Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02227/21.2BELSB
Data do Acordão:10/02/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
REQUISITOS
Sumário:I – O art. 109º, 1 do CPTA, no seguimento do art. 20º, n.º 5 da Constituição prevê um meio processual próprio de natureza urgente, para garantir o exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades e garantias – Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.
II - Para que este meio processual possa ser usado é necessário que seja invocada, em primeiro lugar, (i) a existência de um “direito, liberdade ou garantia”,. É ainda necessário que (ii) não exista outro meio processual disponível para assegurar o exercício daquele direito em tempo útil.
III – A doutrina jurisprudência têm, todavia, admitido que também cabem no âmbito do primeiro dos referidos requisitos a existência de direitos fundamentais análogos aos direitos, liberdades e garantia, por força do disposto no art. 17º da CRP.
IV – O direito de acesso e progressão na função pública, em regra por via de concurso, previsto no art. 47º, 2 da CRP é um direito fundamental, análogo aos direitos liberdades e garantias e, portanto, susceptível de integrar o primeiro dos requisitos acima referidos – existência de uma direito liberdade e garantia.
V – A violação do direito a ser ouvido em procedimento de recrutamento de um cargo de Director de Serviço, para manifestar interesse na ocupação do cargo, pode ser assegurado por outros meios processuais, pelo que não se verifica o segundo dos requisitos acima referidos (inexistência de outro meio processual disponível para assegurar o exercício daquele direito).
Nº Convencional:JSTA000P32680
Nº do Documento:SA12024100202227/21
Recorrente:AA
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DE LISBOA NORTE, E.P.E. (CHULN) E (OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

1. Relatório
1.1. AA, médico, assistente graduado sénior de ..., da carreira especial médica, no CHULN vem, nos termos do art. 150º do CPTA, recorrer, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Setembro de 2023, que concedeu provimento ao recurso interposto por BB da sentença do TAC de Lisboa, a qual julgou procedente a INTIMAÇÃO PARA DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS intentada por si contra o CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO de LISBOA NORTE, EPE – CHULN SAÚDE, indicando como Contra-interessados CC, DD, EE, FF, GG, HH e BB.
1.2. Na referida acção o Autor peticionou a condenação do CHULN SAÚDE a:
“1. ° A fazer cessar as funções de diretor de serviço que o contra-interessado BB que se encontra a exercer, por tudo o que atrás se expôs e ainda por violação do n.° 1 do Artigo 16.° e com a cominação da Lei 2/2004, de 15 de Janeiro;
2. A designar para o exercício do cargo o ora autor;
B.1. Mas, caso assim não se entenda, requer-se intimar o CHULN a designar o autor para, transitoriamente, exercer as funções de diretor de serviço, até ao recrutamento de novo titular.
C. A declarar a nulidade do procedimento concursal, publicada na 2° série do DR de 10 de Março de 2020, para preenchimento de um posto de trabalho na categoria de assistente graduado sénior em ...:
Caso assim não se entenda, requer-se intimar o CHULN a proceder a todos os atos necessários a expurgar este procedimento concursal dos vícios que o inquinaram, nomeadamente, expurgando do currículo do nomeado todos os atos conexos com o exercício do cargo de diretor de serviço, desde a sua nomeação em 2016, até à cessação efetiva das suas funções.”

1.3. No decorrer do processo, na primeira instância, o autor modificou o pedido, nos seguintes termos:
“(…)

Assim, devem os autos prosseguir, por se verificar a reiterada violação do artigo n. 2 do 47º da CRP, bem como a verificação dos demais pressupostos do artigo 109º do CPTA, requerendo-se a Vossa Exa. se digne, para evitar a perda irremediável do Direito do autor aceder ao cargo de Director de Serviço do … do CHULN, em condições de igualdade:
1º Intimar o Ré a proceder à abertura do procedimento concursal de manifestação de interesse, previsto no nº 3 do artigo 99º do DL 52/2022 de 4 de Agosto.
2º Intimar o Réu a fazer cessar as funções de serviço do CI, procedendo à designação provisória para ocupar o cargo, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 2 do artigo 27º do Lei 2/ 2004, ex vi artigo 66º do DL Dl 52/2022 de 4 de Agosto e n.º 1 da Lei 2/2004, aplicados às circunstâncias existentes à data da jurídica violação, de molde a que seja restabelecida a situação existente à data da primeira nomeação.
(…)”


1.3. O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, (i) declarou nulo o acto de renovação da comissão de serviço do Contra-interessado, de 13.02.2020, e com efeitos reportados a 01.11.2019, bem como (ii) intimou o Conselho de Administração do CHULN SAÚDE, a, caso seja necessário ocupar a vaga de director do serviço de ..., promover no prazo de 30 (trinta) dias o procedimento previsto no artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de Agosto, designadamente com a publicitação de aviso com vista à manifestação de interesse pelos potenciais interessados, sem prejuízo de até à conclusão do procedimento, nomear, nos termos legalmente previstos, um director interino ou a título provisório
1.4. Interposto recurso para o TCA Sul, este concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida, julgando a Intimação para a Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias, meio processual inidóneo ao fim pretendido, devendo os autos baixar à 1ª Instância a fim de ser proferido convite à substituição da Petição em função do que foi decidido.
1.5. Deste aresto é interposto o presente recurso de revista, tendo o Autor concluído, quanto ao mérito:
«C1. Entende o Recorrente que do supra exposto, o thema decidendum, do presente recurso cai no âmbito do Recurso Excepcional de Revista, por força do estabelecido nos n.º 1 e 2 do Artigo 150.º do CPTA:
“A apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, desde que a Revista tenha como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.”
C.2. Trata-se da discussão sobre as condições legais de admissão para um cargo de Director de Serviços, de um Centro Hospitalar Universitário, isto é: se as designações do CI recorrido, desde 2016, são nulas e se a candidatura a este tipo de cargo cai na protecção do artigo 47º da Constituição, tendo em consideração, para o que agora releva, o seguinte:
a) O cargo está a ser exercido pelo CI recorrido, desde 2016 até ao presente:
b) O ora recorrente arguiu a nulidade da primeira designação, por violação do nº 1 do artigo 23º do DL 177/2009, por falta de fundamentação e de falta da categoria profissional e habilitações académicas do CI Prof. BB, ora recorrido, para o exercício do cargo, que levou a Ordem dos médicos a considerar que os serviços assistenciais e a qualidade da formação dos internos da especialidade do Serviço de ... deixaram de estar garantidos. E, como tal, suspendeu a capacidade formativa do serviço até ao final de 2019.
c) Pugnou pelo seu direito a exercer o cargo, em vez do CI, uma vez que lei impunha que o cargo fosse exercido por um Assistente Graduado Sénior, o grau de topo da carreira médica hospital e doravante apenas AGS.
d) Ora, o CI designado, nem era AGS, nem podia candidatar-se a sê-lo por não perfazer os requisitos na categoria, para essa candidatura, nem era doutorado em Medicina, mas em ciências da saúde/ Fisiologia não clínica, enquanto o então autor e ora recorrente, era e é o único catedrático da especialidade de …, regente da Cadeira de … na faculdade de Medicina de Lisboa. Para além dos currículos que os diferenciavam, que falavam por si.
e) Apesar da consumação do seu exercício do cargo em 2016, tornava-se relevante a desconsideração do currículo que o CI daí retirou, para efeitos do futuro da seleção para o cargo, prevista para Novembro de 2022, a data em que o CI cessaria a sua segunda comissão de serviço.
f) A primeira instância, na óptica do ora recorrente, não conheceu a nulidade desta designação, o que levou a interpor recurso por esta omissão.
g) Em 2019 a entidade demandada renovou a comissão de serviço do CI recorrido.
h) O recorrente também pediu que o tribunal declarasse a nulidade desta designação, desta feita, por entender que a vacatura do cargo devia ter sido posta a concurso. Defendeu esta cominação com a publicação do DL 18/2017 de 10 de Fevereiro, que assim o impunha, sem prejuízo do termo das comissões de serviço em vigor:
Artigo 28.º
Processos de recrutamento
1 - Os processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a desenvolver e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação, bem como da publicidade, exceto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.
2 - Os diretores de departamento e de serviço de natureza assistencial são nomeados de entre médicos, inscritos no colégio da especialidade da Ordem dos Médicos correspondente à área clínica onde vão desempenhar funções e, preferencialmente, com evidência curricular de gestão e com maior graduação na carreira médica.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, os procedimentos com vista à nomeação de diretor de serviço devem ser objeto de aviso público, de modo a permitir a manifestação de interesse individual.
Artigo 37.º
Mandatos e comissões de serviço
1 - A entrada em vigor do presente decreto-lei não implica a cessação dos mandatos membros dos conselhos de administração e das comissões de serviço em curso, os quais mantêm a duração e o cargo inicialmente definido, mantendo-se em funções até à sua substituição.

C.3. Este diploma foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de Agosto, que publicou os novos estatutos de Estatuto Nacional de Saúde, se bem que o regime dos processos de recrutamento tivesse sido mantido:
Artigo 99.º
Processos de recrutamento
1 - Os processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a prestar e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação, bem como da publicidade, exceto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.
2 - Os diretores de serviço e de departamento de natureza assistencial são nomeados de entre médicos, inscritos no colégio da especialidade da Ordem dos Médicos correspondente à área clínica onde vão prestar funções e, preferencialmente, com evidência curricular de gestão e com maior graduação na carreira médica.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, os procedimentos com vista à nomeação de diretor de serviço devem ser objeto de aviso público, de modo a permitir a manifestação de interesse individual.
Artigo 100.º
Regime transitório dos trabalhadores com vínculo de emprego público
1 - Os trabalhadores com vínculo de emprego público que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, estejam providos em postos de trabalho dos mapas de pessoal do estabelecimento de saúde, E. P. E., mantêm integralmente o seu estatuto jurídico, sem prejuízo do disposto na LTFP, na sua redacção atual.
2 - Os mapas de pessoal das unidades de saúde referidas no número anterior mantêm-se com caráter residual exclusivamente para efeitos de desenvolvimento da carreira daqueles trabalhadores, sendo os respetivos postos de trabalho a extinguir quando vagarem, da base para o topo.
3 - Os concursos de pessoal que estejam pendentes e os estágios e cursos de especialização em curso à data de entrada em vigor do presente decreto-lei mantêm-se válidos.
4 - Os trabalhadores a que se refere o presente artigo podem optar a todo o tempo pelo regime do contrato de trabalho nos termos dos artigos seguintes.

C.4. Antes de ser proferida a sentença revogada, a instância sofreu alterações, nos termos infra expostos, sendo que o thema decidendo foi equacionado na mesma sentença, de acordo com o excerto do relatório abaixo transcrito:

“ (...) caso seja deferir a intimação, e sem prejuízo do que se disse sobre a conduta que o Tribunal entenda ser a indispensável e mais adequada ao fim visado, haverá que saber se é de declarar nula a renovação da nomeação do CI, de 13.02.2020, e cujo mandato estava em curso há data da entrada da acção e se quer em sequência da eventual nulidade quer simplesmente por ter entretanto terminado o período do mandato do CI - deve o Demandado ser intimado a proceder à abertura de novo procedimento com vista à ocupação do cargo de director de serviço, eventualmente com a nomeação de um director interino ou provisório para o período de tempo que demorar a conclusão do referido procedimento”.

C.5 A equação jurídica supra, surgiu em momento prévio à prolação da sentença e de acordo com seu relatório, de acordo com os excertos abaixo transcritos:

“por despacho de 08.09.2022, que aqui se dá por reproduzido, foi suscitada a pronúncia das partes sobre a eventual inutilidade superveniente da lide, face ao aproximar do termo da comissão de serviço do CI como director de serviço, actualmente em curso, com a consequente necessidade de abertura de novo procedimento de selecção.”

C.6 Na sequência, como também decorre dos pressupostos/ relatório da sentença, a Entidade Demandada, o CHULN, informou os autos de que pretendia renovar, de novo, em 2022, a comissão do contra-interessado Prof BB, ora Recorrido.

C.7 Já o autor, ora recorrente, face aos pressupostos do despacho, alterou o seu pedido, como resulta do relatório dos dois excertos da mesma sentença infra-transcritos:
Face à “ulterior posição do Demandado em como não pretendia abrir novo procedimento no termo da comissão de serviço que estava em curso, mas antes renová-la mais uma vez), há que admitir a redução e “ampliação” /modificação dos pedidos, requerida pelo Autor.
Também se equivoca o Demandado quanto aos pedidos actuais – após redução e “ampliação” /modificação - porquanto o Autor já não peticiona a sua nomeação para o cargo, nem mesmo provisória, mas apenas a abertura de procedimento para o efeito, com nomeação de um director interino ou provisório sem especificar quem o deve ser.

C. 8. Posto isto, se os três requisitos do presente recurso de revista são alternativos, o recorrente entende que os três cumulativamente se verificam no presente recurso.

Se não, vejamos:

C.9. O que se questiona é se, face à sobredita alteração da instância, a sentença revogada decidiu bem, quando considerou que, face aos fins em vista, a tutela efectiva dos direitos do autor a acautelar, que reputou com a natureza de DLGs, impõem uma decisão definitiva, não se afigurando possível a sua tutela, com uma medida cautelar provisória, que venha a confirmar a existência de tais direitos,
C.10. Ora, a resposta a esta questão deve levar em consideração que, apesar da alteração do pedido do Recorrente, a causa de pedir da acção, se manteve, isto é:
i) À data da propositura da acção o autor tinha 65 anos, pelo que a sua aposentação haveria de ocorrer, obrigatoriamente, até aos setenta anos.
ii) E, se havia sido esbulhado do direito a exercer o cargo, em 2016, não lhe tinha sido possível candidatar-se ao cargo em 2019, uma vez que a entidade demandada violou os artigos 27º e 37º do Dl 18/2017 de 18 de Fevereiro.
iii) Assim sendo, impunha-se garantir que no derradeiro procedimento concursal de recrutamento para o cargo, a ocorrer no termo da segunda comissão de serviço do CI recorrido, ficavam asseguradas as condições de Igualdade, Transparência e Imparcialidade, de acordo com o estabelecido no artigo 28º supra. Para tanto, todo o currículo que obteve ilicitamente, havia
iv) de ser desconsiderado.
C. 12. Não obstante, o douto acórdão recorrido, aderiu à tese do recorrido CI e do Ministério público, a saber:
C.11. É que, como bem entendeu a sentença recorrida, a não ser assim, o Direito Fundamental com assento artigo 47º da CRP, desde 2016, fortemente comprimido, ficaria irremediavelmente perdido.
“A Sentença recorrida padece de manifesto erro de julgamento na parte em que declara a nulidade do ato de renovação da comissão de serviço do Contrainteressado, de 13.02.2020, e com efeitos reportados a 01.11.2019, bem como na parte em que intima o CHULN, através dos membros do seu Conselho de Administração a, no prazo de 30 dias, promover o procedimento previsto no artigo 99.° do Decreto-Lei n.° 52/2022, de 4 de agosto, designadamente com a publicitação de aviso com vista à manifestação de interesse pelos potenciais interessados.
Não estão verificados os pressupostos de aplicação da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, consagrada nos artigos 109.° e ss. do CPTA, pelo que a decisão recorrida erra e viola as disposições citadas ao admitir a presente intimação.
Não se verifica, desde logo, no presente caso, a afetação de um direito, liberdade ou garantia, porquanto o direito de que se arroga o Autor - o direito de acesso à função pública - não se reconduz à pretensão por si aduzida.”
C.13. Ora, aderindo a tal tese, o Venerando acórdão recorrido determinou:
Que as “circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar.
«esta «inadequação» não acarreta, na economia deste meio processual, o fim da respetiva instância, mas antes o convite ao autor para substituir a petição inicial por pertinente requerimento cautelar, tendo tal convite por momento processual adequado o da apreciação liminar [artigo 110º -A, nº1, do CPTA].
A imposição legal daquele convite, aliada à situação concreta deste processo, legitima-nos a extrair duas conclusões: que não deveremos recorrer ao instituto da convolação, uma vez que é a própria lei a prever a substituição da petição inicial; e que não é justo que o ora recorrente seja prejudicado pela falta daquele convite à substituição, porque o mesmo, se correspondido, fá-lo-ia beneficiar da data de entrada da primitiva petição inicial em juízo.
Assim, o pedido subsidiário do autor, que vai claramente no sentido de tirar proveito do meio processual que intentou, deverá, atentas as circunstâncias do caso, ser entendido como possibilidade de substituir - embora fora do momento processual adequado - o seu articulado inicial.» - Ac. do STA, de 2304-2020, proc. n.º 0740/19.0BEPRT.”
C.14 Não valer a tese de que o pedido da publicação de uma vaga para um cargo público, para que o recrutamento para o cargo, vá “claramente no sentido de tirar proveito do meio processual” de quem, à beira da aposentação, reclama pela mesma. Menos ainda se aceita que o afirmado no acórdão recorrido, “não é justo que o ora recorrente seja prejudicado pela falta daquele convite à substituição, porque o mesmo, se correspondido, fá-lo-ia beneficiar da data de entrada da primitiva petição inicial em juízo.”
C.15. O pedido de que a vaga seja posta a concurso e que a selecção dos candidatos respeite os princípios da igualdade e da transparência, jamais beneficiará quem pela mesma reclama.
C.16. Aliás, a não ser assim, o respeito do Direito Fundamental, consignado no artigo 47º da CRP. Só pode prejudicar o recorrente ou quaisquer outros candidatos, que não sejam o CI, até agora mantido no cargo, sempre com violação da legislação ordinária que o rege, do 47º da CRP e direitos análogos aos DLG, consignados nos artigos 266º e 268º da CRP.
C.17. Daí que pareça que não pode deixar de se considerar manifesto o erro na aplicação do Direito, quando o douto Acórdão, decidiu como decidiu, isto é:
Assim, acolhendo e adotando o referido entendimento, decidir-se-á em conformidade.
E, “Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao Recurso do Contrainteressado BB, revogando-se a decisão recorrida, julgando-se a Intimação para a defesa de direitos, Liberdades e Garantias, meio processual inidóneo ao fim pretendido, devendo os autos baixar à 1ª Instância a fim de ser proferido convite à substituição da Petição em função do que se discorreu.
C.18. Relevante é também a superveniência da designação do CI recorrente, nos termos em que o foi: não por via de um recrutamento concursal e com obediência aos princípios plasmados nos artigos artigo 99º dos Estatutos do SNS. E, mais uma vez, violando o Direito Fundamental plasmado no artigo 47º da CRP, dos que se candidataram ao cargo, entre os quais o recorrente. Veja-se o modo como foi seleccionado o CI, mesmo sob Intimação Judicial:
A vaga foi publicitada, de acordo com a Intimação proferida na primeira Instância:
“Em resposta ao V. email somos a informar pela inexistência de grelha classificativa ou constituição de júri, porquanto o presente procedimento para nomeação de Diretor de Serviço prevê apenas uma manifestação de interesse individual, nos termos do disposto no art.º 99.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04/08.
O presente procedimento deve ser objecto de aviso público, de modo a permitir a manifestação de interesse individual dando-se assim cumprimento aos princípios legais que regulam a matéria, nomeadamente os princípios da imparcialidade, da transparência, da igualdade de oportunidades e da não discriminação, sem haver lugar a uma valoração comparativa entre os candidatos, mas apenas uma verificação sobre o cumprimento das exigências legais para o exercício das correspondentes funções”.
Cuja designação foi publicada no sítio de intranet da entidade demandada em http://intranet/index.php/o-chln/conselho-de-administração (separador Deliberações Reunião CA).
C.19. Aqui chegados, não há como não dar razão ao decidido na sentença, isto é:
Concorda-se com o Autor quando entende que a situação em apreço, face ao peticionado, não é compatível com uma tutela ou pronúncia provisória, exigindo uma decisão definitiva. Aliás, se procedente a pretensão do Autor e for declarada nula a renovação da comissão de serviço do atual diretor do serviço de ... e intimado o Demandado a proceder a novo procedimento com vista à ocupação desse cargo, esgota-se aí o efeito da ação, nada tendo ou podendo ter de provisório.
Esta circunstância afasta, desde logo, a possibilidade prevista no artigo 110.°-A do CPTA.
Também se mostra suficientemente caracterizada e consubstanciada a alegação de afetação de um direito, liberdade ou garantia.
(...)
Ora, o Autor invoca, entre o mais, a violação do disposto no artigo 47.°, n.° 2, da CRP, o qual prevê que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
Desde logo, porquanto ao não existir um procedimento prévio de convite à manifestação de interesse na ocupação do cargo de diretor de serviço, não ser possível garantir o direito que resulta do preceito citado (o qual, como é pacífico, inclui não apenas o direito de acesso - inicial - à função pública mas também o direito de acesso a demais cargos públicos e promoções).
Quanto à urgência, e sabendo que esta não constitui um pressuposto autónomo e que tem de ser sempre apreciada no contexto do caso concreto, também se mostra suficientemente demonstrada.
De facto, tendo o Autor 65 anos à data da entrada da ação e atendendo à idade normal de aposentação, bem como o limite de idade legalmente previsto, é de admitir a urgência no assegurar o exercício, em tempo útil, do seu direito a concorrer ao cargo em condições de igualdade e liberdade.
Não se trata do direito subjetivo do Autor a ocupar o cargo em causa - pedido, de resto, já retirado pelo próprio Autor -, mas do direito a, pelo menos, ter oportunidade de manifestar o seu interesse no mesmo e poder ser considerado para a nomeação, nos termos legalmente previstos para o efeito.
Estão, assim, reunidos todos os pressupostos para o recurso à presente intimação.
(...)”.
C. 20 Aliás, esta posição está em conformidade com a jurisprudência defendida pelo tribunal Constitucional:
a) [O] direito à função pública, não podendo nenhum cidadão ser excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma determinada função em particular, por outros motivos que não seja a falta dos requisitos adequados à função (v.g. idade, habilitações académicas e profissionais); b) a regra da igualdade e da liberdade, não podendo haver discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em fatores irrelevantes, nem por outro lado, regimes de constrição atentatórios da liberdade; c) regra do concurso como forma normal de provimento de lugares, desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de provimento de lugares sem concurso» (cfr., no mesmo sentido, os Acórdãos n.ºs 371/89, 157/92, 340/92, 683/99, 368/2000, 406/2003, 61/2004 e 491/2008). ACÓRDÃO N.º 509/2015/Processo n.º 179/15/2ª Secção/ Relator: Conselheiro Pedro Machete
C.21. Mais: os pressupostos do decidido pelo acórdão recorrido, em alinhamento com o MP, já nem se verificam, revelando que a natureza do que se discute não é compatível com medidas provisórias, que os direitos controvertidos, não se compadecem de decisões que os confirmem muitos anos depois do recorrente já estar jubilado, isto é muitos anos depois dos três anos da comissão de serviço prevista para a exercício do cargo sub juditio, cuja vaga foi publicitada, mas de novo subtraída dum recrutamento transparente e imparcial.
Mais ainda: os direitos contravertidos não são susceptíveis de medidas provisórias, que esgotariam a acção principal subsequente.
C22 Questiona-se mesmo que medida provisória podia ser tomada. Com efeito, o que levou o CI a perspetivar-se ficar mais três anos no cargo, nada tem a ver com os pressupostos que levaram ao decidido no aresto recorrido.
C.23. E se, em tese, a questão de direito aqui discutida, conjugada com a lei da inexorável irreversibilidade do tempo o cargo que continua a ser exercido pelo CI. não pode vir a ser “des-exercido”, só pode levar a concluir que nenhuma medida provisória pode acudir ao direito que, a não ser um tutelado por acção que o julgue definitivamente e de forma urgentíssima, ficará irremediavelmente perdido, perda esta que nunca seria irreversível para o CI recorrido:
Este que sempre poderá figurar no concurso de 2025. Já o ora recorrente, com os 66 anos, no presente, teria de se confrontar com o facto consumado de se ter visto irreversivelmente, primeiro afastado do cargo e, depois impedido de se candidatar ao cargo.
C.24. Aliás, assim já foi também entendido numa outra douta sentença. Veja-se a propósito o prolatado numa outra sentença, num concurso ao mesmo cargo, numa situação em que o requerente tinha 61 anos e não os 65 que o autor tinha à data:
“Não se afigurando proporcional que, durante a pendência da acção principal, nenhum dos candidatos fique a exercer o cargo em questão nos autos, cargo tem a duração de três anos, e esse período não se afigura suficiente para definir uma situação jurídica que dependa de um meio cautelar e da subsequente acção principal que o confirme ou infirme. Em face das circunstâncias apontadas, o uso de um meio principal não urgente, mostra-se imprestável para alcançar o intento do Requerente – que é o de exercer o cargo de Responsável do Serviço de Cirurgia Geral, implementando a médio prazo o projecto que apresentou na sua candidatura – por não se antever que viesse a ser proferia uma decisão final definita até ao termo do período previsto para o exercício do cargo em questão, assim como, em tempo de o Requerente se encontrar em idade já muito próxima da idade da reforma e/ou jubilação.
O pleno exercício direito á carreira importa que o investimento feito na mesma tenha lugar com segurança e certeza jurídica quanto ao efectivo resultado e enquadramento legal, seja no sentido de exercer ou não o cargo em questão; pelo que, não se compadece com a tomada de uma decisão provisória. E, há outra razão para a imprestabilidade da medida cautelar: em casos como este, qualquer medida adequada à tutela efectiva do Direito, esgotaria o objecto da ação de que fosse instrumental. Cf. SITAF/ Sentença, Processo n.º 1145/19.9BELSB, Intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias /19/12/2019) TACL
C.25 Daí que deva prevalecer o decidido na sentença:
Concorda-se com o Autor quando entende que a situação em apreço, face ao peticionado, não é compatível com uma tutela ou pronúncia provisória, exigindo uma decisão definitiva. Aliás, se procedente a pretensão do Autor e for declarada nula a renovação da comissão de serviço do atual diretor do serviço de ... e intimado o Demandado a proceder a novo procedimento com vista à ocupação desse cargo, esgota-se aí o efeito da ação, nada tendo ou podendo ter de provisório.
Esta circunstância afasta, desde logo, a possibilidade prevista no artigo 110.°A do CPTA.
C.26. Assim, estamos perante uma ofensa reiterada e continuada do DLG consignado no 47º da CRP, cuja inserção sistemática na Lei fundamental torna indiscutível essa sua natureza. Que este Direito carece de tutela urgente, que a acção própria para o efeito é a do art.º 109º do CPTA. Que revogar a decisão que assim decidiu, implica a violação de um outro DLG: ínsito no n.º 5 do artigo 20º da CRP. E que se revela inconstitucional a interpretação de que os recrutamentos para o cargo previstos no artigo 99º do Estatutos do Serviço Nacional de Saúde, não estão abrangido pelas Garantias do 47º da CRP.
C 27. Que além do DLG que está em causa, está também em causa o interesse público de preservar as competências académicas, técnicas e científicas, do cargo de Diretor de Serviços de Instituições que, além de serviços assistenciais, formam os futuros especialistas, que prestarão serviços assistenciais em serviços públicos e privados A violação das regras de acesso ao cargo, terão, necessariamente, consequências, no bem público que é a saúde,
C.28. Devem, pois, os autos prosseguir no rito do artº 109º do CPTA, baixando à segunda instância para que se apreciem os recursos cuja utilidade ainda se revele pertinente, dado o facto superveniente já ocorrido.
Nestes termos, requer-se a Vossa Exa, se dignem admitir o presente recuso de revista, porquanto:
O Venerando Tribunal recorrido, salvo o devido respeito, aplicou mal o Direito, substantivo e processual, sustentando que o cargo dos autos, não cai na tutela do artigo 47º da CRP e que o autor ora recorrente não estava à beira de perder, irreversivelmente, o direito subjetivo de se candidatar ao mesmo em condições de igualdade, até inviabilizadas pelos privilégios concedidos ao CI recorrido.
E, assim decidindo, farão Vossas Excelências, Colendos Conselheiros, a Costumada Justiça!»
*
1.6. O recorrido contra-alegou, concluindo:
«A. O presente recurso excecional de revista foi interposto do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul a 27/09/2023, no qual se decidiu julgar a Intimação para a defesa de Direitos, Liberdades e Garantias, meio processual inidóneo ao fim pretendido pelo Autor/Recorrente e que os autos baixassem à 1ª Instância a fim de ser proferido convite à substituição da Petição para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar.
B. Das alegações do Recorrente não resulta demonstrada a incorreção ou erro jurídico da referida decisão e que a exceção de impropriedade do meio processual e falta de verificação dos pressupostos do nº 1 do art. 109º do CPTA não se verifica.
C. Não está em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental.
D. Nem tão pouco a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.
E. Nem estamos perante situação em que o Supremo Tribunal Administrativo possa ter uma intervenção que deva servir para orientar os tribunais inferiores, definindo o sentido que deve presidir à respetiva jurisprudência em questões que considere mais importantes ou que considere necessárias para uma melhor aplicação do direito.
F. Pelo contrário, estamos perante um caso cuja matéria em análise abrange, tão só, uma natureza particular.
G. Pelo que, face aos requisitos legais do art. 150º do CPTA, o presente recurso não é admissível.
Neste termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, não deverá o presente recurso de revista ser admitido, com todos os efeitos legais.»

1.7. Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 07 de Dezembro de 2023, foi admitida a revista, com a fundamentação seguinte:
«(…)
O tribunal de 1ª instância - TAC de Lisboa - julgou improcedente esta excepção, e, no tocante ao mérito, declarou a nulidade do acto de renovação da comissão de serviço do contra-interessado, de 13.02.2020, com efeitos reportados a 01.11.2019, e intimou o CHULN - através dos membros do seu «Conselho de Administração» - a, no prazo de 30 dias, e sendo necessário ocupar a vaga de director de serviço de ... promover o procedimento previsto no artigo 99º do DL nº52/2022, de 04.08, designadamente com a publicitação de aviso com vista à manifestação de interesse de potenciais candidatos, sem prejuízo de até à conclusão do procedimento nomear, nos termos previstos na lei, um director interino ou a título provisório».
A respeito, diz-se na respectiva sentença nomeadamente o seguinte: concorda-se com o autor quando entende que a situação em apreço, face ao peticionado, não é compatível com uma tutela ou pronúncia provisória, exigindo uma decisão definitiva. Aliás, se procedente a pretensão do autor e for declarada nula a renovação da comissão de serviço do actual director do serviço de ... e intimado o demandado a proceder a novo procedimento com vista à ocupação desse cargo, esgota-se aí o efeito da acção, nada tendo ou podendo ter de provisório. Esta circunstância afasta, desde logo, a possibilidade prevista no artigo 110º-A do CPTA. […] Também se mostra suficientemente caracterizada e consubstanciada a alegação de afetação de um direito, liberdade ou garantia. […] Ora, o autor invoca, entre o mais, a violação do disposto no artigo 47º, nº2, da CRP, o qual prevê que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso. Desde logo, porquanto ao não existir um procedimento prévio de convite à manifestação de interesse na ocupação do cargo de director de serviço, não ser possível garantir o direito que resulta do preceito citado [o qual, como é pacífico, inclui não apenas o direito de acesso - inicial - à função pública, mas também o direito de acesso a demais cargos públicos e promoções]. Quanto à urgência, e sabendo que esta não constitui um pressuposto autónomo, e que tem de ser sempre apreciada no contexto do caso concreto, também se mostra suficientemente demonstrada. De facto, tendo o autor 65 anos à data da entrada da acção, e atendendo à idade normal de aposentação, bem como o limite de idade legalmente previsto, é de admitir a urgência no assegurar o exercício, em tempo útil, do seu direito a concorrer ao cargo em condições de igualdade e liberdade. Não se trata do direito subjectivo do autor a ocupar o cargo em causa - pedido, de resto, já retirado pelo próprio autor -, mas do direito a, pelo menos, ter oportunidade de manifestar o seu interesse no mesmo e poder ser considerado para a nomeação, nos termos legalmente previstos para o efeito. Estão, assim, reunidos todos os pressupostos para o recurso à presente intimação. […].
O tribunal de 2ª instância - TCAS - confrontou-se com três «apelações» - do autor, da entidade demandada, e do contra-interessado - mas acabou por conhecer apenas a do contra-interessado e de julgar procedente o, por este invocado, erro de julgamento de direito sobre a excepção da «inidoneidade do meio processual de que o autor lançou mão». Assim, revogou a sentença recorrida, julgou a intimação meio processual inidóneo ao fim pretendido, e ordenou «a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância», para aí ser dirigido convite ao autor em ordem à substituição da petição inicial.
Entendeu-se, fundamentalmente, no acórdão do tribunal de apelação, com ampla base jurisprudencial - cita arestos dos tribunais centrais e deste STA - que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação da natureza da que é pretendida pelo autor, por se bastarem com a adopção de uma providência cautelar. E mais se entendeu que tal inadequação não acarreta - na economia deste meio processual - o fim da instância, mas antes o convite ao autor para substituir a petição inicial por um pertinente requerimento cautelar, tendo tal convite por momento processual adequado o da apreciação liminar - artigo 110º-A, nº1, do CPTA. E concluiu-se que a imposição legal desse convite, aliada à situação concreta dos autos, determinava que não se deveria recorrer ao instituto da convolação, uma vez que é a própria lei a prever a substituição da petição inicial, e que não seria justo prejudicar o autor pela falta daquele convite à substituição, porque o mesmo, se correspondido, fá-lo-ia beneficiar da data de entrada da petição primitiva em juízo.
O autor discorda do assim decidido, e pede revista do acórdão do tribunal de apelação apontando-lhe «erro de julgamento de direito». Defende que o processo urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias - artigos 109º a 111º do CPTA - é o meio indispensável a proteger o direito fundamental com assento no artigo 47º da CRP, fortemente ameaçado no caso concreto, e o meio que melhor protege o interesse público - artigo 266º da CRP - e melhor satisfaz o direito a uma tutela jurisdicional efectiva - artigos 20º, nº5, e 268º da CRP. Alega que tais direitos, no caso, não são susceptíveis de medidas provisórias que, para serem eficazes, esgotariam o objecto da subsequente acção principal. Alega, por fim, que entender, como parece ter entendido o acórdão recorrido, que o recrutamento para o cargo previsto no artigo 99º do ESNS - Estatuto do Serviço Nacional de Saúde - não está abrangido pelas garantias do artigo 47º, da CRP, é inconstitucional.
Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A questão nuclear colocada na presente revista cifra-se na aferição do preenchimento, no caso, dos «pressupostos de utilização» deste meio processual da intimação prevista nos artigos 109º a 111º do CPTA. Mais concretamente, se ela é indispensável para que o direito previsto no artigo 47º da CRP - que o «recorrente» se arroga - não corra o risco de ficar fortemente comprimido ou até irremediavelmente perdido sem esta tutela célere e principal. A utilização deste meio processual é frequentemente objecto de litígios, e os contornos da sua utilização, que têm vindo a ser delineados pela nossa jurisprudência - amplamente citada no acórdão recorrido -, ainda não se apresentam suficientemente claros, e seguros, sobretudo de modo a induzir uma decisão desse género no presente caso. Na verdade, os contornos factuais do mesmo mostram-se algo complexos e resistem a uma subsunção fácil à hipótese legal do artigo 109º do CPTA. E tanto assim que deram origem a duas decisões dos tribunais de instância diametralmente opostas, o que, por si só, é bastante significativo. Decisões, diga-se, que não são muito convincentes nas soluções díspares que adoptam, necessitando, o acórdão recorrido, de uma abordagem que prime por uma maior clareza na subsunção do caso em litígio ao direito adjectivo pertinente, visando uma convicta pacificação das partes.
É, pois, em nome da clara necessidade de uma melhor aplicação do direito na vertente da simplificação e clarificação da decisão judicial e seus fundamentos, que o presente recurso de revista deverá ser admitido.
Assim, em nome da necessidade de clarificação da abordagem e da solução a dar ao presente litígio justifica-se a admissão do recurso de revista.
Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.»
1.8. Cumprido o art. 146.º, n.º1, do CPTA, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta não se pronunciou.
1.9. Sem vistos por não serem devidos, foi o processo submetido à conferência para julgamento do recurso.
+
2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto

O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

“1. O Autor é médico, com a categoria de assistente graduado sénior - desde 2001 - da carreira médica hospitalar de ... no Serviço de ... do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, E.P.E., vinculado por contrato de trabalho em funções públicas (facto não controvertido).
2. O Autor nasceu em ../../1956 (facto não controvertido e cf. documento 3, com a petição inicial).
3. Em 27.10.2016, a Directora Clínica do Demandado elaborou uma proposta de nomeação, com o seguinte teor:
"[...]

[IMAGEM]

[...]" (facto não controvertido e cf. documento 2, com a petição inicial).
4. Com base na proposta referida em 3., em reunião na mesma data, o Conselho de Administração do Demandado deliberou nomear o CI para o cargo de Director do Serviço de ..., em comissão de serviço, pelo período de três anos, com efeitos a partir de 01.11.2016 (facto não controvertido e cf. documento 3, com a contestação do Demandado).
5. Em 12.02.2020, o Director Clínico do Demandado elaborou proposta de renovação da comissão de serviço do director do serviço de ..., com o seguinte teor:
"[...]

[IMAGEM]

6. Com base na proposta referida em 5., em reunião do Conselho de Administração do Demandado de 13.02.2020, foi deliberada a aprovação da proposta de renovação da comissão de serviço no cargo de Director do Serviço de ... do CI, pelo período de três anos, com efeitos a 01.11.2019, nos termos do artigo 39.º do Regulamento Interno do CHULN, artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 3 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 266-D/2012, de 31 de Dezembro (facto não controvertido e cf. documento 2, com a petição inicial).
7. Para a nomeação referida em 4. e para a renovação referida em 6., não houve lugar a publicitação ou convite prévios com vista à apresentação de candidaturas ou manifestações de interesse por parte de eventuais interessados na ocupação do cargo de director do serviço de ... (facto não controvertido).
8. A petição inicial da presente intimação deu entrada neste Tribunal em 16.12.2021 (cf. fls. 1 dos autos).»
*
Inexistem factos não provados com relevo para a decisão.

2.2. Matéria de direito
2.2.1. Objecto do recurso – questões a decidir
Como se explicitou no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo que admitiu a revista: “O tribunal de 2ª instância - TCAS - confrontou-se com três «apelações» - do autor, da entidade demandada, e do contra-interessado - mas acabou por conhecer apenas a do contra-interessado e de julgar procedente o, por este invocado, erro de julgamento de direito sobre a excepção da «inidoneidade do meio processual de que o autor lançou mão». Assim, revogou a sentença recorrida, julgou a intimação meio processual inidóneo ao fim pretendido, e ordenou «a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância», para aí ser dirigido convite ao autor em ordem à substituição da petição inicial.”
Está, portanto, em discussão apenas a questão que foi decidida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, qual seja a de saber se o processo de intimação para garantias de direitos liberdades e garantias, previsto nos artigos 109º e seguintes do CPTA é o meio processual adequado (como decidiu a primeira instância) ou não (como decidiu a segunda instância) para o presente caso.

2.2.2. Decisão da primeira instância
A decisão da primeira instância sobre a questão, ora em apreço, disse o seguinte:
“(…)
Dispõe o n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, sob a epígrafe "Pressupostos":
"1 - A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º".
Concorda-se com o Autor quando entende que a situação em apreço, face ao peticionado, não é compatível com uma tutela ou pronúncia provisória, exigindo uma decisão definitiva.
Aliás, se procedente a pretensão do Autor e for declarada nula a renovação da comissão de serviço do actual director do serviço de ... e intimado o Demandado a proceder a novo procedimento com vista à ocupação desse cargo, esgota-se aí o efeito da acção, nada tendo ou podendo ter de provisório.
Esta circunstância afasta, desde logo, a possibilidade prevista no artigo 110.º-A do CPTA.
Também se mostra suficientemente caracterizada e consubstanciada a alegação de afectação de um direito, liberdade ou garantia.
Não se deve confundir a potencial violação ou afectação de um direito, liberdade ou garantia, para efeito de verificação do pressuposto processual para recurso à intimação com a constatação concreta dessa violação, que já corresponde a uma apreciação do mérito da causa.
Também não é necessário que todos os argumentos avançados pelo Autor para fundamentar a violação ou afectação de um direito, liberdade ou garantia sejam procedentes, bastando a verificação de apenas um deles para se ter como preenchido o requisito em apreço.
Ora, o Autor invoca, entre o mais, a violação do disposto no artigo 47.º, n.º 2, da CRP, o qual prevê que todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
Desde logo, porquanto ao não existir um procedimento prévio de convite à manifestação de interesse na ocupação do cargo de director de serviço, não ser possível garantir o direito que resulta do preceito citado (o qual, como é pacífico, inclui não apenas o direito de acesso - inicial - à função pública, mas também o direito de acesso a demais cargos públicos e promoções).
Tanto basta para se ter como suficientemente caracterizado o pressuposto em apreço.
Quanto à urgência, e sabendo que esta não constitui um pressuposto autónomo e que tem de ser sempre apreciada no contexto do caso concreto, também se mostra suficientemente demonstrada.
De facto, tendo o Autor 65 anos à data da entrada da acção e atendendo à idade normal de aposentação, bem como o limite de idade legalmente previsto, é de admitir a urgência no assegurar o exercício, em tempo útil, do seu direito a concorrer ao cargo em condições de igualdade e liberdade.
Não se trata do direito subjectivo do Autor a ocupar o cargo em causa - pedido, de resto, já retirado pelo próprio Autor -, mas do direito a, pelo menos, ter oportunidade de manifestar o seu interesse no mesmo e poder ser considerado para a nomeação, nos termos legalmente previstos para o efeito.
Estão, assim, reunidos todos os pressupostos para o recurso à presente intimação.
(…)”
2.2.3. Acórdão recorrido
Depois de citar e transcrever vária jurisprudência sobre a interpretação do art. 109º do CPTA o acórdão diz o seguinte:
“(…)
Assim, o direito alegado pelo requerente da Intimação tem de ser configurável como um direito subjetivo fundamental, universal e permanente que se subsuma à categoria dos direitos, liberdades e garantias ou análogos, distinguível da dos direitos fundamentais económicos, culturais e sociais, ou direitos a prestações.

Acresce que não basta a invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia (ou análogo), exigindo-se a descrição de uma situação factual de ofensa do direito fundamental que possa justificar, à partida, que o tribunal venha a condenar a Administração através de um processo célere e expedito a adotar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício desse direito – Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha ob cit., p. 723.

No caso vertente, diga-se já, que tal não sucede, porquanto são meramente invocados direitos, em geral, com natureza positiva, mas sem exequibilidade direta e imediata, não se demonstrando que a emissão célere de uma decisão de mérito seja indispensável à tutela da pretensão evidenciada, sob pena de irreversibilidade ou iminência de lesão do direito, liberdade ou garantia em causa, nas situações de especial ou extrema urgência previstas no artigo 111º do CPTA.

Sobre a referida indispensabilidade na emissão célere de uma pronúncia definitiva e irreversibilidade vide Mário Aroso de Almeida, Alberto Fernandes Cadilhe, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, p. 540 e Carla Amado Gomes, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 50, Março/Abril de 2005, p. 40, autora que identifica, entre quatro salvaguardas do regime da intimação previsto nos artºs 109º e 111º do CPTA, a salvaguarda circunstancial “consistente na urgência da concessão da intimação para evitar a impossibilidade irreversível de exercício do direito”.
Efetivamente, só as situações de especial urgência implicam, de acordo com as características normais do presente meio – preferência, sumariedade e urgência –, uma tramitação simplificada com redução substancial do prazo de contraditório do Requerido, pelo que só a irreversibilidade ou iminência de lesão de um direito, liberdade e garantia pode justificar o acesso à presente intimação.
Em concreto, ainda que os direitos concursais e de chefia possam, residualmente, ter algumas características de DLG e/ou a estes análogos, não se vislumbra que o seu exercício em tempo útil resulte de uma qualquer situação de urgência, muito menos qualificada, que justificasse o recurso à presente intimação, tal como decidido na sentença recorrida.
Ou seja, sempre estaria comprometido o outro pressuposto de acesso ao presente meio urgentíssimo: a impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma ação administrativa.
Aqui chegados, importa reconhecer, merecer acolhimento o Recurso do Contra-interessado, suportado pelo Parecer do Ministério Público, no que respeita à inidoneidade do meio processual utilizado.
Importa ainda concluir qual será a solução a adotar, não perdendo de vista, nomeadamente, o sumariado no Acórdão do TCAN nº 00466/21.5BEALM de 29-04-2022, cujo entendimento aqui se adere.
Aí se refere:
I) – A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é meio subsidiário de tutela.
II) – “Quando verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar, o juiz, no despacho liminar, fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar.” (art.º 110-A, n.º 1, do CPTA).
Como resulta do já afirmado relativamente aos pressupostos da presente intimação, “o direito de acesso à justiça não é absoluto, podendo ser sujeito a limitações de facto e de direito, as quais não serão incompatíveis com o artigo 6.º [Convenção Europeia dos Direitos Humanos], desde que, sem prejudicarem a própria existência do direito, prossigam um fim legítimo e desde que exista uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregues e o fim prosseguido através da sua utilização” (Ac. nº 242/2018, do Trib. Const., in DR-I nº 109/2018, de 07/06/2018).
Ora, como já reiteradamente afirmado, decorre do art. 109.º, n.º 1, do CPTA, que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.
Importa pois, sem negar urgência ou tutela urgente, respeitar o “(...) carácter relativo ou gradativo da urgência, que depende das circunstâncias do caso concreto” [Vieira de Andrade Cfr. in “A Justiça Administrativa (Lições)”, 8ª edição, pág. 276]. Efetivamente, é ostensivo que em concreto, para obtenção do fim pretendido pelo Autor, bastaria o recurso a uma ação administrativa, aliada a processo cautelar instrumental urgente, sendo que dos autos nada resulta em contrário.
(…)”

2.2.3. Análise dos fundamentos do recurso.

2.2.3.1. Recorte do interesse lesado e cujo cumprimento se pretende impor.
No decorrer da presente acção ocorreram vicissitudes relevantes, designadamente, o termo do prazo da comissão de serviço do Contra-interessado, o que levou o Tribunal de primeira instância a equacionar a inutilidade superveniente da lide. Na resposta e perante a posição da entidade demandada no sentido de pretender renovar a comissão de serviço do contra-interessado, o Autor modificou o pedido. Essa modificação foi admitida, pelo que o pedido passou a ser o seguinte:
1º Intimar o Ré a proceder à abertura do procedimento concursal de manifestação de interesse, previsto no nº 3 do artigo 99º do DL 52/2022 de 4 de Agosto.
2º Intimar o Réu a fazer cessar as funções de serviço do CI, procedendo à designação provisória para ocupar o cargo, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 2 do artigo 27º da Lei 2/2004, ex vi artigo 66º do DL Dl 52/2022 de 4 de Agosto e n.º 1 da Lei 2/2004, aplicados às circunstâncias existentes à data da jurídica violação, de molde a que seja restabelecida a situação existente à data da primeira nomeação.

O interesse concretamente lesado do Autor (causa de pedir) tendo em conta o novo pedido é, portanto, aquele que lhe é conferido pelo art. 99º, n.º 3 do Dec. Lei 52/2022, de 4 de Agosto, com a seguinte redacção: “Sem prejuízo do disposto no n.º 1, os procedimentos com vista à nomeação de diretor de serviço devem ser objeto de aviso público, de modo a permitir a manifestação de interesse individual”.

Este preceito confere aos interessados o direito de manifestar interesse individual na nomeação para o cargo de Director de Serviço. É portanto este o concreto direito que o autor pretende exercer e, para tanto, impor à demandada o seu cumprimento, o qual por seu turno implica: (i) a declaração da nulidade da renovação da comissão de serviço do actual Director de Serviço ou a sua cessação pelo decurso do tempo, e por não ser admissível a renovação da comissão de serviço do director de serviço; (ii) a abertura de um procedimento de recrutamento (iii) a publicação do aviso, nos termos do citado art. 99º, 3 do Dec. Lei 52/2022, de 4 de Agosto, para que o Autor manifeste interesse no cargo.


2.2.3.2. O interesse lesado e cujo cumprimento se quer impor e a sua subsunção no âmbito de previsão do art. 109º, 1 do CPTA.

A pretensão do Autor/recorrente no âmbito desta acção, de natureza exclusivamente ou predominantemente subjectivista (Acórdão do STA de 31-10-2020, processo 01958/20.9BELSB) fundamenta-se (causa de pedir) portanto na lesão da posição jurídica que lhe confere o art. 90º, 3 do Dec. Lei 52/2022, de 4 de Agosto, cujo cumprimento se pretende impor (pedido).

O art. 109º, 1 do CPTA, no seguimento do art. 20º, n.º 5 da Constituição prevê um meio processual próprio para o exercício de direitos, liberdades e garantias. Para que este meio processual possa ser usado é necessário que seja invocada, em primeiro lugar, (i) a existência de um “direito, liberdade ou garantia”. É ainda necessário que (ii) não exista outro meio processual disponível para assegurar o exercício daquele direito em tempo útil. São, portanto, dois os requisitos da idoneidade do meio processual: i) existência de um direito, liberdade ou garantia; (ii) inexistência de outro meio processual capaz de assegurar o exercício daquele direito em tempo útil.

Como acima vimos o TCA Sul entendeu que não se verificava qualquer destes requisitos.

Vejamos,

i) Existência de um direito, liberdade ou garantia, no âmbito da previsão do art. 109º, 1 do CPTA.

A premeria questão é a de saber se com a presente intimação o autor está a pretender impor uma conduta com vista a assegurar o exercício de um direito liberdade e garantia.

O Autor alega que o direito que pretende exercer tem essa natureza por referência ao art. 47º, 2 da Constituição, segundo o qual: “Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.”

Julgamos pacífico, na nossa doutrina, na expressão “acesso à função pública” se incluiu a progressão funcional – cfr. neste sentido J. GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA "(…) embora o preceito refira expressamente apenas o direito de acesso (jus ad oficcium), o âmbito normativo-constitucional abrange igualmente o direito de ser mantido nas funções (jus in officio), e bem assim o direito ainda às promoções dentro da carreira (…)" (cfr. “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, pág. 265); PAULO VEIGA E MOURA (in: A Privatização da Função Pública”, 2004, págs. 129 a 131)“(…) deve aquela garantia estender-se, embora com graus de intensidade diferentes, a outros aspectos da relação de emprego público, pelo que o acesso compreende não só o primeiro ingresso na Função Pública (onde o grau de intensidade há-de ser maior) mas igualmente o preenchimento posterior dos sucessivos lugares, seja no interior da mesma carreira, seja numa outra carreira (onde o grau de intensidade há-de ser menor).”
Como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 509/2015
“(…)
É pacífico que a liberdade de escolha de profissão consagrada no artigo 47.º, n.º 1, da Constituição se apresenta como um direito fundamental complexo, que integra, ao lado de direitos de defesa contra a imposição ou impedimento da escolha ou exercício de uma dada profissão, direitos a prestações conexionadas com o direito ao trabalho e com o direito ao ensino, como o direito à obtenção das habilitações necessárias para o exercício da profissão, os direitos ao ingresso e à progressão nela e o direito ao livre exercício da mesma profissão (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 155/2009 e 94/2015; na doutrina, v. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2007, anots. I e ss. ao art. 47.º, p. 653 e ss.; e Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, anots. III e ss. ao art. 47.º, p. 965 e ss.).

Julgamos, portanto, pacífico, na nossa doutrina, que o direito consagrado no art. 47º, 2 da Constituição é um direito fundamental e que esse direito fundamental compreende o acesso e também a progressão na carreira dos funcionários públicos.

Por outro lado, o âmbito da previsão do art. 109º, 1 do CPTA não é limitado aos direitos, liberdades e garantias previstos e qualificados como tal pela Constituição. O art. 17º da Constituição diz-nos expressamente que “O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga.

Julgamos que o direito de acesso e progressão na função pública, nas condições do art. 47º, 2 da CRP, isto é, em condições de (i) igualdade e (ii) liberdade, (iii) em regra por via de concurso é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias. Direito fundamental que, em boa verdade, vem previsto na própria Constituição - cfr. sobre a necessidade dos direitos liberdades e garantias ou direitos fundamentais análogos englobáveis no art. 109º, 1 estarem consagrados na Constituição CARLA AMADO GOMES (PRETEXTO, CONTEXTO E TEXTO DA INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS pág. 14) que enumera razões de ordem prática:”(…) - primo, as dúvidas que a qualificação poderá levantar ao julgador (sendo certo que, perante a vocação abrangente da nossa Lei Fundamental e em face das sucessivas revisões a que é sujeita, o mais natural é que um direito fundamental de natureza análoga de origem legal seja constitucionalizado — e nessa altura as dúvidas dissipam-se); - secundo, o alcance desmesurado que a intimação poderia revestir, o qual tenderia, eventualmente, a reduzir a operacionalidade do meio, por “afogamento” dos tribunais; --tertio, a extensão do catálogo constitucional, que esgota praticamente o elenco de direitos fundamentais histórica e socialmente susceptíveis de reconhecimento”.

O direito fundamental que o Autor invoca, e que pretende exercer através desta intimação é o direito que lhe é conferido, enquanto funcionário público, de poder aceder a um cargo, cujo preenchimento deve ser feito através de um concurso e portanto, previsto na Constituição.

Todavia, o art. 47º, 2 da Constituição, não impõe sempre e necessariamente o concurso como meio de acesso e progressão na carreira dos funcionários públicos. O que diz, textualmente é que o acesso (e progressão, segundo o entendimento doutrinário) é “via de regra por via de concurso”. Tal significa que, cabe ao legislador ordinário, definir, como via de regra, o concurso como meio de acesso à função pública, mas também os casos que fogem à regra. Portanto, podemos afirmar com toda a segurança, que o art. 47º, 2 da Constituição não é, por si só, bastante para conferir a um interessado o direito de exigir abertura de um concurso em toda e qualquer circunstância. No Acórdão deste STA de 8-9-2022, proferido no processo 0939/15.9BEPRT 0620/17 concluiu-se que “a conversão de um contrato a termo num contrato por tempo indeterminado, por efeito da aplicação direta da alínea b) do número 2 do artigo 5.º da citada Diretiva n.º 1999/70/CE, não constitui uma restrição arbitrária do princípio da igualdade no acesso à função pública, não violando o disposto no número 2 do artigo 47.º da CRP.” Ou seja, conclui-se que não ofendia necessariamente o art. 47º, 2 da Constituição o acesso função pública sem concurso, tendo por referência, aquela situação concreta.

E em boa verdade de acordo com a legislação aplicável a este caso, vigente em 2016 (data da primeira nomeação do Contra – interessado como Director de Serviço), não existia na lei ordinária a obrigatoriedade de um procedimento de recrutamento, com aviso publico convidando os potenciais interessados a manifestarem interesse no cargo.

Com efeito vigorava então o DL n.º 177/2009, de 04 de Agosto, que relativamente aos cargos de chefia não previa qualquer procedimento de recrutamento:
Artigo 23º
Direcção e chefia
1 - Os trabalhadores integrados na carreira médica podem exercer funções de direcção, chefia, ou coordenação de departamentos, serviços ou unidades funcionais do Serviço Nacional de Saúde, desde que sejam titulares das categorias de assistente graduado sénior ou, em casos devidamente fundamentados, de assistente graduado.
2 - Sem prejuízo do disposto em lei especial, e de acordo com a organização interna e conveniência de serviço, o exercício de funções de direcção, chefia, ou coordenação de departamentos, serviços ou unidades funcionais do Serviço Nacional de Saúde é cumprido em comissão de serviço por três anos, renovável por iguais períodos, sendo a respectiva remuneração fixada em diploma próprio.
3 - O exercício das funções referidas nos números anteriores não impede a manutenção da actividade de prestação de cuidados de saúde por parte dos médicos, mas prevalece sobre a mesma.”

Este regime foi alterado, com a publicação do Dec. Lei 18/2017, de 10 de Fevereiro, que no seu art. 28º dizia o seguinte:

“Artigo 28.º
Processos de recrutamento
1 - Os processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a desenvolver e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação, bem como da publicidade, exceto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.
2 - Os diretores de departamento e de serviço de natureza assistencial são nomeados de entre médicos, inscritos no colégio da especialidade da Ordem dos Médicos correspondente à área clínica onde vão desempenhar funções e, preferencialmente, com evidência curricular de gestão e com maior graduação na carreira médica.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, os procedimentos com vista à nomeação de diretor de serviço devem ser objeto de aviso público, de modo a permitir a manifestação de interesse individual.

Este diploma legal foi revogado pelo Dec. Lei 52/2022, de 4 de Agosto, muito embora o regime de recrutamento tenha sido mantido, no art. 99º, com a seguinte redacção:
“(…)
Artigo 99.º
Processos de recrutamento
1 - Os processos de recrutamento devem assentar na adequação dos profissionais às funções a prestar e assegurar os princípios da igualdade de oportunidades, da imparcialidade, da boa-fé e da não discriminação, bem como da publicidade, exceto em casos de manifesta urgência devidamente fundamentada.
2 - Os diretores de serviço e de departamento de natureza assistencial são nomeados de entre médicos, inscritos no colégio da especialidade da Ordem dos Médicos correspondente à área clínica onde vão prestar funções e, preferencialmente, com evidência curricular de gestão e com maior graduação na carreira médica.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, os procedimentos com vista à nomeação de diretor de serviço devem ser objeto de aviso público, de modo a permitir a manifestação de interesse individual.

Verificamos assim que, o art. 47º, 2 da Constituição não exige, sempre e em todos os casos o concurso como via de progressão na carreira; que o STA admitiu a possibilidade de acesso à função pública sem concurso (através da conversão de um contrato a prazo a contrato sem prazo) e que a lei, no caso em apreço, só a partir de determinada altura, para o cargo de Director de Serviço, passou a exigir um procedimento especial com possibilidade dos interessados no cargo manifestarem a sua disponibilidade.

Daí que não seja intuitiva a resposta à questão de saber se o direito de manifestar disponibilidade para um cargo de Director de Serviço ainda possa qualificar-se como uma manifestação do direito fundamental de progressão na carreira “via de regra por concurso”.

A questão agora colocada é algo mais complexa: importa saber em que medida o leque de direitos concretizados apenas pelo legislador ordinário para que um direito fundamental possa ser exercício, ainda cabem na previsão do art. 109º, 1 do CPTA.

Complexidade que advém, desde logo, de somente a lei ordinária conferir o direito que o Autor invoca estar a ser lesado (art. 99º, 3 do Dec. Lei 52/2022, de 4 de Agosto) e do art. 47º, 2, da Constituição relativamente à exigência do concurso não conter uma norma perceptiva e de ser, portanto, admissível a admissão e progressão na carreira sem concurso. Recorde-se ainda, como sublinha GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, 7ª Edição, pág. 401 que “(…) as normas consagradoras dos direitos, liberdades e garantias recortam, logo a nível constitucional, uma pretensão jurídica individual (direito subjectivo) a favor de determinados titulares com o correspondente dever jurídico por parte dos destinatários passivos. Este traço explica a insistência da doutrina na ideia de aplicabilidade directa destas normas (cfr. CRP art. 18º, 1) e na ideia de determinabilidade constitucional – e não meramente legal – do conteúdo da referida pretensão subjectiva individual (…)”

Dir-se-ia então que, neste caso, a exigência de um procedimento para a nomeação do cargo de Director de Serviço apenas imposta pelo legislador ordinário é a demonstração de que o interesse do Autor (cuja lesão é causa de pedir neste processo e que se traduz em não ser ouvido nesse ausente procedimento) não é um direito fundamental análogo aos direitos, liberdades e garantias. Falta-lhe a determinabilidade constitucional; tem apenas determinabilidade legal.

Julgamos, todavia, que não é assim.

Como referem VIEIRA DE ANDRADE e CARLOS CADILHA, anotação ao art. 109º do CPTA, “A aplicabilidade directa dos preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, resultante do art. 18º, n.º 1, da CRP, não é equivalente à exequibilidade imediata, sucedendo que o exercício efectivo da generalidade dos direitos, liberdades e garantias está dependente de regulação legislativa”.

E, continuam citando JORGE REIS NOVAIS “ (…) o pressuposto da existência de um direito, liberdade ou garantia para efeitos de justiça administrativa define-se, portanto, em função destes critérios: há lugar para recorrer à intimação para protecção de direitos, liberdades ou garantias desde que, verificados os restantes pressupostos, se trate de um direito fundamental em sentido material, portanto, um direito da maior relevância material, e, além disso, tenha um conteúdo normativo tão precisamente determinado (pela Constituição e/ou pela Lei) que permita a intervenção do juiz administrativo sem perda ou afectação da separação de poderes própria do Estado de Direito”.

No presente caso, no actual quadro legal, o direito de progressão na carreira, no caso específico do acesso ao cargo de Director de Serviço está suficientemente e regulado, no art. 99º do Dec. Lei 52/2022, de 4 de Agosto, prevendo-se um procedimento administrativo de escolha e a publicação de um Aviso no sentido de permitir aos interessados manifestar interesse na ocupação do cargo. A lei ordinária concretiza o exercício do direito fundamental previsto no art. 47º, 2 da Constituição de modo que o juiz administrativo pode intervir sem afectar a separação de poderes, ou seja, o juiz administrativo apenas impõe um comportamento que resulta directamente da lei; abrir um procedimento, nos termos do n.º 1 e um Aviso nos termos do n.º 3 do art. 99º do Dec. Lei 52/2022, de 4 de Agosto.

Dai que, se possa concluir que o direito fundamental previsto no art. 47º, 2, da Constituição, em conjugação com o disposto no art. 99º do Dec. Lei 52/2022, de 4 de Agosto, se mostra suficientemente determinado no que respeita à exigência de um procedimento e ao direito do Autor poder manifestar o seu interesse na ocupação do cargo de Director de Serviço.

A jurisprudência recente deste Supremo Tribunal Administrativo acolheu um entendimento segundo o qual a lesão de direitos fundamentais pode ocorrer através da violação de regras instrumentais (procedimentais), sem o cumprimento das quais aqueles direitos não podem ser exercidos. Estava em causa, segundo aquele acórdão, o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela CRP e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro, cuja efectividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência – Acórdão do STA, proferido em formação alargada, de 6-6-2024, proferido no processo 0741/23.4BELSB. Este entendimento foi, a partir daquele acórdão, uniformemente acolhido, como se pode ver, designadamente, os acórdãos de 26-6-2024, processo 02188/23.3BELSB; de 11-7-2024, processo 02721/23.0BELSB; de 11-7-2024, processo 02748/23.2BELSB; 11-7-2024, processo 03760/23.7BELSB.

Deste modo, no presente caso, verifica-se que é efectivamente invocado um direito instrumental (ser ouvido num procedimento de escolha do cargo de Director de Serviço) através do qual se efectiva ou concretiza, no plano do direito ordinário, um direito fundamental previsto na Constituição e, portanto, a invocação da sua lesão cabe no âmbito da previsão do art. 109º, 1 do CPTA.


Nesta parte, portanto, o acórdão recorrido não pode manter-se.

(ii) Inexistência de outro meio processual capaz de assegurar o exercício daquele direito em tempo útil.

O TCA Sul afastou ainda idoneidade do presente meio processual por outra razão, qual seja, a de que não vislumbrava uma situação de urgência que justificasse o recurso a este meio processual: “(…) Em concreto, ainda que os direitos concursais e de chefia possam, residualmente, ter algumas características de DLG e/ou a estes análogos, não se vislumbra que o seu exercício em tempo útil resulte de uma qualquer situação de urgência, muito menos qualificada, que justificasse o recurso à presente intimação, tal como decidido na sentença recorrida. Ou seja, sempre estaria comprometido o outro pressuposto de acesso ao presente meio urgentíssimo: a impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de uma acção administrativa. (…)”

O art. 109º, 1 do CPTA exige efectivamente a verificação de um requisito especial; que não seja possível ou suficiente exercer o direito lesado através dos meios processuais normais, ou sejam a acção administrativa e providências cautelares adequadas.

A sentença proferida na primeira instância entendeu “(…) que a situação em apreço, face ao peticionado, não é compatível com uma tutela ou pronúncia provisória, exigindo uma decisão definitiva. Aliás, se procedente a pretensão do Autor e for declarada nula a renovação da comissão de serviço do actual director do serviço de ... e intimado o Demandado a proceder a novo procedimento com vista à ocupação desse cargo, esgota-se aí o efeito da acção, nada tendo ou podendo ter de provisório. Esta circunstância afasta, desde logo, a possibilidade prevista no artigo 110.º-A do CPTA.”

O Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão recorrido, entendeu o inverso: “Em concreto, ainda que os direitos concursais e de chefia possam, residualmente, ter algumas características de DLG e/ou a estes análogos, não se vislumbra que o seu exercício em tempo útil resulte de uma qualquer situação de urgência, muito menos qualificada, que justificasse o recurso à presente intimação, tal como decidido na sentença recorrida.”

Como decorre das posições expostas a primeira instância distinguiu entre situações de urgência que possam ser resolvidas com decisões provisórias e aquelas situações cuja solução seja necessariamente definitiva. Não deu, portanto, qualquer relevo ao conteúdo concreto do direito lesado e à necessidade dessa concreta lesão ser urgentemente afastada.

O Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão recorrido, pelo contrário, atendeu ao conteúdo concreto do direito lesado e concluiu que tratando-se de um direito a concursos de acesso a um cargo de chefia, a lesão de tal direito não justificava a urgência qualificada inerente a este especial meio processual (intimação para protecção de direitos liberdades e garantias).


Julgamos que o TCA Sul tem razão, como vamos ver.

O pedido do Autor (após modificação) é o seguinte:
1º“Intimar o Ré a proceder à abertura do procedimento concursal de manifestação de interesse, previsto no nº 3 do artigo 99º do DL 52/2022 de 4 de Agosto.
Intimar o Réu a fazer cessar as funções de serviço do CI, procedendo à designação provisória para ocupar o cargo, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 2 do artigo 27º do Lei 2/ 2004, ex vi artigo 66º do DL Dl 52/2022 de 4 de Agosto e n.º 1 da Lei 2/2004, aplicados às circunstâncias existentes à data da jurídica violação, de molde a que seja restabelecida a situação existente à data da primeira nomeação.”

Como decorre dos termos da pretensão do Autor o comportamento que se pretende impor nem sequer é definitivo, pois culmina com a “designação provisória” para a ocupação do cargo.

A pretensão do Autor (após a alteração do pedido) tem como finalidade a possibilidade de manifestar interesse num procedimento de recrutamento. Finalidade que, em rigor, só surge se o cargo estiver vago, o que implica apreciar várias pretensões encadeadas: (i) declaração de nulidade da nomeação efectuada em 2020, com efeitos a partir de 2019, ou (ii) cessação da nomeação por impossibilidade de renovação; (iii) a necessidade de abertura de procedimento recrutamento; (iv) a audição dos interessados no cargo.

Relativamente a cada uma destas pretensões, o Autor pode recorrer à acção administrativa e providências cautelares adequadas: (i) pedir a declaração de nulidade da nomeação do Contra - interessado (em 2020) e /ou (ii) pedir a condenação da entidade demandada a fazer cessar a comissão de serviço por decurso do tempo e impossibilidade de renovação; (iii) pedir a condenação a abrir um procedimento de recrutamento e (iv) pedir publicação de um aviso convidando os interessados a manifestar interesse. E pode, como incidente de tal acção pedir o decretamento provisório da abertura do procedimento de recrutamento.

Bem vistas as coisas – se lhe for dada razão na providência cautelar antecipatória através da abertura de um procedimento de recrutamento - o Autor teria a possibilidade de manifestar a disponibilidade para ocupar o cargo.

Dir-se-ia que esse recrutamento era provisório, pois valeria apenas no decurso da acção administrativa.

É verdade.

Mas a pretensão formulada nesta intimação também não é definitiva, pois, o que se pretende, no fundo, é também a nomeação de um Director de Serviço provisoriamente, até ao fim do procedimento do recrutamento. Ora o procedimento de recrutamento tendo em conta a possibilidade de impugnações judiciais implicará a continuação da nomeação provisória por tempo, em boa verdade, indeterminado, isto é, até se tornar firme na Ordem Jurídica o desfecho do procedimento de recrutamento. Quer isto dizer que o processo de intimação, ora requerido, também não logra obter uma resolução definitiva da controvérsia jurídica, que confira uma tutela jurídica adicional (definitiva) ao interesse do Autor em comparação com os meios normais do contencioso administrativo: acção administrativa e providência cautelar antecipatória.

Para além de não se verificar uma situação em que a intimação alcançava uma tutela definitiva da controvérsia, objecto do litígio, é ainda relevante ter em conta as vicissitudes especiais deste caso, de onde resulta que (i) existiam e não foram usados; (ii) ou foram usados sem que lhe fosse reconhecida razão, meios processuais disponíveis para o Autor exercer o seu direito.

Com efeito, logo em 2016 os Autor (e outros) requereram a suspensão de eficácia da nomeação do Contra-interessado para o cargo de Director de Serviço (primeira nomeação). Todavia a providência foi julgada improcedente, por não se verificar o requisito do “pericullum in mora”, por se entender que o prejuízo sofrido pelos requerentes se traduzia apenas na diferença de vencimento do cargo de Director de Serviço e vencimento auferido (diferença de € 400,00 euros mensais). – cfr. sentença proferida no processo 170/17.9BELSB, junta a este processo com a contestação da entidade requerida, com entrada no SITAF 003150859. A referida sentença foi confirmada por acórdão do TCA Sul e não chegou a ser proposta qualquer acção pedindo a anulação ou declaração de nulidade do acto.

Em 13-2-2020 foi renovada a comissão de serviço do contra-interessado como Director de Serviço com efeitos reportados a 1 de Novembro de 2019. Este acto administrativo era impugnável e, portanto, o autor/requerente poderia de novo pedir a respectiva suspensão de eficácia. Se a mesma fosse deferida, suspendia os efeitos da renovação da comissão de serviço. A pretensão do Autor era assim satisfeita, pois impedindo a produção de efeitos da nomeação, abrir-se-ia a possibilidade de manifestar interesse em vir a ser nomeado para o cargo. Todavia deste acto nem sequer foi intentada qualquer acção administrativa ou providência cautelar.

Quer isto dizer que o Autor/recorrente teve ao seu dispor meios processuais através dos quais podia paralisar (se tivesse razão para tal) a nomeação do contra-interessado e desse modo criar condições para, de acordo com a lei então vigente, manifestar interesse em ser nomeado.

Não ter logrado vencimento na providência cautelar destinada a obter a paralisação da primeira nomeação e não ter intentado na segunda nomeação (renovação da comissão de serviço), qualquer meio processual, não equivale, como é evidente, à inexistência de meios processuais disponíveis, para legitimar a idoneidade da intimação como meio processual. Em sentido semelhante se pronunciaram AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA (ob. cit. anotação ao art. 109º) “Mas não faz, a nosso ver, sentido que o processo de intimação possa ser utilizado quando esteja em causa uma violação continuada ou já concretizada de um direito fundamental, ou quando tenham entretanto transcorrido os prazos de que o interessado dispunha para reagir pela via processual normal, através do pedido de impugnação administrativo.”

Diga-se ainda, que a urgência actual, agora invocada com proximidade da idade da reforma, só existe, com esta nova dimensão, porque o Autor/recorrente não usou os meios processuais disponíveis em 2020, sendo assim uma urgência que, nesta parte, decorre de não ter atacado o acto administrativo que em 2020 renovou a comissão de serviço, com a dedução da providência cautelar adequada à paralisação, nessa ocasião, dos respectivos efeitos jurídicos. Não se verifica, portanto, uma situação de urgência alheia à estratégia processual do Autor/recorrente, merecedora da tutela excepcional conferida pelo processo de intimação para defesa de direitos liberdades e garantias.

Finalmente – como de resto se decidiu na providência cautelar instaurada em 2016 – ainda que o Autor lograsse provar que, caso exercesse o direito de se mostrar disponível, seria necessariamente ele o escolhido para o cargo de Director de Serviço – o dano sofrido por essa não nomeação, traduzia-se apenas na diferença da remuneração do cargo de Director de Serviço. Ou seja, um dano facilmente reparável, cujo montante resulta de meras operações aritméticas.

Portanto, em conclusão, a organização judiciária disponibilizou meios processuais ao Autor para que este fosse totalmente ressarcido, se efectivamente conseguisse demonstrar que, a renovação da comissão de serviço em 2020 era inválida e que, num procedimento de recrutamento de acordo com a lei, era ele e não outro, a pessoa nomeada.

Não ter usado os meios processuais perante o acto de renovação da comissão de serviço do Contra-interessado e desse modo obter a tutela judicial da lesão do seu direito a manifestar interesse na nomeação, só e si próprio se deve. Não podemos, todavia, confundir as coisas: a existência de meios judiciais não utilizados (ou utilizados sem sucesso) pelo interessado não se transforma, com o aumento da idade e aproximação da idade da reforma, na inexistência de meios processuais para em tempo útil assegurar o exercício de um direito, como parece evidente.

Do exposto resulta que o Autor teve (mas não os usou) e tem ao seu dispor meios processuais disponíveis para obter a tutela do interesse cuja lesão invoca.

3. Decisão
Face ao exposto, os juízes que compõem este Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas

Lisboa, 2 de outubro de 2024. – António Bento São Pedro (relator) – Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (com declaração).

Declaração de voto

Voto a decisão sem acompanhar a fundamentação na parte em que revoga o acórdão recorrido por entender que “o direito a manifestar interesse”, previsto e regulado no n.º 3 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de Agosto, constitui um direito, liberdade e garantia (direito análogo, consagrado em lei) que pode ser tutelado por via do artigo 109.º do CPTA.

Na verdade, este é mais um caso em que, em sede de recurso de revista, o STA é chamado a pronunciar-se sobre a “propriedade do uso do meio processual da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias”, o que, em si, se nos afigura uma solução processual dificilmente compaginável com a natureza intrínseca deste meio processual urgentíssimo, mas de cuja regulação normativa completa o legislador não cuidou, e que, por isso, permite e potencia, dúvidas sobre a respectiva tramitação, maxime quanto aos termos em que se admite recurso sobre a propriedade do uso deste meio processual. Acresce que as alterações legislativas têm contribuído para sustentar a descaracterização de soluções interpretativas que restringiam o uso deste meio processual a situações substancialmente limitadas, e promovem aquelas que o aproximam antes de uma “quase” acção administrativa comum de tramitação acelerada (artigo 110.º, n.º 2 do CPTA). Seja como for, o tribunal de revista, nesta fase processual, está vinculado a conhecer da questão da propriedade ou impropriedade do meio e, consequentemente, a contribuir activamente para que a discussão desta questão processual possa justificar que uma decisão de mérito de uma questão alegadamente urgentíssima, que não preenche os correctos pressupostos legais para ser decidida sob essa forma processual, venha afinal a ser decidida em momento temporal em que dificilmente se pode até considerar útil. O que explica que nestes processos se coloque depois o problema (descontextualizado) da urgência superveniente.

No que releva, a nossa discordância com o acórdão recorrido não reside, obviamente e pelas razões que acabámos de expor, em que se tenha conhecido do objecto do presente recurso, mas antes em se ter considerado que o acórdão do TCA-Sul errou ao decidir que o direito cuja tutela se requer nos autos não preenche os requisitos de um direito, liberdade e garantia. A decisão que fez vencimento considera que o direito a manifestar interesse no procedimento de recrutamento para director de serviço, nos termos do n.º 3 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 52/2022, constitui um “direito instrumental através do qual se efectiva ou concretiza, no plano do direito ordinário, um direito fundamental previsto na CRP”, no caso, o direito de acesso (progressão) à função pública por via de concurso e que, nessa medida, pode incluir-se no âmbito do processo urgente do artigo 109.º do CPTA.

Porém, em nosso entender, o que está aqui em causa não é um direito suficientemente caracterizado no plano constitucional ou legal que permita afirmar que estamos perante a violação de um direito, liberdade e garantia. Com efeito, a jurisprudência constitucional tem afirmado consistentemente que não há violação do artigo 47.º, n.º 2 da CRP nos casos de acesso ou progressão sem concurso, desde que esse acesso ou promoção obedeça a regras legais definidas pelo legislador que afastem a arbitrariedade da escolha (por todos, acórdãos 53/88, 371/89, 368/00, 406/2003, 61/04, 221/2021). Ora, o que resulta do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 177/2009, de 4 de Agosto, é que para um cargo de chefia pode ser nomeado um assistente graduado, preterindo-se um assistente graduado sénior, desde que essa escolha se encontre devidamente fundamentada; o que resulta do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 52/2022 é que, em casos de manifesta urgência (que há-de estar devidamente fundamentada), os processos de recrutamento para os cargos de chefia podem não estar subordinados ao princípio da publicidade e, por isso, pode excepcionar-se desse procedimento o aviso público; e o que resulta da matéria de facto assente é que a decisão de nomeação do director de serviço, que é, no fundo, o que se contesta nos autos, se encontrava devidamente fundamentada (estar fundamentada significa apenas que para ela foram apresentadas razões, não significa que a concreta fundamentação expendida não possa merecer censura jurídica). Assim, inexiste qualquer violação directa de um direito fundamental análogo, incluindo, como a dado passo se afirma no projecto, o direito instrumental a manifestar interesse”, pois no caso esse procedimento foi fundamentadamente afastado, cabendo ao lesado o ónus de contestar a validade dos fundamentos para afastar aquele procedimento com publicidade prévia.

Assim, concluiu-se, em linha com a jurisprudência constitucional a respeito do artigo 47.º, n.º 2 da CRP, que o legislador está, em princípio, obrigado a adoptar a regra do concurso no provimento de cargos da função pública (seja para ingresso, seja para progressão), mas que pode conceber formas de acesso e progressão ou promoção sem concurso, desde que essas formas não afectem os princípios da igualdade de oportunidades. No caso, o preceito constitucional e os seus objectivos estão salvaguardados pela necessidade de fundamentar as escolhas, quer do procedimento a adoptar, quer do titular para o cargo. Assim, a impugnação dessa escolha por alegada preterição de critérios de mérito, mesmo que legalmente previstos, nunca consubstancia uma violação de um direito, liberdade de garantia acolhido no artigo 47.º, n.º 2 da CRP, mas antes uma ilegalidade por desconformidade do acto de escolha com parâmetros e critérios legais. Por isso, tem razão a decisão recorrida quando sustenta que o artigo 109.º era uma via processual imprópria, também por não estar aqui em causa a violação de um direito, liberdade e garantia.

Suzana Tavares da Silva