Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0110/22.3BALSB
Data do Acordão:01/09/2025
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:RECLAMAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
DEFESA CONTRA DEMORAS ABUSIVAS
Sumário:I - Nos termos do artigo 670.º do CPC, “[s]e ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, leva o requerimento à conferência, podendo esta ordenar, sem prejuízo do disposto no artigo 542.º, que o respetivo incidente se processe em separado” (n.º 1), aplicando-se este regime “aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados” (n.º 2). Sendo que “[a] decisão da conferência que qualifique como manifestamente infundado o incidente suscitado determina a imediata extração de traslado, prosseguindo os autos os seus termos no tribunal recorrido” (n.º 3).
II - A ratio deste preceito legal é a de obstar à paralisação da instância por interposição sucessiva de requerimentos impeditivos do cumprimento do julgado, da baixa do processo ou da sua remessa ao tribunal competente.
III - Apresentado requerimento, na sequência e à semelhança, de outros anteriores, em que são colocadas questões já decididas e reiteradamente suscitadas inexistências jurídicas e nulidades decisórias e processuais, que mais não visam do que obstar ao trânsito em julgado da decisão proferida nos autos de extinção da instância e à sua execução, suscitando assim sucessivos incidentes a esta posteriores, impõe-se o uso dos poderes conferidos pelo artigo 670.º do CPC.
Nº Convencional:JSTA000P33070
Nº do Documento:SA1202501090110/22
Recorrente:AA
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Ações administrativas de actos dos órgãos superiores do Estado
Reclamação

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Por requerimento de 17.11.2024 (ref. ...89) veio a AUTORA, AA, RECORRENTE nos autos e ora REQUERENTE/RECLAMANTE, na sequência de despacho do relator de 30.10.2024, o qual reiterou que o despacho proferido em 17.09.2024 havia transitado em julgado por ausência de tempestiva impugnação, arguir a “inexistência jurídica e a nulidade do id. despacho”.

2. O que faz nos seguintes termos:

I. Da Inexistência Jurídica do despacho proferido no dia 30.10.2024:

O Despacho proferido é inexistente pois, dirimiu uma pretensão da A. (ainda que sem emitir pronúncia de mérito) que só pode ser apreciada e decidida pelo Pleno do STA e, essa pretensão, é a de que seja declarada a inexistência jurídica da decisão singular proferida no dia 27.10.2023 pela Sra Juíza Relatora, Dra Ana Portela em violação do dever do julgamento da causa – que estava em fase de recurso admitido – pelo Pleno, vício que foi arguido pela Autora em requerimento datado de 4.10.2024 e que foi dirigido ao único tribunal competente para dirimir a questão: o Pleno do STA até porque o processo está em fase de recurso que foi, devidamente, admitido.

É evidente que não está prevista em lei positiva a competência do Pleno do STA para apreciar e declarar a inexistência jurídica de uma decisão proferida pelo Relator quando o devia ter sido proferida pelo Pleno pois:

A Inexistência Jurídica (de uma sentença, de um acórdão, de um despacho) é um vício que também não está ele está consagrado em lei positiva mas,

É unanimemente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência o vício da inexistência jurídica, designadamente quanto à prolacção de sentenças/decisões no exercício do poder jurisdicional por tribunal singular quando a competência pertence ao tribunal colegial,

Assim sendo, a competência para a apreciação de tal vício há-de ser do tribunal, in casu, o Pleno, que era o originalmente competente para o exercício do poder jurisdicional sobre a matéria decidida por quem não tem poderes jurisdicionais para o fazer.

Logo, é inexistente o despacho proferido pois o seu Autor se arrogou, de forma singular, exercício de um poder jurisdicional que não tem.

Mas, ainda que o tivesse:

II.

Da nulidade do despacho proferido no dia 30.10.2024:

Tinha, então, o Relator do processo, autor do despacho proferido no dia 30.10.2024, que, considerar-se competente e dirimir – emitindo decisão de mérito - a questão sobre a inexistência jurídica da decisão proferida no dia 27.10.2023,

E, antes de dirimir a questão, tinha que, nos termos do artigo 3.º n.º 3 do CPC, conceder contraditório à Autora sobre a sua intenção de decidir a questão suscitada da inexistência da forma como veio a fazê-lo no despacho ora em crise e ao não fazê-lo incorreu na nulidade prevista no artigo 195.º n.º 1 e 2 do CPC pois, a ausência do contraditório influiu no exame e decisão da causa em desfavor da pretensão da A.

Por todo o exposto, requer-se a Vossa Excia, se digne declarar a inexistência do despacho supra id. ou a sua nulidade, nos termos legais, concedendo-se o contraditório à A. devendo, sempre, o requerimento de 04.10.2024 ser apreciado e decidido de forma a ser emitida pronúncia de mérito sobre a pretensão formulada pela Autora, nos termos do artigo 7.º do CPTA que, é premente para a segurança e paz jurídica uma vez que, como é unânime na Doutrina e na Jurisprudência, as sentenças/decisões/despachos INEXISTENTES, não transitam em julgado.

3. O despacho do relator de 30.10.2024, proferido na sequência de requerimento da A. em que esta suscitou a “inexistência jurídica da Decisão datada de 27.10.2023 proferida pela Exma Senhora Juíza Conselheira Dr.ª Ana Portela no Processo n.º 110/22.3BALSB”: i) não convolou o aludido requerimento da A. de 4.10.2024 em requerimento para o Pleno da Secção, por impossibilidade legal derivada do disposto no art. 25.º do ETAF (que estabelece a competência do Pleno), sendo que por despacho anterior já se havia considerado a existência de trânsito em julgado por ausência de tempestiva impugnação, designadamente por via de reclamação para a conferência; ii) não conheceu da novamente peticionada declaração de inexistência jurídica da decisão de 27.10.2023 proferida pela Exma. Senhora Juíza Conselheira Ana Portela, uma vez que essa concreta questão já havia sido suscitada e apreciada pelo despacho proferido em 17.09.2024, regularmente notificado às Partes e, portanto, quanto a esta esgotou-se o poder jurisdicional (art. 613.º do CPC); iii) condenou a A. em custas incidentais, por aquele requerimento superveniente constituir uma ocorrência estranha ao desenvolvimento da lide (n.º 8 do art. 7.º do RCP).

4. De igual modo, pelo mesmo despacho foi renovado o determinado na parte final do anterior despacho de 17.09.2024 – que incidiu sobre req. da A. que tinha por objeto a decisão de 27.10.2023 que declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide (aplicação da lei da amnistia) e condenou A. e Entidade Demandada em partes iguais nos termos do disposto no art. 536.º n.ºs 1 e 2, al. c) do CPC -, levando, ainda, em consideração a ulterior condenação em custas.

5. Neste âmbito, deverá ter-se igualmente presente que neste processo a A., após interposição de recurso do acórdão de 4.05.2023, veio por requerimento de 1.09.2023 expressamente requerer, por aplicação da Lei n.º 38-A/2023, que fosse “declarada extinta a eventual responsabilidade disciplinar da arguida e o imediato arquivamento do processo”, o que necessariamente configurou uma desistência do recurso interposto (válida, pois que a A. litiga em causa própria). E daí ter sido proferido o despacho de 27.10.2023 da então relatora e não ter prosseguido o recurso para o Pleno da Secção. Com efeito, tal como requerido, foi aplicada a lei de amnistia, com a consequente extinção da lide.

6. Ora, com o presente requerimento, agora trazido à conferência ao abrigo e para os efeitos do disposto no art. 670.º do CPC ex vi art. 1.º do CPTA, vem a A. suscitar, uma vez mais, inexistências e nulidades processuais, reiterando fundamentos anteriormente apreciados e insistindo na reapreciação de questões que já foram tempestivamente decididas.

7. Nesse desiderato, foi proferido despacho em 11.12.2024 que, considerando que o requerimento descrito em 1. e 2. supra pretendia apenas obstar ao cumprimento do julgado, ordenou a inscrição em tabela para os sobreditos efeitos, do que foram as Partes, também, notificadas.

8. Na verdade, neste quadro de atuação processual, é manifesto que a A. apenas pode pretender com o requerimento agora apresentado obstar ao trânsito em julgado da decisão proferida nos autos de extinção da instância – concretamente quanto ao segmento condenatório de custas - e à sua execução, suscitando incidentes a esta posteriores, pelo que se impõe o uso dos poderes conferidos pelo art. 670.º do CPC.

9. Como Miguel Teixeira de Sousa ensina, in Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., p. 404 (por referência ao então art. 720.º do CPC): “(...) quando parecer manifesto ao Tribunal Recorrido ou ao Tribunal ad quem que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o Tribunal competente, esses Tribunais podem, além de aplicar as sanções próprias da litigância de má-fé (cfr. art.s. 456°, nº 1 e 457°) mandar processar o incidente em separado (artº 720° n° 1), isto é, podem ordenar que neles permaneçam apenas os elementos necessários ao julgamento do incidente e que entretanto se dê execução à sua decisão (...)”.

10. A ratio do referido inciso legal é a de obstar à paralisação da instância por interposição sucessiva de requerimentos impeditivos do cumprimento do julgado, da baixa do processo ou da sua remessa ao tribunal competente.

11. O caso dos autos é mais um exemplo nesta matéria, conforme enunciado supra, em que a A. mais não pretende do que obstar ao trânsito em julgado da decisão proferida nos autos em 27.10.2023, a qual declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 277º, al. e) do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA e do art. 14.º da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, mais tendo condenado a Autora e a Entidade Demandada em custas e em partes iguais como preceitua o art. 536.º, n.ºs 1 e 2, al. c) do CPC. Sendo que essa decisão foi objeto de despachos posteriores – que sobre ela incidiram direta ou indiretamente -, designadamente em 21.11.2023, 17.10.2024 e 30.10.2024.

12. Pelo que vem sendo dito, seguirá em separado dos autos principais o processamento subsequente do presente incidente relativo ao requerimento de 17.11.2024 (ref. ...89).

13. Nos termos do disposto no artigo 670.º, n.º 5, do CPC, “a decisão impugnada através de incidente manifestamente infundado considera-se, para todos os efeitos, transitada em julgado.”

14. Sendo que, dispõe o n.º 4 do mesmo artigo que “apenas é proferida a decisão no traslado depois de, contadas as custas a final, o requerente as ter pago, bem como todas as multas e indemnizações que hajam sido fixadas pelo tribunal”.

Pelo exposto, impondo-se o uso dos poderes conferidos pelo artigo 670.º do CPC, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo em:

i) qualificar o presente requerimento como incidente manifestamente infundado (cfr. artigo 670.º, n.º 3, do CPC); e

ii) determinar a imediata extração de traslado, constituindo-se o apenso com cópia de todo o processado a partir da decisão de 27.10.2024, inclusive (ref. ...20), no qual serão praticados os termos posteriores.

Uma vez cumprido o disposto no artigo 670.º, n.º 4, do CPC, proferir-se-á decisão no traslado.

Custas do presente incidente pela A. e aqui Requerente/Reclamante, AA, fixando-se a taxa de justiça em 2,5 UC.

Notifique.

Lisboa, 9 de janeiro de 2025. - Pedro José Marchão Marques (relator) - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Helena Maria Mesquita Ribeiro.