Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:019/24.6BALSB
Data do Acordão:09/26/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CONHECIMENTO DE MÉRITO
IDENTIDADE DE SITUAÇÃO DE FACTO
FALTA
Sumário:I - Constitui pressuposto da apreciação do mérito do recurso a que alude o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT a identidade substancial entre a situação de facto apreciada na decisão arbitral recorrida e a que foi apreciada na decisão que lhe é oposta;
II - Não há identidade substancial de situações de facto se o acórdão arbitral recorrido e o acórdão arbitral fundamento formulam diferentes juízos quanto ao facto de as operações tituladas nas faturas terem existido nos termos que delas resultam;
III - Também não há identidade substancial de situações de facto se o acórdão recorrido e o acórdão fundamento se pronunciam quanto aos efeitos da violação do princípio da participação no procedimento na validade do ato de final relevando factos ou conclusões sobre factos distintas e com relevo distinto para o julgamento dessa questão.
Nº Convencional:JSTA000P32652
Nº do Documento:SAP20240926019/24
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

A..., LDA., com o número de identificação fiscal ...54, com sede na Rua ..., ..., Felgueiras, veio, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, N.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro [doravante “RJAT”], interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão arbitral proferido em 21 de dezembro de 2023 no processo n.º 264/2023-T do CAAD, que julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela ora Recorrente, com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios, de períodos de 2017 e 2018, com os números ...86 (€3.760,50 de IVA, €770,23 de juros), ...88 (€7.026,50 de IVA, €1.415,31 de juros) ...91 (€6.970,15 de IVA, €1.381,04 de juros), ...96 (€6.385,61 de IVA, €1.242,13 de juros), ...99 (€5.600,50 de IVA, €1.072,22 de juros), ...03 (€6.403,20 de IVA, €1.204,15 de juros, ...12 (€6.392,85 de IVA, €1.179,78 de juros), ...18 (€7.597,48 de IVA, €1.352,14 de juros), ...22 (€5.211,80 de IVA, €909,85 de juros, ...36 (€6.165,15 de IVA, €1.014,80 de juros), ...40 (€6.021,40 de IVA, €972,00 de juros), ...43 (€6.038,65 de IVA, €954,93 de juros), ...55 (€6.089,25 de IVA, €941,58 de juros), ...59 (€6.296,25 de IVA, €953,58 de juros), ...62 (€6.053,60 de IVA, €896,26 de juros), ...70 (€6.446,90 de IVA, €932,59 de juros), ...71 (€3.283,25 de IVA, €464,15 de juros), ...74 (€6.249,10 de IVA, €860,83 de juros), ...82 (€6.808,00 de IVA, €916,93 de juros), ...85 (€10.068,25 de IVA, €1.321,83 de juros) e ...89 (€3.175,15 de IVA, €405,72 de juros).

Invocou oposição entre o ali decidido e o decidido no processo arbitral n.º 266/2023-T, do CAAD, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo n.º 1226/19.9T8CHV-B.G1.S e no processo arbitral n.º 162/2022-T, também do CAAD.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões [que optamos por renumerar, atendendo a que a conclusão “XXIV” não vem com nenhum texto]:

«(…)

I. O presente recurso vem interposto, nos termos do disposto no artigo 25º n.º 2 do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que regula o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária;

II. E é referente a um acórdão arbitral que decidiu “julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado, dele absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira”.

III. O presente recurso tem como base argumentativa a existência de três acórdãos fundamento, dois proferidos pelo CAAD e um pelo STJ, sendo que um dos proferidos pelo CAAD respeita exactamente aos mesmos factos e com as mesmas partes e, o outro, respeita a factos relacionados com a mesma entidade emitente e as mesmas inspecções tributarias realizadas a montante do SP.

IV. O primeiro acórdão fundamento trata-se de uma decisão proferida no âmbito do processo que sob o número 266/2023-T correu termos no CAAD, tendo precisamente como requerente a agora Recorrente e requerida a AT, relativamente ao mesmo período de tributação, à mesma inspecção tributária e ao mesmo relatório de inspecção, mesmas facturas, mas apenas a um imposto diferente, no caso o IRC.

V. Na decisão recorrida, considerou o Tribunal Arbitral que a AT cumpriu o ónus da prova que lhe incumbia para afastar a presunção de legalidade da declaração do contribuinte, pelo que cabia à ora Recorrente fazer a demonstração da veracidade das operações em causa.

VI. Por seu turno, no acórdão fundamento, e como é referido no referido processo 266/2023, no ponto 2.2.1.:

“Não se consideram provados os factos referidos no RIT relativos a inspecções tributárias não dirigidas à Requerente.

Na verdade, nenhum elemento de prova eventualmente existente nesses outros processos inspectivos sobre os factos referidos nos respectivos relatórios foi apresentada no presente processo.

Para além disso, como diz a Requerente, no artigo 63.º do pedido de pronúncia arbitral, «o relatório de Inspeção, remete para as conclusões formuladas numa acção inspectiva a outras entidades, na qual a exponente não teve qualquer participação», o que afecta a relevância probatória dos juízos de facto formulados nos relatórios referentes a inspecções a essas outras entidades, pois foram emitidos sem que a Requerente pudesse apresentar, em relação às provas que eventualmente existissem nesses processos inspectivos, a contraprova a que tem direito, nos termos do artigo 347.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Por outro lado, os relatórios dessas outras inspecções apenas foram parcialmente reproduzidos no RIT da inspecção à Requerente e com omissão de elementos relevantes para que este Tribunal Arbitral possa apurar se correspondem ou não a realidade as conclusões inspectivas, desde logo, a identidade das empresas que se estará a referir a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Neste contexto, não se consideram provados os factos afirmados nos relatórios que não se reportam directamente a inspecções a Requerente”

VII. Do teor desta decisão foi dado conhecimento, em sede de alegações, ao Tribunal Arbitral.

VIII. Sendo certo que na decisão recorrida, apesar de tal ser expressamente invocado, o tribunal desconsiderou, por completo esta factualidade, dando como assentes as conclusões obtidas pela AT em inspecções tributárias a que a Recorrente é completamente alheia, sendo certo que para alem de se alicerçar em conclusões obtidas no relatório da B..., apenas parcialmente transcrito para as autos, assenta ainda em conclusões obtidas em inspecções junto de entidades situadas a montante da B..., que nem sequer se encontram identificadas.

IX. E relativamente às quais a Recorrente não teve oportunidade nem de conhecer na integralidade, nem de nelas participar, nomeadamente carreando meios de prova.

X. Tudo isso põe em causa, como bem se disse no acórdão fundamento, o direito à contraprova nos termos do disposto no artigo 347º do Código Civil.

XI. Mais, a decisão assim tomada, viola de forma clamorosa o vertido no artigo 75º n.º 1 da LGT, relativamente à presunção de veracidade da declaração do contribuinte.

XII. É que, afastadas que sejam as conclusões obtidas nos relatórios de inspecção realizados a estas terceiras entidades, nada mais resta à AT, que não meras conjecturas, na qual possa assentar a decisão de afastamento desta presunção.

XIII. Já que nenhum dos pressupostos do artigo 75º n.º 2 da LGT, se verificam.

XIV. De forma alguma se pode considerar, sobretudo se afastando as conclusões ilegalmente obtidas e trazidas aos autos relativas a inspecções tributarias a entidades terceiras, que a AT logrou afastar a presunção de veracidade das declarações apresentadas pelo Contribuinte.

XV. Consequentemente, também não poderia o Tribunal Arbitral concluir que cabia à Recorrente o ónus da prova da veracidade das operações por si realizadas.

XVI. Isto, pese embora se creia que tal demonstração de veracidade foi absolutamente inequívoca pela prova apresentada em sede se reunião arbitral e com os documentos juntos aos autos.

XVII. A decisão recorrida viola de forma evidente o disposto no artigo 75º n.º 1 da LGT.

XVIII. A mesma decisão viola, de igual forma o disposto no n.º 3 do art.º 19 do Código do IVA, que refere que a administração tributária, não pode bastar-se com factos exclusivamente relativos aos fornecedores que não sejam susceptiveis de relacionar o sujeito passivo em operação simulada.

XIX. Pelo que, parece-nos evidente que o relatório de onde resultam as liquidações reclamadas enferma do vício apontado no acórdão supra citado, violando ainda o disposto no art.º 19.º n.º 3 do código do IVA.

XX. Como tal, a decisão recorrida deve ser revogada, devendo ser substituída por uma que considere que a AT não afastou a presunções de veracidade das declarações do contribuinte.

XXI. E consequentemente, serem anuladas e declaradas ilegais as liquidações impugnadas, ordenando-se a restituição do imposto e juros pagos indevidamente e o pagamento de juros indemnizatórios à Recorrente.

XXII. Conforme decorre do acima exposto, está aqui em causa a existência de dois acórdãos contraditórios precisamente sobre a mesma pretensão e os mesmos factos;

XXIII. Pelo que será de aplicar o disposto no artigo 625º n.º 1 do CPC.

XXIV. Em obediência ao critério dos casos julgados contraditórios e tendo em conta que o acórdão fundamento já transitou em julgado, sempre seria de aplicar a decisão que consta do acórdão fundamento.

XXV. Esta regra vale, quer para o caso julgado material, quer para o caso julgado formal (n.ºs 1 e 2 do artigo 625.º), ou, sendo mais preciso, para as decisões de mérito e para as decisões sobre questões processuais e, quer para decisões proferidas em acções sucessivas, quer para decisões contraditórias proferidas sobre questões de mérito ou processuais, numa mesma acção;

XXVI. No caso, trata-se de duas decisões sobre o mérito, proferidas em dois pedidos de pronuncia arbitral, precisamente sobre os mesmos factos, tendo por base a mesma inspecção tributária e o mesmo relatório de inspecção tributária.

XXVII. Concluindo que o acórdão recorrido contraria o acórdão proferido no processo n.º 266/2023-T, já transitado em julgado, e que é do conhecimento destes autos o teor deste acórdão, pois tal foi levado a estes autos, a própria decisão recorrida já deveria ter levado em consideração esta decisão.

XXVIII. Mas, ainda que assim não tenha ocorrido, deve a mesma ser agora revista nos termos expostos e de forma a conformar-se com o disposto no artigo 625º do CPC.

XXIX. Este entendimento é, de igual forma, o que resulta do teor do acórdão proferido por esse STJ em 7/07/2022, no âmbito do processo que sob o número 1226/19.9T8CHV-B.G1.S1, da 7.ª Secção, que se anexa como doc 2 – protesta-se apresentar certidão do mesmo.

XXX. A decisão recorrida contraria ainda um outro acórdão também muito recente, proferido pelo mesmo CAAD, no âmbito do processo n.º 162/2022 T, que curiosamente se pronuncia exactamente sobre a mesma situação e as mesmas empresas (B... e outras empresas a montante, em que também foi omitida a identificação das empresas a montante), doc 3, em anexo.

XXXI. Decisão esta na qual o tribunal considera violado o princípio da participação, tal como invocado nestes autos e que o Tribunal considera aqui não verificada.

XXXII. No caso dos autos, verifica-se que a montante da B..., neste alegado esquema de facturação, existiam apenas algumas letras, sem qualquer correspondência com as empresas alegadamente envolvidas e cuja identificação era absolutamente essencial à preparação da defesa da requerente, seja para providenciar pela obtenção de documentos, seja pela apresentação de testemunhas, que pudessem pôr em crise estas conclusões da AT.

XXXIII. Ora, só em momento imediatamente anterior à audição das testemunhas e já depois de decorrido todo o procedimento administrativo e praticamente no final do processo judicial/arbitral é que estas empresas são identificadas;

XXXIV. Estando em causa a omissão ou não identificação no relatório de inspecção tributária de entidades terceiras cuja actividade foi determinante para a correcção tributaria na esfera jurídica do sujeito passivo.

XXXV. Esta omissão inviabilizou, como parece evidente, que este pudesse participar e influenciar a formação de vontade da administração, seja carreando novos elementos de prova, seja pela via argumentativa.

XXXVI. Tal factualidade representa uma violação do princípio da participação no procedimento.

XXXVII. O princípio da audiência dos interessados decorre de um imperativo de natureza constitucional previsto no artigo 267º n.º 5 da CRP e que consagra o princípio da participação dos cidadãos na preparação da decisão final.

XXXVIII. Este princípio tem decorrência no artigo 121º do CPA.

XXXIX. De acordo com esta norma, “os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”.

XL. Este princípio encontra-se igualmente plasmado no artigo 60º da LGT, 60º do RCPITA e, bem assim no artigo 45 do CPPT.

XLI. A requerente, notificada do teor do projecto de relatório, por não estarem identificadas as empresas designadas no mesmo como A, B, C, A1, A2, A3 e A4, não se pode pronunciar sobre as mesmas e as respectivas intervenções no alegado circuito, pois não sabia quais eram.

XLII. O exercício do direito ao contraditório mediante a audiência do interessado no decurso do procedimento destina-se a permitir a participação do contribuinte na formação da decisão e antes de efectuadas as correcções tributárias que tenham tido por base o relatório de inspecção tributária, não podendo considerar-se sanada a preterição da formalidade através da ulterior intervenção do interessado em procedimentos de segundo grau, como seja a reclamação graciosa ou o recurso hierárquico, ou no próprio processo de impugnação judicial dos actos de liquidação (cfr. Neste sentido o acórdão do STA de 26 de Setembro de 2006 no processo n.º 01273/05).

XLIII. Neste mesmo sentido, e numa decisão recente do CAAD no âmbito do processo n.º 162/2022 T, que curiosamente se pronuncia exactamente sobre a mesma situação e as mesmas empresas (B... e outras empresas a montante, em que também foi omitida a identificação das empresas a montante).

XLIV. Decisão esta em que foi considerado que a actuação, exactamente igual à dos autos, consubstancia uma violação do princípio da participação no procedimento.

XLV. Quanto a este aspecto fundamental, que o Tribunal desconsidera esta argumentação, com o fundamento na alegada falta de invocação anterior, o que, não se pode aceitar pois, como supra se alude, no ponto 63º do pedido de pronuncia arbitral, refere a Recorrente o seguinte:

“Acresce que, ao contrário do que lhe está imposto, em sede de ónus da prova, o relatório de Inspeção, remete para as conclusões formuladas numa acção inspectiva a outras entidades, na qual a exponente não teve qualquer participação.”

XLVI. Considerando ainda que tal facto não colocou em causa a defesa da recorrente, o que não se aceita.

XLVII. Sendo que no acórdão fundamento, é sumariado o seguinte:

II - A não identificação, no relatório de inspeção tributária, de entidades terceiras cuja atividade terá sido determinante para a correção tributária na esfera jurídica do sujeito passivo, tendo inviabilizado que o contribuinte pudesse participar e influenciar a formação da vontade da Administração, quer no plano argumentativo, quer através da carreação de novos elementos de facto, representa uma violação do princípio da participação no procedimento;

III - Neste condicionalismo, nada obsta a que o vício de forma seja conhecido com precedência relativamente à matéria de fundo, à luz do critério consignado no artigo 124.º, n.º 2, alínea b), in fine, do CPPT.

XLVIII. Assim, e face ao exposto, deve considerar-se que esta factualidade constitui uma violação claríssima do princípio da participação no procedimento e também por isso, devem declarar-se nulas ou anular-se as liquidações impugnadas.».

Rematou as suas conclusões pedindo fosse o recurso admitido e, a final, julgado totalmente procedente, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que ordenasse a anulação das liquidações impugnadas e a restituição do imposto e juros pagos, bem como o pagamento dos juros indemnizatórios que também requereu no pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho do relator, foi a Recorrente convidada a discriminar claramente cada uma das questões relativamente às quais entende que existe oposição, identificar de forma precisa e circunstanciada os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e indicar apenas um acórdão fundamento para cada questão, que não poderia ser de um tribunal de outra jurisdição.

A Recorrente respondeu nos termos que constam do seu requerimento de 9 de abril último e onde, na essência, afirma indicar três acórdãos para fundamentar a oposição ao acórdão recorrido em três questões distintas: [1.ª)] oposição entre o acórdão arbitral recorrido e a decisão arbitral do processo n.º 266/2023-T, da interpretação e aplicação do disposto no artigo 347.º do Código Civil; [2.ª)] oposição entre o acórdão arbitral recorrido e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de julho de 2022 (processo n.º 1226/19.9T8CHV-B.G1.S1) por não ter sido ali aplicado o artigo 625.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou seja, por não ter sido dada prevalência à decisão transitada em primeiro lugar; [3.ª)] oposição entre o acórdão arbitral recorrido e a decisão arbitral lavrada no processo 162/2022-T, no julgamento da questão de saber se foi violado o princípio da participação.

Incluiu no mesmo requerimento observações relativas a aspetos de identidade entre os arestos em confronto, que reafirma existir.

Por despacho do relator, foi decidido relegar para a fase da decisão a apreciação das questões suscitadas no despacho anterior. Em consequência, o recurso foi liminarmente admitido, com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida, tendo sido ainda ordenado o cumprimento do disposto no artigo 25.º, n.º 5, do RJAT.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer no sentido de que não se verificam os requisitos para a admissibilidade do recurso para a uniformização de jurisprudência.

A Recorrente foi notificada do douto parecer e respondeu concluindo que não pode assistir razão ao Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Da questão prévia: inadmissibilidade parcial do recurso

Dispõe o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT que a decisão arbitral é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição [1.º)] com outra decisão arbitral, [2.º)] com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou [3.º)] com acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Desta norma deriva que não é admissível recurso da decisão arbitral em matéria tributária invocando oposição com o ali decidido e o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Desde logo, porque o Supremo Tribunal de Justiça, não sendo um Tribunal Arbitral, também não é nenhum órgão da jurisdição administrativa e fiscal mencionado no artigo 8.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. E, por conseguinte, também não é nenhum dos tribunais superiores ali referidos: os Tribunais Centrais Administrativos e o Supremo Tribunal Administrativo. É o órgão de cúpula da jurisdição comum.

A razão de ser desde regime radica no facto de não caber aos tribunais de uma jurisdição especializada resolver divergências jurisprudenciais com tribunais de outra jurisdição. Para o que só seriam adequadas formações constituídas por juízes de ambas as jurisdições.

Ora, a Recorrente invoca como fundamento do recurso, além do mais, a oposição entre o acórdão arbitral recorrido e um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (acórdão do de 7 de julho de 2022, tirado no processo n.º 1226/19.9T8CHV-B.G1.S1).

Decorre do sobredito que o recurso não pode ser admitido nessa parte.

O que a final se decidirá.

3. Dos fundamentos de facto

3.1. A decisão arbitral recorrida relevou e deu como provados os seguintes factos:

«(...)

a) A Requerente foi objecto de acção inspectiva aos exercícios de 2017 e 2018, titulada pelas ordens de serviço n.ºs ...42 e ...43 da Direcção de finanças do Porto;

b) O procedimento foi motivado pela existência de uma divergência de € 72.550,00 entre o Anexo P (mapa recapitulativo de fornecedores da Requerente) e o Anexo O da B... (mapa recapitulativo de clientes);

c) Na sequência do procedimento inspectivo foram emitidas as seguintes liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios:

- ...86 (€3.760,50 de IVA), €770,23 de juros;

- ...88 (€7.026,50 de IVA), €1.415,31 de juros;

- ...91 (€6.970,15 de IVA), €1.381,04 de juros;

- ...96 (€6.385,61 de IVA), €1.242,13 de juros;

- ...99 (€5.600,50 de IVA), €1.072,22 de juros;

- ...03 (€6.403,20 de IVA), €1.204,15 de juros;

- ...12 (€6.392,85 de IVA), €1.179,78 de juros;

- ...18 (€7.597,48 de IVA), €1.352,14 de juros;

- ...22 (€5.211,80 de IVA), €909,85 de juros;

- Total do ano 2017 (€55.348,59) de IVA e €10 526,85 de juros;

- ...36 (€6.165,15 de IVA), €1.014,80 de juros;

- ...40 (€6.021,40 de IVA), €972,00 de juros;

- ...43 (€6.038,65 de IVA), €954,93 de juros;

- ...55 (€6.089,25 de IVA), €941,58 de juros;

- ...59 (€6.296,25 de IVA), €953,58 de juros;

- ...62 (€6.053,60 de IVA), €896,26 de juros;

- ...70 (€6.446,90 de IVA), €932,59 de juros;

- ...71 (€3.283,25 de IVA), €464,15 de juros;

- ...74 (€6.249,10 de IVA), €860,83 de juros;

- ...82 (€6.808,00 de IVA), €916,93 de juros;

- ...85 (€10.068,25 de IVA), €1.321,83 de juros;

- ...89 (€3.175,15 de IVA), €405,72 de juros;

3. Em 22-07-2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra os referidos actos de liquidação;

4. Por ofício de 29-11-2022, a Requerente foi notificada para exercer o direito de audição prévia;

5. Por ofício de 04-...23, a Requerente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa;

6. Em 11-04-2023, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.».

E deu como não provado o seguinte facto:

«Da prova produzida não resultou a existência de uma realidade económica subjacente às facturas em apreço nos presentes autos, não tendo a Requerente logrado demonstrar a veracidade das operações em causa, não esclarecendo nem afastando de forma suficiente e convincente os indícios elencados no RIT. ».

3.2. No processo arbitral que correu termos no CAAD com o n.º 266/2023-T foi proferida decisão arbitral dando como provada a seguinte factualidade:

A) Foi realizada uma inspecção à Requerente a coberto das ordens de serviço n.ºs ...42 e ...43 da Direção de Finanças do Porto, aos exercícios de 2017 e 2018;

B) Nessa inspecção foram efectuadas, além do mais, correcções em sede de IRC, tendo a Autoridade Tributária e Aduaneira desconsiderado para determinação do lucro tributável gastos contabilizados nos montantes de € 272.272,98 e € 316.065,00, relativamente aos exercícios de 2017 e 2018 respectivamente;

C) Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (“RIT”) que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

I. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO (...)

[segue quadro no original]

(...)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLETÁVEL

III.1 – Subcontratação efetuada à B... Conforme já foi referido, o SP, nos anos de 2017 e 2018, realizou supostas operações comerciais com a sociedade B....

A sociedade B... encontrava-se coletada para a prestação de serviço de fabrico de calçado (corte, costura, montagem, acabamento e embalamento) que basicamente subcontratava a outros operadores, nomeadamente a sociedade A, B e C:

[segue quadro no original]

No decurso do procedimento de inspeção à sociedade B... concluiu-se que a faturação emitida pela sociedade A, B e C, a título da prestação de serviços, correspondeu a negócios simulados.

Por sua vez, a sociedades A teve como principal “fornecedor” a sociedade A1; a sociedade B teve como principal “fornecedor” a sociedade A; e a sociedade C teve como principal fornecedor, no ano 2017, a sociedade A1 e, no ano 2018, as sociedades A3 e A4.

Apesar das sociedades A, B e C terem sido cumpridoras das suas obrigações fiscais, verificou-se que as mesmas se limitaram a emitir faturas de prestações de serviços que, por sua vez, foram supostamente subcontratadas a outras entidades que também não dispunham de estrutura para realizar essas operações, nem cumpriam com as suas obrigações fiscais, pelo que as operações realizadas por estas firmas foram também consideradas como negócios simulados.

De referir ainda que a sociedade A1, principal “fornecedora” das sociedades A e C tinha como “fornecedor” outra sociedade A2, que se caraterizava por não possuir qualquer estrutura empresarial adequada para a realização dos supostos serviços prestados e por apresentar irregularidades fiscais, sendo a mais relevante a falta de entrega do imposto liquidado (IVA) ao Estado nas faturas emitidas, que o seu cliente (A1) deduzia, o que originava, através do confronto entre o IVA liquidado e deduzido, não apuramento de imposto a entregar ao Estado.

Também as sociedades A3 e A4, principais “fornecedoras” da sociedade C, no ano de 2018, se caraterizavam por não possuírem qualquer estrutura empresarial adequada para a realização dos supostos serviços prestados e por apresentarem irregularidades fiscais, sendo a mais relevante a falta de entrega do imposto liquidado (IVA) ao Estado nas faturas emitidas, que o seu cliente (C) deduzia, o que originava, através do confronto entre o IVA liquidado e deduzido, não apuramento de imposto a entregar ao Estado.

A cadeia de faturação entre os vários operadores económicos, atrás relatada, teve por base um esquema de fraude fiscal, que consistia na criação de sociedades instrumentais (uma delas incumpridora) a montante da B... - controladas por esta – que permitiam a dedução a jusante do IVA nas entidades utilizadoras da faturação.

Em conclusão, as faturas emitidas pela sociedade B... que tiveram subjacente subcontratações efetuadas às sociedades A, B e C, que, por sua vez, tiveram subjacentes subcontratações efetuadas às sociedades A1, A3 e A4 foram consideradas operações simuladas, conforme se passa a fundamentar:

III.1.1 – Procedimento de Inspeção à B... (fornecedor do SP) De acordo com o Relatório Final de Inspeção de 2021-11-08, elaborado pela Direção de Finanças do Porto, ao abrigo das Ordens de Serviço ...61 e ...62, e incidência aos anos de 2017 e 2018, concluiu-se pela existência de negócios simulados entre a B... e os seus principais fornecedores: (...)

III.1.2.2.5 – Fornecedor B...

Da análise aos elementos contabilísticos verifica-se que a B... foi, nos anos em análise, o 2.º maior fornecedor do SP, com valores de faturação na ordem dos €316.000 e €389.000, respetivamente, em 2017 e 2018.

O principal fornecedor foi a C... SA – espumas - que faturou valores na ordem dos €552.000 e €472.000, respetivamente, em 2017 e 2018.

Sendo a espuma a principal matéria prima do SP é de salientar o volume de faturação (subcontratação que as tiras de espuma (desperdícios) atingem na realização de uma mera tarefa de união, conforme referiu o SP através do seu advogado: “…operação gera bastantes desperdícios de matéria prima, razão pela qual, partes dos retalhos que sobram deste primeiro corte dos rolos ou placas é suscetível de aproveitamento, bastando, para o efeito, que sejam costurados e cozidos ou colados…”.

Finalmente, verifica-se que apesar do SP evidenciar uma faturação regular ao longo de todos os meses de 2017, nos meses de agosto, novembro e dezembro não subcontratou qualquer serviço B....

III.1.2.2.6 – Consumo da matéria prima versus subcontratação à B...

Conforme consta do ponto II.3.3.2 do presente Relatório, o SP vendeu essencialmente “Palmilhas”.

No mesmo ponto é referido que o preço médio de venda foi de:

Ano 2017: €0,56 palmilhas.

Ano 2018: €0,62 palmilhas.

Através do ponto II.3.3.1 do presente Relatório verifica-se que a taxa de incorporação de matérias primas (percentagem de matéria primas no produto final) foi de:

Ano 2017: 45%.

Ano 2018: 46%.

Em termos de valor, o gasto (consumo) com matéria prima ascende a:

Ano 2017: €0,25 = 45%*€0,56.

Ano 2018: €0,29 = 46%*€0,62

De acordo com as faturas emitidas pela B..., o serviço prestado, nos anos em análise, teve o seguinte custo por par:

- €0,25; €0,30; €0,35.

Ou seja, através de uma simples comparação verifica-se que a subcontratação efetuada junto da B..., para aproveitamento de desperdícios, tem custo superior à compra de matéria prima, o que indicia que o serviço subcontratado não se revela economicamente a melhor solução.

III.1.2.2.7 – Incongruência de datas no fornecedor

Da análise à documentação emitida pela B... e pela sociedade C, verifica-se que a B... emitiu para o SP 2 faturas (FT n.º ...49, de 2018-06-15, e FT n.º ...58, de 2018-06 26), que estão correlacionadas com a subcontratação efetuada junto da sociedade C (esta emitiu as FT n.º ...6, de 2018-06-07, e FT n.º ...2, de 2018-06-28).

Uma vez que as faturas têm “colocados à disposição do adquirente” a data de emissão da fatura, deteta-se a seguinte incongruência:

-A B... “entregou” ao SP os artigos mencionados na FT ...49, em 2018-06-15, quando a sociedade C só os entregou à B... em 2018-06-27;

– A B... “entregou” ao SP os artigos mencionados na FT ...58 em 2018-06-26, quando a sociedade C só os entregou à B... em 2018-06-28.

III.1.2.2.8 – Cruzamento entre a faturação emitida pela B... (para o SP) e a subcontratação efetuada à A, B e C

Com base nos elementos recolhidos no SP (faturas emitidas pela B...) e nos procedimentos de inspeção efetuados às sociedades A, B e C procedeu-se, através dos descritivos e das quantidades mencionados nas faturas, ao cruzamento das faturas emitidas por essas sociedades para a B... e desta para o SP.

Conforme quadro seguinte, verifica-se que as seguintes faturas emitidas da B... para o SP tiveram subjacente subcontratação efetuada junto das sociedades A, B e C, que foi considerada negócios simulados no procedimento de inspeção à B...:

[segue quadro no original]

Como já foi referido no ponto III.1.1, as faturas emitidas pelas sociedades A, B e C estão correlacionados com a subcontratação efetuada por elas, que também foi considerada negócios simulados.

Da análise aos quadros verifica-se que:

– O SP contabilizou faturas emitidas pela B... nos montantes de €316.209,64 e €388.759,95, respetivamente, em 2017 e 2018;

– Com exceção da fatura n.º ...80 emitida pela B..., todas as faturas emitidas pela mesma estão correlacionadas com as faturas emitidas por A, B e C, que, por sua vez, estão correlacionadas com a subcontratação que estas efetuaram junto de A1, A3, A4 e A (no caso da sociedade B).

III.1.3 – Conclusão

As sociedades tidas como prestadoras de serviços da cadeia de faturação, a montante do SP, não possuem as exigências - fatores produtivos – para se poder admitir que estejam inseridas num qualquer processo produtivo na área da fabricação de calçado, pelo que se concluiu que as suas operações corresponderam a negócios simulados.

No SP, enquanto utilizador das faturas emitidas pela B..., verifica-se a falta de requisitos na comprovação das operações de subcontratação bem como de diversas incoerências, nomeadamente:

– Não exibição de correspondência trocada entre o SP e o seu fornecedor B..., como e-mails e contratos;

– GT emitidas pelo SP, relativas ao transporte deste para a B..., com descrição e quantidades iguais às Faturas emitidas pela B..., o que não é coerente com a explicação dada pelo SP relativamente aos serviços prestados pela B...;

– Ausência de resposta relativamente à correspondência entre as faturas emitidas pelo SP e a subcontratação efetuada junto da B...;

– Falta de racionalidade económica na subcontratação efetuada junto da B..., como se descreve no ponto III.1.2.2.6.

Deste modo foram apurados fortes indícios de que as faturas emitidas pela B..., com exceção da fatura n.º ...80, e contabilizadas pelo SP correspondem a negócios simulados. Nos termos do n.º 3 do art.º 19.º CIVA, o IVA foi deduzido indevidamente pelo SP nos montantes de €55.348,59 e €72.694,95, respetivamente, para 2017 e 2018:

Em sede de IRC, e pelo facto das operações serem consideradas simuladas, o gasto contabilizado no montante de €240.646,00 e €316.065,00, respetivamente, em 2017 e 2018, não é aceite fiscalmente, nos termos do art.º 23.º do CIRC.

(...)

IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO

O SP foi notificado, via CTT (carta registada), através do Ofício n.º ...44, de 2022 03-21, para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o direito de audição previsto no art.º 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.º 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).

Na sequência dessa notificação, o SP exerceu, por escrito, via e-mail, no dia 2022-04-07, através da sua representante, o direito de audição, doravante DA, que se dá aqui por integralmente reproduzido, não aceitando parte do conteúdo do Projeto Relatório de Inspeção Tributária bem como as conclusões e os factos que lhe são imputados.

Para os devidos efeitos o mandatário do SP (Dr. AA, com Escritório na Rua ..., Apartado ...50, ... Matosinhos) enviou, no dia 2022-04-21, a competente “Procuração Forense”, através da qual o mesmo o constitui seu procurador, a quem confere os mais amplos poderes forenses em direitos permitidos, incluindo os necessários para confessar, desistir, e transigir, bem como para a representar em qualquer diligência judicial.

No DA, o SP invoca os seguintes factos:

· É conclusão genérica do Projeto Relatório (PR) de que existem fortes indícios de que as transações do SP com a sociedade B... correspondem a negócios simulados, logo, inexistentes.

· Sendo os factos em que se alicerça o PR as conclusões obtidas do relatório de inspeção à B..., mas também, de conclusões obtidas de inspeções realizadas a outras empresas com quem a B... teria, alegadamente, relações comerciais, supostas ou efetivas.

· AT sustenta toda a sua tese/posição nas conclusões da inspeção do terceiro (B...) com quem o SP se relaciona e nas conclusões das inspeções a empresas que, na cadeia de produção, se situam a montante da B....

· Do PR consta erradamente que o preço pago pelo SP pelos serviços para aproveitamento da matéria prima é superior ao pago pela compra de matéria prima nova.

· O raciocínio é errado e incompleto.

· O valor pago pela subcontratação não é superior ao da matéria prima.

· AT não valoriza outros aspetos inerente ao fabrico que ultrapassam a questão do preço, como a título de exemplo, mistura de cores com colagem de cortes, reciclagem dos desperdícios, etc.

· O SP desconhece os procedimentos das empresas a montante e não é responsável pelos mesmos.

· Da sua parte cumpriu com todas obrigações que lhe eram exigidas.

· Volta a referir que a AT mais não fez do que incidir toda a sua análise e toda a sua

· fundamentação em factos próprios do fornecedor B... e outras empresas a montante, já que nada na atuação do SP foi apontado como suscetível de relacionar com qualquer operação simulada.

· Relativamente aos serviços de construção civil, no montante de €30.396,00, desconsiderados como gastos e qualificados como ativos em tese concorda com a argumentação.

· Contudo, as obras em causa não se destinaram a aumentar o período de vida útil do edifício, mas sim no cumprimento de uma obrigação legal.

· Que resulta do DL n.º 266/2007 relativo à proteção sanitária dos trabalhadores contra os riscos de exposição ao amianto.

· Foi no cumprimento desse normativo que foi substituído o telhado do prédio e recolhidas as placas de amianto.

Face ao exposto, verifica-se que no DA o SP nada de novo trouxe quanto aos elementos probatórios, senão veja-se:

1. No ponto III.1.2 do PR estão descritos os indícios recolhidos no procedimento de inspeção ao SP, que conjuntamente com os indícios recolhidos nos procedimentos de inspeção aos fornecedores a montante do SP, inverteram o ónus da prova consagrado no art.º 74.º da LGT, e levaram a AT a considerar como negócios simulados os realizados entre o SP e a B....

2. No ponto III.1.2.2.2 do PR é referido que o SP sabia, mesmo antes do serviço ser prestado, as quantidades faturadas pela B..., uma vez que as guias de transporte emitidas pelo SP, relativas ao transporte da matéria prima para a B..., têm exatamente os mesmos descritivos e quantidades das faturas emitidas pela mesma, após a realização do serviço.

3. Contudo, no DA o SP nada disse, nem tentou justificar o sucedido.

4. Da mesma forma, nada disse, relativamente ao facto da B..., nos anos em análise, ter sido o 2.º maior fornecedor do SP, realizando um mero serviço de união de desperdícios.

5. E apesar de ser várias vezes referido no PR a falta de resposta ao ponto 7 da notificação, que solicitava a correlação entre fatura emitida pela B... (subcontrato) e a fatura de venda emitida pelo SP ao seu cliente, também nada diz em sede de DA.

6. E, mais uma vez, nada refere no DA o facto de não ter dito nada aos pontos 5, 6, 7, 8 da notificação, que consta do ponto III.1.2.1.

7. Ou seja, mesmo perante a ausência de resposta aos pontos supracitados da notificação, os serviços de inspeção recolheram fortes indícios, no procedimento de inspeção ao SP, de que as operações comerciais realizadas com a B... configuram negócios simulados, ao contrário daquilo que alega o SP no DA.

8. Refere ainda o SP, no ponto 17 do DA, que no PR consta erradamente que o preço pago pelo SP pelos serviços de aproveitamento de matéria prima é superior ao pago pela compra de matéria prima nova.

9. De acordo com o PR, ponto III.1.2.2.6, o gasto com matéria prima nova foi de €0,25, em 2017, e €0,29, em 2018; o gasto com o serviço prestado pela B... foi de €0,25, €0,30 e €0,35, nos anos de 2017 e 2018.

10. Como €0,30 e €0,35 são superiores a €0,25 e €0,29, o que consta no PR está correto, o valor pago pela subcontratação é superior ao da matéria prima nova.

11. Acrescenta o SP, que a AT não valoriza outros aspetos inerentes ao fabrico e à reciclagem de desperdícios, mas não justifica detalhadamente esses aspetos/reciclagem, limita-se a lançar ideias sem as fundamentar, nem junta quaisquer meios probatórios.

12. Chegando a lançar outra ideia de “faturas de favor”, nunca referida por nós, no ponto 31, do DA:

“Se as faturas entre a B... e os seus fornecedores não correspondem a negócios efetivos, por se tratar, eventualmente de faturas de favor para dar cobertura a outros negócios não faturados, o SP desconhece e não tem que conhecer.”

13. Quanto à fatura relativa aos serviços de construção civil, no montante de €30.396,00, desconsiderada como gasto e qualificada como ativo, é de referir que o imóvel - pavilhão industrial – foi inscrito na matriz urbana (sob o artigo ...42, freguesia 130335) em 1994.

14. É normal que ao fim de 23 anos o imóvel sofra o desgaste decorrente do tempo, pelo que é evidente que a intervenção efetuada aumentou a sua vida útil.

15. Além do mais, a intervenção efetuada não foi apenas a substituição do telhado, também abrangeu: fornecimento e colocação de caleiras em chapa e fornecimento e montagem de chapa perfilada IRMAP5 aplicada na horizontal nas fachadas.

16. Da leitura ao Decreto-Lei n.º 266/2007, invocado pelo SP, verifica-se que o mesmo não faz referência à legislação fiscal, mas, contudo, impõe determinados requisitos, prévios de autorização da Autoridade para as Condições de Trabalho, para a remoção de amianto. Ou seja, pelo conteúdo supratranscrito é possível associar essa mercadoria à nota de encomenda, logo também seria possível associar a nota de encomenda à fatura emitida ao cliente.

Em conclusão, constata-se que este depoimento não contribuiu em nada para a descoberta da verdade material.

Nesta conformidade serão de se manter as correções propostas no PR.

D) Na sequência da inspecção foram emitidas as liquidações de IRC n.ºs ...70 e ...08, referentes aos anos de 2017 e 2018 e as correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs ...68 e ...99, no montante total de, respectivamente, € 70.606,71 e € 79.118,41 (documentos juntos em 17-11-2023);

E) Em 22-07-2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações, que veio a ter o n.º ...35;

F) A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 28-12-2022, proferido pelo Director Adjunto da Direcção de Finanças do Porto, ao abrigo de delegação de competências, notificado através de Ofício datado de 03-01-2023 (registo nº ...77..., de 12-01 2023);

G) O despacho de indeferimento da reclamação graciosa remete para a fundamentação do projecto de decisão que costa do processo administrativo cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

O primeiro argumento apresentado pela reclamante de que as conclusões do RIT se baseiam apenas nas conclusões das inspeções ao fornecedor (B...) e aos fornecedores desta não é verdadeira, na medida em que foram solicitados à reclamante comprovativos da efetividade das transações e se concluiu que não foram apresentados comprovativos das transações económicas entre a B... e a reclamante, nomeadamente correspondência a referenciar as encomendas e serviços a efetuar; adequada documentação de transporte quer relativa à entrega dos materiais quer do regresso dos produtos ás instalações da reclamante: assim como a própria análise à faturação revela singularidades que levam a concluir que se tratam apenas de documentação sem concretização de algum negócio comercial. Trata-se assim da análise das aquisições da reclamante que foram postas em causa e não apenas das transações a montante.

O segundo argumento relativo ao desconhecimento da atividade da reclamante por ter sido relacionada com a atividade de fabrico de calçado, no entanto, a atividade da reclamante não está fora do processo de fabrico do calçado, estando nele inserido uma vez que fabrica uma das componentes desse produto final.

Segue-se a referência à falta de argumentação e inversão do ónus da prova.

Com efeito, no caso dos autos, os factos expostos traduzem uma probabilidade elevada de que as operações tituladas pelas faturas postas em causa não se tenham efetivamente realizado. E esta probabilidade mostra-se tão elevada, apoiada num juízo de relação entre os indícios e a conclusão que deles se retira, segundo as regras de experiência comum, que se afigura capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações da reclamante e dos dados constantes da sua contabilidade, a que alude o artigo 75º da LGT.

Sendo certo que, os indicadores da falsidade das faturas constantes do procedimento foram recolhidos junto não só junto de terceiros, mas também da própria reclamante, mostrando-se os mesmos como seguros, credíveis, consistentes e bastantes para suportar o juízo formulado pela AT.

Seja como for, é unanimemente reconhecido que a AT pode lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das faturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. De referir, ainda. que uma transação expressa numa fatura foi qualificada como inexistente na origem (no subcontratado) não pode ter outra qualificação no destino, essa transação é una e a mesma, sendo inexistente no vendedor é necessariamente inexistente no comprador.

Diante do exposto, cumpre reconhecer que a AT deu pleno cumprimento ao ónus de provar que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação (cfr. artigo 74º nº 1 da LGT), ou seja, de que existem indícios sérios de que as aquisições inscritas nas faturas suprarreferidas não se realizaram efetivamente. O que, desde logo, legitima a desconsideração do custo associado às operações aqui em crise à luz do artigo 23º do CIRC.

Posto isto, cumprido o ónus probatório atribuído à AT, competia à reclamante, a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do custo desconsiderado pela Administração Tributária, com o nº 1 do artigo 74º da LGT. Factos que estão no seu domínio e que ninguém melhor do que o pretenso titular do direito se encontra em condições de os conhecer e de os vir provar.

Em sede de reclamação graciosa, a reclamante fica-se por meras considerações e pela negação genérica, não apresenta quaisquer factos devidamente organizados, apoiados em documentos probatórios concludentes, suscetíveis de demonstrar uma realidade distinta daquela verificada em sede inspetiva. Não apresenta factos novos capazes de contrariar as conclusões que lhe foram apresentadas no âmbito da ação de inspeção e o que de novo traz em nada altera as conclusões fundadas dos Serviços de Inspeção Tributária, tal como anteriormente explanado na presente informação.

Por outro lado, resulta evidente que o relatório se mostra devidamente estruturado, com o relato de toda a factualidade, pormenorizando o item cognoscitivo e valorativo percorrido pela AT para chegar à conclusão de que as faturas aqui em causa são falsas, sendo que os factos aduzidos pela AT são vários e são explicitados de forma pormenorizada, pelo que há que concluir que a fundamentação, quanto a esta questão da falsidade das faturas, é completa, clara, expressa, suficiente. Não tendo sido inviabilizada, por isso, a defesa da reclamante verificando-se desta forma estar cumprido o dever legal de fundamentação, consagrado nos artigos 124.º e 125.º do CPA.

No que concerne à validade substancial do ato, importa salientar que atentos aos indícios apurados pelos SIT e respetiva prova material recolhida, afigura-se-nos que os motivos que determinaram que a AT atuasse como atuou correspondem à realidade, mostrando se suficientes para legitimar as correções meramente aritméticas à matéria coletável da reclamante, não se vislumbrando quaisquer erros factuais.

H) A Requerente faz palmilhas anatómicas (depoimento da testemunha BB);

I) As palmilhas referidas são feitas por termo moldagem como uso de uma máquina quase totalmente automática a que tem de ser fornecida continuamente matéria-prima (depoimento da testemunha BB);

J) A matéria prima, constituída por forros e espumas, é fornecida pelos clientes e é moldada pela máquina (depoimento da testemunha BB);

K) As encomendas que a Requerente tinha em 2017 e 2018 eram de cerca de 30.000 palmilhas por dia (depoimento da testemunha BB);

L) A Requerente tem cerca de 325 clientes (depoimento da testemunha BB);

M) É grande a diversidade de formatos e tamanhos das palmilhas (depoimento da testemunha BB);

N) As palmilhas são feitas com base em quadrados de matéria-prima, que têm de ser cortados (depoimento da testemunha BB);

O) A Requerente não consegue produzir quadrados em quantidade suficiente para aproveitar toda a capacidade da máquina (depoimento da testemunha BB);

P) As partes dos quadrados que sobram depois de cortados são susceptíveis de serem aproveitadas, com colagem e costura (depoimento da testemunha BB);

Q) A preparação dos quadrados destinados a serem utilizados na máquina de fabricação das palmilhas é imprescindível para o seu funcionamento (depoimento da testemunha BB);

R) Nos anos de 2017 e 2018, a Requerente encomendava à B... LDA. (doravante “B...”) a preparação dos referidos quadrados quando tinha grandes encomendas, de forma a poder manter sempre o fornecimento da máquina automática referida (depoimento da testemunha BB);

S) As espumas que constituem a base dos quadrados eram enviadas à B... que as cortava e fazia o aproveitamento das sobras (depoimento da testemunha BB);

T) A Requerente também fazia o trabalho que encomendava à B..., mas os serviços desta aumentavam as quantidades disponíveis para utilização na máquina automática (depoimento da testemunha BB);

U) Além da disponibilidade de mais material para utilizar na máquina automática, a encomenda dos serviços à B... dispensava a Requerente dos encargos com a eliminação de desperdícios que atingem cerca de € 3.000 por mês, correspondentes a um contentor por semana (depoimento da testemunha BB);

V) A Requerente deixou de fazer encomendas à B... em meados do ano de 2020, quando teve conhecimento, através de uma inspecção tributária, de que a Autoridade Tributária e Aduaneira suspeitava que a B... estava envolvida num esquema de facturas falsas (depoimento da testemunha BB);

W) Quando a Requerente deixou de encomendar os serviços da B... (ano 2020), a produção da Requerente baixou aproximadamente na medida do que a B... produzia (depoimento da testemunha BB);

X) O operário que trabalha com a máquina pode produzir o dobro se tiver sempre material (depoimento da testemunha BB);

Y) O preço das palmilhas varia conforme há ou não sobreposição de materiais e de cores (depoimento da testemunha BB);

Z) A Requerente não tinha conhecimento de quais eram as empresas que no RIT foram identificadas através de letras como sendo fornecedoras da B... (depoimento da testemunha BB);

AA) A inspecção tributária não conseguiu encontrar os gerentes das empresas que no RIT refere como sendo fornecedores da B... (depoimento da testemunha CC);

BB) Não foi apresentada à inspecção tributária qualquer correspondência trocada entre a Requerente e a B... (depoimento da testemunha CC);

CC) A inspecção tributária não procurou apurar a diferença de preços entre os vários tipos de palmilhas, tendo utilizado valores médios, a nível dos custos e preços de venda (depoimento da testemunha CC);

DD) A B... celebrou com DD (em representação de EE, cabeça de casal da herança de FF), o contrato de arrendamento que consta do documento junto em 18-10-2023, cujo teor se dá como reproduzido, que vigorou entre 01-04-2014 e 30-04-2020, relativo a um pavilhão industrial sito no lugar ..., na freguesia ..., do concelho ..., sendo indicada a fabricação de calçado como destino exclusivo do edifício arrendado;

EE) Nos anos de 2017 e 2018 a B... efectuou transportes de mercadorias para a Requerente utilizando viaturas de matrículas ..-QV-.. e ..-AE -.., a que se reportam as guias de transporte juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

FF) Nos anos de 2017 e 2018 a B... emitiu à Requerente as facturas juntas com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;

GG) A Requerente efectuou pagamentos à B..., nos anos de 2017 e 2018, por transferência bancária, relativos à facturas emitidas pela B... (documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral)

HH) O volume de vendas e serviço prestados pela Requerente foi de € 2.079.196,87 em 2017, € 3.324.160,51 em 2018, € 3.396.324,38 em 2019, de € 2.774.442,68 em 2020, de € 3.025.628,01 em 2021 e de € 4.233.003,54 em 2022 (IES que foram juntas em 18-10-2023, cujos teores se dão como reproduzidos);

II) Em 21-06-2022, a Requerente pagou a quantia de € 70.606,71, relativamente às liquidações de IRC e juros compensatórios referentes ao ano de 2017 (documento junto com o pedido de pronúncia arbitral);

JJ) Em 27-06-2022, a Requerente pagou a quantia de € 79.118,41, relativamente às liquidações de IRC e juros compensatórios referentes ao ano de 2018 (documento junto com o pedido de pronúncia arbitral);

KK) Em 11-04-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.».

E deu como não provados os seguintes factos:

« 2.2.1. Não se consideram provados os factos referidos no RIT relativos a inspecções tributárias não dirigidas à Requerente.

Na verdade, nenhum elemento de prova eventualmente existente nesses outros processos inspectivos sobre os factos referidos nos respectivos relatórios foi apresentada no presente processo.

Para além disso, como diz a Requerente, no artigo 63.º do pedido de pronúncia arbitral, «o relatório de Inspeção, remete para as conclusões formuladas numa acção inspectiva a outras entidades, na qual a exponente não teve qualquer participação», o que afecta a relevância probatória dos juízos de facto formulados nos relatórios referentes a inspecções a essas outras entidades, pois foram emitidos sem que a Requerente pudesse apresentar, em relação às provas que eventualmente existissem nesses processos inspectivos, a contraprova a que tem direito, nos termos do artigo 347.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

Por outro lado, os relatórios dessas outras inspecções apenas foram parcialmente reproduzidos no RIT da inspecção à Requerente e com omissão de elementos relevantes para que este Tribunal Arbitral possa apurar se correspondem ou não a realidade as conclusões inspectivas, desde logo, a identidade das empresas que se estará a referir a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Neste contexto, não se consideram provados os factos afirmados nos relatórios que não se reportam directamente a inspecções a Requerente.».

3.3. No processo arbitral que correu termos no CAAD com o n.º 162/2022-T foi proferida decisão arbitral que relevou e deu como provados os seguintes factos (que aqui se transcrevem truncados, nos exatos termos que resultam da versão publicada):

A) A Requerente foi alvo de um procedimento de inspeção, credenciado pela Ordem de Serviço OI20…, referente ao ano de 2016, que teve como objectivo averiguar se as transações comerciais realizadas entre a Requerente e a B..., no montante de € 235.800,00, se relacionam com negócios simulados que foram detectados no âmbito de um procedimento inspetivo dirigido a esta última entidade, ao abrigo da Ordem de Serviço OI2019....

B) No âmbito do procedimento inspetivo foi elaborado projeto de relatório de inspeção tributária no qual é proposta uma correção tributária, no montante de € 43.958,06, por indevida dedução de IVA, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º CIVA, bem como uma correção tributária, em sede de IRC, no montante de € 191.122,00, por não dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais, nos termos do art.º 23.º do CIRC, relativamente às faturas n.ºs 397/2016, 421/2016, 439/2016, 455/2016, 475/2016, 497/2016, 524/2016, 549/2016, 573/2016, 596/2016, 627/2016 e 546/2016 emitidas pela B... Unipessoal, Lda. a favor da Requerente.

C) Por ofício de 27 de outubro de 2020, enviado pelo correio registado, a Requerente foi notificado do projeto de relatório de inspeção tributária para efeito do exercício do direito de audição.

D) Após a prorrogação do respetivo prazo, a Requerente exerceu o direito de audição, em 12 de novembro de 2020, dizendo, na parte relevante, o seguinte:

1.Desde logo, relativamente ao que consta de fls. 30, não foram emitidas faturas pelo SP relativas à referência ...3855-E quando houve subcontratação de 228 pares, cumpre esclarecer que tais pares foram vendidos, conforme fatura 2016/0314, de 02/12/2016, remetida a V. Exas. por email de 07/04/2020, que ora junta.

2.Relativamente à apontada divergência de 732 pares, referida na mesma folha do projeto de relatório, a mesma também não se verifica pois que, os 732 foram vendidos pela exponente, como resulta das suas faturas 2016/0078 e 2016/0045 (192 + 240 + 300 pares) que ora junta.

3.Esclarece que não é verdade que as operações tidas com a B... sejam inverosímeis, nem percebe como a ATA chegou a tal conclusão.

[…].

E) O procedimento inspetivo originou uma correção tributária, no montante de € 43.958,06, por indevida dedução de IVA, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º CIVA, bem como uma correção tributária, em sede de IRC, no montante de € 191.122,00, por não dedutibilidade dos gastos para efeitos fiscais, nos termos do art.º 23.º do CIRC, relativamente às seguintes faturas:

[segue quadro no original]

F) O Relatório de Inspeção Tributária, elaborado no âmbito do procedimento inspetivo dirigido à atividade da Requerente, que aqui se dá como reproduzido, na parte especificamente dirigida à Requerente, encontra-se fundamentado nos seguintes termos.

III.3.2 – Procedimento de inspeção ao SP (A...)

Tendo a B... declarado operações comercias com o SP, no montante €235.800,00, e face às conclusões do procedimento de inspeção realizado à referida sociedade, nomeadamente à existência de negócios simulados com o seu principal fornecedor, C…, foi solicitada a presente Ordem de Serviço Interna, com o seguinte objetivo:

Cruzar a faturação emitida pela B... para o SP subjacente à subcontratação efetuada junto da C…, uma vez que estes negócios foram considerados simulados e, consequentemente, toda a cadeia de faturação a jusante também corresponde a negócios simulados.

Nesse sentido, foram solicitados, por e-mail, os seguintes elementos ao SP:

(…)

1. Extrato de conta corrente relativo às operações efetuadas com a sociedade B...- Lda., doravante B..., NIPC...; 2. Faturas e/ou outros documentos emitidas pela B... e contabilizadas pelo SP,- bem como os meios de pagamento utilizados;

3. Documentos de transporte que suportaram as operações realizadas com a B..., nomeadamente os que se referem aos movimentos entre as instalações do SP e da B... e vice-versa;

4. Descrição pormenorizada dos serviços/bens subcontratados/adquiridos à B..., que foram faturados através das faturas mencionadas no ponto 2;

5. Identificação das pessoas que representavam a B...;

6. Troca de correspondência entre as referidas entidades (SP e B...) bem como emails e notas de encomenda, que evidenciem os contactos prévios tendo em vista as operações realizadas

7. Faturas emitidas pelo SP para os seus clientes, que correspondam aos serviços/bens mencionados nas faturas do ponto 2;

8. Identificação de outros fornecedores que prestaram/venderam serviços/bens idênticos aos mencionados nas faturas do ponto 2, bem como os montantes respetivamente faturados. (…)

Em resposta ao pedido, o SP remeteu os elementos solicitados, referindo o seguinte relativamente aos seguintes pontos:  Ponto 2 – Pagamento através de cheque;

Ponto 4 – Fabrico total do sapato;

Ponto 5 – W...;  Ponto 6 – Nada refere.

Quanto aos pontos 2, 3 e 7, o SP remeteu, por mês, as faturas emitidas para os clientes que corresponderam à “subcontratação” efetuada à B... e não remeteu documentos de transporte dos bens da B... para ele.

Contudo, da consulta ao sistema de informação da AT verifica-se que a B... fez a comunicação, através do e-fatura, de guias de transporte para o SP.

Da análise às referidas guias de transporte verifica-se o seguinte:

· As guias de transporte só foram emitidas a partir de junho de 2016;

· Em regra, as datas de emissão das guias de transporte coincidem com as datas de emissão das faturas da B... para o SP, ou seja, quer as guias de transporte quer as faturas foram emitidas com a mesma data;

· As guias de transporte não identificam a viatura de transporte e todas têm como data de “fim de transporte” 23:00 h.

Comparando as datas das faturas emitidas pela B... para o SP (que em regra coincidem com as datas das guias de transporte) com as datas das faturas emitidas pelo SP verifica-se que estas, na maioria das situações, têm datas anteriores, ou seja, o SP emitiu a fatura para o cliente sem ainda ter “recebido” os artigos e a respetiva documentação:

[segue quadro no original]

Por outro lado, da análise às faturas emitidas pelo SP verifica-se:

· Tiveram como destinatário um único cliente: C... Lda., NIPC...;  Mencionam como viatura de transporte “V/CARRO”, ou seja, do cliente (c...) e mencionam apenas a hora de partida (não mencionam o local de carga e descarga).

Da consulta aos documentos de transporte comunicados, através do e-fatura, pelo SP, verifica-se que para o cliente C..., com exceção de 4 documentos de transporte (1 em outubro, 1 em novembro e 2 em dezembro), nada mais foi comunicado.

Assim, face à ausência da comunicação de documentos de transporte e aos factos mencionados nas faturas emitidas para o cliente C...(“V/CARRO” e a hora), conclui-se que a fatura emitida pelo SP foi o suporte documental para a realização do transporte.

Tal facto evidência incongruências insanáveis:

· O SP nunca poderia ter entregado artigo (sapatos) que não tinha, uma vez que, em vários meses, as datas das faturas emitidas pelo SP são anteriores às datas das guias de transporte/faturas (estas também mencionam a data de colocação à disposição dos artigos) emitidas pela B..., conforme se demonstra no quadro supra.

Outros factos que realçam da análise são os seguintes:

· As quantidades faturadas pelo SP, da referência ...4785-C, foram inferiores às quantidades subcontratadas:

[segue quadro no original]

Não foram emitidas faturas pelo SP relativas à referência ...3855-E, quando houve “subcontratação” de 228 pares (fatura n.º 627 da B...).

III.3.2.1 – Cruzamento entre a faturação emitida pela B... (para o SP) e a subcontratação efetuada à C

Com base nos elementos recolhidos no SP (faturas emitidas pela B...) e no procedimento de inspeção efetuada à B... procedeu-se, através dos descritivos e das quantidades mencionados nas faturas, ao cruzamento das faturas emitidas da C para a B... e às emitidas por esta para o SP.

Conforme quadro seguinte, verifica-se que as faturas emitidas da B... para o SP correspondem as seguintes faturas emitidas da C para a B..., tendo estas sido consideradas negócios simulados, por estarem correlacionadas com a subcontratação efetuada por C… junto de B:

[segue quadro no original]

As faturas n.º 125, 150, 171, 190, 206, 229, 268, 294, 318, 346 e 363, emitidas por C…, fazem parte da relação do Anexo 4 referido na página 24 do presente Relatório (subcontratos faturados por B a C, considerados negócios simulados).

Da análise ao quadro verifica-se que:

· As datas de emissão das faturas da C… para B... e da B... para o SP coincidem quase todas;

· O SP contabilizou faturas emitidas pela B... no montante de €235.080,06;

· Essas faturas estão correlacionadas com as faturas emitidas da C… para a B... base tributável de €191.122,00 e IVA de €43.958,06).

Uma vez que as faturas emitidas da C… para B..., mencionadas no quadro, corresponderam a negócios simulados, consequentemente toda a cadeia de faturação correlacionada a jusante (ou seja, faturas emitidas da B... para o SP) também corresponderam a negócios simulados.

III.3.3 – CONCLUSÃO

Tendo presente que as faturas emitidas pela sociedade B... para o SP têm como descritivo serviços prestados no âmbito da fabricação de calçado - os quais se encontrariam relacionados com um conjunto de operações (corte, costura, montagem, acabamento,…) - quer pela B..., quer pelas firmas identificadas na cadeia a montante também como subcontratadas umas das outras, isso implicaria necessariamente, para todas as entidades que surgem como emitentes dessa faturação, os seguintes pontos a observar:

III.3.1 – Fatores produtivos na vertente das entidades subcontratadas na origem da cadeia de faturação

· A necessidade de capacidade instalada (instalações, equipamento, organização empresarial…); - A necessidade de capital humano para as operações de transformação das matérias-primas inerentes à fabricação do calçado, ao qual acresce a especialização dos funcionários para esses trabalhos;

· A necessidade de um planeamento organizacional como suporte às prestações de serviços subcontratadas, desde o programa fabril a partir da data da encomenda, como seja: a entrada dos materiais para manufaturar, da posterior entrega do produto acabado/semiacabado, do controle dessas quantidades, do controle de qualidade, das necessidades de transporte daí decorrentes, da movimentação e controle financeiro inerente à globalidade da atividade;

Em síntese, verificou-se a falta destes requisitos no universo das entidades identificadas como prestadores de serviços e, nessa conformidade, fica patente a inverosimilhança das operações comerciais que tiveram como último destinatário a entidade inspecionada, com suporte na faturação emitida pela B... .

III.3.2 – Na vertente do SP

A necessidade de se verificar um conjunto de fatores que induzisse para a efetivação dos negócios colocados em crise, o que não se verificou no âmbito da análise dos suportes documentais associada à faturação da B... rececionada pelo SP, ao que acresce a falta de controle interno decorrente do processo de fabricação fora das suas instalações.

Em síntese, fica patente a falta de comprovação das operações por inexistência de detalhes considerados fundamentais no âmbito da estrutura organizacional e da política comercial de subcontração, uma vez que tais operações não se relacionam com bens transacionáveis, pelo que se impõe um controle interno devidamente implementado de forma a ter em conta: a encomenda e a sua realização, a saída das matérias-primas e a entrada de produtos transformados, a observação e interligação dos prazos (encomenda e disponibilidade de execução por parte da empresa subcontratada, entrega das matérias-primas e a receção dos produtos manufaturados, o controlo de qualidade, os materiais excedentes, os materiais que foram adicionados pelo subcontratado no decorrer do processo de fabricação), o controle de qualidade, a conjugação dos transportes em todo o processo, entre outras situações.

III.3.3 – Factos apurados

· As firmas tidas como prestadoras de serviços na origem da cadeia de faturação, a montante da B..., incluindo a própria, não possuem as exigências acima elencadas (fatores produtivos na vertente da entidade subcontratada) para se poder admitir que estejam inseridas num qualquer processo produtivo na área da fabricação de calçado.

· No âmbito do SP, enquanto utilizador das faturas emitidas pela B..., apesar da documentação exibida e dos suportes financeiros pretensamente relacionados, verificou-se a falta de outros requisitos tidos como essenciais na comprovação das operações de subcontratação, nomeadamente:

· Correspondência (via postal ou via eletrónica), uma vez que não se mostra viável que uma encomenda de um serviço prestado, com aplicação de materiais fornecidos pelo SP, não tenha sido exibido um qualquer suporte documental de detalhe e da especificidade do trabalho a realizar;

· Notas de encomenda;

· Não existir evidências em cada operação relacionados com os prazos de entrega dos materiais para transformação e da sua posterior execução em toda a cadeia de faturação;

· Inexistência de ordens de fabrico relacionadas com a execução do tipo de serviço sob encomenda, no âmbito do controle interno das operações a subcontratar fora das próprias instalações;

· Falta de exibição de suporte documental do protótipo (sapato/bota) a executar no âmbito do serviço a prestar;

· Da evidente falta de logística para efeitos do controle de qualidade dos produtos manufaturados no universo das empresas que surgem em todo o processo de fabricação;

· Da falta de critério relacionado com os transportes (proprietário das viaturas a utilizar e custos inerentes), quer em relação às necessidades que decorrem dos materiais para transformação nos supostos prestadores de serviços, quer em relação às unidades após fabricação com destino às instalações do SP.

· As singularidades verificadas, após análise do conteúdo das faturas emitidas pelos operadores envolvidos e as que foram rececionadas pelo SP revelam que as operações se cingiram apenas à base documental e nunca a concretização de algum negócio comercial.

Neste contexto, verificou-se a falta de um conjunto de requisitos tidos como necessários em processos produtivos de subcontratação e, nessa conformidade, fica patente a inverosimilhança das operações comerciais que tiveram como último destinatário a entidade inspecionada, com suporte na faturação emitida pela B... .

G) No Relatório Final de Inspeção Tributária, os serviços inspetivos, pronunciaram-se sobre a argumentação constante do exercício do direito de audição, a que se refere a antecedente alínea D), nos seguintes termos:

Quanto ao ponto 1, junto como anexo 1, a fatura 2016/0314, de 2020/12/02, remetida pelo SP, na qual não consta a referência ...3855-E.

Quanto ao ponto 2, as faturas n.ºs 45 e 78 não foram remetidas, ao contrário do que invoca, mas da análise ao conteúdo da fatura n.º 45, fica evidenciado mais uma incongruência insanável:

- O SP nunca poderia ter entregado artigo - ...4785-C - que não tinha, uma vez que o entregou ao cliente C... em 2016/02/16, conforme consta da fatura n.º 45 (540 quantidades), quando só foram entregues pela B... em 2016/03/5, conforme consta da fatura n.º 439.

Ou seja, o SP não invoca absolutamente nada para o probatório das operações comerciais realizadas entre o SP e a B... .

Assim, tipificados os negócios como simulados entre os operadores em causa, com a devida fundamentação de facto e direito, serão de se manter as correções propostas no Projeto de Relatório.

Relativamente à solicitação manifestada em DA para a prova testemunhal de 2 testemunhas, cumpre-nos informar:

- Considerando a consistência da comprovação adquirida no procedimento de inspeção sobre todos os elementos relevantes ou com interesse para a tomada de decisão final, bem como a argumentação do SP no exercício do respetivo direito de audição, mostra-se desnecessário realizar as diligências complementares da respetiva audição, uma vez que a realização da mesma se apresenta desprovida de qualquer utilidade para a complementaridade das necessidades de instrução do procedimento.

H) A Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção Tributária, nos termos do artigo 62.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), por ofício datado de 27 de novembro de 2020.

I) A Requerente outorgou procuração forense à sociedade de advogados D... e E..., em 10 de novembro de 2020.

J) O Relatório Final de Inspeção Tributária foi notificado ao mandatário da Requerente, nos termos do artigo 40.º do CPPT, por ofício datado de 18 de dezembro de 2020.

K) A Autoridade Tributária comunicou à Requerente, por ofício datado de 15 de janeiro de 2021, a notificação efetuada ao seu mandatário constituído.

L) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a correção tributária em sede de IVA, que foi indeferida por despacho de 7 de dezembro de 2021, do Chefe de Serviço de Finanças, notificado por ofício enviado por carta registada em 9 de dezembro seguinte.

M) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa encontra-se fundamentada por remissão para a informação dos serviços elaborada para efeito do exercício do direito de audição, que consta do processo administrativo, parte 13, e que aqui se dá como reproduzida.

N) Relativamente à prova testemunhal arrolada na reclamação graciosa, a informação dos serviços a que se refere a antecedente alínea M) consignou o seguinte:

III.4 Prova testemunhal

No que respeita à prova testemunhal apresentada, cumpre dizer que no procedimento de reclamação graciosa, a prova está restringida à sua forma documental, de acordo com o disposto no artigo 69.º al. e) do CPPT, em obediência aos princípios da simplicidade e celeridade que norteiam este tipo de procedimento. Por outro lado, atendendo a que os factos aqui em apreço não se compaginam com a prova testemunhal, requerendo-se que a mesma seja documental, objetiva e inequívoca, será a mesma dispensável, pelo que se indefere a pretensão do reclamante quanto à inquirição requerida.

O) A Requerente apresentou reclamação graciosa contra a correção tributária em sede de IRC, que foi indeferida por despacho de 7 de dezembro de 2021, do Chefe de Serviço de Finanças, notificado por ofício enviado por carta registada em 9 de dezembro seguinte.

P) A decisão de indeferimento da reclamação graciosa encontra-se fundamentada por remissão para a informação dos serviços elaborada para efeito do exercício do direito de audição, que consta do processo administrativo, parte 6, e que aqui se dá como reproduzida.

Q) Relativamente à prova testemunhal arrolada na reclamação graciosa, a informação dos serviços a que se refere a antecedente alínea P) consignou o seguinte:

III.4 Prova testemunhal

No que respeita à prova testemunhal apresentada, cumpre dizer que no procedimento de reclamação graciosa, a prova está restringida à sua forma documental, de acordo com o disposto no artigo 69.º al. e) do CPPT, em obediência aos princípios da simplicidade e celeridade que norteiam este tipo de procedimento. Por outro lado, atendendo a que os factos aqui em apreço não se compaginam com a prova testemunhal, requerendo-se que a mesma seja documental, objetiva e inequívoca, será a mesma dispensável, pelo que se indefere a pretensão do reclamante quanto à inquirição requerida.

R) As correções tributárias originaram a liquidação em IRC n.º 2020..., com o valor a pagar de € 46.909,05, e a liquidação em IVA n.º 2020..., com o valor a pagar de € 1.740,14.

S) Na sequência do requerimento deduzido pela Requerente na reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, a Autoridade Tributária veio juntar, através do requerimento de 24 de novembro de 2022, o procedimento inspetivo completo relativo à Requerente, de que consta uma informação do inspetor tributário, datada de 26 de fevereiro de 2020, a proposta de emissão de credencial para a abertura do procedimento, o respetivo despacho de concordância e uma informação relativa às conclusões de uma anterior ação inspetiva, credenciada pela OI2019..., referente à B..., Lda., bem como os pedidos de esclarecimento e a resposta do sujeito passivo, documentos esses que aqui se dão como reproduzidos.

T) No mesmo requerimento, a Autoridade Tributária juntou uma listagem de viaturas inscritas em nome da sociedade B..., Lda, que aqui se dá como reproduzida.

U) A informação a que se refere a antecedente alínea S) da matéria de facto é do seguinte teor:

INFORMAÇÃO

Na sequência da ação inspetiva ao sujeito Passivo (SP) B... LDA., doravante B..., NIPC..., credenciada pela Ordem de Serviço Externa 012019... e com incidência ao ano 2016, foi apurada a existência de negócios simulados entre ele e alguns dos seus fornecedores.

A sociedade B... declarou prestações de serviço de fabrico de calçado de € 2.299.198,59 e contabilizou na rubrica de subcontratos o montante de € 2.048.715,48 do qual € 1.875.480,20 foi considerado negócios simulados no âmbito da ação inspetiva supra referida.

Nessa ação, foi apurada a existência de um esquema de fraude fiscal através da criação de sociedades instrumentais a montante da B... - controladas por esta — o que permitiu a dedução a jusante do IVA pelas entidades utilizadoras da faturação.

No ano de 20161 a B... teve como principais fornecedores a sociedade F... LDA., doravante F..., NIPC ... e a sociedade G... UNIPESSOAL, LDA., doravante G..., NIPC..., tendo contabilizado na rubrica de subcontratos os montantes de € 1.844.737,20 e € 30.743,001 respetivamente.

Por sua vez, a sociedade F... teve como principal fornecedor a sociedade G..., tendo contabilizado na rubrica de subcontratos o montante € 1.822.144,23 que posteriormente faturou, como prestações de serviço, para a sociedade B... por € 1.844.73722.

A sociedade F... teve início de atividade em 2014-03-07 e emitiu faturas de prestação de serviços de fabrico de calçado (corte, costura, montagem, acabamento e embalamento), tendo como gerente o filho da gerente da B... .

A sociedade G... teve início de atividade em 2015-09-02 e emitiu faturas de prestações de serviços de fabrico de calçado (corte, costura, montagem, acabamento e embalamento), tendo como funcionários o irmão e sobrinho do gerente da B... .

Apesar de ambas sociedades terem sido cumpridoras das suas obrigações fiscais, verificou-se que as mesmas se limitaram a emitir faturas de prestações de serviços que, por sua vez. foram supostamente subcontratadas a fornecedores que não dispunham de estrutura para realizar essas operações e não cumpriam com as suas obrigações fiscais, pelo que as operações realizadas pelas sociedades G... e F... com os seus fornecedores (H... UNIPESSOAL Lda. e I... UNIPESSOAL Lda.) foram também consideradas negócios simulados.

Ou seja, basicamente a cadeia de faturação foi a seguinte:

[segue quadro no original]

Em conclusão, na ação inspetiva à Sociedade B... as faturas emitidas pelas sociedades F... e G... que tiveram subjacente subcontratações efetuadas aos fornecedores, H... e I... foram consideradas operações simuladas e, por sua vez, as faturas emitidas pela B..., relativas a essas subcontratações, também corresponderam a operações simuladas, pelo que se propõe, para apreciação, ações inspetivas ao ano de 2016, em sede de IVA e IRC, aos seguintes clientes da B..., a fim de serem corrigidas as operações que comprovadamente sejam tidas como simuladas:

J... Lda, NIPC ...;

A... Lda., NIPC...;

K... Lda., NIPC ...;

L... - Unipessoal Lda., NIPC ...;

M... Lda., NIPC ...;

N... Lda., NIPC...;

O... Lda., NIPC...;

P... Unipessoal Lda., NIPC...;

Q... Unipessoal Lda., NIPC...;

R... Lda., NIPC ... .

V) A sociedade B... Unipessoal, Lda. emitiu a favor da Requerente, em 26 de janeiro de 2016, a fatura n.º 1/397 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 1.920 pares de sapatos, com a referência ...3939-C.

W) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 18 de fevereiro de 2016, a fatura n.º 1/421 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento do total de 2.400 pares de sapatos, com a referência ...3939-C.

X) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 15 de março de 2016, a fatura n.º 1/439 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 2.158 pares de sapatos, com a referência ...-4785-C.

Y) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 31 de março de 2016, a fatura n.º 1/455 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 2.582 pares de sapatos, com a referência 5309-F.

Z) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 4 de maio de 2016, a fatura n.º 1/475 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 2.730 pares de sapatos, com a referência ...5309-F.

AA) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 8 de junho de 2016, a fatura n.º 1/497 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 1962 pares de sapatos, com a referência ...4785-A, e de 1.138 pares de sapatos, com a referência ...3939-D.

BB) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 14 de julho de 2016, a fatura n.º 1/524 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 1.114 pares de sapatos, com a referência ...3939-D, e de 1.560 pares de sapatos, com a referência ...3939-Z.

CC) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 10 de agosto de 2016, a fatura n.º 1/549 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 2.000 pares de sapatos, com a referência ...3872-A.

DD) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 27 de setembro de 2016, a fatura n.º 1/573 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 2.100 pares de sapatos, com a referência ...3855-X.

EE) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 27 de outubro de 2016, a fatura n.º 1/596 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 3.588 pares de sapatos, com a referência ...3855-X.

FF) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 28 de novembro de 2016, a fatura n.º 1/627 referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 252 pares de sapatos, com a referência ...3855-X.

GG) A sociedade B... emitiu a favor da Requerente, em 19 de dezembro de 2016, a fatura n.º 1/646, referente a prestação de serviços de corte, costura, montagem e acabamento de 1.800 pares de sapatos, com a referência ...4785-A.

HH) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/397, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 18/02/2016.

II) A Requerente emitiu a favor da C..., Lda., a fatura n.º 9, de 13/01/2016, referente à venda do produto acabado de 2.163 de pares de sapatos, com a referência ... 3939-C, e a fatura n.º 19, de 26 de fevereiro de 2016, relativa a 1420 pares de sapatos, com diferentes referências.

JJ) A C... emitiu a favor da sociedade S..., B.V., sita na Holanda, a fatura n.º 21, de 15/01/2016, referente a 2.747 de pares de sapatos, e n.º 33, de 29/01/2016, referente a 1.420 de pares de sapatos, ambos com a referência ... 3939-C.

KK) A Requerente emitiu a favor da B... as guias de transporte de matérias-primas n.º 45, de 8/01/2016, e n.º 82, de 14/01/2016.

LL) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/421, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 18/03/2016.

MM) A Requerente emitiu a favor da C... a fatura n.º 50, de 22/02/2016, referente a 1098 pares de sapatos, a fatura n.º 52, de 24/02/2016, relativa 252 pares de sapatos, a fatura n.º 85, de 01/04/2016, relativa a 120 pares de sapatos, a fatura n.º 88, de 5/04/2016, relativa a 240 pares de sapatos, a fatura n.º 89, de 07/04/2016, relativa a 200 pares de sapatos, a fatura n.º 119, de 03/05/2016, relativa a 200 pares de sapatos, todos com a referência ... 3939-C, e a fatura n.º 120, de 03/05/2016, relativa a 200 pares de sapatos, com diferente referência.

NN) A C... emitiu a favor da sociedade S..., B.V., a fatura n.º 71, de 23/02/2016, referente a 368 pares de sapatos, a fatura n.º 72, de 23/02/2016, referente a 154 pares de sapatos, a fatura n.º 73, de 23/02/2016, referente a 576 pares de sapatos, a fatura n.º 77, de 25/02/2016, referente a 252 pares de sapatos, a fatura n.º 116, de 01/04/2016, referente a 120 pares de sapatos, a fatura n.º 122, de 06/04/2016, referente a 240 pares de sapatos, a fatura n.º 123, de 07/04/2016, referente 200 pares de sapatos, a fatura n.º 153, de 03/05/2016, referente a 200 pares de sapatos, e a fatura n.º 155, de 04/05/2016, referente a 300 pares de sapatos, todos com a referência ... 3939-C.

OO) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/439, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 13/04/2016.

PP) A Requerente emitiu a favor da C... a fatura n.º 128, de 18/05/2016, relativa a 132 pares de sapatos, com a referência ... 4785-C.

QQ) A C... emitiu a favor da sociedade S..., B.V., a fatura n.º 85, de 04/03/2016, relativa a 946 pares de sapatos, a fatura n.º 91, de 11/03/2016, referente a 132 pares de sapatos, a fatura n.º 110, de 01/04/2016, referente a 240 pares de sapatos, e a fatura n.º 135, de 21/04/2016, referente a 120 pares de sapatos, todos com a referência ...-4785-A.

RR) A Requerente emitiu a favor da B... as guias de transporte de matérias-primas n.º 239, de 12/02/2016, e n.º 252, de 16/02/2016.

SS) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/455, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 9/05/2016.

TT) A Requerente emitiu a favor da C... a fatura n.º 72, de 15/03/2016, relativa a 572 pares de sapatos, com a referência 5309-F.

UU) A C... emitiu a favor da sociedade S..., B.V., a fatura n.º 94, de 16/03/2016, relativa a 2.054 pares de sapatos, com a referência 5309-F.

VV) A Requerente emitiu a favor da B... as guias de transporte de matérias-primas n.º 2016/0448, de 21/03/2016, e n.º 2016/0418, de 15/03/2016.

WW) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/475, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 13/06/2016.

XX) A Requerente emitiu a favor da C... a fatura n.º 88, de 05/04/2016, relativa a 782 pares de sapatos, a fatura n.º 90, de 12/04/2016, relativa a 1.390 pares de sapatos, a fatura n.º 111, de 19/04/2016, relativa um par de sapatos, a fatura n.º 119, relativa a 182 pares de sapatos, e a fatura n.º 122, relativa a um par de sapatos, com a referência ... 5309-F.

YY) A C... emitiu a favor da sociedades S..., B.V., a fatura n.º 118, de 06/04/2016, relativa a 782 pares de sapatos, a fatura n.º 128, de 13/04/2016, relativa a 990 pares de sapatos, a fatura n.º 133, de 21/04/2016, relativa a 559 pares de sapatos, a fatura n.º 152, de 3/05/2016, relativa a 406 pares de sapatos, com a referência ... 5309-F.

ZZ) A Requerente emitiu a favor da B... as guias de transporte de matérias-primas n.º 2016/0552, de 11/04/2016, e n.º 2016/0490, de 31/03/2016.

AAA) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/497, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 14/07/2016.

BBB) A Requerente emitiu a favor da C... as faturas n.º 127, de 17/06/2016, relativa a 726 pares de sapatos, n.º 128, de 18/05/2016, relativa a 132 pares de sapatos, n.º 152, de 02/06/2016, relativa a 956 pares de sapatos, n.º 173, de 28/06/2016, relativa a 320 pares de sapatos, n.º 242, de 10/08/2016, relativa a 536 pares de sapatos, todos com a referência ... 4785-A.

CCC) A C... emitiu a favor da sociedade S..., B.V, a fatura n.º 169, de 20/05/2016, relativa a 858 pares de sapatos, n.º 182, de 03/06/2016, relativa a 966 pares de sapatos, n.º 228, de 28/06/2016, relativa a 320 pares de sapatos, e n.º 330/2016, relativa a 132 pares de sapatos, todos com a referência ... 4785-A.

DDD) A Requerente emitiu a favor da B... as guias de transporte de matérias-primas n.º 2016/0748, de 11/05/2016, n.º 2016/0765, de 04/05/2016, e n.º 20 16/0708, de 04/05/2016.

EEE) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/524, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 10/08/2016.

FFF) A Requerente emitiu a favor da C... a fatura n.º 202, de 12/07/2016, relativa 1.138 pares de sapatos, a fatura n.º 208, de 19/07/2016, relativa a 240 pares de sapatos, a fatura n.º 216, de 2/08/2016, relativa a 4.000 pares de sapatos, a fatura n.º 242/2016, de 10/08/2016, relativa a 336 pares de sapatos, e a fatura n.º 245, de 11/08/2016, relativa a 538 pares de sapatos, todos com a referência ... 3939-D.

GGG) A C... emitiu a favor da sociedade S..., B.V. a fatura n.º 330, de 10/08/2016, relativa a 116 pares de sapatos, e a fatura n.º 337, de 12/08/2016, relativa a 538 pares de sapatos, com a referência ... 3939-D.

HHH) A Requerente emitiu a favor da B... as guias de transporte de matérias-primas n.º 2016/0958, de 15/06/2016, e n.º 2016/0939, de 13/06/2016.

III) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/549, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 09/09/2016.

JJJ) A Requerente emitiu a favor da C... a fatura n.º 216, de 02/08/2016, relativa a 4.000 pares de sapatos, com a referência ... 3872-A.

KKK) A C... emitiu a favor da sociedade S..., B.V. a fatura n.º 294, de 03/08/2016, referente 4.000 pares de sapatos, com a referência ... 3872-A.

LLL) A Requerente emitiu a favor da B... as guias de transporte de matérias-primas n.º 2016/1165, de 13/07/2016, e n.º 2016/1169, de 14/07/2016.

MMM) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/573, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 25/10/2016.

NNN) A Requerente emitiu a favor da C... a fatura n.º 288, de 25/10/2016, relativa a 2.100 pares de sapatos, e a fatura n.º 45, de 16/02/2016, relativa 349 pares de sapatos, com a referência ... 3855-X.

OOO) A C... emitiu a favor da sociedade S... B.V., a fatura n.º 420, de 26/10/2016, relativa a 2.100 pares de sapatos, com a referência ... 3855-X.

PPP) A Requerente emitiu a favor da B... as guias de transporte de matérias-primas n.º 2016/1557, de 23/09/2016, e n.º 2016/0288, de 25/10/2016.

QQQ) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/596, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 21/11/2016.

RRR) A Requerente emitiu a favor da C... a fatura n.º 302, de 10/11/2016, referente ao total de 3.747 pares de sapatos, com a referência ... 3855-X.

SSS) A C... emitiu a favor da sociedade S..., B.V., a fatura n.º 442, referente a 1.140 pares de sapatos, e a fatura n.º 443, da mesma data, referente a 2.448 pares de sapatos com a referência ... 3855-X.

TTT) A Requerente emitiu a favor da B... as guias de transporte de matérias-primas n.º 2016/1481, de 14/09/2016, e n.º 2016/1557, de 23/09/2016.

UUU) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/627, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 14/12/2016.

VVV) A Requerente emitiu a favor da C... a fatura n.º 310, de 28/11/2016, relativa a 252 pares de sapatos, com a referência ... 3855-X.

WWW) A C... emitiu a favor da sociedade S..., B. V. a fatura n.º 471, de 29/11/2016, relativa a 252 pares de sapatos, com a referência ... 3855-X.

XXX) A Requerente emitiu a favor da B... as guias de transporte de matérias-primas n.º 2016/1866, de 08/11/2016, e n.º 2016/1962, de 22/11/2016.

YYY) O preço da prestação de serviços titulada pela fatura 1/646, acrescido do IVA a 23%, foi pago em 09/01/2016.

ZZZ) A Requerente emitiu a favor da C... a fatura n.º 309, de 25/11/2016, relativa a 1.800 pares de sapatos, com a referência ... 4785-A.

AAAA) A C... emitiu a favor da sociedade S..., B.V., a fatura n.º 470, de 25/11/2016, referente a 1.800 pares de sapatos, com a referência ... 4785-A.».


***

4. Dos fundamentos de Direito

4.1. Vem o presente recurso interposto de um acórdão arbitral que foi proferido no processo n.º 264/2023-T, do Centro de Arbitragem Administrativa, e que, na essência, julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado contra atos de liquidação de IVA de períodos de 2017 e 2018 e contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa desses atos de liquidação.

A Recorrente não se conforma com o assim decidido por entender, na essência, que o acórdão arbitral recorrido se opõe a outras duas decisões arbitrais, sendo a oposição à primeira decisão arbitral fundamento na interpretação e aplicação do disposto no artigo 347.º do Código Civil [ver a alínea “h)” da resposta ao convite do relator a prestar esclarecimentos] e a oposição à segunda decisão arbitral fundamento na interpretação e aplicação das normas que consagram o princípio da participação dos cidadãos na preparação da decisão final [ver a alínea “r)” do mesmo requerimento].

Decorre do exposto (e bem assim do facto de ter sido invocado como fundamento da admissibilidade do recurso o artigo 25.º, n.º 2, do RJAT) que estamos perante o recurso para uniformização de jurisprudência especialmente previsto naquele diploma (embora não esteja como tal ali identificado, é essa a designação a atribuir-lhe, porque tem fundamento na oposição entre decisões e porque lhe é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

Ora, como se sabe, a apreciação do mérito dos recursos para uniformização de jurisprudência depende da verificação de um conjunto de pressupostos substantivos. Ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo só uniformiza jurisprudência sobre a questão suscitada no recurso depois de se assegurar da verificação desses pressupostos.

Que, no essencial se destinam a confirmar que as questões suscitadas em cada uma das decisões (a decisão recorrida e a decisão fundamento) são substancialmente idênticas e que a resposta que neles foi dada a essas questões é diversa e contraditória.

Ou seja, identidade substancial da questão suscitada e decisão contraditória quanto a essa questão.

Relativamente à primeira, é seguro que se deve tratar de uma questão de direito. Desde logo, porque a lei o diz («…sobre a mesma questão fundamental de direito»). Mas também porque a finalidade do recurso é de uniformizar a interpretação de normas jurídicas e promover uma maior previsibilidade e igualdade nas decisões.

Relativamente à segunda, está assente que se deve tratar de uma divergência de decisões (e não apenas de entendimentos). Ou seja, a questão deve ter determinado o sentido em que foi decidido em cada um dos processos e estar na base da oposição ou divergência.

De salientar ainda que a questão fundamental de direito é a mesma quando, de um lado, é substancialmente idêntico o quadro normativo aplicável e quando, do outro lado, é substancialmente idêntica a factualidade que lhe deve ser subsumida.

O que significa que, para haver identidade substancial da questão de direito, importa concluir que a norma jurídica é a mesma e que a factualidade apreciada deva ser considerada idêntica do ponto de vista da sua subsunção jurídica.

Vejamos, então, se estes pressupostos se verificam no caso.

4.2. Quanto à primeira questão:

A Recorrente reporta a oposição de julgados ao modo como foi entendido, interpretado e aplicado o disposto no artigo 347.º do Código Civil, que considera subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da Lei Geral Tributária.

No entendimento da Recorrente, a oposição deriva do confronto entre os pontos 17 a 21 do acórdão arbitral recorrido, de um lado, e o ponto 2.2.1. do acórdão fundamento, por outro lado.

No entanto, se analisarmos o segmento do acórdão arbitral recorrido que a Recorrente transcreve no ponto 6 das doutas alegações de recurso, verificamos que o Tribunal Arbitral não fez ali nenhuma alusão ao artigo 347.º do Código Civil, nem ao modo como deve ser interpretado e aplicado naquele caso. Nem, por conseguinte, à questão de saber se tem ali aplicação. Qualquer que seja o sentido interpretativo a extrair do seu teor, a divergência de entendimento em torno desta norma, a existir, só pode ser implícita. E, como tem sido unanimemente entendido pelo Supremo Tribunal Administrativo, só relevam para este efeito as divergências de entendimentos que tenham sido explicitadas. Isto é, a contradição tem de resultar de soluções expressas.

Assim, para extrairmos algum sentido útil da alegação da Recorrente teremos de fazer uma interpretação mais abrangente do seu teor e admitir que se pretendia referir à interpretação e aplicação das regras relativas ao ónus de prova em geral.

Há alguns elementos que nos permitem sustentar esta interpretação da sua alegação, visto que a Recorrente começa por se referir ao artigo 347.º do Código Civil e termina aludindo ao artigo 75.º da Lei Geral Tributária, disposição que também considera ter sido ali violada.

Só que a questão sobre a qual os dois acórdãos arbitrais divergem também não tem a ver com a interpretação e aplicação das regras relativas ao ónus de prova aplicáveis aos procedimentos tributários: tem a ver com a valoração de factos e documentos.

Com efeito, o acórdão arbitral fundamento entendeu, por um lado, que certos documentos (relatórios de inspeção referentes a outras entidades) não poderiam ser valorados e que, por isso, não poderiam ser relevados os indicadores de simulação que neles se apoiam. E entendeu, por outro lado, que (qualquer que fosse a valia dos indicadores restantes) a prova produzida no próprio processo arbitral era bastante para concluir que houve prestação de serviços à Recorrente (e que, por conseguinte, a Recorrente logrou ali infirmar prova recolhida no procedimento administrativo).

Pelo seu lado, o acórdão arbitral recorrido, valorou os indicadores que resultam do processo inspetivo, neles incluídos os que podiam ser extraídos de transcrições de relatórios de inspeção a outras entidades, tendo concluído que constituem indicadores bastantes para sustentar a simulação de operações. E entendeu, por outro lado, que da prova produzida no processo arbitral respetivo não resultou a existência de uma realidade subjacente às faturas em apreço.

Assim, os acórdãos divergiram na valoração de factos e não na interpretação e aplicação de regras de direito.

A única questão de direito que podia colocar-se nesse âmbito teria a ver com a interpretação e aplicação de regras sobre a admissibilidade de meios de prova no procedimento inspetivo (ou seja, saber se podem servir de base a um procedimento relatórios de outro procedimento e em que termos). Mas as regras sobre a admissibilidade de meios de forma são completamente distintas das regras sobre o ónus da prova.

Dizendo de outro modo: a questão de saber se certos documentos podem ou não ser aproveitados em função das garantias que oferecem ou ofereceram nos procedimentos respetivos (nomeadamente garantias de participação ou do contraditório) convoca a aplicação de regras de admissibilidade de meios de prova e não de aplicação de regras do ónus probatório.

Aliás, a referência, no acórdão fundamento, ao artigo 347.º do Código Civil (e crê-se que o Tribunal Arbitral se pretendeu referir ao seu artigo 346.º) não deriva de aquele tribunal ter ali aplicado aquela norma. Porque é utilizada como argumento jurídico para afastar o relevo probatório de certos factos e de certos documentos.

Por outro lado, se os acórdãos divergem na valoração de indicadores e de elementos de prova e dessa valoração deriva que foram apurados factos distintos, isso também significa que as situações fácticas subjacentes às decisões respetivas são distintas.

A este respeito, a Recorrente toma de partida que os factos subjacentes aos dois acórdãos arbitrais são exatamente os mesmos (notoriamente, porque considera que é necessariamente assim, quando sejam os mesmos os intervenientes, sejam as mesmas as operações e seja a mesma a atividade inspetiva que sobre elas incidiu).

Só que a identidade de situações fácticas para efeitos do presente recurso não se afere atendendo à materialidade dos factos a provar, mas aos factos dados como provados.

Não se surpreende no facto de dois acórdãos terem incidido sobre dados de facto relativamente à mesma ocorrência histórica e terem apurado factos distintos, mas no facto de terem apurado os mesmos factos (ou factos equivalentes, do ponto de vista da sua subsunção jurídica) e, apesar disso, terem proferido diferentes decisões jurídicas.

É patente que a Recorrente apela ao tribunal de recurso porque formulou dois pedidos de pronúncia arbitral relacionados com operações tituladas nas mesmas faturas e com a mesma atividade inspetiva (um em IRC e outro em IVA) e foi surpreendida com juízos de facto completamente distintos quanto à questão de saber se as operações tituladas nessas faturas eram simuladas (isto é, quanto à questão de saber se de facto existiram).

Mas o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo não serve para sindicar juízos de facto e o recurso para uniformização de jurisprudência não serve para conciliar e uniformizar diferentes perceções sobre a ocorrência de determinados factos.

Do exposto deriva que não estão reunidos os requisitos do prosseguimento do recurso para conhecimento do seu mérito, nesta parte.

O que, a final, se decidirá.

4.3. Quanto à segunda questão:

A Recorrente considera que o acórdão arbitral recorrido contraria outra decisão arbitral, no âmbito do processo n.º 162/2022-T, também do Centro de Arbitragem Administrativa porque, em situação igual ou equivalente, foi ali considerado que não havia violação do princípio da participação e foi aqui considerado violado esse princípio.

Esta questão, estando muito próxima da anterior, pode ser considerada distinta, porque já não consiste em saber se a inobservância do princípio da participação num procedimento (no procedimento que deu origem ao relatório inspetivo a outras entidades) impede a valoração dos factos nele mencionados num procedimento distinto, mas em saber se foi violado o princípio da participação no próprio procedimento inspetivo da Recorrente.

A este respeito, importa começar por salientar que não é exato dizer-se que o Tribunal Arbitral, no caso do acórdão recorrido, considerou que não se verificava a violação do princípio de participação no procedimento inspetivo da Recorrente.

O que o Tribunal Arbitral ali considerou foi que a «a alegada violação do princípio da participação no procedimento não consta da causa de pedir delimitada no pedido de pronúncia arbitral» e que, de qualquer modo, não estava ali em causa a «preterição e uma formalidade legal essencial» (ver o ponto 30 do acórdão arbitral).

Ou seja, o que o Tribunal Arbitral ali decidiu foi que a violação do princípio da participação não foi oportunamente invocada e que, de qualquer modo, a existência de tal vício não tem, no caso, efeitos invalidantes, por não ter impedido a realização da finalidade prosseguida pelo legislador ao instituir essa formalidade.

E a questão de saber se a violação de uma formalidade procedimental pode ser conhecida ou tem os efeitos pretendidos por quem a argui é objetivamente distinta da questão de saber se foi preterida.

Por outro lado, para chegar à conclusão de que a existência do vício invocado não tinha efeitos invalidantes, o acórdão arbitral recorrido faz referência a um conjunto de factos cuja ocorrência não é, no caso do acórdão arbitral fundamento, possível confirmar.

Dizendo de outro modo: não é possível confirmar se o histórico das ocorrências nos próprios procedimentos inspetivos é substancialmente equivalente, ao ponto de se poder dizer que a conclusão quanto à natureza essencial da invalidade procedimental respetiva teria de ser necessariamente a mesma.

Referimo-nos aos factos que suportaram a conclusão, tirada apenas no acórdão arbitral recorrido, de que o sujeito passivo participou ao longo de todo o procedimento e sem invocar nenhuma dificuldade na identificação das subcontratadas e que alegou conhecimento sobre a estrutura produtiva material e humana da sua fornecedora que lhe permitisse saber com quem se relacionava.

Neste ponto, observa-se que o ónus de demonstrar a equivalência das situações recaía sobre o sujeito passivo, que disso foi expressamente advertido em despacho do relator e que, apesar disso, não explicitou os aspetos de identidade que permitissem ao tribunal de recurso assegurar-se do sobredito.

Mas há outra diferença fundamental entre os dois acórdãos arbitrais e que poderá justificar diferentes conclusões a respeito da violação do princípio da participação no procedimento e dos seus efeitos sobre a validade do ato final.

É que o acórdão arbitral recorrido começou por apreciar a questão (de facto) de saber se os indícios recolhidos pela administração suportavam a conclusão de que as operações eram simuladas e concluiu que os elementos obtidos na contabilidade da própria Recorrente (e não das sociedades a montante da sua fornecedora) continham indicadores suficientes de que as faturas em causa não titulavam verdadeiras transações.

Ou seja, mesmo que os dados relativos às empresas subcontratadas e ali identificadas como «sociedades A, A1, A3 e A4, B e C» e não pudessem ser aproveitados por a Recorrente não ter podido exercer o contraditório de forma eficiente e na parte respetiva, os demais elementos seriam suficientes para suportar a conclusão a que chegou a administração tributária.

Assim, quando passou a analisar a omissão da identificação daquelas «entidades terceiras» já estava em condições de saber se, como alegava a Recorrente, a sua atividade «foi determinante para a correção tributária na esfera do sujeito passivo» e, por conseguinte, para a decisão final respetiva.

No caso do acórdão fundamento, pelo contrário, foi dada precedência ao conhecimento dos vícios formais do procedimento. Tendo julgado prejudicado o conhecimento dos demais vícios. Pelo que nunca foi formulado um juízo de facto sobre a existência de indicadores bastantes para suportar a conclusão da Administração Tributária ou sobre a suficiência de uma parte deles e, em particular, dos que tivessem sido obtidos a partir dos elementos da escrita do sujeito passivo.

Por todas estas razões, somos levados a concluir que, também neste caso, os acórdãos em confronto assentam em factos ou juízos de facto muito distintos.

Sendo, também aqui, substancialmente diversas as situações de facto assumidas nos dois arestos, também não estão reunidos os pressupostos da admissibilidade do recurso, nesta parte.


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5. Das conclusões

5.1. Constitui pressuposto da apreciação do mérito do recurso a que alude o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT a identidade substancial entre a situação de facto apreciada na decisão arbitral recorrida e a que foi apreciada na decisão que lhe é oposta;

5.2. Não há identidade substancial de situações de facto se o acórdão arbitral recorrido e o acórdão arbitral fundamento formulam diferentes juízos quanto ao facto de as operações tituladas nas faturas terem existido nos termos que delas resultam;

5.3. Também não há identidade substancial de situações de facto se o acórdão recorrido e o acórdão fundamento se pronunciam quanto aos efeitos da violação do princípio da participação no procedimento na validade do ato de final relevando factos ou conclusões sobre factos distintas e com relevo distinto para o julgamento dessa questão.


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6. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso na parte em que se invoca oposição entre o acórdão arbitral recorrido e um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e, no mais, em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 26 de setembro de 2024. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.