Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0117/24.6BALSB
Data do Acordão:01/22/2025
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P33141
Nº do Documento:SAP202501220117/24
Recorrente:BANCO 1.... FONDO DE INVÉRSION
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

[ tramo 1 ]

Banco 1..., Fondo de Invérsion, …, (de que é sociedade gestora Banco 2..., ..., S.A., …,) com cobertura do disposto pelos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT).) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, objetivando uniformização de jurisprudência, da decisão (colegial) proferida, no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo nº 1000/2023-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad) (Onde, em 5 de julho de 2024, foi decidido: «

a) Julgar improcedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral;
b) Julgar procedente a exceção de inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte que constituem objeto do pedido arbitral;
c) Julgar prejudicado o conhecimento da exceção dilatória de ilegitimidade ativa do Requerente;
d) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto ao pedido principal;
e) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios.».)
Aponta-lhe contradição/oposição, com o acórdão, do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), datado de 27 de abril de 2017, vertido no processo n.º 08599/15.

O recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

Da oposição no âmbito da mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento do TCAS, transitado em julgado, proferido no processo n.º 08599/15

(A) É de sublinhar a identidade da questão tratada na decisão arbitral recorrida (processo n.º 1000/2023-T), de uma parte, e no acórdão fundamento do TCAS (processo n.º 08599/15), de outra parte.

(B) Em ambos os casos o que está em causa é a mesma questão fundamental de direito referente à mesma legislação, ou seja, está em causa o pedido de revisão oficiosa apresentado depois do prazo de dois anos previsto para a reclamação graciosa, de acordo com a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, aplicável às situações de facto previstas nos artigos 131.º a 133.º do CPPT.

(C) A decisão arbitral recorrida concluiu que a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, ao exigir o recurso prévio à “via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”, cingir-se-ia exclusivamente à reclamação graciosa no prazo de dois anos, ou ao pedido de revisão oficiosa no mesmo prazo de dois anos, com exclusão, portanto, do pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º da LGT.

(D) Pelo contrário, o acórdão fundamento do TCAS proferido no âmbito do processo n.º 08599/15, transitado em julgado em 2017, havia concluído, opostamente, que a referida norma não afastava os pedidos de revisão oficiosa no prazo de quatro anos.

(E) Assim como também toda a restante jurisprudência conhecida dos Tribunais superiores: acórdãos do TCAS de 13.12.2019, processo n.º 111/18.6BCLSB, de 11.03.2021, processo n.º 7608/14.5BCLSB, de 12.05.2022, processo n.º 3/18.9BCLSB, e de 26.05.2022, processo n.º 96/17.6BCLSB.

(F) Finalmente, inexiste alteração da regulamentação jurídica aplicável entre um (decisão arbitral recorrida) e outro (acórdão fundamento do TCAS) caso.

Da admissibilidade do presente recurso para o STA por oposição de decisão arbitral com a jurisprudência dos tribunais superiores

(G) O objeto do processo arbitral de cuja decisão se recorre, e, por conseguinte, a questão de mérito que aí se discutia ab initio, era também composto pela questão da ilegalidade do ato administrativo na sua dimensão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa com fundamento em intempestividade do mesmo, dada a inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte.

(H) Tal como numa ação administrativa na qual se discuta unicamente a recusa da AT em apreciar pedido de revisão oficiosa por intempestividade da mesma, por inimpugnabilidade do ato, a questão de mérito na decisão arbitral recorrida versa também, ainda que a par de outros, sobre esse fundamento.

(I) Ora, também numa arbitragem tributária (ou numa impugnação judicial) na qual se discuta a recusa da AT em apreciar um pedido de revisão oficiosa por intempestividade da mesma (por inimpugnabilidade do ato), a questão de mérito versa, ainda que a par de outras, sobre essa mesma decisão administrativa proferida com esse fundamento.

(J) Assim, quando o Tribunal Arbitral se pronuncia sobre a inimpugnabilidade do ato por intempestividade do precedente procedimento administrativo, ainda que sancione essa mesma inimpugnabilidade recorrendo a norma (fundamento jurídico) diferente da invocada pela AT, está a decidir uma das questões de mérito da ação, está a decidir o principal vício apontado ao ato administrativo de indeferimento, objeto também ele do processo arbitral.

(K) E a decisão arbitral recorrida decidiu in casu essa questão de mérito da forma mais radical e definitiva possível: com uma absolvição da AT do pedido.

(L) Recentemente, acresce que o STA vem, e bem, admitindo e julgando recursos de decisões arbitrais por oposição com acórdão de Tribunal superior, nos quais a questão é justamente a inimpugnabilidade do ato tributário, em particular, inimpugnabilidade de atos de liquidação de IMI cujo vício sindicado tenha que ver com o VPT (cfr. acórdão de 23.02.2023, proferido no âmbito do processo n.º 0102/22.2BALSB, e muitos que se lhe seguiram).

(M) Veja-se, ainda, o acórdão do STA, de 03.06.2015, proferido no âmbito do processo n.º 0793/14, ou do acórdão do STA, de 08.05.2024, proferido no âmbito do processo n.º 0371/23.0BEFUN.

(N) Dir-se-á que das decisões supra referenciadas do STA, a decisão do Tribunal a quo, porque não julgou procedente a questão da inimpugnabilidade do ato que sustentou o indeferimento no procedimento administrativo prévio, chegou a pronunciar-se sobre a legalidade do ato tributário (naquele caso, de autoliquidação).

(O) Mas a isso se deve responder, em primeiro lugar, que quando o ato administrativo de indeferimento suporte a sua decisão em intempestividade/inimpugnabilidade do ato, sendo ela também objeto de impugnação no processo judicial subsequente, a decisão judicial que recaia sobre a mesma é ela também uma decisão sobre (parte) do mérito da causa.

(P) Tanto que é flagrante nas ações administrativas que tenham por objeto exclusivo a decisão administrativa de indeferimento, mas a situação é idêntica nas impugnações judiciais ou arbitrais que tenham objeto mais extenso, que abarque também os vícios do próprio ato de liquidação.

(Q) Acresce que possível visão diferente das coisas, origina uma desigualdade de armas entre as partes no processo arbitral, que sendo um processo de legalidade, a Constituição não autoriza.

(R) Perante uma mesma questão de inimpugnabilidade que o Tribunal Arbitral decida contra jurisprudência de tribunais superiores [seja a decidida a propósito das liquidações de IMI a que sejam imputáveis vícios do VPT, seja na questão de inimpugnabilidade aqui em causa que o Tribunal Arbitral apreciou à luz do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março],

(S) Caso a decisão do Tribunal Arbitral fosse no sentido da impugnabilidade, como sucedeu na questão das liquidações de IMI por vícios do VPT, apreciando de seguida a legalidade das liquidações, a AT teria aberta (como teve) via de recurso para o STA em sede de uniformização de jurisprudência para discutir essa mesma questão primeira da impugnabilidade dos atos de retenção na fonte.

(T) Caso a decisão do Tribunal Arbitral fosse no sentido oposto da inimpugnabilidade da liquidação (com a consequente absolvição da AT do pedido), assimetricamente e contra o princípio da igualdade, o contribuinte prejudicado por tal decisão definitiva de absolvição da AT do pedido, não teria aberta via de recurso para o STA para discutir em sede de uniformização de jurisprudência essa mesma questão primeira da impugnabilidade dos atos de retenção na fonte.

(U) Esta desigualdade de tratamento, caso se vá por aí, parece ao RECORRENTE, que é manifestamente inconstitucional.

(V) Mais concretamente, o n.º 1 do artigo 25.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, designadamente no segmento normativo que restringe a admissibilidade de recurso à “decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida”, quando interpretado no sentido de que só inclui recursos sobre questões de (in)impugnabilidade da liquidação, quando a decisão arbitral decida no sentido da impugnabilidade e avance para o conhecimento dos vícios da liquidação, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade de armas entre as partes ínsito no n.º 4 do artigo 20.º da CRP, mas também no princípio do Estado de direito e no princípio geral da igualdade (artigos 2.º e 13.º da CRP).

(W) Deve, pois, ser admitido o presente recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA, por remissão dos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do RJAT (cuja redação foi alterada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro), e fundado na oposição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida, proferida no âmbito do processo n.º 1000/2023-T, e o acórdão fundamento do TCAS, de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo n.º 08599/15, por se verificarem os requisitos legais requeridos.

Disposições legais violadas pela decisão arbitral recorrida

(X) A decisão arbitral recorrida extrai uma interpretação incorreta da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e com isso viola esta disposição legal.

Porque improcede o entendimento da decisão arbitral recorrida

(Y) Toda a jurisprudência conhecida dos Tribunais superiores é contrária ao julgamento da decisão recorrida.

(Z) E o que a decisão arbitral recorrida impôs, de dizer que só o pedido de revisão oficiosa no prazo de dois anos é abrangido pela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, é tautológico, porquanto um pedido de revisão oficiosa contra autoliquidação nesse prazo é uma reclamação graciosa, e não um pedido de revisão oficiosa, ainda que o contribuinte tenha assim designado a sua petição, como lembra o TCAS (cfr. acórdão supra parcialmente transcrito) e o STA (cfr. acórdão do STA, datado de 28.11.2007, proferido no âmbito do processo n.º 0532/07).

(AA) É, pois, uma condenável habilidade da decisão arbitral ora recorrida a sua proclamação de que ambas, reclamação graciosa e pedido de revisão oficiosa, estão compreendidas na alínea a) do artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, para a seguir acrescentar a restrição (que anula tal proclamação) “só pedido de revisão oficiosa no prazo previsto para reclamação graciosa”.

(BB) Em termos líquidos, isso é o mesmo que dizer que só a reclamação graciosa cabe na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, resultado líquido este que desmascara a ilusão da proclamação inicial, e resultado líquido este em total oposição com a jurisprudência dos nossos tribunais superiores acerca do significado dessa norma.

(CC) No mais, não se pode deixar de acrescentar que a questão da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não é privativa desta norma.

(DD) Uma vez que data, pelo menos, desde o CPT, tendo continuado para o CPPT.

(EE) Daí que se trate de um tema antigo, analisado na nossa jurisprudência desde, pelo menos, o revogado CPT, o de que a previsão de prazo para reclamação graciosa, seja esta facultativa ou necessária, não afasta o meio complementar da revisão oficiosa acionável no prazo de quatro anos (artigo 78.º da LGT): cfr. acórdão do STA de 20.03.2002, proferido no âmbito do processo n.º 026580, acórdão do STA de 02.04.2003, proferido no âmbito do processo n.º 01771/02, acórdão do STA de 02.07.2003, proferido no âmbito do processo n.º 0945/03, acórdão do STA de 06.10.2005, proferido no âmbito do processo n.º 0653/05, acórdão do STA de 14.11.2007, proferido no âmbito do processo n.º 0565/07, acórdão do STA de 28.11.2007, proferido no âmbito do processo n.º 0532/07, acórdão do STA de 03.02.2021, proferido no âmbito do processo n.º 02683/14.5BELRS 0181/18, acórdão do TCAS de 16.09.2021, proferido no processo n.º 9559/16.0BCLSB, acórdão do STA de 09.11.2022, proferido no âmbito do processo n.º 087/22.5BEAVR, e muitos outros acórdãos aí citados.

(FF) Ademais, se, de facto, estivesse vedado em sede arbitral a discussão de um ato de retenção na fonte precedido de procedimento de revisão oficiosa apresentado no prazo de quatro anos, está-lo-ia igualmente, e por identidade de razão, em sede judicial (impugnação judicial), por via de preceito em tudo idêntico, o artigo 132.º do CPPT, para o qual remete, aliás, o preceito aqui em causa, a alínea a) do artigo 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011.

(GG) Esta é, pois, literalmente, uma questão de unidade do sistema jurídico.

(HH) Para além de atentar contra a unidade do sistema jurídico, a interpretação imposta pelo Tribunal Arbitral contraria os objetivos da arbitragem tributária: “por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais”, são tudo objetivos e funções queridas pelo legislador para a arbitragem tributária (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro).

(II) Pelo que é incompatível com os objetivos supra referidos o entendimento de que, em reação a um indeferimento de pedido de revisão oficiosa, se possa recorrer aos tribunais administrativos e fiscais para que apreciem o ato de retenção na fonte controvertido, mas já não à arbitragem tributária.

(JJ) Quando, inclusive, num contexto em que perante um ato administrativo de indeferimento de uma reclamação graciosa que discuta essa mesma retenção na fonte, as duas vias estariam reconhecidamente abertas.

(KK) Acresce que em sede de Lei de autorização legislativa em matéria de arbitragem tributária se prescreve que o processo arbitral tributário “deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial” (cfr. o n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), desiderato que ficará parcialmente amputado se se der à alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, o sentido que o Tribunal Arbitral impôs.

(LL) Isto é, considerando o preceito isoladamente, incluindo da jurisprudência que se formou a propósito de norma idêntica no CPPT, e que contraria frontalmente a jurisprudência do TCAS especificamente sobre a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

(MM) É de referir que o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que fez uso da referida autorização legislativa, não distinguiu [cfr. o seu artigo 2.º e 10.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b)], em consonância com o espírito e a letra da lei de autorização legislativa, entre reação a atos administrativos de indeferimento em sede de procedimento de reclamação graciosa e em sede de procedimento de revisão oficiosa: ambos podem desencadear o recurso à arbitragem, o que está alinhado com a prescrição de que a arbitragem seja um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial.

(NN) Pois, de vista da materialidade subjacente, o que realmente se discute é a legalidade de um ato de retenção na fonte que não deixa de ser o que é independentemente do procedimento administrativo (de apreciação do mesmo) prévio a que tenha sido sujeito.

Subsidiariamente,

(OO) Não se quer deixar de dizer ainda, subsidiariamente, que caso a decisão arbitral recorrida seja de interpretar (o que não parece ser o caso) como fazendo aplicação do artigo 132.º do CPPT, alheando-se da remissão que a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112 A/2011, de 22 de março (que a decisão recorrida expressamente diz estar a aplicar), estará igualmente em contradição com toda a jurisprudência conhecida dos Tribunais superiores, supra já referenciada.

(PP) Nessa hipótese interpretativa da decisão arbitral recorrida, o acórdão fundamento que o RECORRENTE subsidiariamente invoca é o acórdão do TCAS de 16.09.2021, proferido no âmbito do processo n.º 9559/16.0BCLSB, igualmente transitado em julgado.

(QQ) Este acórdão é mais uma prova da jurisprudência constante de que o facto de haver previsão nos artigos 131.º a 133.º do CPPT de reclamação graciosa necessária para as autoliquidações, retenções na fonte e similares, não afasta o direito de pedir a revisão oficiosa no prazo de quatro anos prevista no artigo 78.º da LGT, e de impugnar possível indeferimento dessa petição:

(RR) “Por outro lado, importa ter presente que o decurso do prazo de reclamação […] não preclude o direito de requerer a revisão oficiosa […], nos termos do artigo 78.º da LGT, pois estes meios não constituem meios excludentes. A revisão oficiosa constitui sim um meio alternativo ou complementar, conforme for utilizado no prazo de reclamação, ou depois deste, constituindo neste caso, um acréscimo e um reforço de garantias do contribuinte, quando já decorreram os prazos previstos para os restantes meios de tutela”.

(SS) Todavia, a decisão arbitral a nada disto entendeu, não obstante tudo lhe ter sido feito presente, violando a lei tal como interpretada pelos Tribunais superiores, designadamente o artigo 132.º do CPPT.

Termos em que, e nos mais de direito, VV. Exas. doutamente suprirão:

‒ Deve ser admitido o presente recurso por se verificarem os pressupostos legais para o efeito;

‒ Deve ser anulada a decisão arbitral recorrida;

‒ E deve ser emitido acórdão por este tribunal decidindo a questão controvertida nos termos aqui peticionados, isto é, adotando-se o julgamento de que a alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não exclui o pedido de revisão oficiosa contra autoliquidações apresentado no prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º da LGT;

‒ ou, subsidiariamente, adotando-se o julgamento de que o artigo 132.º do CPPT, não exclui o pedido de revisão oficiosa contra atos de retenção na fonte apresentados no prazo de quatro anos previsto no artigo 78.º da LGT;

‒ Com a consequente baixa, em qualquer dos casos, dos autos ao CAAD, para que o processo arbitral seja retomado para conhecimento das restantes questões. »


*

Por despacho do relator, foi o recurso admitido, liminarmente, com efeito suspensivo, nos termos do art. 26.º n.º 1 do RJAMT.

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A autoridade tributária e aduaneira (AT) contra-alegou e concluiu: «

I. São requisitos de admissibilidade do recurso por uniformização de jurisprudência; a) a existência de contradição entre um acórdão arbitral com outra decisão arbitral ou acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.; b) o trânsito em julgado do acórdão fundamento; c) a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; e, d) desconformidade entre a orientação perfilhada no acórdão impugnado e a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA;

II. Relativamente àquilo em que se deve concretizar a “questão fundamental de direito” afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente a identidade dos respectivos pressupostos de facto e, ainda, que a oposição decorra de decisões expressas e não meramente implícitas.

III. O recurso apresentado falha na verificação de qualquer destes pressupostos.

IV. No caso concreto, não há ainda similitude de factos, conforme se depreende do ponto III.1, referente aos «factos dados como provados», constante da douta decisão arbitral, ora recorrida.

V. Logo, as situações de facto não podem ser analisadas à luz do recurso para uniformização de jurisprudência.

VI. Conforme se demonstrou não existe oposição ou contradição entre a Decisão Arbitral Recorrida e os Acórdãos Fundamento, por não se verificar identidade das situações de facto, nem identidade quanto à questão fundamental de direito

VII. Competia ao Tribunal a quo apreciar e decidir se os actos tributários em apreço eram impugnáveis, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de dois anos, e, por conseguinte, a impugnação judicial não foi precedida de impugnação administrativa necessária, conforme impunha o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT;

VIII. A lei foi corretamente aplicada no caso concreto!

IX. Tendo entendido bem o Tribunal a quo, pelo exposto, verificar-se a exceção dilatória de inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte, suscitada oficiosamente por si, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de dois anos, e, por conseguinte, a impugnação judicial não foi precedida de impugnação administrativa necessária, conforme impunha o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT.

X. Deste modo, improcederam os vícios, invocados pelos Recorrentes.

XI. Concluindo a douta decisão arbitral, e bem, pela procedência da exceção de inimpugnabilidade dos atos de retenção na fonte que constituem objeto do pedido arbitral, absolvendo consequentemente a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância quanto ao pedido principal e do pedido acessório de reembolso do imposto pago e de juros indemnizatórios.

XII. Face ao exposto, carece de sentido o alegado pelo Recorrente, carecendo igualmente de efeito útil o presente recurso.

Nestes termos, e nos mais de direito, peticiona-se pela improcedência do pedido apresentado pelo Recorrente, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA. »


*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto, notificado, emitiu pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 146.º n.º 1 do CPTA, concluindo: “…, não estão reunidos os requisitos para o conhecimento mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 25.º, n.º 2 do RJAT, designadamente por a decisão arbitral recorrida não consubstanciar uma decisão de mérito, pelo que somos do parecer que o mesmo não deve ser conhecido”.

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[ tramo 2 ]

Presente a extensão, acrescendo, sobretudo, desnecessidade, em função do sentido do veredicto a proferir infra, da consideração, pormenorizada, dos cenários factuais inscritos nas decisões envolvidas (recorrida e fundamento), optamos pela sua não transcrição, neste segmento, sem prejuízo de se ter, para todos os efeitos, por, integralmente, reproduzido o conteúdo do julgado, pelo tribunal arbitral e TCAS, em matéria de facto e convicção do julgador.


***

Não obstante, ter sido, em despacho liminar, admitido, pelo relator, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, impõe-se, aqui e agora, com a intervenção de todos os Exmos. Conselheiros, da Secção, que se avalie e julgue, em definitivo, de todos os pressupostos da sua admissibilidade/continuidade.

Assim, reconfirmado o preenchimento das exigências formais de admissibilidade (versadas no aludido despacho inicial), antes de avançar e indagar do cumprimento das condições/requisitos, substanciais, deste tipo de apelo, importa, circunstancialmente, aquilatar do preenchimento (ou não) de requisito, específico, privativo, inscrito no art. 25.º n.º 2 do RJAMT (« A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, (…). ») , isto é, a exigência, do legislador, de que a mesma questão fundamental de direito, decidida em sentido divergente pela decisão arbitral recorrida e pela decisão/acórdão fundamento, seja sobre o fundo da causa, relativa ao mérito da pretensão deduzida.

Compulsado o conteúdo do ponto « III - Saneamento » da decisão arbitral recorrida e sem prejuízo de outras considerações aí vertidas (Sob a epígrafe: “Incompetência em razão da matéria do tribunal arbitral”.), consta o seguinte: «

Inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte

6. Por despacho de 19 de junho de 2024, o tribunal arbitral suscitou oficiosamente a questão da inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte com fundamento na intempestividade da impugnação administrativa necessária a que se refere o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT, tendo determinado, nesse mesmo despacho, para efeito do exercício do contraditório, a notificação do Requerente para pronunciar quanto a essa possível exceção dilatória.

É esta a questão que cabe agora analisar.

Como se deixou exposto no antecedente ponto 5., nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), da Portaria 112-A/2011, os serviços e organismos que integram a Administração Tributária vinculam-se à jurisdição arbitral no tocante a qualquer dos tipos de pretensões identificadas o n.º 1 do artigo 2.º desse RJAT, com exceção das relativas à “declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” (CPPT).

No caso de impugnação de retenção na fonte, o artigo 132.º do CPPT estatui o seguinte:

(…).

O n.º 3 do artigo especifica, à semelhança do que sucede em caso de erro na autoliquidação, a que se refere o artigo 131.º, que a impugnação judicial será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos a contar da apresentação da declaração. Essa disposição, que tem igualmente aplicação quando a impugnação judicial seja deduzida pelo substituído, tem o sentido inequívoco de tornar exigível a prévia impugnação administrativa do ato tributário como condição de acesso à via jurisdicional, e constitui um requisito de impugnabilidade contenciosa.

Esse, aliás, é o princípio geral que resulta do artigo 185.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), subsidiariamente aplicável no processo arbitral, segundo o qual, “as reclamações e os recursos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contencioso de impugnação e de condenação à prática de ato devido”.

Por outro lado, a exigência legal de uma impugnação administrativa necessária tem em vista obter, por via de um procedimento de segundo grau, a reapreciação da legalidade do ato impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder ser suscitar um litígio judicial.

É ainda de fazer notar que a lei permite que o sujeito passivo, por sua iniciativa, possa solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 78.º, n.º 1, da LGT).

O pedido de revisão constitui igualmente um procedimento de segundo grau, que tem o mesmo efeito jurídico da reclamação necessária a que se refere o artigo 132.º do CPPT, na medida em que permite o reconhecimento pela Administração da existência de ilegalidade na prática do ato tributário, e que pode ser deduzido no mesmo prazo e desencadear, em idênticos termos, em caso de indeferimento, o recurso à via contenciosa.

Conferindo a lei ao interessado dois meios alternativos de reação administrativa contra o ato tributário, com idênticos efeitos de direito, nenhum motivo existe para que não possa estabelecer-se a equiparação entre esses meios para o efeito de sujeitar o litígio à arbitragem.

A questão em análise foi já dirimida nesse mesmo sentido por jurisprudência amplamente maioritária dos tribunais arbitrais (entre muitos, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 617/2015-T, 429/2020-T, 840/2021-T e 778/2023-T, e veio a ser sufragada pelo acórdão de 27 de abril de 2017 do TCA Sul, no Processo n.º 08599/17).

Tendo sido apresentado, no caso vertente, um pedido revisão oficiosa contra atos de autoliquidação, e sendo esse um meio administrativo equiparável à reclamação graciosa, a questão está na limitação que a lei estabelece quanto aos prazos que resulta dos dois segmentos normativos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT: o sujeito passivo, por sua iniciativa, pode solicitar a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou dentro do prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade (n.º 1, primeira parte); a Administração Tributária, por sua iniciativa, pode proceder à revisão oficiosa no prazo de quatro anos após a liquidação, com fundamento em erro imputável aos serviços, possibilidade que se torna extensiva ao contribuinte por força do n.º 7 do artigo 78.º da LGT.

No entanto, ainda que se atribua ao pedido de revisão oficiosa o mesmo efeito jurídico da reclamação graciosa, essa equivalência apenas pode ser reconhecida quando o pedido de revisão oficiosa tenha sido apresentado dentro do prazo previsto para aquela forma de impugnação administrativa, isto é, dentro do prazo de dois anos - artigo 132.º, n.º 3, do CPPT (cfr., neste sentido, os citados acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 840/2021-T e 778/2023-T na situação similar de impugnação no caso de erro na autoliquidação).

Ou seja, havendo lugar a prévia impugnação administrativa necessária para efeito de poder ser deduzida a impugnação judicial dos atos de retenção na fonte, o pedido de revisão oficiosa apenas pode ser entendido como preenchendo esse requisito procedimental se for apresentado no prazo de dois anos legalmente previsto para a reclamação graciosa.

No caso em análise, o que se constata é que o Requerente impugna atos de retenção na fonte realizados em 13 de maio de 2019, 12 de maio de 2020 e 22 de abril de 2021, e apresentou um pedido de revisão oficiosa em 18 de maio de 2023, e, fê-lo, portanto, para além do prazo de dois anos de que dispunha para interpor a reclamação graciosa.

Sendo assim, é de concluir que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado intempestivamente, para efeito de poder ser considerado como correspondendo à impugnação administrativa a que se refere o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT, pelo que se verifica a inimpugnabilidade dos atos tributários que constituem objeto do pedido arbitral por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto.

Refere a Requerente que, tendo sido apresentado pedido de revisão oficiosa dentro do prazo de quatro anos, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 7 do artigo 78.º da LGT, os atos de autoliquidação são impugnáveis, independentemente de se encontrar prevista a reclamação graciosa necessária no prazo de dois anos.

Não se põe em dúvida, e constitui jurisprudência pacífica do STA, que a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação, pode ser suscitada pelo contribuinte, com base em erro imputável aos serviços (cfr. acórdãos de 20 de março de 2002, Processo n.º 026580, de 12 de julho de 2006, Processo n.º 0402/06, e de 29 de maio de 2013, Processo n.º 0140/13). No entanto, numa interpretação conforme a unidade do sistema jurídico, uma tal possibilidade não pode inutilizar a exigência legal de impugnação administrativa necessária que consta do artigo 132.º, n.º 3, do CPTT, dentro do prazo aí previsto, e que constitui um requisito de impugnabilidade dos atos de retenção na fonte.

Nesse sentido aponta o acórdão do STA de 9 de novembro de 2022 (Processo n.º 087/22), onde se consigna, na situação abrangida pelo artigo 132.º do CPPT, que a formulação de pedido de revisão oficiosa do ato tributário pode ter lugar relativamente a atos de retenção na fonte, independentemente de o contribuinte ter deduzido reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, mas esta é necessária para efeitos de dedução de impugnação judicial.

Em conclusão:

Verifica-se a exceção dilatória de inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte, suscitada oficiosamente pelo tribunal arbitral, uma vez que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado para além do prazo de dois anos, e, por conseguinte, a impugnação judicial não foi precedida de impugnação administrativa necessária, conforme impunha o artigo 132.º, n.º 3, do CPPT).

Exceções de conhecimento prejudicado.

7. Face à decisão de inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação, fica prejudicado o conhecimento da exceção dilatória de ilegitimidade ativa do Requerente.

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

8. Não sendo de tomar conhecimento do pedido arbitral de declaração de ilegalidade dos atos de retenção na fonte e da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, fica necessariamente prejudicado o conhecimento dos pedidos acessórios de reembolso do imposto liquidado e do pagamento de juros indemnizatórios. »

A consideração dos parágrafos antecedentes, permite-nos, sem margem para hesitações, concluir que a decisão arbitral recorrida não se debruçou sobre o mérito da pretensão deduzida, pelo requerente da intervenção da arbitragem tributária e, agora, rte, na parte respeitante ao pedido de anulação de certos e determinados atos de autoliquidação.

E se alguma reserva pudesse surgir no estabelecimento desta conclusão, os termos, explícitos, da decisão final, com a afirmação, textual, de absolvição (da AT) da instância, “quanto ao pedido principal”, impõem entender, numa, incontornável, ótica processual, que o tribunal arbitral, não judiciou sobre o fundo/mérito da causa.

Destarte, a decisão arbitral recorrida não conheceu, por impedimento decorrente da verificação/procedência de uma exceção (“dilatória”), do mérito da pretensão deduzida, quanto ao pedido de anulação “dos atos de retenção na fonte com natureza definitiva em sede de IRC, que incidiram sobre dividendos referentes ao período de tributação de 2019, 2020 e 2021, no montante de € 139.595,30, bem como da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra eles deduzida, (…) (Cf. identificação constante da parte inicial da decisão recorrida.), pelo que, ficou impossível, por lei (art. 25.º n.º 2 do RJAMT), confrontá-la com qualquer outra, apesar de esta poder ter decidido o mesmo tipo de pretensão/questão, apoiada em fundamentos equivalentes, similares, aos pretendidos esgrimir pelo rte.


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[ tramo 3 ]

Pelo exposto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não admitir este recurso para uniformização de jurisprudência.


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Custas pelo recorrente.

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Comunique-se ao caad.

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[texto redigido em meio informático e revisto]


Lisboa, 22 de janeiro de 2025. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro – Catarina Alexandra Amaral Azevedo de Almeida e Sousa.