Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 099/14.2BESNT 0536/17 |
Data do Acordão: | 12/17/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | VERBA TABELA DO IMPOSTO DE SELO INCONSTITUCIONALIDADE |
Sumário: | I - Não obstante a redacção imprecisa da norma constante da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, é possível inferir a partir dos diversos elementos da hermenêutica que o respectivo âmbito de incidência abrange todos os prédios cuja descrição matricial corresponde à de prédio urbano afecto a fins habitacionais. II - No seguimento do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 378/2018 e da sua jurisprudência subsequente, impõe-se não desaplicar a norma constante da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, na redacção dada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, com fundamento em inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade. III - Sobre a decisão das questões de constitucionalidade das normas a última palavra é sempre do Tribunal Constitucional. |
Nº Convencional: | JSTA000P25348 |
Nº do Documento: | SA220191217099/14 |
Data de Entrada: | 05/17/2017 |
Recorrente: | A............, SA |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A A…………, S.A., NIPC n.º ………, em representação do B…………, NIPC ………, interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, em 21 de Novembro de 2016, que julgou improcedente a impugnação da liquidação de Imposto do Selo, n.º 2013 003818735, referente ao prédio urbano, identificado com o artigo n.º U-000787, de que o referido fundo era proprietário a 31 de Dezembro de 2013; liquidação emitida nos termos da verba 28.1 da Tabela Geral Anexa ao Código de Imposto de Selo, no montante de €10.708,60, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo: (a) A sentença recorrida procedeu a uma errada aplicação do direito aos factos que deu como provados, já que o prédio por referência ao qual foi liquidado o Imposto do Selo aqui contestado não é um "prédio com afectação habitacional", como expressamente exigia a norma de incidência que é invocada pela Administração Tributária, na redacção à data relevante. (b) Com efeito, o fundo de investimento aqui representado pela Recorrente, não podia nem pode, em qualquer hipótese, e como entidade colectiva, afectar prédios à habitação, pelo simples motivo de tal afectação ser possível apenas no caso de pessoas singulares, já que as entidades colectivas, como é o caso, não "habitam" em prédios, antes afectam os mesmos prédios à sua actividade, dando-os de arrendamento ou alienando-os. (c) Tal significa que os prédios detidos pelo fundo de investimento aqui representado pela Recorrente, não tendo, não podendo por definição ter a "afectação habitacional" exigida pela lei para efeitos de incidência do Imposto do Selo contestado na redacção à data relevante, não podiam a ele ser sujeitos. (d) Na sua decisão o Tribunal a quo atende à afectação do prédio em termos objectivos, ignorando a função que tal prédio desempenha ao nível do seu proprietário, o sujeito passivo do imposto, o que a Recorrente considera não corresponder à letra ou ao objectivo do legislador, que apontam para interpretação funcional do conceito de "afectação habitacional". (e) O conceito de "prédio com afectação habitacional" inexiste no ordenamento jurídico tributário, onde se conhecem, nos termos do artigo 6.º do Código do IMI, os prédios urbanos habitacionais, os prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços, os terrenos para construção e os outros, como categoria residual. (f) Num esforço interpretativo de apreensão do conceito de "prédio com afectação habitacional", cabe ao intérprete verificar se o mesmo tem ou não consagração legal, se está ou não densificado para outros efeitos e com que amplitude vai surgindo ao longo da legislação fiscal. (g) Ora, as referências legais à "afectação habitacional" contrastam notoriamente com o conceito de "afectação habitacional" subjacente à liquidação contestada e à decisão recorrida, que abstrai da afectação que foi dada ao prédio, que (por definição) não foi a de habitação. (h) A "afectação habitacional" pressupõe antes e impõe uma abordagem funcional e, numa perspectiva funcional de alocação a um determinado fim pelo sujeito passivo de imposto, o fundo aqui representado pela Recorrente, o prédio relativamente ao qual foi liquidado o imposto agora em discussão não é efectivamente um prédio "com afectação habitacional" nos termos exigidos pela lei à data relevante. (i) Termos em que há que concluir que a liquidação contestada se encontra viciada de erro na aplicação da lei e que, porque enferma de erro de julgamento, deverá a sentença recorrida ser revogada por Vossas Excelências e, em consequência, ser substituída por nova decisão que acolha os argumentos de direito invocados pela Recorrente, determinando a anulação da liquidação impugnada, com as legais consequências. (j) A liquidação contestada é também ilegal por inconstitucionalidade material do artigo 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, ao abrigo do qual a mesma foi efectuada, por violação do princípio da igualdade, que exige que sejam tributados de forma igual os que dispõem de igual capacidade contributiva e de forma diferente os que dispõem de diferente capacidade contributiva, na proporção dessa diferença. (k) É que nenhuma diferença existe entre a capacidade contributiva de um proprietário de um prédio com afectação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00 e a de um proprietário de um prédio urbano com o mesmo valor patrimonial tributário de afectação diferente, já que os prédios têm igual valor económico e capacidade de gerar rendimento (e por isso têm o mesmo valor patrimonial tributário), pelo que facultam igual medida de capacidade contributiva aos seus titulares. (l) No entanto, o primeiro dos proprietários antes referidos é tributado no Imposto do Selo em análise, enquanto o segundo o não é. É desta forma violado o princípio constitucional da igualdade na sua vertente de igualdade horizontal. (m) A violação daquele princípio constitucional na sua vertente de igualdade horizontal é igualmente patente na comparação entre proprietários de prédios com afectação habitacional, já que decorre da opção do legislador ordinário que o proprietário de um prédio com afectação habitacional de valor patrimonial tributário de €1.000.000,00 é tributado, enquanto o proprietário de dez prédios com a mesma afectação de valor patrimonial tributário de €100.000 o não é, quando ambos detêm prédios com afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário ascende a €1.000.000,00. (n) E decorre também da opção do legislador ordinário que o proprietário de um prédio com afectação habitacional de valor patrimonial tributário de €l.000.000,00 é tributado, enquanto o proprietário de dez prédios com afectação habitacional de valor patrimonial tributário de €999.999,99 o não é, quando o segundo detém prédios cujo valor patrimonial ascende a €9.999.999,90, ou seja, praticamente dez vezes maior do que o primeiro, em flagrante violação do princípio constitucional da igualdade na sua vertente de igualdade vertical. (o) O Tribunal a quo não aceitou a argumentação da Recorrente, invocando para o efeito o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 568/2016, de 25 de Novembro de 2016, que, no entanto, tem subjacentes factos que não são equivalentes aos subjacentes à presente impugnação, desde logo porque o sujeito passivo de imposto era naquele caso uma pessoa singular, enquanto o fundo aqui representado pela Recorrente é uma entidade colectiva. (p) É por este motivo que no acórdão n.º 590/2015 o Tribunal Constitucional utiliza conceitos como "indicadores de riqueza", "manifestações de riqueza", "igualdade entre os cidadãos" e "níveis de riqueza", que, na linguagem corrente (e não se vê que outra seja aqui de considerar), são utilizados relativamente a pessoas singulares, os "cidadãos", sujeitos a "imposto sobre os rendimentos pessoais". (q) Da mesma forma, a argumentação analisada no acórdão em referência não é equivalente à sujeita a escrutínio nos presentes autos, já que a análise efectuada pelo Tribunal Constitucional partiu da comparação entre contribuintes com patrimónios de natureza diferente, e não, como a Recorrente aqui preconiza ser também relevante, nos termos antes descritos, a questão da violação do princípio constitucional da igualdade na sua vertente de igualdade horizontal no sentido de que nenhuma diferença existe entre a capacidade contributiva de um proprietário de um prédio com afectação habitacional com valor patrimonial tributário igual ou superior a €1.000.000,00 e a de um proprietário de um prédio urbano com o mesmo valor patrimonial tributário de afectação diferente. (r) Não tem assim aplicação no caso concreto a jurisprudência do Tribunal Constitucional, nomeadamente a invocada pelo Tribunal a quo, que, em qualquer hipótese, a Recorrente considera contemplar uma decisão errada. (s) Termos em que há que concluir que a liquidação contestada é anulável por inconstitucionalidade da norma que as baseia na interpretação preconizada pelo Tribunal a quo e que, porque enferma de erro de julgamento, deverá a sentença recorrida ser revogada por Vossas Excelências e, em consequência, ser substituída por nova decisão que acolha os argumentos de direito invocados pela Recorrente, determinando a anulação da liquidação impugnada, com as legais consequências. (t) Uma vez que a liquidação que se contesta na presente impugnação tem na sua origem um erro imputável à Administração Tributária, deverá, na sequência da revogação da sentença recorrida que agora se propugna, ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios. Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deve o presente recurso ser dado como procedente, por provado, com as legais consequências». 2 – A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. 3 - O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso devendo ser confirmada a sentença recorrida, com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que tratou a questão do conceito de “prédio com afectação habitacional” (ex. acórdão de 9 de Setembro de 2015, no processo n.º 47/15) e na jurisprudência do Tribunal Constitucional que não julgou inconstitucional a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aprovada pela Lei n. º 55/2012, de 29 de Outubro, e alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (ex. acórdão n.º 590/2015). 4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir. II – Fundamentação 1. De facto Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta: A) O B…………, é proprietário do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial n.º 663, localizado na Av. ………, em ………, com origem no artigo U- 000787 (cfr. fls. 90e 91 do PAT); B) Na caderna predial respeitante ao artigo matricial referido na alínea anterior, pode ler-se, no que ora interessa, o seguinte (cfr. doc. de fls. 90 e dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): DESCRIÇÃO DO PRÉDIO Tipo de Prédio: Prédio em Prop. Total sem Andares ou DIv. Susc. De Utiliz. Independente Descrição: Afectação: Habitação N.º Pisos 7, Tipologia/divisões 22 DADOS DA AVALIAÇÃO Ano de inscrição na matriz: 1988 Valor patrimonial actual (CIMI): 1.070.860,00[…] Determinado no ano:2012 TITULARES Identificação fiscal: ……… Nome: B………… Morada: AV……… – ……… – ………, ………, 2744-…… PORTO SALVO. Tipo de titular: Propriedade plena Parte: 1/1 Documento: Escritura Pública Entidade: CN 13 LISB […]”; C) A 14/07/2013, foi emitida liquidação de imposto do selo, dirigido ao B…………, referente ao ano de 2012, identificada no documento nº. 2013 003818735, no qual pode ler-se, entre o mais, o seguinte (cfr. fls. 26 junto aos autos com a PI, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): D) A 30/01/2014, o B…………, efectuou o pagamento da liquidação a que se refere a alínea anterior do probatório (cfr. fls. 28 dos autos). 2. Questões a decidir Saber se: i) ao enunciado da previsão legal da verba 28.1 da Tabela Geral Anexa ao Código de Imposto de Selo (na redacção originária da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) "prédio com afectação habitacional" se pode subsumir a situação de afectação de prédios pelas pessoas colectivas à respectiva actividade; ii) a liquidação de Imposto do Selo, emitida nos termos do disposto na verba 28.1 aditada à Tabela Geral Anexa ao Código de Imposto de Selo pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, enferma de ilegalidade consequente, por ser inconstitucional a norma legal que serviu de base a esta liquidação.
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negar provimento ao recurso. Custas pela recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário]. * Lisboa, 17 de Dezembro de 2019. – Suzana Tavares da Silva (relatora) – Aníbal Ferraz (Não subscrevo as referências (fls. 8 e 9) aos arts. 94 nº 5 do CPTA e 2 do CPPT, por entender que correto seria invocar os arts. 663 nº 5 do CPC e 281 do CPPT.) – Francisco Rothes. |