Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02639/17.6BEBRG
Data do Acordão:10/02/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:COMPENSAÇÃO
INCORPORAÇÃO
VIOLAÇÃO
LEGALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
Sumário:O artigo 95.º, n.º 3 do CPTA visa assegurar a plenitude do escrutínio da legalidade dos actos administração, sem a limitação própria do princípio do dispositivo e, estando em causa uma “questão de direito europeu”, o Tribunal pode usar os instrumentos de direito europeu para assegurar o respeito pelo primado daquele ordenamento jurídico.
Nº Convencional:JSTA000P32681
Nº do Documento:SA12024100202639/17
Recorrente:ENTIDADE NACIONAL PARA O SECTOR ENERGÉTICO, E.P.E.
Recorrido 1:A... LDA (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I. RELATÓRIO

1. A... LDA. intentou, no TAF de Penafiel, contra a ENTIDADE NACIONAL PARA O MERCADO DE COMBUSTÍVEIS, EPE (doravante ENMC) e em que eram contra-interessados a DIREÇÃO-GERAL DE ENERGIA E GEOLOGIA, o FUNDO AMBIENTAL, a B... SA, a C... SA, a D... SA, a E... SA, a F... SA, a G... LDA, a H... SA, a I... SA, e a J... LDA, acção administrativa para impugnação da deliberação, de 31.08.2017, do Conselho de Administração da entidade demandada, que, ao abrigo do art.° 24.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 117/2010, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 6/2012, de 17 de Janeiro e pelo Decreto-Lei n.° 69/2016, de 3 de Novembro, a condenou a pagar uma compensação de €142.000,00 pelo incumprimento, com referência ao 1.º trimestre de 2017, das obrigações de incorporação de biocombustível.

Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

A A. apelou para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 30.11.2023, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença e, julgando a acção procedente, anulou o acto impugnado.

É deste acórdão que a Entidade Demandada vem pedir a admissão de recurso de revista.

2. A ENMC formulou alegações que rematou com as seguintes conclusões:

1º A Recorrida veio suscitar a inoponibilidade da “regra técnica”, ínsita no Decreto-Lei 117/2010, aos particulares, nos termos da Diretiva 98/34/CE e de acordo com o acórdão do TJUE, de 9 de março de 2023, invocando a nulidade do ato administrativo impugnado, pela primeira vez em sede de recurso, mediante a apresentação de um requerimento em momento posterior à apresentação das alegações de recurso e formulação de respetivas conclusões.

2º Os recursos jurisdicionais têm como propósito submeter à apreciação do tribunal superior os erros de julgamento, omissões ou excessos de pronúncia de que a decisão recorrida padeça - o que, naturalmente, não se compadece com o suscitar de novas questões que, logicamente, nunca foram objeto da apreciação devida pelo Tribunal a quo. Por essa razão, o conhecimento de novas questões, em sede de recurso, resulta processualmente inadmissível.

3º Ao exposto acresce que as conclusões exercem a função de delimitação do recurso, como inequivocamente resulta do disposto no n.º 3 do artigo 635.º do CPC.

4º Não tendo sido suscitada a inoponibilidade das normas do Decreto-lei 117/2010, de 25 de outubro aos particulares, em conformidade com o artigo 8.º, n.º 1 da Diretiva 98/34/CE, na 1.ª instância ou nas alegações de recurso da decisão de 1.ª instância, o TCA Norte extravasou o objeto do recurso,

5º Ainda que o TCA Norte pudesse conhecer de uma questão que nunca foi objeto de apreciação pelo Tribunal de 1.ª instância, nem foi suscitada nas alegações de recurso, tratando-se de um vício gerador de nulidade, o Tribunal a quo podia/devia conhecer do mesmo oficiosamente e a todo o tempo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 262.º do CPA.

6º No entanto, tratando-se de um vício gerador de mera anulabilidade, o Tribunal a quo somente podia conhecer do mesmo dentro do prazo que o Ministério Público dispõe para promover a ação pública de impugnação, ou seja, no prazo objetivo de um ano desde o momento da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória.

7º Assim, uma vez que não foi suscitada pelas partes o vício pelo qual o Tribunal a quo anulou o ato administrativo impugnado e uma vez que o mesmo não é suscetível de conhecimento oficioso, o acórdão é nulo por excesso de pronúncia, nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 666.º, n.º 1 do CPC.

8º A primeira questão submetida a este órgão de cúpula da jurisdição administrativa reconduz-se a saber se, não tendo a inoponibilidade de uma “regra técnica”, na aceção do artigo 1.º, ponto 11, da Diretiva 98/34/CE, conforme alterada, nos termos do artigo 8.º, n.º 1 da referida Diretiva, sido suscitada na 1.ª instância, ou em sede de alegações do recurso interposto da sentença de 1.ª instância, incorre em erro de julgamento o Tribunal de 2.ª instância que decide pela nulidade da sentença de 1.ª instância e pela consequente nulidade do ato administrativo impugnado, com base nesse fundamento?

9º A segunda questão submetida a juízo através da presente revista consiste em saber se é anulável o ato administrativo praticado ao abrigo de legislação nacional, se a aplicação dessa legislação nacional for contra normas de Direito da União Europeia?

10º Em caso afirmativo, deverá ser exigido à Administração Pública que reconstrua e desaplique normas nacionais, ou realize juízos interpretativos sobre o exato sentido de normas de Direito da União Europeia, em prol da primazia do direito comunitário, quando a interpretação da norma pouco clara em questão não se encontra sequer jurisprudencialmente sedimentada?

11º Tais questões apresentam importância fundamental pela sua relevância jurídica uma vez que são questões novas, ainda não apreciadas por este órgão de cúpula da jurisdição administrativa, sendo que no que respeita à apreciação da legislação em torno das metas de incorporação de biocombustíveis, já este Supremo Tribunal Administrativo entendeu conferir-lhe dignidade e relevância suficientes para que por ele pudesse ser dirimida (vide acórdão de 27 de janeiro de 2022, Processo n.º 2739/17.2BEBRG-A), o que compele a que se imprima, dentro do possível, a desejável segurança jurídica, e um critério orientador para a administração e os particulares.

12º Com efeito, discute-se, nesta sede, ao contrário do que pareceu entender o Tribunal Central Administrativo Norte, não a violação, por parte do conteúdo substantivo do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro – ao qual está vinculada a Administração – de Direito da União Europeia, mas sim a violação de uma exigência de procedimento legislativo, por parte do Estado Português, por não ter comunicado o projeto em que se insere uma alegada “regra técnica”, à Comissão Europeia.

13º Pelo que não está aqui em causa o dever de os tribunais nacionais “desaplicarem legislação nacional que julguem contrária ao direito da UE”.

14º A relevância social das questões em apreço reside, essencialmente, nas consequências, não só no quotidiano da Administração Pública e da sua vinculação ao princípio da legalidade, mas especialmente na determinação dos poderes de cognoscibilidade dos tribunais superiores e, naturalmente, a circunstância de os efeitos do caso em apreço, se projetarem em muito para além da esfera jurídica do Recorrente, sendo suscetível de gerar um impacto (negativo) na comunidade social e no funcionamento dos tribunais.

15º De onde fica evidenciada a necessidade clara de uma melhor aplicação do Direito, que incumbe a este Supremo Tribunal, uma vez que, como adiante melhor se demonstrará, o Tribunal Central Administrativo Norte, cometeu clamorosos erros de julgamento, por excesso de pronúncia e por entender que o ato administrativo impugnado padece de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito.

16º O acórdão proferido pelo TJUE não se debruçou sobre a matéria em causa, limitando-se a esclarecer a interpretação de normas decorrentes da Diretiva 98/34/CE, que nunca constituiu objeto de análise nos presentes autos.

17º Do mesmo modo, nunca foi suscitada a questão relativa à inoponibilidade da norma do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, à Recorrida.

18º Pelo que, não só considerando o acórdão proferido pelo TJUE, mas também atendendo ao teor da Petição Inicial apresentada pela Recorrida, bem como ao objeto do recurso do saneador-sentença de 1.ª instância, torna-se por demais manifesto que aquele acórdão é claramente irrelevante para a decisão da causa.

19º Acresce que o Tribunal Central Administrativo Norte, de modo a fundamentar a sua decisão quanto à invalidade do ato administrativo impugnado, afirmou que, da matéria de facto provada nos autos, resulta que a comunicação prévia exigida ao Estado Português não foi efetuada.

20º O que é manifestamente falso, como percetível de uma leitura da matéria de facto dada como provada pelas instâncias.

21º Razão pela qual impõe-se concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao ter entendido que o acórdão do TJUE se debruçou sobre a matéria em discussão nos presentes autos e pela consequente violação de Direito da União Europeia do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, tendo adotado uma fundamentação inadmissível no que respeita à legalidade do ato administrativo.

22º Somando ao exposto, e como já referido, tratando-se de um vício gerador de mera anulabilidade, o Tribunal a quo somente podia conhecer do mesmo dentro do prazo que o Ministério Público dispõe para promover a ação pública de impugnação, ou seja, no prazo objetivo de um ano desde o momento da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória.

23º Uma interpretação diversa ao disposto no n.º 3 do artigo 95.º do CPTA confere à norma um conteúdo normativo que a torna claramente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 2.º, 20.º, 111.º e 219.º da CRP.

24º À ilegalidade do acórdão proferido acresce o facto de não ter sido interposto recurso pelo Ministério Público ao Tribunal Constitucional, exigível no caso concreto, porquanto o tribunal a quo proferiu um juízo definitivo quanto à ilegalidade de uma norma de direito interno, por violação de Direito da União Europeia.

25º O ato administrativo impugnado não é ilegal, porquanto foi praticado ao abrigo de um diploma legal que à data se encontrava em vigor e que, atualmente, só não se mantém porquanto foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2022.

26º A Recorrente, sob pena de violação do princípio da legalidade, encontrava-se vinculada a proferir o ato administrativo em apreço.

27º Não estamos perante um problema de ilegalidade do ato administrativo, mas antes perante uma (eventual) questão de responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por alegados danos decorrentes do exercício da função legislativa.

28º Assim sendo, o acórdão ora recorrido padece de um erro de julgamento, porquanto o ato administrativo não padece de um vício gerador de anulabilidade, por violação do Direito da União Europeia.

NESTES TERMOS, E nos mais de direito que, V. Exas. Colendos Conselheiros, doutamente, suprirão, deve ser:

a) Declarada a nulidade do acórdão recorrido, por ter o Tribunal Central Administrativo Norte incorrido em excesso de pronúncia, nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 666.º, n.º 1 do CPC.

b) Admitida a presente revista por estarem preenchidos os requisitos da sua admissibilidade; e

c) Ser julgado procedente, por provado, o recurso de revista revogando-se o acórdão recorrido, confirmando-se, em consequência, o ato administrativo impugnado.

Só assim se decidindo será CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA!

3. O A. e aqui Recorrido veio contra-alegar, pugnando pela não admissão do recurso de revista, sem apresentar conclusões.

4. O Ministério Público, em representação do contra-interessado Estado veio apresentar contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:

1. No decurso do recurso perante o TCAN, foi proferido o Acórdão do TJUE de 09.03.2023 que declarou que as metas de incorporação fixadas no artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10 são inoponíveis aos seus destinatários, desde logo porque não foram cumpridas as obrigações do Estado Português de comunicação prévia à Comissão Europeia, o que retira a base legal à norma em questão, esvaziando-a do ordenamento jurídico.

2. Dispõe o artigo 161.º n.º 1 e o n.º 2 al. l) do CPA que são nulos os atos administrativos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido, sendo tal nulidade invocável a todo o tempo – Cfr. artigo 162.º n.º 2 do mesmo Diploma e que a Autora, ora recorrida, invocou perante o TCAN em face da Decisão do TJUE e que o TCAN conheceu, por se tratar efetivamentede vício que fere de invalidade o ato administrativo objeto de impugnação.

3. A Autora veio invocar, na sequência da decisão do TJUE, por mera cautela, invocando uma nova causa de invalidade explanada naquela decisão, que, entretanto, se tornou definitiva e que mesmo não tendo sido invocada, sempre o Tribunal ad quem dela deveria ter conhecido ao abrigo do disposto no artigo 149.º do CPTA, como conheceu

4. Resulta do artigo 95.º, n.º, 3, do CPTA que o Tribunal detém a prerrogativa de apreciar causas de invalidade diversas das invocadas contra o ato impugnado pelo Autor, o que se impõe efetuar atenta a pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia em sede de reenvio prejudicial, porquanto também compete a este Tribunal observar e dar cumprimento à legislação europeia, e invalidar as decisões administrativas dissonantes com o direito comunitário.

5. O Tribunal não só pode, como deve, identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegada - cfr. n.º 3 parte final do artigo 95.º do CPTA, pelo que, ao pronunciar-se pela invalidade decorrente da violação do artigo 8.º n.º 1 da Diretiva 98/34 da U.E. o TCAN cumpriu expressamente o que a Lei Processual Administrativa lhe impõe e não violou o disposto no artigo 95.º n.º 1 do CPTA conjugado com a norma do artigo 615.º n.º 1 al. d) do CPC.

6. O Tribunal encontra-se instituído do poder dever de identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.

7. Refere o artigo 161.º n.º 1 do CPTA que os efeitos de sentença transitada em julgado que tenha anulado ou declarado nulo um ato administrativo desfavorável, podem ser estendidos a outras pessoas que tenham recorrido ou não à via contenciosa, tenham sido objeto de ato administrativo com idêntico conteúdo ou se encontrem colocadas na mesma situação jurídica, desde que, quanto a estas não exista sentença transitada em julgado.

8. O n.º 6 do mesmo dispositivo refere expressamente que quando na pendência de processo impugnatório, o ato impugnado seja anulado por sentença proferida noutro processo, pode o autor fazer uso do disposto nos n.ºs 3 e 4 do presente artigo para obter a execução da sentença de anulação.

9. O Acórdão do STA citado refere expressamente, que “o julgamento do TJUE é plenamente aplicável no caso do presente processo, uma vez que a jurisprudência daquele Tribunal Europeu, quanto à interpretação fixada no direito da UE, designadamente em processo de reenvio prejudicial, torna-se obrigatória quer no âmbito da causa em que o reenvio foi operado, quer em quaisquer outros processos em que seja pertinente a aplicação das mesmas normas interpretadas.” (Negrito e sublinhados nossos)

10. Acrescenta que: “Além do Tribunal Nacional destinatário, ficar vinculado pela interpretação dada, o Acórdão do TJUE vincula também os outros órgãos jurisdicionais a quem seja submetida questão idêntica.

11. Os tribunais nacionais (Tribunais comuns do direito da União Europeia), tem o dever de desaplicar a legislação nacional que julguem contrária ao direito da União Europeia, em obediência ao Princípio do Primado do Direito da U.E., acautelando a garantia de proteção jurídica aos particulares, decorrente do efeito direto das normas de direito comunitário.

12. A defesa do interesse geral da legalidade não é contrariada pelo facto de o Tribunal, fazer uso do seu direito/dever de sancionar os atos inválidos não só com os fundamentos invocados pelo particular, mas também por si, ao abrigo do disposto no artigo 95.º n.º 3 do CPTA.

13. Impugnado atempadamente, ainda que com diversos fundamentos, o ato administrativo o Tribunal Ad Quem pode conhecer oficiosamente de outras causas de invalidade.

14. O conhecimento da questão suscitada pela decisão do TJUE não pode deixar de considerar-se uma questão de conhecimento oficioso, na medida em que os Tribunais nacionais (sem referência ao grau de jurisdição), estão vinculados a aplicar e fazer respeitar o direito Comunitário e as decisões do TJUE que possam influir nas decisões nacionais submetidas à sua apreciação.

15. A falta de base legal do ato administrativo que aplicou as compensações com base na norma ilegal contida no artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10 não é restrita ao processo em que foi declarada, antes se impõe a sua inaplicabilidade em geral, a todos os seus destinatários, o que o Tribunal reconheceu ao declarar procedente o recurso, resultado da correta interpretação e aplicação do Direito da União, expresso no Acórdão do TJUE, como se esperava.

16. O Acórdão recorrido não viola, pois, nem lei substantiva, nem qualquer lei processual, pelo que a Revista não deve ser admitida, ao abrigo do disposto no artigo 150.º n.º 2 do CPTA.

17. A junção de documentos em sede de recurso pode ocorrer, excecionalmente, quando se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª Instância, designadamente poderá ter lugar se a decisão da 1.ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam”.

18. A admissão do documento e aplicação das regras que o permitem corresponde à positivação legal dos princípios fundamentais que informam a produção da prova no processo judicial- garantia da tutela jurisdicional plena e efetiva (artigo20.º e 268.º da Constituição da Republica Portuguesa), de resto constitucionalmente reconhecidas no AC do Tribunal Constitucional 473/94, por se traduzirem na conciliação em termos adequadamente proporcionais do interesse público do apuramento da verdade e da realização da justiça, ao qual convém a junção ainda que tardia dos documentos, com a disciplina ideal do processamento da ação que faz impender sobre as partes um dever de diligência e de colaboração com o Tribunal.

19. O Acórdão do STA de 6.7.2023 é de resto perentório, quando refere que nenhumas dúvidas existem sobre o dever dos tribunais nacionais (também tribunais comuns da União Europeia) desaplicarem legislação nacional que julguem contrária ao Direito da U.E., como impõe o princípio do primado do Direito da U.E. e da Cooperação leal de que decorre ser confiado aos órgãos jurisdicionais nacionais o cuidado de garantir a proteção jurídica decorrente, para os cidadãos, do efeito direto das normas do Direito comunitário (Cfr. Acórdão Fundamental do TJUE “Rewe”,33/76).

20. Destes Princípios decorre que os Acórdãos do TJUE proferidos em sede de reenvio prejudicial (artigo 267.º do TFUE), vinculam não só o Tribunal de reenvio (que seria o TAF de Braga), como também qualquer tribunal nacional que se encontre a decidir uma questão igual ou semelhante, resultado da eficácia erga omnes dos acórdãos do TJUE, que se justifica ainda pela necessidade de garantir a aplicação uniforme e plena de eficácia do direito da U.E..

21. São esses mesmos fundamentos para a aplicação do Direito da EU ao caso sub judice que são amplamente invocados na decisão recorrida e se dão por integralmente por reproduzidos por economia processual, com destaque para a decisão constante do Acórdão do TCAS em 27.10.2022 – Proc. 81/21.3BESNT que refere que “O principio do primado do Direito da União sobre o direito nacional implica, com especial relevância para os Tribunais nacionais, a não aplicação do direito nacional incompatível com o direito da União, a supressão ou reparação das consequências de um ato nacional incompatível com o direito da União e a obrigação de os Estados membros fazerem respeitar o Direito da União.

22. A desaplicação do direito nacional incompatível com o direito europeu configura uma obrigação do tribunal nacional, devendo o juiz nacional desaplicar ex-ofício as normas nacionais desconformes com as normas europeias.” (negrito e sublinhado nossos).

23. O STA na decisão proferida no âmbito do processo 2739/17.2BEBRG-A, com objeto idêntico ao do Processo em que foi suscitado o reenvio prejudicial do TJUE da questão da aplicação do artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10, até à sua revogação operada pelo DL 84/2022 de 9/12, refere que a jurisprudência interpretativa do TJUE impõe-se também no âmbito daquele processo onde se discute questão idêntica, como idêntica é a questão nos presentes autos, em que está em causa a aplicação das compensações devidas pela falta de cumprimento das metas de incorporação fixadas no artigo 11.º citado.

24. O ato da Recorrente, ENSE EPE, que consiste numa ordem de pagamento fundamentada no incumprimento daquela norma, deixa de ter qualquer fundamento legal e incorre em vício de erro dos pressupostos de direito (falta de base legal), vício que os Tribunais podem e devem conhecer ex-ofício, por se tratar de aplicação de uma decisão obrigatória, quer no âmbito do processo em que a questão prejudicial foi suscitada, quer em qualquer outro em que seja pertinente a aplicação das mesmas normas interpretadas. 25- Consequência da aplicação direta das normas comunitárias é a sua aplicação imediata ou ex-ofício pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

[inexiste 25.]

26. O Ac fundamental “CIA Security Service (C-194/94) citado pelo TJUE no Acórdão interpretativo de 9.3.2023, refere que “há que concluir que a Diretiva 83/189 deve ser interpretada no sentido de que a inobservância da obrigação de notificação acarreta a inaplicabilidade das “regras técnicas” em questão de modo que não podem ser opostas aos particulares, sendo que ao juiz nacional compete recusar a aplicação de uma regra técnica nacional que não tenha sido notificada em conformidade com a Diretiva”.

27. Em nenhum destes acórdãos ou decisões é mencionada a necessidade, sequer, de invocação da questão pelo Particular/destinatário da norma ilegal e inválida.

28. Tribunal tem o dever de, ex ofício, aplicar a interpretação que, feita pelo TJUE e aplicável no âmbito nacional, torna inoponível a norma do artigo 11.º do DL117/2010 de 25-10 ao seus destinatários, face à declaração de anulação da mesma por violação do Direito comunitário e por referência ao período a que se refere a sua imposição à Autora.

29. Ao decidir como decidiu o TCAN fez uma correta interpretação e aplicação do direito ao caso sub judice, quer quando admitiu o documento junto pela Autora em sede de recurso, com fundamento na sua tempestividade face à recente prolação do Acórdão Prejudicial do TJUE, quer quando o aplicou ao caso em apreciação, aplicação que de resto, lhe era admissível fazer de ofício no exercício do dever de aplicação imediata do direito comunitário, nos termos em que o aplicou, não tendo fundamento válido a pretensão da recorrente de necessidade de uma melhor aplicação do Direito.

30. Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 149.º do CPTA, a junção do documento é admissível, porque o acórdão do TJUE é efetivamente relevante, muito relevante, para a decisão da causa ao abrigo dos Princípios do Primado do Direito da União Europeia e da Cooperação Leal, que os Tribunais nacionais não podem deixar de respeitar e aplicar e daí a correta aplicação e valoração daquele dispositivo, no sentido de admitir e conhecer desta matéria tão relevante.

31. O ato administrativo em crise é manifestamente ilegal, trata-se de um ato inválido e contenciosamente anulável por vício de violação da lei por erro nos pressupostos de direito – falta de base legal, como é de resto reconhecido quer pelo STA no Acórdão citado.

32. O Acórdão do TJUE também já referido, pronunciou-se sobre a matéria em discussão nos presentes autos na medida em que versou matéria que torna inoponível a norma do artigo 11.º do DL 110/17 de 25-10 a todos os destinatários particulares que possam ser abrangidos por aquela disposição ilegal.

33. Se com a decisão do TJUE dúvidas subsistissem quanto à extensão da aplicação do dispositivo daquele Acórdão, as mesmas mostram-se dissipadas pelo STA no Acórdão citado de 06.07.2023, que refere na sua Conclusão II: “… em face daquele seu Acórdão (do TJUE) de 9.3.2023, resulta, por si, incontornável a procedência da impugnação contenciosa, aqui em apreciação, da ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional tida como inoponível aos destinatários particulares, sendo pois tal ato impugnado inválido e contenciosamente anulável por vício de violação da Lei por erro nos pressupostos de direito (falta de base legal).”

34. O ato administrativo aqui impugnado foi praticado no pressuposto da aplicação de uma norma ilegal – artigo 11.º da Lei 117/2010 de 25-10 – ilegalidade que a própria administração não estava, como não está impedida de corrigir, após a mesma ser reconhecidamente declarada quer pelo Tribunal Europeu, quer também, já, pelo STA–Tribunal Supremo Nacional.

35. A obediência à lei, por parte da Administração Publica não pode significar que se exima às suas obrigações de legalidade só porque dispõe de uma norma vigente cuja ilegalidade vem, entretanto, a ser declarada, antes lhe impondo dar cumprimento à obrigação de revogação administrativa dos atos ilegais perante a constatação da invalidade da norma que sustentou a sua decisão, como impõe o artigo 165.º do CPA, designadamente enquanto os mesmos não se mostrem contenciosamente anulados.

36. O ato administrativo em crise não se consolidou, ainda, no ordenamento jurídico pois a sua impugnação atempada impediu que se tornasse definitivo quanto aos seus efeitos, na esfera jurídica da recorrida.

37. É sem dúvida dever dos tribunais nacionais (também tribunais comuns da União), desaplicarem legislação nacional que julguem contrária ao direito da U.E., obrigação que resulta do primado do direito da U.E. (Cfr. acórdãos fundamentais “Costa/ENEL, 6/64 e Simmenthal, 106/77) e da cooperação leal, de que decorre, de acordo com o TJUE, ser “confiado aos órgãos jurisdicionais nacionais o cuidado de garantir a proteção jurídica decorrente, para os cidadãos, do efeito direto das normas de direito comunitário. Cfr. Acórdão Fundamental “Rewe”, 33/76.

38. A decisão recorrida não padece assim de qualquer erro de julgamento pois ao contrário do que a recorrente pugna, o ato impugnado padece efetivamente de vício de violação da lei por erro nos pressupostos de direito - falta de base legal, que, de resto, é contemporânea do Diploma Legal que continha a norma do artigo 11.º, que violou, sempre, a Diretiva 98/34 CE ao não respeitar as regras para a sua aprovação.

39. A invalidade/ilegalidade do ato administrativo impugnado decorre de forma óbvia da falta de base legal – vicio de erro dos pressupostos de direito, pelo que não faz qualquer sentido a argumentação da recorrente de que o ato administrativo impugnado não padece de qualquer vício de ilegalidade, geradora da sua anulação pelos Tribunais– órgãos de jurisdição – nacionais e pela própria administração.

40. A decisão recorrida ao assim proceder, não padece de qualquer erro de julgamento, é o ato impugnado que padece efetivamente de vício de violação da lei por erro nos pressupostos de direito - falta de base legal, que, de resto, é contemporânea do Diploma Legal que continha a norma do artigo 11.º, que violou, sempre, a Diretiva 98/34 CE ao não respeitar as regras para a sua aprovação.

41. Esta decisão não viola qualquer dispositivo legal ou Princípio fundamental do direito, designadamente os pretendidos e citados pela recorrente, pelo que deve manter-se e produzir todos os efeitos que a lei consente, julgando-se improcedentes as conclusões formuladas e consequentemente o recurso interposto pela Recorrente, com todas as consequências legais.

TERMOS EM QUE,

Com o sempre douto entendimento de V.ªs Ex.ªs, Venerandos Juízes Conselheiros, deve a Revista ser rejeitada ou, recebida, ser julgada improcedente por não provado o Recurso, com as legais consequências.

ASSIM DECIDINDO, SE FARÁ A ESPERADA, NECESSÁRIA E COSTUMADA JUSTIÇA!

5. O processo foi objecto de uma primeira sentença do TAF de Braga, de 14.06.2019, que se declarou materialmente incompetente e determinou a remessa dos autos à área tributária, a qual foi objecto de recurso para o TCAN e por este revogada, por acórdão de 18.09.2020, que julgou competente para conhecer da questão o TAF de Braga na secção administrativa.

Seguiu-se nova sentença do TAF de Braga em 20.10.2021, que julgou improcedente a acção administrativa. Dessa decisão foi interposto recurso para o TCAN, o qual, por acórdão de 30.11.2023, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e julgou procedente a acção e anulou o acto que determinou à Recorrente, o pagamento de € 142.000,00 (cento e quarenta e dois mil euros) a título de compensação, nos termos dos artigos 11.º e 24.°, do Decreto-Lei n.° 117/2010, de 25 de Outubro.

É desta decisão do TCAN que foi interposto o presente recurso de revista, no qual foi ainda suscitada a nulidade do acórdão. Sobre esta questão pronunciou-se o TCAN em acórdão de 15.03.2024, sustentando a decisão.

6. A revista foi admitida, por Acórdão deste STA, de 20.06.2024.

7. Notificado nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, o Magistrado do Ministério Público não emitiu pronúncia.

Cumpre apreciar e decidir

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto

Na decisão recorrida foi reputada como relevante a seguinte matéria de facto:

1. Em 21.12.2011, a Alfândega de Viana do Castelo dirigiu à Autora, um ofício postal registado, com o assunto: “Pedido de concessão do estatuto de destinatário registado, apresentado na Alfândega de Viana do Castelo em 27/10/2011 por A..., Lda, ao abrigo do artigo 28.º do Código dos impostos Especiais sobre o Consumo, anexo ao Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho”, no qual consta, além do mais, o seguinte teor:

“Referenciando o assunto em epígrafe, comunico a V Exs. que, por meu despacho de 15/12/2011, foi deferido o pedido de V Ex.ª para concessão do estatuto de destinatário registado, previsto nos artigos n.º 28° e 29° do Código dos impostos Especiais sobre o Consumo, anexo ao Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho (…). (…)” – cfr. documento n.º 2 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 16.04.2013, a Direção Geral de Energia e Geologia remeteu à Autora, um ofício postal, registado com aviso de recepção, com o assunto: “Aplicação do Decreto-Lei 117/2010, de 25 de outubro – cumprimento das obrigações de incorporação”, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte teor:

“O Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, e alterações, que define critérios de sustentabilidade para a produção e utilização de biocombustíveis e biolíquidos, estabelece limites de incorporação obrigatórios de biocombustíveis para os anos 2011 a 2020.

Assim, encontram-se definidas para as entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo, processando as declarações de introdução no consumo (DIC) nos termos do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, denominadas de incorporadores, definição na qual a empresa de V. Exas. se insere, metas obrigatórias, em teor energético, de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis (Gasóleo Rodoviário, Gasolina...) colocados por si no consumo neste setor, tendo esta obrigação sido de 5% em 2012.

Os incorporadores têm ainda, até ao final de 2014, uma meta específica de introdução de um mínimo de 6,75% (em volume) de biodiesel (cujas especificações se encontram previstas na norma EN 14214) no gasóleo utilizado neste setor.

(…).

Atendendo às limitações conferidas pelo estatuto de destinatário registado, a empresa de V Exas encontra-se impossibilitada de armazenar e manipular o combustível por si importado, ainda que não a impossibilite de deter títulos, uma vez que estes podem ser transacionados entre os produtores e os incorporadores (…).

Com efeito e através de uma interpretação extensiva, considerando que a factualidade reportada no parágrafo anterior se insere no âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 15° do referido Decreto - Lei n.º 117/10, uma vez que os produtores de biocombustíveis existentes (…) não conseguem assegurar qualquer quantidade de biocombustível que permita à empresa A..., Lda cumprir com todas as suas obrigações de incorporação impostas pela legislação vigente, por despacho do Diretor Geral de Energia e Geologia de 27 de março de 2013, foi autorizado elegibilidade à emissão de TdB a todo o biocombustível incorporado no combustível rodoviário importado pela A..., Lda. mediante apresentação de documentação adequada.

Mais se informa que, os TdB a emitir deverão tão-somente a assegurar o cumprimento de obrigações da empresa de V, Exas. decorrentes da lei, não podendo estes ser transacionados.

Todavia, de forma a salvaguardar eventuais distorções de mercado, este entendimento terá de ser reavaliado caso a quantidade total de combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por todos os destinatários registados seja representativa de mais de 1% do mercado nacional.

Por conseguinte e a titulo excecional, empresa de V Exas têm um prazo de 20 (vinte) dias úteis, a partir da data de receção do presente oficio, para se inscrever junto da Entidade Coordenadora do Cumprimento dos Critérios de Sustentabilidade (ECS) e solicitar a emissão de TdB para os biocombustíveis incorporados nos combustíveis por si importados durante o ano 2012, mediante apresentação da documentação que a ECS considere adequada para esse efeito.

(…)” – cfr. documento n.º 2 junto com a contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

3. Em 07.11.2016, a Entidade Demandada elaborou um comunicado, dirigido aos operadores registados de biocombustíveis, através de correio eletrónico, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte teor:

“Cumprimento dos Critérios de Sustentabilidade dos Biocombustíveis para o ano de 2017.

A ECS informa os operadores registados que a partir de 1 de janeiro de 2017, a sustentabilidade dos biocombustíveis produzidos/importados dependerá do cumprimento do critério de redução da emissão de gases com efeito de estufa (GEE) ser > 50%, em relação ao combustível que visam substituir. Este valor já se encontrava previsto no Decreto-Lei n.º 117/2010 de 25 de outubro não tendo sido alterado nem revogado no Decreto-Lei n.º 69/2016 de 3 de novembro. Do mesmo modo, mantêm-se em vigor os valores e as metodologias de cálculo das reduções de emissão de GEE constantes do Anexo I do DL 117/2010, de 25 de outubro, para o qual se remete.

Assim, e tendo a produção nacional de biocombustíveis como principais matérias-primas a colza e a soja, cujos valores de redução por defeito de emissões de gases com efeito de estufa (%) são de 38% e de 31%, respetivamente, a ECS alerta para o facto de estas matérias-primas, por si só, poderem não ser suficientes para cumprir o respetivo critério de sustentabilidade, e consequentemente os biocombustíveis produzidos não serem elegíveis para a emissão de TdB.

Sem prejuízo de os operadores poderem apresentar valores diferentes consoante o tipo de processo e as várias fases da cadeia de valor, remete-se para a tabela A do Anexo I do DL 117/2010, de 25 de outubro:

(…)” – cfr. documento n.º 3 junto com a contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

4. Em 22.02.2017, a Entidade Demandada dirigiu uma informação, através de correio eletrónico, aos operadores registados de biocombustíveis, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte teor:

“Exmos. Operadores,

Informa-se que a ENMC tomou conhecimento, oficioso, da data de realização do 5.9 leilão de TdBs por parte da DGEG. Apesar de não ter sido oficialmente informada por aquela entidade, a ENMC considera importante, divulgar o respetivo programa, para que os operadores interessados possam participar.

(…)” – cfr. documento n.º 6 junto com a contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

5. Em 24.02.2017, a Direção-Geral de Energia e Geologia elaborou um documento, denominado “5.º Leilão de TdB - Ata do ato público de abertura das propostas”, no qual consta, entre o mais, o seguinte teor:

“Pelas 15h07 do dia 24 de fevereiro de 2017, na sala de reuniões do 12º andar da DGEG, Av. 5 de Outubro, 208, em Lisboa, foi efetuada pelo Sr. Diretor Geral de Energia e Geologia, Eng.° AA, a abertura do ato público do 5.º leilão de TdB (títulos de biocombustíveis) relativos às introduções no consumo de 2015 dos PPD (pequenos produtores dedicados), ao abrigo do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, com as suas alterações.

Foi anunciada a existência de 8 propostas, apresentadas no âmbito do Programa do 5º Leilão publicado no site da DGEG, listadas por ordem de entrada:

- K..., Lda (entrada a dia 22-02-2017)

- L..., Lda (entrada a dia 22-02-2017)

- M..., Lda (entrada a dia 22-02-2017)

- N..., SA (entrada a dia 23-02-2017)

- C..., SA (entrada a dia 23-02-2017)

- B..., SA (entrada a dia 23-02- 2017)

- E..., SA (entrada a dia 23-02-2017)

- O... - Unipessoal, Lda (entrada a dia 23-02-2017)

Todas as propostas foram consideradas válidas no ponto de vista de data de entrega de propostas.

(…)” – cfr. documento n.º 5 junto com a contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

6. Em 15.05.2017, a Entidade Demandada remeteu à Autora, um ofício postal registado, com o assunto: “Verificação do cumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis para o 1.º Trimestre de 2017 – audiência prévia dos interessados”, nos termos constantes de fls. 2/5 do PA e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. talão de registo junto a fls. 6 do PA.

7. Em 31.05.2017, deu entrada nos serviços da Entidade Demandada, uma pronúncia escrita, elaborada pela Autora, nos termos constantes de fls. 7/11 do PA e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

8. No âmbito da pronúncia referida no ponto anterior, a Autora juntou dois documentos, nos termos constantes de fls. 12/14 do PA e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

9. Em data que não é possível apurar, a Entidade Demandada elaborou um documento denominado “RELATÓRIO FINAL I”, no qual consta, entre o mais, o seguinte teor:

“1. O Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 6 /2012, de 17 de janeiro e pelo Decreto-Lei n.º 69/2016, de 3 de novembro (DL 117/2010), estabelece critérios de sustentabilidade para a produção e utilização de biocombustíveis e biolíquidos, define limites de incorporação obrigatórios de biocombustíveis para os anos de 2011 a 2020.

2. Assim, no referido decreto-lei encontram-se definidas, para as entidades que introduzem no consumo (IC) combustíveis no setor dos transportes rodoviários, metas obrigatórias, em teor energético, de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis (gasóleo rodoviário, gasolina) colocados por si no consumo neste setor, com exceção do GPL e gás natural.

(…).

5. O cumprimento destas obrigações é comprovado mediante apresentação de Títulos de Biocombustíveis (TdB). Os incorporadores estão assim obrigados a comprovar a incorporação, através da apresentação de TdBs, à ENMC até ao final do mês seguinte ao trimestre a que respeita (…).

De modo a monitorizar o cumprimento das obrigações decorrentes da aplicação deste diploma legal, a ENMC recebe eletronicamente as declarações mensais dos operadores económicos, nas quais, os produtores de biocombustíveis e incorporadores procedem aos seus reportes mensais relativos ao número de TdB que acompanham os biocombustíveis fornecidos/adquiridos, às transações de TdB efetuadas, às quantidades de biocombustíveis incorporados e às quantidades de combustíveis rodoviários colocados no mercado (cf. art. 17.9 do DL 117/2010).

7. Refira-se a este respeito que desde o dia 11 de março de 2017, com a publicação do Regulamento n.º 122/2017, de 10 de março, estão definidos os procedimentos de registo dos produtores de biocombustíveis no Balcão Único, o que tem relevância para a emissão dos TdBs que serão apresentados para efeitos de cumprimento das metas trimestrais.

8. Assim, com base nos reportes de informação efetuados pelos operadores, bem como no cruzamento dos dados armazenados no Balcão Único, verificou-se que os seguintes operadores económicos, encontrando-se enquadrados no conceito de incorporador conforme acima descrito, apresentaram os TdBs suficientes para comprovar o cumprimento da meta acima referida:

• B..., SA (B...)

• C..., SA (C...)

• D... SA (D...)

• E..., SA (E...)

• F..., SA (F...)

• P..., SA

• H..., SA (H...)

• Q..., SA (Q...)

• G... Lda (G...)

• R...

• L...

(…)” – cfr. Relatório I junto a fls. 18/21 do PA e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

10. Em data que não é possível apurar, a Entidade Demandada elaborou um documento designado “Relatório Final do Processo [UB/03...] - A..., Lda [A...)”, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte teor:

“1. O Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 6 /2012, de 17 de janeiro e pelo Decreto-Lei n.º 69/2016, de 3 de novembro (DL 117/2010), estabelece critérios de sustentabilidade para a produção e utilização de biocombustíveis e biolíquidos, define limites de incorporação obrigatórios de biocombustíveis para os anos de 2011 a 2020.

2. Assim, no referido decreto-lei encontram-se definidas, para as entidades que introduzem no consumo (IC) combustíveis no setor dos transportes rodoviários, metas obrigatórias, em teor energético, de incorporação de biocombustíveis nos combustíveis (gasóleo rodoviário, gasolina) colocados por si no consumo neste setor, com exceção do GPL e gás natural.

3. Nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do DL 117/2010, são definidos como incorporadores, as entidades que introduzam combustíveis rodoviários no consumo, processando as declarações de introdução no consumo (DIC) nos termos do Código dos Impostos Especiais sobre o consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de Junho, alterado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, abreviadamente designadas por incorporadores, e que estão obrigadas a contribuir para o cumprimento das metas de incorporação nas seguintes percentagens de biocombustíveis, em teor energético, relativamente às quantidades de combustíveis rodoviários por si colocados no consumo, com exceção do gás de petróleo liquefeito (GPL) e do gás natural:

a) 2011 e 2012 - 5,0 %;

b) 2013 e 2014 - 5,5 %;

c) 2015 e 2016 - 7,5 %,

d) 2017 e 2018 - 9,0 %;

e) 2019 e 2020 - 10,0 %

4. Nos termos do artigo 176.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, durante o ano de 2017, é derrogada a alínea d), mantendo-se como meta de Incorporação a prevista na alínea c), ou seja 7,5% em teor energético.

5. O cumprimento destas obrigações é comprovado mediante apresentação de Títulos de Biocombustíveis (TdB). Os incorporadores estão assim obrigados a comprovar a incorporação, através da apresentação de TdBs, à ENMC até ao final do mês seguinte ao trimestre a que respeita, nos termos conjugados dos artigos 11.º n.º 2, 13.º e 18.º do DL 117/2010, na redação atual.

6. De modo a monitorizar o cumprimento das obrigações decorrentes da aplicação deste diploma legal, a ENMC recebe eletronicamente as declarações mensais dos operadores económicos, nas quais, os produtores de biocombustíveis e incorporadores procedem aos seus reportes mensais relativos ao número de TdB que acompanham os biocombustíveis fornecidos/adquiridos, às transações de TdB efetuadas, às quantidades de biocombustíveis incorporados e às quantidades de combustíveis rodoviários colocados no mercado (cf. art. 17.º do DL 117/2010).

7. Contrariamente ao que alegou na sua pronúncia em sede de audiência prévia dos interessados (…), a A..., encontra-se enquadrada no conceito de incorporador conforme acima descrito, estando, por conseguinte, obrigada ao cumprimento das metas acima referidas.

8. Após análise e cruzamento das declarações mensais efetuadas pelos diversos operadores e com base na informação disponibilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e pela Entidade Coordenadora do Cumprimento dos Critérios de Sustentabilidade (ECS), é possível verificar que a A... foi responsável pela introdução ao consumo, no 1.º trimestre de 2017, de cerca de 947 tep de combustíveis rodoviários.

(…).

10. Assim, com base nos reportes de informação efetuados pelos operadores, bem como no cruzamento dos dados armazenados no Balcão Único, verificou-se que a A... não apresentou os TdBs suficientes para comprovar o cumprimento da meta acima referida.

11. A conta corrente do incorporador foi calculada com base na informação eletrónica, declarada mensalmente relativa aos meses de janeiro a março de 2017 (após validação) e contabilizando um “saldo inicial” de TdB, isto é, uma quantidade de TdB que transitaram do ano anterior, após cancelamento dos necessários para dar cumprimento às obrigações de 2016

12. Cada TdB, representativo da incorporação de 1 tep de biocombustíveis destinados a ser incorporados no consumo nacional, tem a validade de dois anos, podendo estes ser transacionados entre os produtores e os incorporadores.

13. Com efeito, este sistema TdB visa criar um mercado de títulos, dando aos incorporadores uma maior flexibilidade no cumprimento das suas metas, ao desassociar o TdB a apresentar do lote de biocombustível efetivamente incorporado

(…).

14. Por conseguinte e atendendo a que este sistema não só atribui a cada TdB uma validade de dois anos como atribui igualmente um valor monetário, em especial quando os agentes económicos tiveram de pagar pela sua emissão (taxas previstas na Portaria n.º 8/2012, de 4 de janeiro), não podem deixar de ser considerados aquando do cálculo da conta corrente de cada incorporados os TdB transitados de anos precedentes, desde que os mesmos estejam dentro da validade prevista na lei.

15. Face ao exposto, é possível concluir que a conta corrente de cada incorporador deve não só ter em consideração a quantidade de TdB adquiridos e entregues num dado ano como também a quantidade de TdB transitados do ano anterior, após o cancelamento dos necessários para comprovar o cumprimento das obrigações previstas na lei relativas ao ano precedente.

16. Nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, os incorporadores que não cumpram a respetiva meta de incorporação de biocombustíveis, ficam sujeitos ao pagamento de compensações, no valor de 2 000,00€ por cada TdB em falta.

(…).

18. No caso da A..., as causas da não apresentação de TdBs por parte destes incorporadores mantiveram-se, pelo que a argumentação exposta não pode ser admitida.

19. Com efeito, a A... parte de dois pressupostos errados, por um lado o entendimento de que não está sujeita à norma que define as obrigações de incorporação de biocombustíveis e, por outro lado a interpretação de que a documentação que é junta ao processo (guias de carga) é suficiente e adequada para considerar cumpridos os critérios de sustentabilidade.

20. Relativamente à primeira consideração, é preciso notar que a interpretação do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, alterado pelo Decreto Lei n.º 6/2012, de 17 de janeiro, implica que a definição de incorporador esteja diretamente relacionada com a emissão de Declarações de Introdução no Consumo (DIC).

Ora, a A..., independentemente do estatuto fiscal que lhe esteja associado, ao emitir DIC aquando da introdução de combustíveis fósseis no consumo, está abrangida pela obrigação de incorporação de uma determinada percentagem de biocombustíveis.

21. Deste modo é inegável que a Requerente está sujeita e vinculada às obrigações de incorporação de biocombustíveis ali previstas.

22. Por outro lado, e no que diz respeito à questão da certificação e do cumprimento dos critérios de sustentabilidade aquando da importação de combustíveis, importa referir que tal demonstração tem de ser feita por cada lote de biocombustível incorporado, através da emissão de documentação que prove de sustentabilidade ou por um sistema nacional, ou por um regime voluntário de certificação.

23. Ora, a documentação que foi junta na exposição da audiência prévia dos interessados diz respeito ao certificado do ISCC (regime voluntário) da empresa de logística S... (S...), que prossegue atividades de comercialização e de logística, mas não de produção. Isto significa que aquele documento nada refere sobre a produção dos biocombustíveis, nem sobre o cumprimento dos critérios de sustentabilidade durante toda a cadeia de valor.

24. Do mesmo modo, as guias de carga que foram juntas pela A... na sua pronúncia, referem-se às quantidades do produto expedido pela S..., nada dizendo sobre a sustentabilidade do biocombustível incorporado.

25. Deste modo, concluiu-se pela existência de base legal ou regulamentar para a documentação referida poder ser admitida para efeitos de emissão de TdBs.

26. Consequentemente, a conta-corrente da A... apresenta valores negativos, pelo que se deve manter a decisão de concluir pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis, por referência ao primeiro trimestre de 2017.

Em conclusão,

27. Conforme acima evidenciado a A..., não dispõe de TdBs suficientes nas respetivas contas correntes, para o cumprimento da meta de Incorporação de biocombustíveis referente às introduções de combustíveis fósseis no consumo ocorridas no 1.º trimestre de 2017.

28. Consequentemente e em cumprimento estrito da lei, deverá ser imposto à A... o pagamento de compensações no montante total de 142 000 €.

(…)” – cfr. Relatório Final junto a fls. 31/35 do PA e cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

11. Em 07.08.2017, na sequência dos documentos referidos em 9. e 10., a Entidade Demandada elaborou uma informação, com o assunto “Conclusão do processo de verificação do cumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis previstas para 2017 – 1.º Trimestre”, na qual se pode ler, entre o mais, o seguinte teor:

“I - ENQUADRAMENTO:

Na sequência da alteração legislativa ao Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, operada pelo Decreto-Lei n.º 69/2016, de 3 de novembro (“DL 117/2010”), foi modificado o sistema de verificação do cumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis, para uma verificação trimestral, com base nas introduções ao consumo efetuadas no referido trimestre. Nesse sentido, foi aprovado e enviado a 17 de novembro de 2016, um comunicado a todos os operadores do Sistema Petrolífero Nacional, via Balcão Único, informando que o primeiro trimestre de referência para as novas regras de fiscalização do cumprimento das metas, coincidiria com o início do ano civil, logo com o primeiro trimestre de 2017.

O processo de verificação do cumprimento das metas de incorporação em vigor para 2017, relativas ao primeiro trimestre, foi iniciado após a receção da informação por parte dos incorporadores, ou seja, após o final do mês de abril. Com referência ao primeiro trimestre do corrente ano, listam-se os incorporadores registados na ENMC:

• B..., SA (B...)

• C..., SA (C...)

• D... SA (D...)

• E..., SA (E...

• F..., SA (F...)

• P..., SA

• H..., SA (H...)

• Q..., SA (Q...)

• G... Lda (G...)

• R...

• L...

• T..., Lda (T...)

• K..., Lda (K...)

• A..., Lda (A...)

• M..., Lda (M...).

Na sequência da análise das declarações mensais de todos os incorporadores, verifica-se que nem todos os incorporadores cumpriram com as suas obrigações de incorporação de biocombustíveis, devendo distinguir-se entre o conjunto de incorporadores que dispõem de Títulos de Biocombustíveis (TdBs) suficientes nas respetivas conta-correntes para o cumprimento da meta de incorporação (Relatório Final I) e o conjunto de incorporadores que não apresentaram TdBs suficientes para cumprir a meta de incorporação (Relatório Final II).

As conclusões do procedimento de verificação do cumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis, constam do Relatório Final I e II em anexo à presente informação.

Propõe-se que:

1. De acordo com as conclusões vertidas no Relatório Final I, se notifiquem os respetivos incorporadores dos valores de TdBs apurados para o consequente cancelamento na correspondente conta-corrente (Cfr. artigo 18.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 69/2016, de 3 de novembro).

2. Em cumprimento do princípio da desmaterialização, as respetivas notificações sejam efetuadas através da área reservada dos biocombustíveis no Balcão Único, nos termos do artigo 62.º do Código do Procedimento Administrativo.

3. De acordo com as conclusões vertidas no Relatório Final II, se notifiquem os respetivos incorporadores dos valores de TdBs em falta para o cumprimento da obrigação de incorporação de biocombustíveis, bem como da decisão de aplicação do pagamento de compensações no valor de 2.000,00€ por cada TdB em falta (cfr. 24.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 69/2016, de 3 de novembro).

4. Sem prejuízo do proposto no ponto 2. e atendendo ao elevado potencial de reação contenciosa contra as decisões referidas no ponto anterior, propõe-se que as respetivas notificações sejam expedidas por carta registada (Cfr. artigo 112.º n.º 1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo).

(…)” – cfr. informação junta a fls. 15/17 do PA e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

12. Em 31.08.2017, a informação referida no ponto anterior mereceu despacho de concordância, proferido pelo Presidente da Entidade Demandada – cfr. Despacho junto a fls. 15 do PA e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

13. Em 31.08.2017, a Entidade Demandada elaborou o ofício postal, com a referência ...17, dirigido à Autora, com o assunto: “Verificação do cumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis para o 1.º Trimestre de 2017 – decisão final do processo n.º UB/03...”, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte teor:

“Na sequência da instrução do processo com o número acima refendo e após a realização da audiência prévia dos interessados, no âmbito da qual V/Exas. se pronunciaram por carta (CR - 2298, de 31 de maio de 2017), serve a presente para notificar da decisão final de aplicação do pagamento de compensações no valor de 142 000 € (euros) pelo incumprimento das obrigações de incorporação de biocombustíveis, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 6/2012, de 17 de janeiro e pelo Decreto-Lei n.ºs 69/2016, de 3 de novembro (…).

A referida decisão aprovada no passado dia 31 de agosto, pelo Conselho de Administração teve por base a fundamentação constante do anexo à presente notificação.

(…).

A receita das compensações definidas no artigo 24.º reverte em 70% para o Fundo Ambiental e em 30% para o Fundo de Eficiência Energética, conforme previsto no artigo 27.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro.

Mais se notifica que V/Exa dispõe agora de 30 dias úteis para proceder ao pagamento do montante acima referido, por cheque ao cuidado da ENMC - Entidade Nacional para o Mercado dos Combustíveis, E.P.E ou por transferência bancária para o IBAN ...63.

(…)” – cfr. citado documento n.º 1.

14. Em 26.09.2017, a Entidade Demandada dirigiu ao gerente do posto U..., um ofício postal, com o assunto: “Notificação - audiência dos interessados - monitorização da qualidade de serviços aos consumidores - auditoria para efeitos de atribuição de nota e ordenação qualitativa dos comercializadores retalhista de combustível”, nos temos constantes do documento n.º 3 junto com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

15. A Autora, no âmbito da sua atividade de importação de combustíveis rodoviários, processa DICs (Declaração de introdução no consumo), pela introdução de combustíveis rodoviários no consumo – cfr. documento n.º 1 junto com a contestação e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzidos.

2. De Direito

2.1. Da alegada nulidade por excesso de pronúncia

A primeira (e principal) questão que vem suscitada no presente recurso prende-se com um alegado excesso de pronúncia do acórdão recorrido por ter conhecido e decidido uma questão – a invalidade do acto que impunha à A. o pagamento da compensação de €142.000,00 por incumprimento da obrigação de incorporação de biocombustíveis derivada da invalidade da norma contida no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25.10, por violação do direito europeu conforme acórdão do TJUE no proc. C-604/21 onde se afirmou “uma legislação nacional que fixa um objetivo relativo à incorporação de (…) % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano é abrangida pelo conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.°, ponto 4, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e constitui assim uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.°, ponto 11, da Diretiva 98/34, conforme alterada, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada – que não fora suscitada nem na p.i., nem nas alegações do recurso formulado para o tribunal a quo.

Mas sem razão.

Primeiro, cabe lembrar que o artigo 95.º, n.º 3 do CPTA contempla hoje um segmento que “amplia” os poderes de conhecimento do Tribunal no âmbito do processo impugnatório em termos diversos daqueles que alega o Recorrente. Com efeito, na norma antes mencionada pode ler-se que “nos processos impugnatórios, o tribunal (…) deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas”, tendo como único limite o cumprimento do princípio do contraditório, sendo esse o requisito de validade de uma tal opção do tribunal, arredando assim o efeito da decisão surpresa. No essencial, promove-se nestes processos um escrutínio pleno da legalidade do acto, em prejuízo do princípio do dispositivo, mas respeitando o princípio do contraditório. Contraditório que neste caso foi assegurado. O respeito pelo princípio do contraditório é, pois, o único limite do tribunal quando entende que o acto pode ser anulado por um vício que o Recorrente não alegou, improcedendo o argumento recursivo de que o tribunal estaria limitado a conhecer dos vícios que fossem de conhecimento oficioso. Tal limitação não resulta da norma: nem do seu teor literal, nem do resultado a que podemos chegar por via de interpretação jurídica.

Segundo, o Recorrente parece ainda alegar que não caberia no âmbito desta norma – e, nessa medida, no âmbito das invalidades sindicáveis pelo Tribunal – a apreciação de eventuais invalidades consequentes, ou seja, decorrentes da invalidade da norma ao abrigo da qual é praticado o acto, sem que essa invalidade seja própria e exclusiva do acto. Mas também essa limitação do âmbito do artigo 95.º, n.º 3 do CPTA não tem qualquer fundamento na letra ou no sentido interpretativo que se pode retirar da norma. Uma vez mais lembre-se que o único limite que a norma do CPTA prevê é o de ser previamente assegurado o contraditório (o que sucedeu neste caso conforme resulta de pág. 607 do SITAF), dele não se podendo retirar a limitação pretendida pelo Recorrente.

Terceiro, questão diferente é saber se o resultado a que chegou o TCA-Norte quanto às consequências que podem se retiradas para os presentes autos do acórdão do TJUE proferido em 09.03.2023 estão correctas. Essa é uma questão que apenas pode ser apreciada em sede de erro de julgamento, mas que não pode motivar a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia.

Assim, pelas razões aduzidas, improcede a alegada nulidade do acórdão pro excesso de pronúncia.

2.2. Do alegado erro de julgamento

O Recorrente sustenta também que o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento ao considerar que o acto impugnado podia ser anulado com o fundamento decorrente do decidido no acórdão do TJUE no proc. C-604/21.

No essencial, o que se alega nesta parte é que o que está em causa não é um vício próprio do acto que determinou o pagamento da compensação nos termos do disposto no regime jurídico-legislativo nacional, mas antes uma violação de uma exigência no âmbito do procedimento legislativo nacional imposta pelas Directivas Europeias.

Não há dúvida de que o problema decorre de um incumprimento pelo legislador nacional de uma exigência imposta pelas Directivas Europeias para a correcta e válida aprovação/transposição para o direito nacional do regime jurídico em matéria de imposição da obrigação de incorporação de biocombustíveis.

De resto, a questão foi amplamente esclarecida nestes termos pelo TJUE que, no aresto já mencionado, conclui que a norma que define a percentagem de incorporação de biocombustível (o dito artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010) é uma “regra técnica” na acepção do artigo 1.°, ponto 11, da Directiva 98/34 e que, nessa medida, apenas é oponível aos particulares se o seu projecto tiver sido comunicado em conformidade com o artigo 8.°, n.° 1, da Directiva 98/34. Quer isto dizer, como bem se concluiu no acórdão deste STA de 06.07.2023 (proc. 02739/17.2BEBRG-A), que qualquer acto de “ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional tida como inoponível aos destinatários particulares” tem de considerar-se “inválido e contenciosamente anulável por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito (falta de base legal)”.

Veja-se que o acórdão do TJUE que aqui citamos e acompanhamos esclareceu ainda que a norma jurídica nacional não é susceptível de constituir uma “mera transposição integral de uma “norma europeia”, e, nessa medida, não pode sequer subsumir-se na excepção prevista no art. 8.º n.º 1 da Directiva 98/34, nem é susceptível de integrar uma “cláusula de salvaguarda”. Por outras palavras, não existe qualquer fundamento jurídico na Directiva Europeia que neutralize o vício de que enferma a norma legal nacional (falta de notificação prévia) e que comina a sua inoponibilidade aos particulares.

Assim, o que resulta do decidido pelo Tribunal a quo – e bem – é que sendo inoponível ao A. impugnante e aqui Recorrido a norma que impunha o pagamento da compensação, sempre aquele acto seria ilegal por falta carecer de base legal (violação do princípio legalidade na acepção do subprincípio da precedência de lei).

A questão é, pois, bem mais simples do que aquilo que o Recorrente alega.

Não se trata de apurar se existe um dever de desaplicação pelos tribunais nacionais das normas de direito nacional que se considerem violadoras do direito europeu à semelhança do que sucede na “questão de constitucionalidade”. Até porque na “questão europeia” existe um dever de reenvio sempre existem dúvidas, cabendo depois ao Tribunal Nacional aplicar a solução jurídica em conformidade com a decisão do TJUE quando esta seja clara, mesmo que proferida em outro processo, como sucede neste caso. Já na “questão de constitucionalidade” o Tribunal decide formulando um parâmetro decisório que entender ser o sentido conforme à CRP, cabendo depois, em sede de recurso para o TC, questionar-se a conformidade ou não com a CRP do dito parâmetro de decisão formulado pelo Tribunal que julga o caso. O que sucede aqui é que a norma de direito nacional se tem de considerar inoponível aos privados, ou seja, ineficaz para os privados, sem que sobre ela o tribunal formule qualquer juízo sobre a respectiva validade. E ao considerá-la inoponível no caso concreto concluiu pela ilegalidade do acto por violação do princípio da legalidade.

Também não tem razão o Recorrente quando alega que os pressupostos em que se fundou a decisão do TJUE – maxime, a ausência de notificação da norma às instâncias europeias teria de constar da matéria de facto assente nos autos. Por se tratar de uma questão apenas de direito – que contende com a conformidade da norma com o direito europeu e com os efeitos daí decorrentes expressamente reconhecidos pelo TJUE – que contende exclusivamente com aspectos relativos ao parâmetro de decisão e à possibilidade ou não de o Tribunal fazer uso neste processo de decisões sobre a mesma norma proferidas em outros processos, cujo sentido e alcance aqui sejam claramente transponíveis, inexiste a necessidade de que a mobilização deste “direito” careça do conhecimento prévio de quaisquer elementos de facto nos próprios autos.

Igualmente carece de procedência, pelas razões já avançadas a respeito da inexistência de excesso de pronúncia, a argumentação de que o artigo 95.º, n.º 3 do CPTA limita o Tribunal a conhecer apenas das causas de invalidade não alegadas pelo Impugnante que sejam aptas a gerar a nulidade do acto impugnado. Não é isso, já o dissemos, que resulta do teor daquele segmento normativo, que visa assegurar a plenitude do escrutínio da legalidade dos actos administração sem a limitação própria do princípio do dispositivo.

Também não procede o argumento de que estando a Administração vinculada à lei e, nessa medida, à aplicação do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, não pode o Tribunal anular o acto a não ser com fundamento em inconstitucionalidade. Como já resulta do anteriormente dito, tratando-se de uma “questão de direito europeu”, cabe ao Tribunal usar os instrumentos de direito europeu para assegurar o respeito pelo primado daquele ordenamento jurídico, não estando limitado nessa tarefa pelo princípio da legalidade ou pela necessidade de uma intervenção prévia do tribunal constitucional.

Por todas estas razões improcedem os argumentos oferecidos pelo Recorrente para sustentar o alegado erro de julgamento, impondo-se a manutenção in casu do decidido no aresto do TCA-Norte.

III – Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 2 de Outubro de 2024. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - José Augusto Araújo Veloso.