Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0568/17.2BALSB |
Data do Acordão: | 07/08/2020 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA BENEFÍCIOS FISCAIS INTERPRETAÇÃO |
Sumário: | I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (n.º 2 do art. 25.º do RJAT), não devendo, no entanto, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado/recorrido estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT). II - Tendo havido entretanto significativas alterações na composição da Secção, permitindo antever como possível a alteração do sentido decisório consignado em acórdão do Pleno de data recente, deve o recurso prosseguir para conhecimento do respectivo mérito. III - As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do art. 19.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos. |
Nº Convencional: | JSTA000P26201 |
Nº do Documento: | SAP202007080568/17 |
Data de Entrada: | 05/24/2017 |
Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | EDP - ENERGIAS DE PORTUGAL, S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, vem, nos termos do artigo 25.º n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal da decisão arbitral proferida em 6 de Abril de 2017 no processo n.º 628/2016-T CAAD, na parte relativa ao benefício fiscal por criação líquida de postos de trabalho, com respeito à interpretação das normas, à data dos factos, constantes do nº 3 e 5 do art. 19º do EBF, por alegada contradição com o decidido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 12 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 07437/14, transitado em julgado. A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões: a) Constitui objecto do presente recurso parte da decisão final proferida por Tribunal Arbitral colectivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido apresentado nos termos do RJAT e que correu termos sob o n.º 628/2016-T, notificada por comunicação electrónica datada de 7 de Abril de 2017 - cfr. Documento n.º 1; b) Acórdão que decidiu: julgar improcedente a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira; julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC relativa ao exercício de 2011 do grupo fiscal de que a Requerente, bem como a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nas partes relativas ao benefício fiscal por criação líquida de postos de trabalho e à dedução parcial das menos-valias derivadas da liquidação de sociedade; anular a autoliquidação e a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa nas partes respectivas; julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do respectivo pedido. c) A ora Recorrida identificava como objecto do pedido de pronúncia arbitral o acto de indeferimento de pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2011, do grupo fiscal do qual é sociedade dominante, na medida em que foi desatendido o pedido de reconhecimento da ilegalidade parcial da autoliquidação relativamente aos valores de: i) 350.447,23 €, relativos a benefício por criação líquida de emprego, e de ii) 8.669.214,44 €, relativos a uma perda com a liquidação de uma sociedade subsidiária; alegando, em suma, vício material de violação de lei, relativamente aos citados montantes, divergindo na interpretação a fazer dos nºs 3 e 5 do art. 19° do EBF, quanto ao primeiro, e dos arts. 45°, nº 3 e 81º do CIRC, quanto ao segundo. d) Neste recurso para uniformização de jurisprudência, a Recorrente contesta apenas a parte da decisão relativa ao benefício fiscal por criação líquida de postos de trabalho, com respeito à interpretação das normas, à data dos factos, constantes do nº 3 e 5 do art. 19º do EBF, as quais determinavam, respectivamente, que «0 montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida» e que «A majoração referida no nº 1 aplica-se durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, (...)». e) Sendo que o valor económico do pedido atinente a tal questão é de, conforme indicado pela Requerente, na sua PI, de € 350.447,23, valor atribuído também ao presente recurso, e não o valor total da acção arbitral, por não se contestar nesta sede a outra correcção à matéria tributável que esteve em discussão no processo arbitral. f) Acontece que, como melhor se explicitará, a decisão arbitral, na parte ora recorrida, colide frontalmente com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do TCAS (dr. Documento n.º 2, que se junta e se considera reproduzido para todos os efeitos legais), já transitado em julgado, emitido em 12 de Junho de 2014, no âmbito do processo n.º 07437/14, o qual constitui Acórdão fundamento dos presentes autos de recurso. g) No caso dos autos, salvo o devido respeito, a ora Recorrente não concorda, nem se pode conformar nos termos legais, com parte do segmento decisório do acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral Colectivo, porquanto entende a Recorrente, com o devido respeito, que a decisão arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação do teor das normas ínsitas aos nº 3 e 5 do art.19° do EBF. h) ln casu, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito - saber se o limite da majoração anual prevista no nº 3 do art. 19° do EBF é aplicável proporcionalmente nos exercícios de início e fim do contrato de trabalho, quando o período de cinco anos não coincide com o período de tributação. i) Demonstra-se, no caso vertente, que se encontram reunidos os requisitos para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, quais sejam, que as situações de facto sejam substancialmente idênticas; haja identidade na questão fundamental de direito; se tenha perfilhado, nos dois arestas, solução oposta; e a oposição decorre de decisões expressas e não apenas implícitas. j) Verifica-se o requisito de identidade das situações de facto, pois, subjacentes às decisões em confronto estão dois casos de entidades empregadoras que suportaram encargos com a criação líquida de emprego, sendo que, em ambos os casos, apuraram encargos dedutíveis em montante superior por aplicação do limite da majoração anual de forma absoluta em cada um dos seis exercícios em que se reflectiu o contrato em causa, estando em causa a diferença resultante do cálculo dos encargos dedutíveis por aplicação do limite de forma proporcional. k) Demonstra-se, também o requisito da identidade da questão de direito. Considerou-se na decisão fundamento que o limite "anual" da majoração previsto no n.º 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado em conformidade com o cômputo do prazo previsto no n.º 3, e ser consentâneo com este, só assim se garantindo a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, como prescrito pelo art. 9.º do Código Civil. Pelo que, o limite máximo previsto para a "majoração anual", deve também ser objecto de cômputo (tal como o prazo de cinco anos) nos termos do art. 279.º alínea c) e art. 296.º, ambos do Código Civil) - cfr. sumário. 1) Porém, a decisão arbitral recorrida concluiu o oposto, considerando que «inexiste na lei qualquer referência a que «o montante máximo da majoração anual» seja reduzido proporcionalmente ao período de vigência do contrato nos exercícios inicial e final do período de cinco anos de duração do benefício fiscal, nos casos em que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício (...) a letra da lei conduz à conclusão de que não se pretendeu legislativamente que fosse apurada uma majoração proporcional ao período de vigência do contrato nos exercícios inicial e final. " m) Concluindo, assim, o Tribunal Arbitral que o limite da majoração anual deve ser aplicado in toto em cada um dos seis exercícios em que se reflectem os cinco anos de contrato de trabalho que está subjacente à atribuição do benefício fiscal. n) Ora, tal apreciação teve por base uma interpretação cabalmente errada das normas constantes, à data dos factos, dos nºs 3 e 5 do art. 19° do EBF, sendo precisamente esta mesma questão apreciada em termos radicalmente distintos no Acórdão do TCAS que nos serve de fundamento (devendo notar-se apenas que, no acórdão fundamento, estão em causa as mesmas normas, com a mesma redacção, no que ora importa, mas com diferente numeração). o) De facto, como bem se fundamenta na apreciação da questão: «daquele preceito legal resulta que o benefício tem uma duração de cinco "anos" (e não cinco exercícios) a contar da vigência do contrato de trabalho. Assim sendo, o legislador pretendeu que o benefício, em vez de vigorar por cinco exercícios fiscais, vigorasse por cinco anos. //Com efeito, se o dies a quo do benefício fiscal é a data do inicio da vigência do contrato de trabalho, então, o dies ad quem será o último dia do prazo de cinco anos, que se conta a partir daquela data, de acordo com as regras de cômputo do termo fixado por lei (art. 279.°, alínea c) e art. 296.º, ambos do Código Civil). (...)"// Se é certo e assente que o legislador pretendeu que o benefício fiscal tivesse uma duração de 5 anos, tal não obsta a que o benefício se reflicta em 6 exercícios económicos, como sucede nos casos em que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício económico, como por exemplo, se um contrato se inicia no dia 2 de Dezembro de 2004. então o benefício fiscal vigorará até ao dia 2 de Dezembro de 2009, o que abrange seis exercícios económicos: 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009.// Ora, a sentença recorrida decjdiu no sentjdo de que o n.º 3 do art. 17.º do EBF não implica. no primeiro ano do início do benefício e no último ano do benefício que o limite máximo do benefício previsto no n º 2 seja proporcional aos dias efectivos de trabalho, ou seja, aos dias efectivos de vigência do contrato.// Sucede que, o benefício fiscal ora em causa pressupõe, para além do mais, a_ yigência de contrato de trabalho, pelo que,_em_data_anterior à_celebração_do_contrato de trabalho não há beneficio fiscal, tal como não há passados 5 anos d a celebração desse contrato./Dependendo o benefício fiscal (que consiste na majoração de encargos dos respectivos contratos de trabalho celebrados, com os limites previstos no n.º 2 do art. 17.º do EBF) da vigência do contrato de trabalho, tal condição implica, necessariamente, uma restrição proporcional do limite máximo da majoração prevista no n.º 2, nos casos em que o trabalhador não trabalhe o ano completo ou nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício.// A não ser assim, então, estaríamos a permitir que o destinatário do beneficio usufruísse in totum da majoração legal mesmo quando o contrato de trabalho respectjvo tivesse apenas uma vigência parcial, sendo certo que a majoração está umbiljcalmente ligada à vigência do contrato de trabalho, e pelo periodo de cinco anos estabelecido no n.º 3.(...) Deste modo, o limite "anual" da majoração previsto no n.º 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado em conformidade com o cômputo do prazo previsto no n.º 3, e ser consentâneo com este, uma vez que, com este, uma vez que, só assim se garante a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º do Código Civil, aplicável ex vi, art. 11.º, n.º 1 da LGT).//Assim sendo, como o limite máximo previsto no n.º 2 se reporta a uma "maioração anual", o termo "anual" deve também ser objecto de cômputo (tal como o prazo de cinco anos previsto no n. º 3) ou seja se inicia no primeiro dia de vigência do contrato e termina no último dia dos cinco anos a contar daquela data (termos do art . 279.º alínea c) e art. 296.º. ambos do Código Civil)./O que significa que, o n.º 2 do art. 17.º do EBF deve ser interpretado no sentido de estabelecer o limite máximo de majoração de 14 vezes o SMN, sendo que esse limite máximo reporta·se à "majoração anual" de que beneficia a entidade patronal durante 5 anos, e deste modo, deve ser feita a correspondência proporcional com a vigência do contrato de trabalho, garantindo, deste modo, a coerência e unidade do regime jurídico do benefício fiscal em causa, não contrariando, esta interpretação, o disposto no artigo 10.º do EBF.» (destaques nossos) p) Resulta, assim, demonstrada a existência de decisões opostas sobre a mesma questão fundamental de direito, de forma expressa. q) Conforme já foi dito, quer na decisão arbitral recorrida, quer no Acórdão fundamento a questão de direito em análise prende-se com a interpretação das normas ínsita nos nº 3 e 5 do art. 19° do EBF, isto é, a de saber se o limite máximo da majoração anual deverá aplicar-se em absoluto ou, como se defende, proporcionalmente, por referência ao período de vigência do contrato que está subjacente à concessão do benefício fiscal. r) Perante esta questão decidiu o Tribunal Arbitral, na decisão recorrida, ser «de concluir, assim, que a interpretação do n.º 3 do artigo 19.º do EBF que decorre das regras interpretativas é a defendida pela Requerente (... )», julgando, afinal, pela procedência do pedido de anulação do indeferimento do pedido de revisão do acto tributário, bem como de anulação parcial da autoliquidação. s) Ora, sobre a mesma questão se pronunciou o Acórdão fundamento em sentido totalmente oposto ao concluir, nos termos já citados, que as regras interpretativas impõem a consideração do limite de forma proporcional, nos exercícios em que a elegibilidade para benefício se verifica apenas parcialmente. t) Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida. u) Aqui chegados, e no cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, cumpre assinalar que a decisão recorrida incorreu num manifesto erro de julgamento, adoptando uma interpretação das normas constantes, à data, dos nºs 3 e 5 do EBF, que não respeita, nomeadamente, as directrizes do art. 8° e 9° do Código Civil. v) Tendo em consideração os factos considerados relevantes devidamente expostos é inequívoca a conclusão de que as normas aqui em análise, porque tratam do regime de um benefício fiscal impõem particular atenção à coerência interna do sistema, nomeadamente à justificação subjacente à consagração do benefício, conforme foi decidido doutamente no acórdão fundamento. w) De outro modo, a atribuição do benefício beneficiaria as entidades empregadoras que criassem emprego com reflexo em mais do que cinco períodos de tributação, sendo tal resultado absurdo e, portanto, proscrito pela presunção do legislador razoável, a que o julgador está vinculado ex vi artigo 9º do Código Civil, bem como proscrito pelo princípio constitucional da igualdade, mormente, da igualdade fiscal. x)A doutrina que dimana do acórdão fundamento salienta que se o benefício fiscal em causa pressupõe a vigência de contrato de trabalho, tal condição implica, necessariamente, uma restrição proporcional do limite máximo da majoração prevista, à data, no nº 3, nos casos em que o trabalhador não trabalhe o ano completo ou nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício. y) Bem como, salienta que, a não ser assim, permitir-se-ia que o destinatário do benefício usufruísse in totum da majoração legal mesmo quando o contrato de trabalho respectivo tivesse apenas uma vigência parcial, quando a majoração está incindivelmente ligada à vigência do contrato de trabalho, pelo período de cinco anos estabelecido legalmente, garantindo esta interpretação a unidade do sistema jurídico e a sua coerência. z) Sendo que, conforme dispõe o artigo 8° do Código Civil, o julgador deve ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito, o que decorre da própria ideia de Justiça e está, também, subjacente à consagração do meio processual aqui em uso. aa) Cabendo, na perspectiva da ora Recorrente, sempre ressalvado o devido respeito, corrigir o indesmentível erro de julgamento em que incorreu a, aliás douta, decisão aqui em análise. bb) Mais se peticionando, nos termos legais e constitucionais supra expostos, dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. Termos em que, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, considerando a jurisprudência supra indicada, deverá ser decretada a anulação da decisão arbitral recorrida e a sua substituição por outra que julgue improcedente tal parte do pedido, como é de Direito e Justiça!
2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos: A. Na medida em que a Recorrente ainda antes de apresentar o presente recurso impugnou, ao abrigo do artigo 27.º, n.º 1, do RJAT, o acórdão arbitral recorrido junto do Tribunal Central Administrativo - Sul, com fundamento em alegada pronuncia indevida, a Recorrida deixa ao prudente juízo de V. Exas. a eventual conveniência em suspender os presentes autos até ao trânsito em julgado do acórdão que vier a ser proferindo pelo TCA naquele outro recurso. B. No caso sub judice não se mostra verificado um dos requisitos de admissibilidade do presente recurso: a identidade das situações de facto. Pelo que o mesmo não deve ser conhecido. C. Com efeito, no que respeita aos factos do acórdão fundamento apenas se sabe, em concreto, que a AT efectuou uma correcção por o contribuinte ter feito um cálculo incorrecto do benefício. D. Mas não se sabe os termos em que o contribuinte aí em causa efectuou os cálculos do benefício (nomeadamente, se o contribuinte se encontrava a majorar depois de decorrido o prazo de cinco anos do benefício ou não estando cumprido o requisito da idade não superior a 30 anos, ou se majorou mais do que 50% do custo, se considerou mal o salário mínimo para efeito de majoração, se fez uma proporção da majoração anual no primeiro e último ano do benefício quando não coincidam com o ano civil mas fez mal os cálculos da proporção, se fez uma proporção da majoração anual tendo em conta o número de meses do ano ou tendo em conta o número de dias do ano, ou se fez uma aplicação abusiva do benefício relativamente a um trabalhador que pouco trabalhou e que auferiu um ordenado astronómico, etc.). E. Ao invés, no caso do acórdão arbitral recorrido ficou provado o número de trabalhadores que reuniam os requisitos para que as empresas do grupo da Recorrida pudessem usufruir do beneficio, os trabalhadores que passaram a ser considerados e os que deixaram de ser considerados para este efeito, as respectivas datas de início e cessação do benefício, o montante da majoração efectuada por empresa e o respectivo cálculo, bem como o montante da majoração que devia ter sido considerada. F. E foi face a toda a factualidade aí provada que os árbitros, interpretando a lei, deram a solução do caso, devidamente fundamentada. G. Não se duvida que os acórdãos em confronto proferiram decisões diferentes relativamente à mesma questão de direito, todavia desconhece-se se os factos do acórdão fundamento justificam essa diferença. H. A questão fundamental de direito sobre a qual divergem o acórdão arbitral recorrido e o acórdão fundamento prende-se com a interpretação do limite do benefício fiscal previsto no artigo 19.º, n.º 3, do EBF, no primeiro e último anos em que o contribuinte pode usufruir do benefício, quando o(s) trabalhador(es) tenha(m) sido contratado(s) em data não coincidente com o primeiro dia do exercício. I. Sendo que, enquanto o acórdão-fundamento considerou que a majoração do custo deve ser proporcionalmente restringida no primeiro e no último ano do benefício nas situações em que a contratação do trabalhador não coincide com o primeiro dia do exercício, J. O douto acórdão arbitral recorrido concluiu que «inexiste na lei qualquer referência a que o «O montante máximo da majoração anual seja reduzido proporcionalmente ao período de vigência do contrato nos exercícios inicial e final do período de cinco anos de duração do benefício fiscal, nos casos em que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício (...) a letra da lei conduz à conclusão de que não se pretendeu legislativamente que fosse apurada uma majoração proporcional ao período de vigência do contrato nos exercícios inicial e final» [conclusão 1) das alegações da AT que, por sua vez, cita o acórdão arbitral recorrido]. K. A coerência e a unidade dos sistema invocadas pela Recorrente para defender a interpretação da lei sufragada pelo acórdão fundamento em nada abonam aquela interpretação do benefício. L. Com efeito, se o objectivo do benefício fiscal em consideração é promover o emprego, não se vislumbra em que é que a coerência e a unidade do sistema reclamam uma restrição proporcional da majoração máxima anual permitida no primeiro e último ano do benefício, quando estas datas não coincidam com início e o fim do exercício. M. O acórdão-fundamento preconiza, em razão de uma alegada imposição lógica - de lógica naturalista, diríamos nós - uma interpretação restritiva da norma em questão conduzindo a uma restrição proporcional do montante máximo de majoração anual nos exercícios inicial e final do período de cinco anos de duração do benefício, nos casos em que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício. N. Todavia, o cânone hermenêutico da interpretação restritiva ou redução teleológica apenas deve ser utilizado nas situações em que, apelando ao fim da norma, resulta que a letra é mais ampla do que o que se pretendia. O. Sucede que no caso concreto não há nenhuma indicação ou indicio que permita afirmar que a letra atraiçoou o espírito. P. Acresce que, como mais detalhadamente exposto nos artigos 30.º a 33.º deste arrazoado, existem razões de ordem prática que justificam a opção legislativa de se admitir a majoração anual máxima independentemente da duração do contrato de trabalho no exercício em questão. Q. O desacerto da teoria da restrição proporcional do benefício demonstra-se ainda pelos números estranhos e diferentes a que se chega se se restringir a majoração de forma mensualizada ou tendo em atenção o número de dias, sendo que os resultados obtidos em cada uma destas opções são diferentes. R. Aliás, a prevalência da interpretação preconizada pela Recorrente e pelo acórdão- fundamento conduziria até à consequência perversa de levar as empresas a esperarem pelo início do ano seguinte para contratarem novos trabalhadores, de molde a poderem usufruir do benefício na sua plenitude e não, como se pretende, a contratarem quando precisam. S. Deturpando assim o interesse extra-fiscal que presidiu à consagração do benefício. T. Ao contrário do que invoca - mas não demonstra - a Recorrente, a doutrina sustentada pelo acórdão arbitral fundamento não viola o princípio da igualdade. U. Pelo menos, enquanto este for compreendido como o tratamento igual de situações iguais. V. Comparar um empregador que contrata um trabalhador elegível para o benefício a 1 de Janeiro de um determinado ano com um outro empregador que contrata numa outra data do mesmo ano é comparar situações de facto diferentes. W. Nos benefícios fiscais que se baseiam em normas de conduta, CUJO respeito produz efeitos fiscais favoráveis, a questão do princípio da igualdade deve colocar-se relativamente às condições de acesso ao benefício e não em relação aos contornos em que são previstos. X. O acesso ao benefício fiscal em apreço depende do comportamento do contribuinte, que é livre de optar por preencher as condições normativamente estabelecidas e assim beneficiar deste, ou não as cumprir e não usufruir da medida. E se os efeitos do benefício fiscal se modificarem consoante o momento do preenchimento das suas condições, dependerá do contribuinte optar pelo preenchimento das condições da forma que lhe permita optimizar os seus efeitos. Y. Nos casos de benefícios fiscais dependentes de opções dos sujeitos passivos, em que é colocada na sua disponibilidade a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal, não há tratamento discriminatório violador do princípio da igualdade pela norma que fixa esses efeitos, mas apenas se houver distinção arbitrária e sem fundamento jurídico nas condições de acesso ao benefício. Z. Os distintos efeitos que se podem verificar na majoração são imputáveis às escolhas do sujeito passivo e não a uma lei discriminatória. Nestes termos e nos melhores de Direito devem V. Exas. absterem-se de tomar conhecimento do presente recurso ou, ainda que assim não entendam -o que apenas em hipótese académica se admite e sem conceder - julgar o recurso improcedente, pois só assim se realizará prudentemente o Direito e se fará a sempre costumada Justiça!
3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste STA emitiu douto parecer no sentido da verificação dos pressupostos do recurso para uniformização de jurisprudência porquanto sobre situações de facto similares, em que estava em causa a “majoração” dos encargos do início e do termo do período de cinco anos de duração do benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF (art. 17.º, na numeração anterior à introduzida pelo Dec-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho), e suscitada pelos sujeitos passivos de IRC, ao porem em causa o entendimento da AT seguido na autoliquidação, os dois acórdãos perfilharam soluções divergentes, no domínio do mesmo regime legal, e, quanto ao mérito, no sentido do não provimento do recurso, sendo de confirmar o acórdão arbitral recorrido.
4 – Por Despacho da Relatora de 28 de Maio de 2018 foi decretada a suspensão da instância de recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 276.º, n.º 1, alínea c) e 279.º n.º 1 do CPC, até ao trânsito em julgado do acórdão a proferir pelo TCA na impugnação da decisão arbitral, tendo essa suspensão sido levantada por Despacho da Relatora de 6 de Março de 2020, após conhecimento nos autos do trânsito em julgado do acórdão do TCA-Sul que julgou improcedente a impugnação da decisão arbitral.
5 – Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção. - Fundamentação – 6 – Questões a decidir Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o prosseguimento para conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e bem assim a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção. Verificados aqueles pressupostos, haverá que conhecer do mérito do recurso, sendo a questão a decidir a de saber se o benefício fiscal previsto no artigo 19.º do EBF deve ser ajustado proporcionalmente, na fixação do limite máximo da majoração, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação.
7 – Matéria de facto Dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, quer o probatório fixado no acórdão arbitral recorrido – fls. 13 a 31 da respectiva numeração autónoma – quer o probatório fixado no acórdão fundamento.
8 – Decidindo 8.1. Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral. O n.º 3 do artigo 152.º do CPTA estabelece que O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, o que obsta, in casu, à admissão do presente recurso. É que, dando de barato a verificação de oposição entre os arestos (que efectivamente se verifica, como bem explicita o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer junto aos autos), certo é, também, que a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida é plenamente conforme à interpretação adoptada no Acórdão do Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 8 de Maio de 2019 no processo n.º 1054/17.6BALSB, que decidiu questão em tudo idêntica à dos presentes autos (como ali se consignou, a propósito do pedido de apensação apreciado como questão prévia), em processo gémeo do presente recurso (respeitando embora a outro exercício fiscal mas da mesma recorrida). Nesse aresto decidiu-se inter alia que As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do art. 19.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos, interpretação esta com a qual a decisão arbitral recorrida é plenamente conforme. Sucede, porém, que embora o Acórdão em questão seja recente, houve entretanto alterações profundas na composição da Secção de Contencioso Tributário que permitem antever como possível a alteração do sentido decisório aí consignado (cfr. o Acórdão do Pleno de 3 de Julho de 2019, processo n.º 02013/18.7BALSB), daí que o recurso deva prosseguir para conhecimento do mérito, porque a jurisprudência fixada pode já não corresponder à interpretação pugnada pela nova maioria ou, mesmo que assim não seja, porque é conveniente que a nova composição da Secção possa aderir à interpretação acolhida. O recurso prosseguirá, pois, para conhecimento do mérito.
8.2. Do mérito do recurso Sobre questão em tudo idêntica à dos presentes autos pronunciou-se já o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA por Acórdão de 8 de Maio do ano passado, no processo n.º 1054/17.6BALSB, cuja fundamentação e decisão seguiremos, não apenas pelo dever que sobre nós impende de dar tratamento igual a situações semelhantes, assim contribuindo para “obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (artigo 8.º n.º 3 do Código Civil) , mas ainda porque estamos absolutamente convictos de bondade da interpretação aí perfilhada. Consignou-se nesse aresto, e reitera-se aqui, o seguinte: «Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» [art. 11.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT)]. O que significa que na interpretação das normas fiscais há que obedecer aos critérios reconhecidos pelo art. 9.º do Código Civil (CC). Assim, desde logo, a letra da lei não dá apoio algum à tese da Recorrente. É certo que a letra da lei não constitui o único, nem sequer o mais importante elemento a considerar na tarefa hermenêutica, mas é o que constitui o seu ponto de partida e «[c]omo tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» [J. BAPTISTA MACHADO (J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182.)], como resulta do disposto no n.º 2 do art. 9.º do CC. O mesmo Autor explicita: «A letra (o enunciado linguístico) é, assim o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, n.º 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação» (Idem, pág. 189.). Assim, não figuramos como possível extrair da norma um sentido «não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso», bem como não podemos atribuir-lhe um sentido que faz tábua rasa da presunção de «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (cfr., respectivamente, n.ºs 2 e 3 do art. 9.º do CC). Se o legislador queria estabelecer a proposta proporcionalidade porque o não deixou expresso? Ademais, como ficou dito na decisão arbitral proferida no processo n.º 212/2013-T, acima referida, «há reforçadas razões para dar relevância ao elemento textual, derivadas do facto de se estar perante um regime legal que foi várias vezes revisto e em que, por isso, se materializaram várias possibilidades de o legislador ter reformulado a expressão do seu pensamento, se tivesse constatado que tinha dito mais ou menos do que o que pretendia. Ora, constata-se que, já depois da Lei n.º 32-B/2002, o artigo 17.º do EBF foi completamente revisto pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e, no novo n.º 3, refere-se que «o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida», o que corresponde, com actualização terminológica, à redacção anterior». Mas, salvo o devido respeito, também o elemento racional ou teleológico não aponta para a necessidade de uma interpretação restritiva do alcance do benefício fiscal, que só se imporia perante a certeza de que o legislador falhara a redacção da norma. Como também ficou dito na referida decisão arbitral com o n.º 212/2013-T, «a única razão que, abstractamente, poderia explicar outras limitações da majoração, não expressamente previstas, seria a maximização das receitas fiscais, e essa razão não vale quando se está a interpretar normas que prevêem benefícios fiscais, que são justificadas por razões extrafiscais. Na verdade, subjacente ao estabelecimento do benefício fiscal não pode existir um desígnio legislativo de aumentar as receitas fiscais, pois está-se perante situações em que a lei considera que a esse interesse fiscal devem sobrepor-se «interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF). Por outro lado, a majoração tem sempre a duração máxima de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho, nos termos do n.º 3 do artigo 17.º do EBF, pelo que não se vê como se possa concluir, como defende a Autoridade Tributária e Aduaneira, que «o benefício fiscal ocorreria por um período de seis anos». Isto é, se as condições para atribuição do benefício se verificaram, por exemplo, em 1 de Junho de 2001, o benefício fiscal terminará, no máximo, no dia 31 de Maio de 2006, tendo a exacta duração de cinco anos, apesar de essa duração abranger seis anos civis, dois deles parcialmente. No pressuposto de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por imposição do artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, a «majoração anual» de que fala o n.º 2 do artigo 17.º do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, reportar-se-á a anos civis, como se infere do facto de ser anual e ser calculada em função do valor do salário mínimo nacional, relativamente ao qual vigorava a regra da fixação anual, com referência a cada ano civil, como decorre do disposto nos artigos 9.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 69-A/87, de 9 de Fevereiro. Por outro lado, se é certo que, abstractamente, o valor de uma «majoração anual» calculada em função do valor do salário mínimo nacional poderia ser calculado somando os montantes do salário mínimo nacional que em cada um deles vigorou, também é certo que esse método seria impraticável quando o valor dessa majoração anual não é de 12 meses, mas sim de 14 meses, o que pressupõe que seja o mesmo o valor do salário mínimo nacional que em cada um deles vigorou. Por outro lado, nem se pode imaginar que o legislador, ao estabelecer a majoração para vigorar em anos civis, não tenha previsto a situação de os trabalhadores iniciarem os seus contratos fora da data do início do ano civil, pois, estatisticamente, num ano com 365 dias, será 364 vezes mais provável que isso suceda do que no preciso dia do início do ano». Poderia, é certo, o legislador ter optado por uma solução como a preconizada pela Recorrente, mas não resulta do texto da lei que tenha efectuado essa opção, nem resulta de quaisquer outros elementos interpretativos que tivesse querido fazê-la. Não pode, pois, o intérprete substituir-se-lhe e, com base numa pretensa unidade e coerência do sistema jurídico, criar uma norma que restrinja o âmbito do benefício fiscal. Nem se argumente com uma pretensa violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa, Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações; ao invés, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de modo a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. Como bem salientou a decisão recorrida, «A previsão de benefícios fiscais, ainda que justificada pela prossecução de fins de interesse público, não deixa, no plano normativo, de estabelecer regimes particulares de tributação e, como tal, trata de forma dissemelhante situações submetidas ao mesmo imposto. Ainda que as medidas de fomento previstas visem atingir fins ou interesses social e economicamente valiosos e, por isso, não se traduzam em discriminações arbitrárias sem fundamento jurídico algum. Deste modo, se os benefícios fiscais já configuram um afastamento das regras que asseguram a tributação em função da capacidade contributiva, as exigências do princípio constitucional da igualdade não se traduzem no obstáculo à previsão de regimes fiscalmente privilegiados. Consequentemente, a questão da violação do princípio da igualdade deve colocar-se nos benefícios fiscais que se alicerçam em normas de conduta cujo respeito produz efeitos fiscais, relativamente às condições de acesso e não em relação aos contornos em que são previstos. O acesso ao benefício fiscal em apreço depende do comportamento do sujeito passivo, que é livre de optar por preencher as condições normativamente estabelecidas e assim beneficiar deste, ou não as cumprir e não usufruir da medida. E se os efeitos do benefício fiscal se modificarem consoante o momento do preenchimento das suas condições, dependerá da voluntas do sujeito passivo optar pelo preenchimento destas, de forma que lhe permita optimizar os seus efeitos. Assim, nos benefícios fiscais dependentes das opções dos sujeitos passivos não existirá o tratamento discriminatório ofensivo do princípio da igualdade pela norma que estatui esses efeitos, mas apenas se houver distinção arbitrária e sem fundamento jurídico algum nas condições de acesso. Revertendo tal interpretação para os autos, verifica-se que não existe qualquer discriminação arbitrária nas condições de acesso ao benefício fiscal em análise. Os distintos efeitos que se podem verificar na majoração são imputáveis às escolhas do sujeito passivo e não a uma lei discriminatória». Não pode sequer considerar-se que a solução legislativa, na interpretação que subscrevemos, seja arbitrária, uma vez que, numa opção tão legítima como razoável, coloca na disponibilidade do contribuinte a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal, como sucede em tantas outras situações. Em suma, a decisão recorrida não merece censura. 2.2.4 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do art. 19.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos. II - Nos benefícios fiscais que dependem de um comportamento do contribuinte, que pode livremente optar por preencher as condições legalmente estabelecidas para deles usufruir, a questão do princípio da igualdade deve colocar-se relativamente às condições de acesso ao benefício e não em relação aos contornos em que são previstos. III - Assim, não há tratamento discriminatório, nem sequer arbitrariedade da solução legal, se é colocada na disponibilidade do contribuinte a optimização dos efeitos variáveis do benefício fiscal. » (Fim de citação, destacados nossos).
É este julgado que aqui reiteramos, e como tal, será negado provimento ao recurso. - Decisão - 9 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso porque a causa de afigura de “complexidade inferior à comum” atento o seu carácter remissivo (artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais).
Comunique-se ao CAAD. Lisboa, 8 de Julho de 2020. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo. |