço por concluído cerca das 19H30.

2.6 Não foi possível determinar a causa do sinistro. (...)" - (cfr. Doc. nº 14, junto com a petição)

DO DIREITO

Conforme as conclusões de recurso sob os itens 1 a 103, vem assacado o acórdão de incorrer em violação primária de direito substantivo por erro de julgamento em matéria de pressupostos do estado de necessidade administrativa e preterição da audiência de interessados, relativamente aos actos de 22.05.2013 e 03.01.2014.

De acordo com o probatório o Município do Porto, ora Recorrido, fundamenta a actuação em estado de necessidade administrativa no seguinte quadro factual:

· ocorrência de incêndio no dia 28/02/2013 pelas 17H18 dado por concluído às 19H30 em prédio devoluto sito na Rua do ......... nº ...... ......... nº ......, cidade do Porto – probatório, itens 4 e 19;

· em 04/03/2013 foi promovida uma avaliação ao edificado supra identificado, com o objectivo de se analisar as passíveis consequências para a segurança pública, em função da debilidade estrutural dos elementos construtivos, originado, ao que tudo indicia, em função do incêndio ocorrido e agravadas pelo facto das partes restantes não desmoronadas se encontrarem debilitadas estruturalmente e como tal passíveis de derrocada nomeadamente ao nível das partes restantes da cobertura não desmoronadas, incluindo o interior e por arrastamento, a fachada principal passível de derrocada sobre a via pública, constituindo graves riscos para a segurança publica – probatório, itens 5 e 7;

· dias 4, 5, 6, 7, 8, 11, 25 e 26 de Março e 4 de Abril de 2013, foram executados trabalhos de remoção de parte restante não desmoronada dos elementos construtivos da cobertura, apeamento das coberturas afectadas necessárias à estabilização do edificado, remoção de lixo, entulhos e escombros resultantes dos desmoronamentos ocorridos aquando do incêndio e posterior entaipamento/fecho dos vãos de forma a impedir a intrusão de estranhos, originários de possíveis focos de marginalidade – probatório, itens 5, 6, 7, 12;

· trabalhos solicitados nos dias 4 e 5/03/2013 pelo Departamento Municipal de Protecção Civil do Município do Porto às empresas DomusSocial EM e DMPCASU – probatório, itens 5 e 6;

· ratificação dos actos praticados com fundamento no estado de necessidade por despacho de 22.05.2013 do Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude exarado na informação nº 1/55825/13/CMP do Gestor do Processo nº 1/41479/13/CMP, Departamento Municipal de Protecção Civil, sob pareceres concordantes – probatório, itens 7, 8, 9 e 10;

· a informação nº 1/55825/13/CMP e respectivos despachos foi notificada à ora Recorrente mediante ofício de 20.06.2013 – probatório, item 11;

· mediante ofício datado de 03.01.2014 a Recorrente foi notificada da nota de despesa pelos trabalhos executados nos dias 4, 5, 6, 7, 8, 11, 25 e 26 de Março e 4 de Abril de 2013, com menção de extracção de débito para execução fiscal em caso de não pagamento no prazo consignado – probatório, item 12.

Tendo em conta o princípio tempus regit actum o bloco normativo aplicável reporta ao CPA/91, os normativos relevantes no caso sub judice são os seguintes:

Artº 3º nº 2 CPA em matéria de legalização de actos por vícios procedimentais

“Os actos administrativos praticados em estado de necessidade, com preterição das regras estabelecidas neste Código, são válidos, desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo, mas os lesados terão o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração.”

Artº 151º nº 1 CPA em matéria de acto administrativo de execução (actual artº 177º nº 2 CPA/2015)

Salvo em estado de necessidade, os órgãos da Administração Pública não podem praticar nenhum acto ou operação material de que resulte limitação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, sem terem previamente praticado o acto administrativo que legitime tal actuação.”

Artº 103º nº 1 a) CPA em matéria de audiência de interessados (actual artº 124º nº 1 a) CPA/2015)

“Não há lugar a audiência dos interessados: Quando a decisão seja urgente;”

Artº 90º nº 7 RJUE (actual artº 90º nº 8 na redacção do DL 136/2014, 9.9) em matéria de obras de conservação necessárias sem cumprimento das formalidades exigíveis em situação de normalidade

“As formalidades previstas no presente artigo podem ser preteridas quando exista risco iminente de desmoronamento ou grave perigo para a saúde pública, nos termos previstos na lei para o estado de necessidade.”

a. estado de necessidade administrativa – pressupostos;

Sabido que o princípio da legalidade constitui a trave mestra do direito administrativo no sentido de que são proscritas as actuações administrativas que contrariem a lei – vd. artºs.266º nº 2 CRP e 3º CPA – cabe saber se, no caso trazido a recurso, a actuação da Administração se mostra legitimada por se enquadrar no estado de necessidade justificativo do agir contrário à lei expressa – vd. artºs. 3º nº 2 e 177º nº 2 CPA -, posto que “(..) O estado de necessidade, ao suspender a legalidade ordinária, cria uma situação de excepção em que as autoridades administrativas têm de agir sem que abandonem, nessa actuação, a prossecução do direito. O equilíbrio entre autoridade e liberdade tem de estar também presente na acção administrativa em estado de necessidade. A máxima romana de que as leis se silenciam quando as armas disparam – “silent leges inter arma” – não pode fazer esquecer à Administração que o estado de necessidade pertence ao mundo do direito e, logo, pertence a um mundo limitado e ético. (..)” (Diogo Freitas do Amaral/Maria da Glória Dias Garcia, O estado de necessidade e a urgência em direito administrativo, Revista da Ordem dos Advogados, Vol. II, ano 59º, 1999/Abril, págs.472-473.)

A actuação administrativa em estado de necessidade, enquanto princípio geral de direito administrativo, “(..) não é, ao contrário do que tradicionalmente se afirmava, uma “excepção” ao princípio da legalidade, podendo, pelo contrário, ser dogmaticamente tratada nos quadros de uma legalidade excepcional, a par das situações de substituição intersubjectiva urgente (..) no direito português .. a actuação administrativa em estado de necessidade está expressamente habilitada pelo artº 3º nº 2 CPA. (..)”. (Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito administrativo geral, Tomo I, D. Quixote, 3ª ed., pág. 175)

Na exacta medida em que a necessidade não conhece lei (necessitas non habet legem), não incorre em vício de forma ou violação de lei (vd. artºs. 133º, 135º e 136º CPA/91, actuais 161º e 163º CPA/2015) o acto administrativo emanado com preterição de formalidades processuais, posto que o agir administrativo em estado de necessidade consiste na actuação sob “(..) um perigo iminente e actual para cuja produção não haja concorrido a vontade do agente … para evitar que o perigo faça perecer determinado valor, o agente terá de sacrificar um outro valor jurídico de que não é senhor (..)” ou seja, o acto é lícito embora “(..) com preterição das regras jurídicas normalmente reguladoras da actividade da Administração pública, se de outro modo não puder ser alcançado o mesmo resultado. (..)”, formulação seguida expressamente no Acórdão do STA de 04.03.2004 tirado no procº 01353/03. (Marcelo Caetano, Manual de direito administrativo, Almedina, Vol. II, págs. 1305 e 1309.)

No que tange aos pressupostos ou requisitos de validade dos actos praticados pela Administração no quadro de uma legalidade excepcional - como é o caso presente - para efeitos de apreciação da legalidade intrínseca e consequente licitude dos actos praticados em estado de necessidade em ordem a legitimar o agir administrativo fora da legalidade ordinária, o artº 3º nº 2 CPA nada mais consagra do que o pressuposto da urgência através do segmento “desde que os seus resultados não pudessem ter sido alcançados de outro modo”, sendo o segmento “os seus resultados” a referência expressa à concretização através da actuação em estado de necessidade a concretização dos fins visados pelas normas preteridas. (Sérvulo Correia, Escritos de Direito Público, V-I Almedina/2019, pág.154.)

O que significa que é a doutrina e a jurisprudência administrativas que têm vindo a determinar os seus pressupostos, em função da concreta variabilidade de situações susceptíveis de qualificação como estado de necessidade.

Para a legitimação do acto praticado em estado de necessidade, à margem do princípio da legalidade em sentido estrito, a doutrina tem vindo a especificar pressupostos de verificação necessária, de que destacamos:

· perigo iminente e actual para um interesse público essencial,

· causado por circunstância excepcional,

· não provocada pelo agente. (Sérvulo Correia, Escritos de Direito Público, V-I, pág.150.)

· a excepcionalidade da situação;

· a urgência da intervenção administrativa;

· a natureza imperiosa do interesse público a defender, atento o interesse público da legalidade a sacrificar. (Diogo Freitas do Amaral/Maria da Glória Dias Garcia, O estado de necessidade e a urgência…ROA, Vol. II, ano 59º, 1999/Abril, págs.487 e 496.)

· ocorrência de factos graves e anormais, em circunstâncias excepcionais não contempladas;

· existência de um perigo iminente daí derivado, para um interesse público essencial, mais relevante que o preterido;

· a impossibilidade de fazer face àqueles factos (ou a esse interesse) com os meios normais da legalidade (ou a necessidade da medida tomada);

· é frequente exigir-se também que a situação de necessidade não seja provocada por culpa do órgão que se pretende prevalece r dela. (Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo – comentado, 2ª ed. Almedina/2010, pág. 93.)

Vejamos agora o elenco dos factos levados ao probatório e respectivo enquadramento no plano da normalidade legalmente prevista e no plano da excepcionalidade por estado de necessidade administrativa.

b. ameaça de ruína - risco iminente de desmoronamento – estado limite – ratificação-verificação;

No plano da normalidade legalmente prevista, o dever de conservação do edificado compete aos proprietários mediante obrigações de facere, a saber,

(i) obras de conservação ordinária em cada 8 anos (artº 89º nº 1 RJUE) e

(ii) obras de conservação necessárias “à correcção de más condições de segurança ou de salubridade ..”, passíveis de determinação oficiosa pela câmara municipal (artº 89º nº 2 RJUE),

podendo a câmara municipal “ordenar a demolição total ou parcial das construções que ameacem ruína ou ofereçam perigo para a saúde pública e para a segurança das pessoas” (artº 89º nº 3 RJUE).

Do lado da Administração, as deliberações camarárias referidas nos nºs 2 e 3 do artº 89º são eficazes a partir da sua notificação aos proprietários do edificado – vd. artº 89º nº 4 RJUE – e devem ser precedidas de vistoria técnica ao edificado, com observância dos trâmites deste meio de prova pericial relativos à elaboração dos quesitos que constituem o objecto da perícia e a indicação dos peritos, bem como a notificação aos proprietários do respectivo auto – artº 90º nºs 1 a 6 RJUE na redacção à data dos factos, actualmente artº 90º nºs. 1 a 7 RJUE na redacção do DL 136/2014, 09.09.

No caso trazido a recurso estão em falta todas estas formalidades, quer a precedência de vistoria técnica quer a notificação das deliberações camarárias quanto às obras de conservação necessária e demolições, alegando o Município do Porto que, em razão do incêndio ocorrido no edificado (28.02.2013), à data dos actos e operações materiais efectivadas se verificavam circunstâncias objectivas indiciadoras de ameaça de ruína e de perigo para a segurança das pessoas e a saúde pública.


*

Como já referido, resulta do probatório – vd. itens 5 e 6 - que as obras e demolições consideradas necessárias e ordenadas via telefax para execução imediata nos dias 04.03.2013 e 05.03.2013 junto das empresas referidas pelo Departamento Municipal de Protecção Civil do Município do Porto, operações materiais que se prolongaram nos dias subsequentes, não observaram os trâmites procedimentais próprios da normalidade legalmente prevista para as obras de conservação necessária e demolições por ameaça de ruína ou perigo para a saúde ou segurança pública nos termos dos artsº 89º nºs. 2/3 e 90º nºs. 1 a 6 RJUE, na redacção à data dos factos.

Também resulta provado que a execução imediata das obras e demolições ordenadas pelo Departamento Municipal de Protecção Civil do Município do Porto via telefax dos dias 04.03.2013 e 05.03.2013 junto das citadas empresas, são uma consequência directa e necessária do incêndio que deflagrou no edificado em 28.02.2013 e que foi objecto de intervenção no próprio dia pelo Batalhão de Sapadores Bombeiros que, nesse mesmo dia, também procedeu à comunicação do sinistro junto do referido departamento municipal, com a descrição do estado do edificado pós incêndio, nos seguintes termos:

· “Descrição (sumária) - Fogo no local indicado, onde constatei que havia necessidade de ir ao local uma inspecção motivado a que existe muito material combustível em redor da habitação que se encontra devoluta que na mesma houve derrocada do telhado e interior e deveria ser novamente emparedada. Quanto ao nº …… também se encontra com muita matéria combustível, no interior (...)" – vd. probatório, itens 4 e 5.

Com base nas circunstâncias de facto descritas na comunicação efectivada pelos Sapadores Bombeiros no próprio dia do incêndio (28.02.2013), em via de inspecção ao local o departamento municipal mediante telefax de 04.03.2013 e de 05.03.2013, concluiu pela

· “… existência de perigo de derrocada dos elementos construtivos da parte restante não desmoronada do interior

· e por arrastamento, passível de afectar a fachada principal, …”

elementos objectivos que o departamento municipal valorou como

· “…constituindo como tal graves riscos para a segurança e integridade física de terceiros transeuntes e utilizadores das vias públicas acima referenciadas…”

concluindo, ainda, pela necessidade de

· “... realização das obras consideradas necessárias para mitigar o perigo de segurança para terceiros …” – vd. probatório, item 5,

· e de proceder à “…remoção e limpeza dos escombros, lixos e entulhos resultantes da demolição, parcial, do edificado, supra referenciados, a fim de eliminar os focos de insalubridade originários de perigos para o ambiente, bem como ao desimpedimento da via pública" – vd. probatório, item 6.

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Cumpre interpretar os conceitos técnicos de “ameaça de ruína” do artº 89º nº 3 e “risco iminente de desmoronamento” do artº 90º nº 7 (actual 90º nº 8) do RJUE, para efeitos de possível subsunção da factualidade trazida ao probatório nas citadas normas, concretamente a factualidade descrita pelos Sapadores Bombeiros e constante dos telefax de 4 e 5.03.2013 do departamento municipal do Recorrido, enviados às empresas com a indicação de execução imediata das operações materiais no edificado da Recorrente.

A situação de ruína que o artº 89º nº 3 RJUE considera no segmento “construções que ameacem ruína” reporta-se à ruína física ou técnica cabendo ir buscar o sentido deste conceito técnico ao quadro legal da especialidade, concretamente ao DL 235/83, 31.05 que aprovou o Regulamento de Segurança e Acções para Estruturas de Edifícios e Pontes. (Fernanda Paula Oliveira et alii, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação – comentado, Almedina/ 2011, pág. 605.)

Conforme se explicita na memória descritiva do citado diploma, a verificação da segurança “é feita sempre em relação a estados limites” sendo que “consoante os prejuízos que podem resultar da sua ocorrência, distinguem-se estados limites últimos e estados limites de utilização, sendo a estes associadas, em geral, determinadas durações (estados limites de muito curta, curta e longa duração). A consideração destes estados limites é em geral suficiente para traduzir as situações de ruína que interessa ter em conta na verificação da segurança das estruturas, seja qual for o seu tipo e material constituinte.”

A definição dos conceitos de estado limite e estados limites de utilização consta dos artºs 4º.1 e 4.3, DL 235/83, 31.05, nos seguintes termos:

· 4.1 “Entende-se por estado limite um estado a partir do qual se considera que a estrutura fica prejudicada total ou parcialmente na sua capacidade para desempenhar as funções que lhe são atribuídas.”

· 4.3 “Os estados limite de utilização são definidos para diversas durações de referência, em geral de três ordens de grandeza – muito curta, curta e longa – correspondendo a primeira a durações que totalizam apenas poucas horas no período de vida da estrutura, a terceira a durações da ordem de metade deste período e a segunda a durações intermédias daquelas, em geral da ordem de 5% do período de vida da estrutura.”

O comentário técnico que segue ao artº 4º do DL 235/83 explicita que “São exemplos de estados limites de utilização a deformação não compatível com as condições de serviço da estrutura.”.

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Tendo em consideração a descrição feita pelos Sapadores Bombeiros no próprio dia do incêndio (28.02.2013) e levada ao conhecimento do departamento municipal, em que é referida a existência de derrocada do telhado e interior” e de “perigo de derrocada … da parte restante não desmoronada do interior” bem como “por arrastamento, passível de afectar a fachada principal”, pode concluir-se que o edificado apresentava as paredes que não se desmoronaram e os troços do telhado que não abateu, em estado limite de utilização por apresentarem um estado de “deformação não compatível com as condições de serviço da estrutura” – vd. probatório, item 4.

Neste sentido, considera-se preenchido o conceito de “construção que ameace ruína” do artº 89º nº 3 RJUE bem como, no que respeita às partes não desmoronadas do edificado pós incêndio, de “risco iminente de desmoronamento” do artº 90º nº 7 RJUE.

*

Transpondo a descrição da situação objectiva do edificado em razão do incêndio ocorrido e consequente intervenção para o debelar por parte dos Sapadores Bombeiros, não sofre dúvidas a verificação do pressuposto da urgência em actuar face ao perigo iminente e actual no quadro de “(..) uma situação de evolução rápida, [em que] só uma intervenção célere poderá ser eficaz na prevenção de efeitos danosos … para tentar com probabilidade de êxito uma solução que não implique a preterição de norma vigente no caso concreto … A urgência significa a “exigência do imediatamente” e a recusa da realização diferida … actualidade do perigo …[como] algo que se cristaliza no presente de uma situação concreta (..)” tendo por metodologia de actuação o princípio da proporcionalidade, isto é, pelo “(..) balanceamento entre custos e benefícios da preterição da norma estatuída [e] pelo exame das virtualidades da solução alternativa quanto à salvaguarda do interesse público essencial em risco. (..)”. (Sérvulo Correia, Escritos de Direito Público, V-I Almedina/2019, págs.152-153.)

Como vem sendo afirmado, o estado de necessidade legitima a preterição das regras jurídicas normalmente reguladoras da actividade da Administração pública, incluso o afastamento das normas de competência, embora sujeitando os actos praticados a ratificação do órgão competente, o que foi observado no caso sub judice, conforme despacho de 22.05.2013 de ratificação dos actos praticados com fundamento no estado de necessidade, por parte do Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude, no uso da competência delegada pelo Presidente da Câmara mediante ordem de serviço nº I/15061/12/CMP, despacho exarado na informação nº 1/55825/13/CMP do Gestor do Processo nº 1/41479/13/CMP, Departamento Municipal de Protecção Civil, sob pareceres concordantes – vd. probatório, itens 7, 8, 9 e 10.


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No que respeita ao enquadramento jurídico do despacho de ratificação de 22.05.2013 cabe referir que tal acto administrativo constitui o que a doutrina designa por ratificação-verificação, precisamente a propósito dos poderes do presidente da câmara exercidos nas circunstâncias a que se refere o artº 35º nº 3 Lei 75/2013, 03.09, correspondente ao anterior artº 65º da LAL:

“35º nº 3 – Em circunstâncias excepcionais e no caso de, por motivo de urgência, não ser possível reunir extraordinariamente a câmara municipal, o presidente pode praticar quaisquer actos da competência desta, ficando os mesmos sujeitos a ratificação na primeira reunião realizada após a sua prática, sob pena de anulabilidade.”

Poderes da câmara municipal constantes do artº 33º al. w) Lei 75/2013, passíveis de delegação no presidente da câmara por não constarem do elenco taxativo de excepção do artº 34º nº 1 in fine, e que o presidente da câmara pode subdelegar em qualquer vereador conforme artº 36º nº 2, ambos da citada Lei 75/2013.

No caso dos autos estamos no quadro de uma legalidade excepcional previsto no artº 90º nº 7 do RJUE a propósito das obras de conservação necessárias e demolição das construções que ameacem ruína, em que a competência de ratificação-verificação do vereador no uso de poderes delegados do presidente que, por sua vez, os recebeu por delegação da câmara, não tem por finalidade corrigir a preterição dos actos e formalidades procedimentais próprios das obras de conservação necessária e demolições por ameaça de ruína ou perigo para a saúde ou segurança pública, no plano da legalidade prevista nos artºs 89º nºs. 2 e 3 e 90º nºs. 1 a 6 do RJUE, tornando tais actos inválidos em válidos.

Distintamente, como nos diz a doutrina que vimos seguindo, a ratificação-verificação tem por finalidade assegurar “(..) se se verificam os pressupostos da excepcionalidade de circunstâncias que exigem a tomada imediata de uma decisão (..)” isto é, “(..) constatar se tais pressupostos realmente ocorreram (..)”. (Sérvulo Correia, Noções de direito administrativo, Editora Danúbio/1982, págs.506-507.)

O que significa que o despacho de a ratificação-verificação do Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude de 22.05.2013 apenas tem por efeito (i) constatar a ocorrência das circunstâncias de facto descritas na comunicação efectivada pelos Sapadores Bombeiros no próprio dia do incêndio (28.02.2013) e actos materiais ordenados nos telefax dos dias 04.03.2013 e 05.03.2013 junto das empresas pelo Departamento Municipal de Protecção Civil do Município do Porto, e (ii) proceder ao juízo de subsunção de tais circunstâncias de facto e actos materiais ordenados nos pressupostos dos poderes de necessidade e consequente dispensa do procedimento comum, normativamente admitidos pelo princípio geral do estado de necessidade administrativa (cfr. artºs 3º/2 e 151º/1 (1ª parte) CPA/91) – vd. probatório, itens 5, 6 e 10.

Consequentemente, em qualquer das formulações doutrinárias supra mencionadas e atenta a factualidade levada ao probatório conjugada com a fundamentação coetânea exarada nos telefax de 4 e 5.03.2013 do departamento municipal, conclui-se pela verificação dos pressupostos do estado de necessidade administrativa conforme se dispõe no artº 151º nº 1 CPA/91 (actual artº 177º nº 2 CPA/2015) por remissão expressa do artº 90º nº 7 RJUE (actual artº 90º nº 8 na redacção do DL 136/2014, 9.9), relativamente aos actos e operações materiais levadas a cabo pelo ora Recorrido Município do Porto nos dias 4, 5, 6, 7, 8, 11, 25 e 26 de Março e 4 de Abril de 2013, concretizando,

(i) o requisito temporal da urgência conexionado com

(ii) o factor de perigo actual e iminente por factos graves e anormais, a saber, o colapso das paredes e telhado que não se desmoronaram durante o incêndio e o decurso dos trabalhos de apagamento do fogo pelos Sapadores Bombeiros,

(iii) e consequente prioridade em atender, em juízo de proporcionalidade, ao interesse público essencial de assegurar a integridade física de eventuais transeuntes pelo passeio adjacente ao prédio sinistrado por via de possíveis desmoronamentos e derrocadas de elementos instáveis da construção,

(iv) interesse público julgado mais relevante que os interesses públicos preteridos, a saber a vistoria técnica prévia à deliberação camarária de determinação de obras necessárias a executar pelo proprietário do edificado, seguindo o procedimento e trâmites prescritos nos artsº 89º nºs. 2/3 e 90º nºs. 1 a 6 RJUE.


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Pelo exposto improcedem todas as questões trazidas a recurso relativamente aos vícios assacados ao Acórdão do Tribunal a quo, relacionados com o despacho de 22.05.2013 de ratificação dos actos e operações efectuadas pelo Recorrido com as obras no edificado da Recorrente em razão do incêndio de 28.02.2013.

c. interpelação para pagamento - acto impositivo (título executivo);

Nos itens 25, 36, 78, 82 e 88 a 101 das conclusões de recurso a Recorrente assaca o acórdão de incorrer em erro de julgamento nos termos que seguem:

· “uma vez que a Recorrente nunca foi notificada para realizar quaisquer obras não pode o Município vir dizer que levou a cabo obras coercivas, pretendendo a cobrança nos termos do artº 108º do RJUE”

· “não obstante o estado de necessidade a que alude o nº 8 do artº 90º do RJUE não afasta a formalidade da notificação do proprietário para executar as obras nos termos do artº 89º nº 4 do RJUE…”

· “para atingir os mesmos resultados bastava que o Recorrido tivesse notificado a Recorrente para a realização das obras que entendia convenientes …”,

· “não tendo o Recorrido notificado a Recorrente … deve o Recorrido assumir as despesas que levou a cabo … dado que foi coarctada à Recorrente a possibilidade de as realizar.”

· “vício de forma por preterição da audiência de interessados …” porque “devia ter sido ouvida antes de terem sido praticados os actos administrativos datados, respectivamente de 22/05/2013 e 03/01/2014.

Nos termos da lei, artº 100º nº 1 CPA/91 (artº 121º nº 1 CPA/2015) o direito de audiência prévia dos interessados no procedimento tem como objecto, “a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”, donde, na medida em que o despacho de ratificação-verificação de 22.05.2013 não constitui a decisão final do procedimento, apenas cabe saber da preterição do direito de audiência no que respeita ao acto administrativo constante do ofício nº 1/225378/13/CMP de 03.01.2014.


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Em primeiro lugar, cumpre saber da natureza do acto de 03.01.2014.

O ofício nº 1/225378/13/CMP de 03.01.2014 da Direcção Municipal de Finanças e Património do Recorrido dirigido à Recorrente com a súmula descritiva e nota de despesa discriminada no valor de 18.070,93€ pelas operações materiais realizadas no edificado sua propriedade em razão do incêndio de 28.02.2013, constitui a notificação de um acto impositivo na medida em que impõe à Recorrente a obrigação de efectuar o pagamento do valor em causa no prazo de 20 dias, findo o qual a dívida segue para cobrança mediante a emissão de certidão do título executivo para execução fiscal, invocando o ofício para este efeito o artº 108º nº 2 RJUE - vd. probatório, item 12.

Além da dimensão constitutiva da obrigação pecuniária na esfera jurídica do destinatário e consequente interpelação da ora Recorrente no sentido do cumprimento voluntário da obrigação, este acto administrativo é, também, um título executivo posto que, à face do respectivo conteúdo, contém uma obrigação de conteúdo positivo traduzida numa quantia pecuniária certa, líquida e exigível, ou seja, assume a natureza de acto administrativo exequendo e traduzindo especificamente a “(..) função tituladora ou executiva, como decisão dotada de imperatividade e, sendo necessária a sua execução, de executividade (“título executivo”) ou mesmo, excepcionalmente, de executoriedade (quando seja admissível a execução coactiva) (..)”. (Mário Aroso de Almeida, Teoria geral do direito administrativo, 7ª ed. Almedina/2021, págs.298-299, 302, 351-352; Luiz Cabral de Moncada, Código de Procedimento Administrativo – anotado, Coimbra Editora, 2015, págs. 636-637; Vieira de Andrade, Lições de direito administrativo, Imprensa Universitária de Coimbra/2017, págs.165.)

Como determinam os artºs 151º nº 1 (1ª parte) e 152º nº 1 CPA (actual 177º nºs 1 e 2 CPA/2015) só em estado de necessidade é afastável o princípio da precedência de acto administrativo exequendo, na terminologia vigente “decisão autónoma de proceder à execução administrativa”. (Mário Esteves de Oliveira/Pedro Costa Gonçalves/J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo – comentado, 2ª ed./2010, págs. 721, 727 e 730.)

Todavia, no caso sub judice não sofre dúvidas que este princípio foi observado, posto que a prática efectiva e subsequente notificação do acto administrativo exequendo determinada pelo artº 151º nº 1 (2ª parte) CPA é evidenciada no citado ofício nº 1/225378/13/CMP de 03.01.2014 da Direcção Municipal de Finanças e Património do Recorrido dirigido à Recorrente – vd. probatório, item 12.

Acresce que, a coberto do princípio geral enunciado no artº 3º nº 2 CPA não tem fundamento jurídico a invocação do estado de necessidade relativamente a uma eventual falta de emissão do acto exequendo e notificação do destinatário, porque os factos não evidenciam nenhuma relação de causa-efeito entre as obras realizadas sob urgência pelo estado de ruína iminente do edificado sequencial ao incêndio de 28.02.2013 e a emissão e notificação do acto exequendo pelo ofício nº 1/225378/13/CMP de 03.01.2014 com a interpelação para pagamento da despesa suportada pelo Município pelas obras consideradas necessárias e efectuadas entre 4, 5, 6, 7, 8, 11, 25 e 26 de Março e 4 de Abril de 2013, num quadro, este sim, de legalidade excepcional fundada nos pressupostos de facto verificados e provados, nos termos expostos.


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Por outro lado e salvo o devido respeito, a Recorrente lavra em equívoco ao afirmar que o estado de necessidade não afasta a obrigatoriedade da notificação do proprietário do edificado para executar obras de conservação necessárias à correcção dos danos no edificado em razão do incêndio de 28.02.2013, embora, prima facie, seja verdade que o acto administrativo que determina a execução de obras necessárias só se torna operativo a partir da notificação ao destinatário (vd. artºs 89º nº 3 RJUE, 132º nº 1 CPA/91, actual 160º CPA/2015).

O equívoco reside em que a actuação administrativa em estado de necessidade é objecto de permissão normativa expressa (artº 3º/2 CPA), o que significa que passa a ser disciplinada pelo regime jurídico no quadro de uma legalidade excepcional (o estado de necessidade administrativa) em vez do regime geral de direito estabelecido para o caso, ou seja, como nos diz a doutrina de referência que vimos seguindo, “(..) O princípio do estado de necessidade faz, com os restantes princípios gerais de direito administrativo, parte do bloco de juridicidade. Desempenhando um efeito de habilitação da conduta, o princípio valida as condutas permitidas que, nessa medida, não são ilegais. (..)”, isto é, valida a actuação administrativa “(..) numa situação da vida caracterizada pela anormalidade (..)”. (Sérvulo Correia, Escritos de Direito Público, V-I Almedina/2019, págs. 139 e 149-150.)


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Ponto é, que se verifiquem na situação concreta os pressupostos do estado de necessidade administrativa conforme dispõe o artº 151º nº 1 (2ª parte) CPA/91 (actual artº 177º nº 2 CPA/2015) por remissão expressa do artº 90º nº 7 RJUE (actual artº 90º nº 8 na redacção do DL 136/2014, 9.9), que é exactamente o caso, pelas razões de facto e de direito acima expostas.

Ou seja, no caso dos autos o procedimento administrativo comum de determinação da execução de obras necessárias à Recorrente – isto é, de execução de prestação de facto – foi objecto de substituição pontual e de breve duração pelos actos materiais do Recorrido com a execução das obras necessárias em razão do incêndio, conduta diferente da legalmente admitida e que o Recorrido seguiu através do exercício de poderes de urgência face à situação anormal de ruína iminente, conduta que teve por fonte de validade o exercício de poderes de necessidade normativamente admitidos pelo princípio geral do estado de necessidade administrativa constante do artº 3º nº 2 CPA e, nos termos do artº 151º nº 1 (1ª parte) CPA/91 (actual 177º nºs 1 e 2 (1ª parte) CPA/2015) a consequente dispensa do procedimento comum (artºs. 89º, 90º, 91º, 107º e 108º RJUE) e consequentes actos jurídicos sequenciais entre o acto administrativo habilitante e as operações materiais traduzidas nas obras necessárias assumidas pelo Município. (Sérvulo Correia, Escritos de Direito Público, pág.142; Paulo Otero, Direito do procedimento administrativo, Vol I, Almedina/2016, págs. 131-134.)

A decisão autónoma de proceder à execução administrativa, que no caso dos autos foi observada pelo ofício nº 1/225378/13/CMP de 03.01.2014 do Recorrido dirigido à Recorrente, constitui nos termos do artº 151º nº 1 (1ª parte) CPA/91 o acto exequendo relativo à obrigação pecuniária decorrente das obras necessárias no edificado da Recorrente assumidas pelo Recorrido no exercício de poderes de necessidade.

E a liquidação do valor pecuniário destas obras necessárias executadas no exercício de poderes de necessidade pelo Recorrido também compete ao proprietário nos termos do artº 108º RJUE, tal como na sequência do procedimento administrativo comum corre por conta do proprietário o valor das obras necessárias assumidas pelo Município em caso de incumprimento do acto administrativo ordenador das mesmas, conforme artºs. 107º e 108º RJUE.

A única diferença é que, na hipótese de incumprimento do proprietário na realização das obras necessárias e o Município as assumir, estamos no âmbito da legalidade normativa estabelecida, diversamente do caso de obras necessárias realizadas pelo Município no exercício de poderes de necessidade – que é o que se verifica nos autos – em que estamos do domínio da legalidade excepcional do estado de necessidade administrativa, positivado nos artº 3º nº 2 e 151º nº 1 CPA (177º nº 2 CPA/2015), conforme exposto.

Exactamente por isso, o acto impositivo contido no ofício nº 1/225378/13/CMP de 03.01.2014 do Recorrido dirigido à Recorrente, com a súmula descritiva e nota de despesa no valor de 18.070,93€ pelas operações materiais realizadas no edificado da Recorrente em razão do incêndio de 28.02.2013, assume a natureza de título executivo de uma obrigação pecuniária certa, líquida e exigível na esfera jurídica da Recorrente e, por conseguinte, constitui o acto administrativo autónomo que determina a decisão de proceder à execução administrativa (decisão de executar) de notificação obrigatória (artº 151º nº 1 (2ª parte) CPA/91).

Assente que o acto administrativo contido no ofício nº 1/225378/13/CMP de 03.01.2014 assume a natureza jurídica de título executivo, cabe analisar a alegação de vício de forma por preterição do direito de audiência prévia da Recorrente, previsto no artº 100º CPA/91, actual 121º CPA/2015.

d. audiência dos interessados – acto autónomo;

Como já referido, o acto impositivo de 03.01.2014 constitui um título executivo passível de execução fiscal por determinação expressa de lei - cfr. artº 108º nº 2 RJUE aplicável às obras necessárias assumidas pelo Município em caso de poderes de necessidade, nos termos expostos - o que significa que, do ponto de vista jurídico, a audiência de interessados relativamente a este despacho cujo conteúdo é imperativo para o seu destinatário, traduzir-se-ia numa contradictio in terminis, posto que esvaziada do seu conteúdo de tutela e realização de uma posição substantiva activa de ordem procedimental.

A questão terá consequências distintas, caso a audiência de interessados seja ordenada em momento antecedente à decisão final de interpelação para pagamento e consequente acto impositivo com valor de título executivo devidamente notificado, mediante acto autónomo no procedimento aberto para a prática dos actos e operações materiais assumidos pelo Recorrido no exercício de poderes de necessidade ao abrigo do regime dos artºs. 3º nº 2 e 151º nº 1 (2ª parte) CPA por remissão expressa do artº 90º nº 7 RJUE.

O caso trazido a recurso constitui um exemplo concreto de substituição do procedimento declarativo comum relativo a obras necessárias previsto nos artºs. 89º, 90º, 91º, 107º e 108º RJUE (legalidade jurídico-positiva), por um procedimento relativo a actos e operações materiais ordenados no exercício de poderes de necessidade (legalidade excepcional) ao abrigo do regime estabelecido nos artºs. 3º nº 2 e 151º nº 1 (2ª parte) CPA por remissão expressa do artº 90º nº 7 RJUE, face ao perigo de ruína iminente em razão do incêndio ocorrido em 28.02.2013 no edificado da Recorrente, poderes de necessidade cujos pressupostos de verificação necessária foram objecto do despacho de ratificação-verificação de 22.05.2013 quanto à sua real ocorrência, julgado válido no presente acórdão pelos fundamentos supra expostos.


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Uma vez emitido o acto de ratificação-verificação dos pressupostos da excepcionalidade da actuação administrativa, a audiência de interessados deve ter lugar no procedimento antes da prática do acto exequendo, direito de audiência expresso no artº 100º CPA/91 (artº 121º CPA/2015) em concretização do princípio do acesso do interessado ao procedimento administrativo em que se prepara a decisão administrativa que define a situação jurídica do destinatário, no caso, da ora Recorrente, princípio consagrado no artº 267º nº 5 da CRP no sentido da “participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito” em ordem a possibilitar aos interessados o direito de expor a esse respeito e em seu benefício os respectivos pontos de vista, como direito fundamental procedimental.

Em sintonia com o âmbito de protecção do artº 267º nº 5 CRP não pode deixar de reconhecer-se que, na qualidade jurídica de interessada no procedimento aberto no quadro de uma legalidade excepcional de actuação administrativa em estado de necessidade, à Recorrente assiste o direito de ser informada em sede de audiência de interessados sobre o conteúdo provável da decisão final do procedimento, traduzido na discriminação das despesas incorridas pelo Município na execução das obras descritas genericamente na informação nº 1/55825/13/CMP de 25.03.2013 elaborada no processo nº 1/41479/13/CMP pelo Departamento Municipal de Protecção Civil, sobre a qual foi exarado o despacho de ratificação-verificação de 22.05.2013 – vd. probatório, itens 7 e 10.

No sentido do enquadramento da audiência de interessados como direito fundamental “(..) o Acórdão nº 499/2009 de 30.09.2009 do Tribunal Constitucional, quando proclama que, para satisfazer a exigência do nº 5 do artº 267º CRP, mesmo na dimensão garantística da participação, que é a mais exigente, é suficiente (embora também necessário) que o interessado tenha sido colocado em posição de fazer valer perante o órgão decisor a sua perspectiva sobre todos os elementos do procedimento (de direito e de facto) que sejam relevantes para a decisão … tratando-se de garantir ao interessado a sua colocação numa posição de fazer valer, é inegável a presença do radical subjectivo e, portanto, o reconhecimento de um Direito Fundamental (..)” (Sérvulo Correia, Escritos de Direito Público, pág.566; Paulo Otero, Manual de direito administrativo, Vol. I, Almedina/2013, pág. 395.)

Donde se retira que a audiência prévia dos interessados definida no artº 100º CPA/91 (artº 121º CPA/2015) constitui uma sub-fase procedimental autónoma e corporiza uma formalidade absolutamente essencial, cuja omissão pura e simples gera a invalidade do acto administrativo que defina com efeitos constitutivos a situação jurídica do interessado, isto é, conforme disposto no artº 133º nº 2 d) CPA/91 (artº 161º nº 2 d) CPA/2015) determina a nulidade da decisão final do procedimento por violação do conteúdo essencial do direito de audiência, direito fundamental alicerçado no artº 267º nº 5 CRP. (Sérvulo Correia, Escritos de Direito Público, págs.567-568; Luiz Cabral de Moncada, Código de Procedimento Administrativo, págs. 425-426, 430; Paulo Otero, Manual de direito administrativo, pág. 322.)

Uma vez que resulta evidenciada a omissão do direito de audiência prévia da Recorrente, tal significa que por inobservância desta formalidade essencial foi postergado o direito fundamental consagrado no artº 267º nº 5 CRP de participação da Recorrente no concreto procedimento que lhe diz respeito, o que, nos termos do artº 133º nº 2 d) CPA/91 (artº 161º nº 2 d) CPA/2015), gera a nulidade da decisão final constitutiva da obrigação de pagamento de 18.070,93€ exarada no ofício nº 1/225378/13/CMP de 03.01.2014 da Direcção Municipal de Finanças e Património do Recorrido dirigido à Recorrente.

Cabe, portanto, ao Município do Porto, ora Recorrido, retomar as competências procedimentais e ordenar a formalidade essencial preterida de audiência prévia da Recorrente no que respeita ao conteúdo provável da decisão final do procedimento aberto para os actos e obras no edificado propriedade da Recorrente em razão do incêndio de 28.02.2013, executados no exercício de poderes de necessidade ao abrigo do regime dos artºs. 3º nº 2 e 151º nº 1 (2ª parte) CPA) por remissão expressa do artº 90º nº 7 RJUE.


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Por quanto vem de ser dito, procedem as questões trazidas a recurso relativas à preterição do direito de audiência do A…………, IPSS no procedimento aberto para a prática dos actos e operações materiais efectuadas pelo Município do Porto no edificado propriedade da Recorrente em razão do incêndio de 28.02.2013, no exercício de poderes de necessidade do Recorrido ao abrigo do regime dos artºs. 3º nº 2 e 151º nº 1 (2ª parte) CPA por remissão expressa do artº 90º nº 7 RJUE e consequente nulidade do acto impositivo de interpelação da Recorrente para cumprimento voluntário da obrigação de pagamento de 18.070,93€ constante do ofício nº 1/225378/13/CMP de 03.01.2014.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes Conselheiros da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo em julgar o recurso parcialmente procedente,

a. mantendo válido e eficaz o despacho de ratificação de 22.05.2013 do Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Fiscalização e Juventude do Município do Porto e

b. por preterição da audiência prévia do A…………, IPSS no procedimento, declarar a nulidade do acto administrativo impositivo constante do ofício nº 1/225378/13/CMP de 03.01.2014 da Direcção Municipal de Finanças e Património do Município do Porto.

Custas por ambas as partes na medida do decaimento.

Lisboa, 7 de Abril de 2022. – Maria Cristina Gallego dos Santos (relatora) – José Augusto Araújo Veloso – Ana Paula Soares Leite Martins Portela.