Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0369/23.9BEBJA
Data do Acordão:05/08/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA ESTEVES
Descritores:CITAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
NULIDADE
Sumário:I - A falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal, de conhecimento oficioso e arguível até ao trânsito em julgado da decisão final (artigo 165.º do CPPT).
II - A falta ou insuficiência da comunicação dos elementos previstos nomeadamente nas alíneas c) e e) do n.º1 do artigo 163.º do CPPT quando da citação só constituirá nulidade da citação se puder prejudicar a defesa do citado (cf. artigos 191.º do CPC e 190.º do CPPT).
III- Tendo sido deduzida oposição à execução fiscal, cujo teor revela perfeito conhecimento dos elementos alegadamente em falta na citação, não procede a arguição da nulidade da citação, por não se verificar prejuízo para a defesa do citado, designadamente ao nível dos direitos processuais que podem ser exercidos na sequência da citação.
Nº Convencional:JSTA000P32218
Nº do Documento:SA2202405080369/23
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

AA, devidamente identificado nos autos, inconformado, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou totalmente improcedente a reclamação judicial deduzida contra o indeferimento do pedido de declaração de falta da sua citação e da extinção do processo de execução fiscal n.º ...85.

Alegou, tendo concluído da seguinte forma:

i. Resulta da fundamentação constante da douta sentença recorrida que a decisão em crise foi tomada porque o Tribunal a quo considerou que foi invocada a falta de citação, que não considera verificada e ainda, que mesmo que se se tratasse de uma nulidade da citação, não se vislumbra que a alegada insuficiência dos elementos constantes da citação, seja sequer susceptível de prejudicar a defesa de um qualquer executado naquele processo de execução fiscal, em concreto, a matéria de facto provada evidencia que mesmo que essa irregularidade se tivesse verificado, ela não prejudicou de todo a defesa do aqui reclamante, naquele mesmo processo de execução fiscal.

ii. Concretamente, considera o douto Tribunal a quo que não ocorreu qualquer situação de falta de notificação, e não ocorreu qualquer situação de nulidade da citação porque não foi omitido nenhum dos elementos exigidos pelo art.º 190.º n.º 1 do CPPT, sendo certo que, em qualquer caso, os termos em que a citação foi efectuada permitiram ao reclamante exercer os seus direitos de defesa, nomeadamente, deduzindo uma oposição à execução fiscal, na qual revela conhecimento de toda a origem da dívida exequenda.

iii. Porém, salvo o devido respeito, cremos que tal entendimento resulta de um incorreto julgamento da matéria de direito, quanto à interpretação dos artigos 165.º, n.º1, b), 163.º, n.º1 ex vi 190.º, n.º1, todos do CPPT.

iv. Nos termos do disposto no artigo 190º, nº 1 do CPPT, a citação deve conter os elementos previstos nas alíneas a), c) e e) do n° 1 do artigo 163° do CPPT, ou em alternativa deve ser acompanhada de cópia do título executivo.

v. No caso dos autos, como resulta do próprio despacho reclamado, a citação efetuada ao reclamante não se fez acompanhar pelo(s) respetivo(s) título(s) executivo(s).

vi. E, quanto aos elementos da citação constantes nas als. a), c), d), e e) do art. 163.º do CPPT, não só se encontra em falta o correspondente à al. c), i.e., a indicação da data de emissão do título executivo, tal como assumido pelo órgão da execução fiscal, mas também o requisito mencionado na al. e), a natureza e proveniência da dívida, uma vez que foi utilizada nomenclatura genérica e de gestão interna da AT, “Natureza - Imposto Outras Receitas Correntes; Proveniência - 161 - C. Interminist. Mat. Assist. Mútua Cobr. Créd. Est. Memb. CE”.

vii. O Recorrente não pôde aferir a natureza da dívida, a sua proveniência e o respetivo período tributário, razão pela qual viu prejudicados os seus direitos de defesa.

viii. Sendo que o facto de ter deduzido oposição à execução fiscal, por si só, não poderá servir como impedimento a esse mesmo prejuízo, posto que o Recorrente não apresentou a sua defesa de forma segura quanto aos factos tributários da dívida exequenda.

ix. Deste modo, encontramo-nos perante uma nulidade insanável, que pode ser invocada até ao trânsito em julgado da decisão, nos termos do artigo 165.º, n.º 4 do CPPT, o que foi feito pelo Recorrente.

x. O órgão da execução fiscal, ao abrigo do disposto no artigo 164.º do CPPT, poderia 1) ter juntado o próprio título executivo, se o entendesse necessário, 2) uma nota de que conste o resumo da situação que serviu de base à instauração do processo e, no uso desta faculdade, perante a falta de um elemento essencial da citação (que até inclusive reconhecido quanto à data da emissão do título executivo), poderia ter suprido a nulidade do mesmo por via da anexação de documentos, o que não o fez.

xi. Por conseguinte a cominação legal pela falta de requisitos do título executivo é a extinção da execução fiscal.

xii. Toda a alegação do Recorrente ao longo da sua reclamação, foi relacionada com o tema da nulidade da citação, pelo que o erro na qualificação jurídica do pedido (nulidade de falta de citação, prevista na al. a) do n.º 1 do art. 165.º do CPPT), não poderia influir na decisão do Tribunal a quo.

xiii. Posto que, não só o douto Tribunal a quo compreendeu cabalmente o efeito prático-jurídico visado alcançar pelo Recorrente, como também se mantinham no essencial, os efeitos e fins do pedido, sendo posição unânime da jurisprudência, nesses casos, que o Tribunal a quo deveria ter procedido à requalificação normativa do pedido, enquadrando-o no artigo 165.º, n.º 1, al. b), do CPPT, com o reconhecimento da nulidade de citação, por violação dos artigos 190.º, n.º 1, do CPPT, e 191.º, do CPC, ex vi artigo 2.º, al. e), do CPPT.

Termos em que, com o mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que reconheça a nulidade insanável por falta de requisitos essenciais do título executivo, e em consequência, determinar a extinção da presente execução fiscal, ou, se outro for o entendimento, deverá ser reconhecida a nulidade da citação por preterição de formalidades legais, devendo proceder-se à anulação dos ulteriores termos processuais que dela dependam absolutamente.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o STA ser incompetente em razão da hierarquia para apreciar o recurso, competência essa atribuída ao Tribunal Central Administrativo Sul.

Notificadas as partes do teor do parecer do Ministério Público, nada disseram.

Cumpre decidir.

2. Fundamentação

2.1. Matéria de Facto

2.1.1. A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

a) Em 14.06.2023, as autoridades do Estado Espanhol, emitiram um título executivo uniforme, com o teor que consta dos documentos juntos à petição inicial, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, com vista à cobrança através das autoridades do Estado Português, de um crédito sobre o Reclamante; cfr doc junto à petição inicial

b) Com base nesse documento foi instaurado no serviço de finanças de Vendas Novas, o processo de execução fiscal n.º ...49, com vista à cobrança coerciva ao Oponente daquele crédito; conjugação dos documentos juntos à petição inicial com as próprias alegações do reclamante

c) Em 21.08.2023, o Reclamante “foi citado” para aquele processo de execução fiscal, por meio de carta registada com aviso de recepção, através de documento datado de 16.08.2023, com o teor que consta em anexo à petição inicial, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, além do mais, o seguinte: (…)

“Fica por este meio citado(a), nos termos dos artigos 189.º e 190.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), de que foi instaurado neste serviço de finanças o processo de execução fiscal à margem referido, para cobrança coerciva da dívida abaixo identificada.

No prazo de trinta dias após a presente citação, deverá proceder ao pagamento da dívida exequenda e acrescido ou poderá requerer a dação em pagamento, nos termos do artigo 201.º do CPPT. Até à marcação da venda dos bens penhorados poderá, ainda, requerer o pagamento em prestações, nos termos do artigo 196.º do CPPT.

Dos actos praticados pelo Órgão de Execução Fiscal no âmbito deste processo, poderá reclamar nos termos do artigo 276.º do CPPT.

Decorrido o referido prazo sem que a dívida exequenda e acrescido tenham sido pagos, prosseguirá o processo com a penhora de bens ou direitos existentes no seu património, de valor suficiente para a cobrança da dívida.

O pagamento poderá ser efectuado na rede Multibanco, por homebanking, nos CTT, nas Instituições Bancárias e nos Serviços de Finanças, através de guia de pagamento em anexo. As guias de pagamento poderão também ser extraídas da Internet (www.portaldasfinanças.gov.pt), onde poderá também consultar os elementos do processo.

Caso não proceda ao pagamento da dívida no prazo supra indicado, poderá vir a ser incluído na lista dos contribuintes devedores, sujeita a divulgação em conformidade com o previsto na alínea a) do n.º 5 do artigo 64.º da Lei geral Tributária (LGT).

Identificação da Dívida em Cobrança Coerciva
PROVENIÊNCIA IMPOSTO QT EXEQUENDA JUROS DE MORA
1 – C. Interminist. Mat. Assist. Mútua Cobr. Créd. Est. Memb. CE Outras receitas Correntes 505 410,78 3 529,52
Valor indicativo para efeitos de garantia

644 266,35

(…)

Cfr doc junto à petição inicial, admitido por acordo entre as partes, cópia do documento de citação e do aviso de recepção assinado pelo reclamante naquela data, juntos à oposição à execução fiscal n.º ......, deduzida elo Oponente

d) Em 02.10.2023, o Oponente remeteu para o serviço de finanças de Vendas Novas uma petição inicial de oposição à execução fiscal n.º ...49, com o teor que consta do documento anexo à petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, formulando o seguinte pedido:

“Nestes termos e nos melhores de direito, que doutamente serão supridos. Deverá V. Exa:

Julgar totalmente procedente, por provada, a presente Oposição Judicial

a) Reconhecendo a dispensa do estado português em prestar assistência na cobrança do crédito de imposto de 210 744,63€, por ultrapassado o prazo de 5 (cinco) anos previsto pela alínea b) do número 2 do artigo 10.º do referido Decreto Lei n.º 263/2012, de 20 de Dezembro, e em consequência, determinando-se a extinção da execução quanto ao mesmo.

b) Determinando a prescrição do crédito de 223 544,04€, referente à sanção aplicada pelas Autoridades Tributárias Espanholas, uma vez que decorreram mais de 4 anos desde a data do seu alegado cometimento até à data da decisão do Tribunal Económico-Administrativo Regional de Castilla y Leon, determinando-se a extinção da execução quanto ao mesmo.” Cfr cópia da PI de oposição à execução fiscal, informação do OEF prestada no processo de oposição à execução fiscal .

e) Em 03.10.2023, deu entrada no serviço de finanças de Vendas Novas um requerimento do ora Reclamante, pedindo a extinção do processo de execução fiscal n.º ...49, invocando como fundamento, “a falta de citação, que por prejudicar a defesa do executado, determina a nulidade insanável prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 165.º do CPPT, que por sua vez, deverá culminar com a extinção do processo executivo,…”, cfr cópia do requerimento junto à petição inicial e informação do órgão de execução fiscal

f) Em 16.10.2023. foi elaborada informação/parecer sobre este pedido de extinção da execução fiscal, com o teor que consta do documento junto à petição inicial, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, dele constando, nomeadamente, o seguinte: (…)

[IMAGEM]

Cfr documento junto à petição inicial

g) Em 18.10.2023, com base nesta informação/parecer a Directora de Finanças de Évora, indeferiu aquele pedido de extinção do processo de execução fiscal.

2.2. O direito

2.2.1. Da (in)competência do Tribunal em razão da hierarquia

A primeira questão que cumpre apreciar e decidir, suscitada pelo Ministério Público, é a da competência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do presente recurso, sendo que esta questão tem prioridade relativamente a todas as outras, conforme decorre do disposto no artigo 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável por força do disposto no artigo 2º, alínea c), do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), e a sua eventual procedência prejudica o conhecimento de qualquer outra questão.

Vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 26.º, n,º 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e no artigo 280.º, n.º 3, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando, além do mais, os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito.

Como o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender, o recurso não versa exclusivamente matéria de direito, se nas conclusões do respectivo recurso se suscitar questão factual, manifestando-se divergência, por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, quer porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, quer ainda porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos (cf. entre muitos, acórdãos STA de 16/12/2009, Processo 0738/09, de 21/4/2010, Processo 0189/10 e de 04/3/2020, Processo 299/19.9BEMDL; de 12/4/2023, Processo 0436/12.4BECBR).

E se o recorrente suscitar qualquer questão de facto, o recurso já não terá por fundamento exclusivamente matéria de direito, ficando, desde logo, definida a competência do Tribunal Central Administrativo, independentemente da eventualidade de, por fim, esse Tribunal vir a concluir que a discordância sobre a matéria fáctica, ou que os factos não provados alegados são irrelevantes para a decisão do recurso.- cf., por todos, acórdão do STA de 19/4/2012, Processo 0297/12.

No caso, sustenta o EPGA que o recurso não se fundamenta exclusivamente em matéria de direito, porque na conclusão V), das alegações de recurso, vem consignado que “[N]o caso dos autos, como resulta do próprio despacho reclamado, a citação efetuada ao reclamante não se fez acompanhar pelo(s) respetivo(s) título(s) executivo(s)” e não consta do elenco dos factos provados e não provados se a citação efectuada ao ora Recorrente se fez ou não “acompanhar pelo(s) respetivo(s) título(s) executivo(s). E concluiu que a sentença recorrida não efectuou julgamento quanto à matéria objecto da conclusão recursiva, relativamente à qual o Recorrente pretende extrair relevantes consequências jurídicas.

Com o devido respeito, não acompanhamos este entendimento.

Embora no probatório da sentença recorrida não conste, de forma autonomizada, que o acto de citação do reclamante não se fez acompanhar pelo respectivo título executivo, certo é que, na alínea f) desse probatório, vem reproduzido o teor da informação/parecer que está na base do despacho reclamado, constando expressamente do ponto 15 dessa informação que “(…) embora da citação não conste a data da emissão do título executivo (nem cópia da certidão de dívida, cujo envio, sublinhe-se, não é obrigatório) …” (sublinhado nosso).

Assim, atento o teor desse ponto 15, reproduzido no probatório da sentença recorrida, afigura-se-nos que a factualidade referida na conclusão V) da alegação de recurso, e tida por relevante, integra o elenco dos factos provados.

Deste modo, e não se vislumbrando outro motivo que obste à competência deste Tribunal em razão da hierarquia, passamos à apreciação do mérito do presente recurso.

2.2.2. Do alegado erro de julgamento

A sentença recorrida julgou improcedente a reclamação judicial deduzida pelo ora Recorrente contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Beja que indeferiu o seu pedido de que, por se verificar a falta de citação, com prejuízo para a sua defesa, fosse determinada a nulidade insanável prevista na alínea a) do n.º1 do artigo 165.º do CPPT, com a consequente extinção da execução fiscal.

Entendeu o tribunal a quo, em síntese, que a citação para a execução ocorreu e que, em bom rigor, as alegações do Reclamante/Recorrente não traduzem sequer uma falta de citação, por não descreverem uma situação de omissão do acto, nem qualquer das situações elencadas no artigo 188.º do CPC, mas, sim, uma situação de nulidade da citação por preterição das formalidades previstas no artigo 190.º do CPPT. Considerou ainda que, embora em falta a data da emissão do título executivo, a nulidade da citação só constitui nulidade insanável no processo de execução fiscal quando possa prejudicar a defesa do interessado, o que, no caso, não se verificava, porquanto foi apresentada oposição à execução, na qual foi revelado perfeito conhecimento dos elementos alegadamente em falta na nota de citação.

O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, sustentando, no essencial, que a sentença recorrida incorreu num incorrecto julgamento da matéria de direito, quanto à aplicação dos artigos 165.º, n.º1, alínea b), 163.º, n.º1 ex vi artigo 190.º. n.º1, todos do CPPT. Na sua perspectiva, a citação efectuada não se fez acompanhar pelo(s) respectivo(s) título(s) executivo(s) e quanto aos elementos da citação previstos no artigo 163.º do CPPT não só se encontra em falta o correspondente à alínea c), mas também o requisito mencionado na alínea e), a natureza e proveniência da dívida, razão pela qual viu prejudicados os seus direitos de defesa. E concluiu, pedindo que seja reconhecida a nulidade insanável por falta de requisitos essenciais do título executivo, com a consequente extinção da execução fiscal, ou, se outro for o entendimento, seja reconhecida a nulidade da citação por preterição de formalidades legais [porque o erro jurídico na qualificação jurídica do pedido - a falta de citação e não a nulidade da citação - não pode influir na decisão, uma vez que, atenta toda a alegação na reclamação, o tribunal estava obrigado à requalificação normativa do pedido, enquadrando-o no artigo 165.º, n.º1, alínea b) do CPPT].

2.2.2.1. A questão da nulidade por falta de requisitos essenciais do título executivo não foi, se bem vemos, invocada na reclamação judicial nem apreciada na sentença recorrida.

Todavia, a mesma é configurada no CPPT como uma nulidade insanável em processo de execução fiscal, quando não puder ser suprida por prova documental [cf. artigo 165.º, n.º 1, alínea b), do CPPT], de conhecimento oficioso e arguível até ao trânsito em julgado da decisão final (n.º2 do mesmo artigo), pelo que nada obsta a que dela conheçamos.

Segundo o Recorrente, os elementos em falta no título executivo são a data da emissão do título executivo e a indicação da natureza da dívida, a sua proveniência e o respectivo período tributário.

E resulta do artigo 163.º, n.º1 do CPPT que são requisitos essenciais dos títulos executivos, além do mais, precisamente a data em que o mesmo foi emitido [alínea c)] e a natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante [alínea e)].

Ora, como decorre da alínea a) da factualidade dada como provada na sentença recorrida, que não vem impugnada no presente recurso, e em que se deu por reproduzido o título executivo junto aos autos, este existe e foi emitido em 14/6/2023 pelas autoridades do Estado Espanhol, e relativamente aos dois créditos aí mencionados consta, entre o mais, o seguinte:

Crédito 1 (I.R.P.F. ACTAS DE INSPECCION 2013 2014 ACTAS DE INSPECCION - 01/01/2013 - 31/12/2014); Referência: ...05; natureza do crédito: impostos sobre o rendimento e o património; nome do imposto/direito em causa: I.R.P.F. Actas de Inspeccion 2013 2014 Actas de Inspeccion; Período a que respeita: Início - 01/01/2013; Fim: 31/12/2014; Data da constituição do crédito: 24/01/2018; Montante do crédito ainda em dívida: 220910,8 EUR (montante principal -188810,72 EUR + juros - 32100,08EUR );

Crédito 2 (I.R.P.F. ACTAS DE INSPECCION 2013 2014 EXPEDIENTE SANCIONADOR - 01/01/2013 - 31/12/2014); Referência: ...16; natureza do crédito: impostos sobre o rendimento e o património; nome do imposto/direito em causa: I.R.P.F. Actas de Inspeccion 2013 2014 Expediente Sancionador; Período a que respeita: Início - 01/01/2013; Fim: 31/12/2014; Data da constituição do crédito: 24/01/2018; Data a partir da qual o procedimento coercivo é possível: 21/10/2021; Montante do crédito ainda em dívida: 284499,98 EUR (Montante principal- 268252,85 EUR + juros- 16247,13EUR);

Montante total dos créditos: 505410,78EUR.

Daqui resulta evidente que o título executivo, que foi junto aos autos, contém todos os requisitos essenciais, designadamente a data da emissão do título, a natureza e proveniência da dívida e indicação do seu montante, em conformidade com o previsto no artigo 163.º, n.º1, alíneas c) e e) do CPPT.

Improcede, por isso, este fundamento do recurso.

2.2.2.2. Resta então apurar se, ao contrário do que foi considerado na sentença recorrida, deve ser declarada a nulidade da citação, por esta não se ter feito acompanhar do respectivo título executivo, e não ter sido dado conhecimento ao citado dos elementos previstos nas alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 163.º do CPPT (data da emissão do título executivo e indicação da natureza da dívida, sua proveniência e respectivo período tributário), com manifesto prejuízo para a defesa do citado.

Vejamos.

É inquestionável que, nos termos do disposto no artigo 190.º, n.º 1 do CPPT, a citação deve conter, além do mais, os elementos supra referidos previstos nas alíneas c), e e) do nº 1 do artigo 163.º do CPPT ou, em alternativa, ser acompanhada de cópia do título executivo.

Por sua vez, resulta do artigo 191.º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) , ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, que é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização observadas as formalidades prescritas na lei. E segundo o nº 4 do mesmo normativo a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado. Por conseguinte, a arguição da nulidade só não deve ser atendida se se demonstrar que não existiu prejuízo para a defesa do citado, a nível da globalidade dos direitos processuais que podem ser exercidos na sequência da citação, sendo que o que é relevante para a ocorrência de tal nulidade é a mera possibilidade de prejuízo para a defesa do citado e não a demonstração da existência de efectivo prejuízo - cf., entre outros, acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 10/4/2002, Processo 26503 e de 2/2/2014, Processo n.º 01910/13.

Como resulta da factualidade assente, a citação não foi acompanhada de cópia do título executivo e da nota de citação não consta a data de emissão do respectivo título. Quanto à identificação da dívida, na nota de citação consta o quadro, reproduzido na alínea c) do probatório, com as seguintes indicações: proveniência - C. Interministerial. Mat. Assist. Mútua Cobr. Créd. Est. Memb. CE; Imposto - Outras receitas Correntes; Quantia exequenda - 505.410,78; Juros de mora - 3 529,52.

Tais elementos, desacompanhados da cópia do título executivo, não nos parecem suficientes para identificar cabalmente a natureza e a proveniência da dívida, nomeadamente não é identificado o Estado de origem da dívida, o imposto a que se reporta (a referência “outras receitas correntes” é completamente opaca a esse respeito), nem qualquer data ou período a que respeita a dívida. Pelo que, em abstracto, admite-se a possibilidade de tal omissão prejudicar a defesa do citado.

Todavia, no caso concreto, entendeu a sentença recorrida que tal prejuízo não se verificava, porque, na sequência da citação, o ora Recorrente deduziu oposição à execução e fê-lo, como demonstra o teor da petição inicial, revelando perfeito conhecimento dos elementos que alega estarem em falta na nota de citação.

Como aí ficou exarado: “(…) Na verdade, ali alega que a indicação naquele documento de que a proveniência da dívida respeita a “C. Interminist. Mat. Assist. Mútua Cobr. Créd. Est, Memb. CE”, corresponde a um pedido de aplicação do mecanismo de assistência mútua entre Estados- Membros para a cobrança de Créditos, regulada pela Directiva 2010/24/EU do Conselho, de 16.03.2010, transposta para a ordem jurídica nacional através do DL 263/2012 de 20.12.

Ali alega igualmente que em 2017, foi alvo de uma acão de inspecção tributária por parte das Autoridades Tributárias Espanholas relativamente aos seus rendimentos declarados nos anos de 2013 e 2014, provenientes da actividade que aí exercia de comércio em grosso de frutas e verduras.

Ali alega que em resultado dessa acção de inspecção, aquelas Autoridades Tributárias consideraram existir desconformidades nos seus registos contabilísticos relativos a 2013 e 2014, razão pela qual determinaram a sua matéria colectável de 2013 com recurso a métodos indirectos, e que, relativamente ao ano de 2014 lhe alteram o seu enquadramento.

E alega finalmente ter sido notificado dos resultados das liquidações de 2013 e 2014 efectuadas por aquelas autoridades tributárias em resultado da dita acção de inspecção tributária.”.

Embora o Recorrente tenha tido o cuidado de referir na oposição que a sua alegação era no pressuposto de as dívidas em causa na citação serem as relativas às acções de inspecção que indica, e cujas actas, bem como notas de liquidação, juntou a esses autos, do confronto desses elementos com o título de execução aqui em causa é possível confirmar tratar-se efectivamente das mesmas dívidas, estando na execução em causa a cobrança dos créditos com origem em Espanha, a que se reportam as liquidações juntas à oposição com as referências ...05 (relativa ao imposto) e A...16 (relativa à sanção).

Afigura-se-nos, assim, que a alegada omissão na citação (da data da emissão do título executivo e a indicação incompleta da natureza e proveniência da dívida) não afectou, no caso concreto, a defesa do citado, como resulta dos termos em que a oposição foi deduzida. Na verdade, o Recorrente revelou aí conhecer perfeitamente a origem, a natureza e proveniência dos dois créditos tributários em causa na execução para que foi citado (um relativo à liquidação de imposto, e o outro de natureza sancionatória), bem como as datas em que se tornaram exigíveis, o que lhe permitiu opor-se à utilização do mecanismo de prestação de assistência na cobrança do imposto e invocar, nomeadamente, a prescrição da dívida relativa à sanção aplicada pelas Autoridades Tributárias espanholas.

Em suma, ainda que a informação constante do documento de citação seja incompleta ou insuficiente para a identificação cabal da natureza e proveniência da dívida e omissa quanto à data da emissão do título executivo, atento o teor da defesa deduzida pelo Recorrente em sede de oposição à execução fiscal, é de concluir que não existiu prejuízo para a sua defesa, designadamente ao nível dos direitos processuais que podem ser exercidos na sequência da citação.

Razão por que não se considera verificada a nulidade da citação e, por isso, se julga totalmente improcedente o presente recurso.

Em conclusão:

I- A falta de requisitos essenciais do título executivo, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal, de conhecimento oficioso e arguível até ao trânsito em julgado da decisão final (artigo 165.º do CPPT).

II- A falta ou insuficiência da comunicação dos elementos previstos nomeadamente nas alíneas c) e e) do n.º1 do artigo 163.º do CPPT quando da citação só constituirá nulidade da citação se puder prejudicar a defesa do citado (cf. artigos 191.º do CPC e 190.º do CPPT).

III- Tendo sido deduzida oposição à execução fiscal, cujo teor revela perfeito conhecimento dos elementos alegadamente em falta na citação, não procede a arguição da nulidade da citação, por não se verificar prejuízo para a defesa do citado, designadamente ao nível dos direitos processuais que podem ser exercidos na sequência da citação.

3. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (nos termos do artigo 6.°, n.° 7 do Regulamento das Custas Processuais), atendendo que as questões decididas não revestiram particular complexidade e que a sua apreciação resultou de uma tramitação processual simples e adequada conduta processual das partes.

Lisboa, 8 de Maio de 2024. - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.