Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 059/20.4BEFUN |
Data do Acordão: | 05/03/2023 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | NUNO BASTOS |
Descritores: | ECOTAXA |
Sumário: | I - A taxa ambiental pela utilização de embalagens não reutilizáveis na Região Autónoma da Madeira, criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril, tem a natureza jurídica de um imposto ambiental; II - Nos impostos ambientais, o princípio da igualdade tributária concretiza-se compatibilizando o princípio da capacidade contributiva e certos princípios do Estado Social, como o princípio do poluidor-pagador, e levando em conta certas exigências de praticabilidade e de cognoscibilidade do facto tributário; III - Não está demonstrada a violação do princípio da igualdade tributária se, incidindo um imposto ambiental apenas sobre certos operadores económicos que utilizam embalagens não reutilizáveis, não estiver em causa que são os maiores produtores desses resíduos na Região Autónoma; IV - O poder tributário próprio das Regiões Autónomas inclui o de criar impostos vigentes apenas para a Região, definindo as respectivas incidência, taxa, liquidação, cobrança, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes. |
Nº Convencional: | JSTA000P30924 |
Nº do Documento: | SA220230503059/20 |
Data de Entrada: | 12/20/2021 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A..., S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal recorreu da douta sentença daquele tribunal que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Via ... - ..., ..., São Mamede de Infesta e que, em consequência, anulou as liquidações da denominada “Ecotaxa”, criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de Abril, registadas sob os n.ºs 2019/0099801, 2019/0108711 e 2020/0004611, relativas a outubro, novembro e dezembro de 2019, respetivamente, nos correspondentes montantes de € 39.845,44, € 16.532,53 e € 21.445,23. Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: 1. As liquidações objeto de impugnação reportam-se à liquidação da ecotaxa aprovada pelo Decreto Legislativo Regional (DLR) n.º 8/2012/M, de 27 de abril, concluindo o M. Juiz pela ilegalidade da liquidação, por considerar que as normas que definem a incidência subjetiva e objetiva e as taxas da “ecotaxa” violam o princípio da equivalência, corolário do principio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP. Salvo melhor opinião, a decisão faz uma interpretação incorreta dos factos e da legislação em causa. 2. O regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 366.º-A/97, de 20 de dezembro (revogado pelo Decreto-Lei n.º 152-D/2017 de 11 de dezembro), que estabelece as regras e os princípios gerais a que deve obedecer a gestão de embalagens e resíduos de embalagens, bem como os contratos celebrados pela Impugnante para dar cumprimento a este regime, não têm qualquer relação com o regime da ecotaxa instituído pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8/2021/M. 3. A Impugnante, na sua qualidade de embalador e/ou importador aderiu ao Sistema integrado e transferiu para a Sociedade B..., S.A. (B...), mediante o pagamento de contrapartidas financeiras, as responsabilidades previstas no Decreto – Lei n.º 152-D/2017 relativas à gestão dos seus resíduos das embalagens, ao abrigo do princípio da responsabilidade alargada do produtor. 4. Este sistema integrado de gestão de resíduos de embalagens assenta na boa vontade e consciência ambiental do consumidor final em cumprir as regras da reciclagem, colocando os resíduos no contentor correto, sem mais qualquer exigência que não a sua boa vontade e consciência social e ambiental. 5. A questão em discussão nos presentes autos é uma questão de direito: A Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira pode criar e aprovar o regime jurídico da taxa ambiental pela utilização de embalagens não reutilizáveis na Região Autónoma da Madeira, denominada Ecotaxa, nos exatos termos em que o fez, através da aprovação do Decreto Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril? E a resposta para a questão só pode ser sim. Vejamos. 6. O art. 227.º, al. i) da Constituição da República Portuguesa (CRP), sobre os poderes das regiões autónomas, estabelece que estas exercem poder tributário próprio, nos termos da lei, e têm o poder de adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei-quadro da Assembleia da República. 7. A alínea f) do n.º 1 do art. 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), aprovado pela Lei n.º 13/91, de 5 de junho, na redação e numeração da Lei n.º 130/99, de 21 de agosto, e alterado pela Lei n.º 12/2000, de 21 de junho, atribui competência à Assembleia Legislativa Regional, no exercício de funções legislativas, para exercer poder tributário próprio e adaptar o sistema fiscal nacional à Região nos termos do Estatuto e da lei. 8. As competências tributárias atribuídas aos órgãos de governo próprio da RAM exercem-se no respeito pelos limites constitucionais, no quadro do EPARAM e da lei, tendo em conta que o sistema fiscal regional deve adaptar-se às especificidades regionais, quer podendo criar impostos apenas vigentes na Região quer adaptando os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais [art. 134.º, al. b) do EPARAM]. 9. A adaptação do sistema fiscal à realidade económica regional, bem como a defesa do ambiente e equilíbrio ecológico, da proteção da natureza e dos recursos naturais constituem matérias de interesse específico para efeitos de definição dos poderes legislativos ou de iniciativa legislativa da Região Autónoma da Madeira [cf. art. 40.º, alíneas ff), oo) e pp) do Estatuto da RAM]. 10. A competência legislativa regional, em matéria fiscal, é exercida pela Assembleia Legislativa Regional, mediante decreto legislativo, e compreende o poder de criar e regular impostos, vigentes apenas na Região, definindo a respetiva incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes nos termos do Estatuto [art. 135.º, al. a) do EPARAM].. 11. A Assembleia Legislativa Regional, mediante decreto legislativo regional, pode criar e regular contribuições especiais tendentes a compensar as maiores despesas regionais decorrentes de atividades privadas desgastantes ou agressoras dos bens públicos ou do ambiente regional (art. 136.º, n.º 1 do EPARAM). 12. A Lei das Finanças Regiões Autónomas (LFRA), aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro e alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2010 de 29 de março, e vigente à data da aprovação do DLR n.º 8/2012/M, determina que as competências tributárias dos órgãos das regiões autónomas observam o princípio da flexibilidade, no sentido de que os sistemas fiscais regionais devem adaptar-se às especificidades regionais, quer podendo criar impostos vigentes apenas nas regiões autónomas quer adaptando os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais [cf. art. 52.º, alínea f) da Lei Orgânica n.º 1/2007, atual art. 55.º, alínea f) da LFRA aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, e que revogou a Lei Orgânica n.º 1/2007]. 13. E o art. 54.º (agora art. 57.º da LFRA em vigor), sob a epígrafe «Impostos vigentes apenas nas Regiões Autónomas» determina o seguinte: 1 – As Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, mediante decreto legislativo regional, podem criar impostos vigentes apenas na respetiva Região Autónoma desde que os mesmos observem os princípios consagrados na presente lei, não incidam sobre matéria objeto da incidência prevista para qualquer dos impostos de âmbito nacional, ainda que isenta ou não sujeita, ou, nela constando, possa ser suscetível de integrar essa incidência e da sua aplicação não resultem entraves à troca de bens e serviços entre os diferentes pontos do território nacional. 14. O DLR n.º 8/2012/M, de 27 de abril, criou e aprovou o regime jurídico da taxa ambiental, pela utilização de embalagens não reutilizáveis na Região Autónoma da Madeira (RAM), denominada ecotaxa, que entrou em vigor a um de maio do mesmo ano. 15. Desde essa data passou a ser exigido aos operadores económicos, sujeitos passivos de Imposto sobre o Álcool e as Bebidas Alcoólicas (IABA), que introduzam no consumo cerveja e outras bebidas alcoólicas na RAM, em embalagens não reutilizáveis, o pagamento da ecotaxa. 16. O M. Juiz considerou a ecotaxa uma contribuição financeira, mas que é violadora do princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade previsto no art. 13.º da CRP, conclusão da qual se discorda. 17. Como resulta do preâmbulo do DLR n.º 8/2012/M “ (…) a Região Autónoma da Madeira, assim como as restantes Regiões Ultraperiféricas, apresentam dimensões e especificidades que acentuam as dificuldades no problema de gestão dos resíduos, designadamente os elevados custos com o transporte, a orografia acentuada, a dependência do exterior, a distância que as separa do território continental”. 18. E acrescenta “ (…) Sublinhe-se que estas especificidades implicam custos acrescidos elevadíssimos para serem cumpridos, com as mesmas exigências que as regiões continentais, na gestão dos resíduos em geral, e da sua recolha seletiva, transporte, tratamento e destino final, os quais têm sido suportados pelo erário público e pelo consumidor final”. 19. A criação deste tributo de cariz ambiental pelo legislador regional assenta na circunstância de que os operadores económicos podem/devem adotar hábitos de consumo mais consentâneos com a proteção do meio ambiente insular. 20. A ecotaxa constitui um mecanismo fiscal de promoção e incentivo à alteração de comportamentos, com vista à proteção do ambiente e dos recursos naturais na Região Autónoma da Madeira, numa estratégia de responsabilidade social que importa promover. 21. O que se pretende com a ecotaxa é que sejam utilizadas embalagens reutilizáveis, embalagens concebidas e projetadas para cumprir, durante o seu ciclo de vida, um número máximo de utilizações, isto é, que possam ser enchidas de novo e utilizadas muitas vezes para o mesmo fim para que foram concebidas, contribuindo para a redução de resíduos produzidos e para a sustentabilidade ambiental. 22. O regime jurídico previsto no DLR n.º 8/2021/M permite a comercialização do produto em embalagens não reutilizáveis, mas para o poder fazer o operador económico fica obrigado ao pagamento da ecotaxa. 23. Se a bebida está embalada em embalagem reutilizável não há liquidação de ecotaxa, o que significa que sempre que a opção seja embalar as bebidas em embalagens reutilizáveis não fica o operador económico abrangido pela incidência da ecotaxa. 24. A ecotaxa incide sobre todos os operadores económicos que introduzam no consumo embalagens não reutilizáveis na RAM, sejam eles regionais, nacionais, comunitários ou de Estados não membros da UE, tributando inclusivamente os particulares que introduzem no consumo pequenas quantidades de bebidas em embalagens não reutilizáveis. 25. As exceções previstas no n.º 2 do art. 3.º correspondem a opções do legislador, que atendem à fragilidade da economia regional, no quadro de uma região ultraperiférica, com particulares condições económicas e sociais, e não afetam o princípio da equivalência, 26. Acrescente-se que o art. 10.º do DLR n.º 8/2012/M permite o alargamento da incidência da ecotaxa a outras embalagens não reutilizáveis que contenham outros produtos e que se destinem ao consumo na RAM. 27. Quanto aos montantes cobrados pela ecotaxa, o legislador, em função dos objetivos pretendidos e em conformidade com os princípios da proporcionalidade e da equivalência, estabeleceu um critério baseado na capacidade da embalagem, valor que vai subindo à medida que aumenta a capacidade da embalagem, pois quanto maior a embalagem maior o volume de resíduo e impacto ambiental e de custos provocados (art. 4.º DLR n.º 8/2012/M). 28. Os montantes fixados para a ecotaxa têm de fomentar a utilização de embalagens reutilizáveis, pois se o utilizador considerar que o valor é irrisório, não verá motivos para alterar a sua conduta, continuando a utilizar embalagens não reutilizáveis. O valor considerado tem de fazer sentir no utilizador o custo subjacente à sua escolha, adequando-se os valores fixados aos objetivos pretendidos com a criação do tributo. 29. A ecotaxa tributa a utilização de embalagens não reutilizáveis com o objetivo de incentivar a utilização de embalagens reutilizáveis, com vista à alteração de opções de consumo, num quadro de respeito do meio ambiente e da natureza a promover por todos, conforme determina o princípio da responsabilidade. 30. As contribuições que a Impugnante refere pagar à B... inserem-se no sistema integrado de gestão de resíduos de embalagem, sistema que optou por utilizar para a gestão e destino final dos resíduos de embalagens dos seus produtos, ao abrigo do princípio da responsabilidade alargada do produtor, e que não servem para aferir sobre os montantes fixados pelo legislador para a ecotaxa. 31. A ecotaxa não representa qualquer violação ao princípio da equivalência e ao princípio da igualdade, por estar conforme com a contraprestação em causa e com a dissuasão de utilização de embalagens não reutilizáveis, pressionando o produtor e o consumidor para optarem por consumos mais racionais em termos ambientais, ao abrigo do princípio do utilizador pagador. 32. A implementação da ecotaxa nos termos definidos pelo legislador mostra-se necessária, adequada e proporcionada à prossecução dos objetivos extrafiscais pretendidos pelo legislador regional, não violando o disposto no art. 13.º da CRP, pelo que as liquidações objeto de impugnação devem assim ser mantidas por conformes à lei e aos princípios constitucionais, revogando-se a douta sentença.». A Recorrida apresentou contra alegações e formulou as seguintes conclusões: A) [Questão Prévia 1] Analisadas as suas conclusões 1 a 15 (mister 5, como já antes no corpo das alegações, em II sob a epígrafe “Dos fundamentos…” - págs. 3/20), verifica-se que a recorrente circunscreve o recurso a uma “questão de direito” que… teve acolhimento na sentença (!) dos autos: ou seja, foram outros os fundamentos usados na sentença para suportar a decisão de total procedência do pedido – pelo que, assim cai a apreciação das conclusões 1 a 15;. B) [Questão Prévia 1] Quanto às (demais) conclusões 16 a 32, das mesmas não se deteta: i) um vício que seja apontado à sentença recorrida (na aceção do art. 282º nº 2 do CPPT); ii) um fundamento de recurso invocado a justificar a alteração da decisão recorrida; iii) do mesmo modo que - versando o recurso exclusivamente sobre matéria de direito (demais que é interposto para o STA), a processar como de revista (art. 150º nº 2 ex vi art. 151º nº 1 e 3 do CPTA) – não se aponta nenhuma norma jurídica violada, nem o sentido com que qualquer norma jurídica devesse ter sido interpretada ou aplicada na sentença recorrida – o que é tão verdade sobre as conclusões, como sobre o corpo das alegações; C) [Questão Prévia 1] Apresentado e delimitado o recurso nestas condições, o mesmo deve ter-se por manifestamente infundado, devendo ser objeto de decisão liminar e sumária – cfr. art. 656º do CPC – o que, com a devida vénia, se requer; D) [Questão Prévia 2] Ao apresentar recurso nos precisos termos em que o faz nestes autos – procedimento que repetiu, nas mesmas condições, nos supra identificados 14 processos de impugnação pendentes – sabendo não lhe assistir razão e sem a invocação de um único vício, um único fundamento jurídico, substantivo ou processual - é flagrante que a recorrente surge a litigar, de modo intencional, com manifesta má-fé processual, não só porque deduz pretensão cuja falta de fundamento não pode ignorar (são já 16 (!) as decisões judiciais proferidas pelo TAFFunchal no mesmo sentido), mas sobretudo porque protela, sem fundamento, o trânsito em julgado do decidido; E) E recorre bem sabendo que contra si pendem, já desde 2012, 38 processos de impugnação em tudo a este semelhantes, nenhum deles tendo transitado em julgado até ao momento, como bem conhece das dificuldades sentidas na jurisdição fiscal com reflexo na duração média dos processos no contencioso tributário - de que constituem bom exemplo os processos de impugnação assinalados em I-2 supra - e, nomeadamente, da circunstância de um desses processos sob recurso (1/14.1) pender há já mais de 4 anos, ainda em fase preliminar, por isso se impondo a condenação da recorrente em multa condigna a fixar por este Supremo Tribunal e indemnização à aqui recorrida – cfr. art. 542º nº 1 do CPC; F) [Questão Prévia 2] Tal indemnização deve consistir no reembolso de taxas de justiça pagas, honorários ao mandatário e dos prejuízos sofridos apontados com o protelamento de decisão, em valor nunca inferior a €6.000,00 (seis mil euros); G) Tendo julgado procedente a impugnação dos autos e anulado a sindicada liquidação de “Ecotaxa” com fundamento na violação dos princípios da igualdade, equivalência e proporcionalidade – a que se poderiam acrescentar, neste último caso, os motivos expostos em II -, a Douta sentença recorrida não merece censura, por isso devendo ser confirmada nesta sede de recurso, inclusive e como se requereu, por meio de decisão sumária; H) Não obstante, e por mera cautela, a Recorrida vem requerer a título subsidiário a ampliação do objeto do recurso, assim se prevenindo a necessidade da sua apreciação, concretamente na parte relativa à apreciação “Da natureza jurídica da Ecotaxa e da sua concreta conformação constitucional”; I) Compreender-se-iam os motivos ou fundamentos contidos no preâmbulo do Decreto Legislativo Regional nº 8/2012/M, de 27.04 se não houvesse já – como efetivamente há - um sistema de gestão que dá cumprimento às normas legais e regulamentares aplicáveis, quer a nível nacional, quer a nível regional, em matéria de gestão de resíduos de embalagens não reutilizáveis, sistema de gestão que, além de não assegurado pela Região Autónoma da Madeira (RAM) - antes pela Sociedade B... (B...)– dele beneficia e de forma remunerada, a própria RAM; J) Como resulta da matéria de facto provada, no que à RAM respeita, a B... celebrou, em 11 de Fevereiro de 2000, sempre ao abrigo de diplomas legais nacionais e regionais, um contrato mediante o qual os municípios (todos os que existem nessa Região Autónoma) eram remunerados, através da sua Associação – a AMRAM (Associação de Municípios da Região Autónoma da Madeira), pelas atividades de recolha seletiva, triagem e entrega que efetuavam dos resíduos produzidos/introduzidos na totalidade do território da Região e relativamente a todo o tipo de embalagens não reutilizáveis, contendo ou não bebidas alcoólicas – cfr. Facto Provado 1 da FF; K) Contrato este que foi convalidado, subscrito e até aditado pela Secretaria Regional do Equipamento Social e Ambiente em 11.02.2000 (isto é, foi sancionado pelo Governo da mesma Região Autónoma!!!), em cujo aditamento se veio a convencionar a obrigação da B... de transportar os resíduos de embalagens contidos nos resíduos urbanos das áreas que integram a AMRAM e a entregá-los nos portos do Continente, obrigando-se a B... a subsidiar a fundo perdido os custos de transporte desses resíduos desde a RAM até ao Continente (!!!) – cfr. Facto Provado 2 da FF; L) Com este contrato – cuja posição contratual da AMRAM foi entretanto e sucessivamente cedida, primeiro à C..., SA, depois à D..., SA (esta, sociedade de capitais exclusivamente públicos) – cfr. Factos Provados 4 e 5, como já vimos – a B... dava, como continua a dar hoje, satisfação integral ao disposto legal e regulamentarmente no âmbito da gestão integrada dos resíduos de embalagens e, consequentemente, por via dela (B...), também os produtores/introdutores das mesmas no território da Região Autónoma da Madeira – cfr. os Considerandos constantes do mesmo contrato a que se refere o Facto Provado 1 da FF; M) É que, à licença atribuída à B... para o exercício da atividade de gestão de resíduos de embalagens enquanto entidade gestora do sistema integrado (de 07 de dezembro de 2004), veio a suceder a licença atribuída pelo Despacho n.º 14202- E/2016 do Secretário de Estado Adjunto e do Comércio e do Secretário de Estado do Ambiente, publicado a 25 de novembro de 2016 - cfr. ponto 6. do probatório N) Por Despacho n.º 24/17 da Secretária Regional do Ambiente e dos Recursos Naturais, datado de 29 de dezembro de 2016, foi estendida à Região Autónoma da Madeira a licença concedida pelo aduzido Despacho n.º 14202-E/2016 - cfr. ponto 7. da matéria assente; O) Nessa sequência, foi celebrado novo contrato, em 20 de março de 2017, a que também foi atribuído o n.º ...96, tendo por objeto a adesão da Impugnante ao SIGRE gerido pela B..., a vigorar pelo período pelo qual lhe foi concedida licença - cfr. ponto 8. dos factos provados. P) Por força dos referidos Despachos n.ºs 14202E/2016 e 24/2017, sucedeu ao contrato firmado em 11 de fevereiro de 2000, um novo contrato celebrado entre a B... e a D..., datado de 18 de maio de 2018, e a vigorar de 01 de janeiro de 2017 até 31 de dezembro de 2021, relativo “à recolha e/ou triagem dos resíduos de embalagens contidos nos resíduos provenientes da recolha seletiva ou recolha indiferenciada ao abrigo do Sistema Integrado de Gestão de Resíduos de Embalagens («SIGRE») – cfr. ponto 9. da matéria apurada; Q) Deste sistema de gestão – legalmente emanado e determinado para ambos esses níveis, note-se – resultam, como já vimos, meios de financiamento para a Região Autónoma da Madeira baseados nos vínculos contratuais por esta assumidos, primeiramente por via do Contrato e seu Aditamento, ambos celebrados de 11 de Fevereiro de 2000 (Factos Provados 1 e 3), como depois pelo Contrato celebrado em 18 de maio de 2018 (Facto Provado 9), sempre a gerar uma remuneração à RAM, precisamente, pelas atividades de recolha seletiva, triagem e entrega dos resíduos produzidos/introduzidos na totalidade do território da Região (e relativamente a todo o tipo de embalagens não reutilizáveis, contendo ou não bebidas alcoólicas), bem como a subsidiar, sempre a fundo perdido, todos os custos de transporte associados a esses resíduos, inclusive desde a RAM até ao Continente!!! – cfr. Contrato e Aditamento (FProvados 1 e 3) e cl. 10ª do Contrato de 18.05.2018 (FProvado 9), que prevê todas essas remunerações de acordo com o previsto no Despacho nº 379/2017, de 29 de setembro de 2017; R) Por via da existência da ECOTAXA, não se criou, nem existe, qualquer tipo de gestão adicional, alternativa ou sequer complementar à que já existia por via do SIGRE, nem a RAM suporta quaisquer custos adicionais por isso; S) Aliás, o interesse, os fundamentos e as preocupações que presidiram ao regime jurídico da gestão de embalagens e dos resíduos de embalagens criado pelo Decreto-Lei nº 366-A/97, de 20.12 (que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 94/62/CE do Parlamento e do Conselho de 20.12.1994), e permitiram a instituição do SIGRE, porque de aplicação nacional e regional – como, já depois dele, o Decreto-Lei nº 152-D/17, de 11.12 – são, na sua essência, os mesmos que constam do preâmbulo do DLR nº 8/2012/M, isto é: os argumentos da “prevenção de condutas que representam um risco ambiental, constituindo um incentivo ao consumo de bebidas em embalagem reutilizável (…) ao mesmo tempo que se pretende uma redução dos custos de gestão dos resíduos (cfr. págs. 32 da sentença recorrida, por remissão aos fundamentos do DLR) - portanto, há muito acautelados, e sempre com benefícios remuneratórios para a RAM; T) Pelo que, a “ECOTAXA” criou, sim, uma duplicação de receita sob o mesmo pretexto para a RAM, que, à semelhança da que já era gerada por via do SIGRE – ao qual aderiu a RAM - passou a ser também suportada pelos mesmo operadores económicos, como no caso, a Impugnante recorrida; U) Por assim ser, “estamos perante uma situação de dupla tributação, ou seja, duas taxas a incidirem sobre prestações idênticas, com o mesmo fim, a mesma utilidade para os (alguns) particulares” [cfr. Jurisprudência e Doutrina supra citadas na Sentença proferida por este Tribunal sob os autos nº 1/14.1BEFUN; V) Com a entrada em vigor do DLR nº 8/2012/M, os operadores económicos passaram a pagar, sob o mesmo interesse e fundamentos: i) o Valor Ponto Verde - enquanto efetiva contrapartida da gestão de resíduos das embalagens não reutilizáveis (todo o tipo de embalagens, sem discriminação alguma de conteúdo) assegurada pela Sociedade B..., legalmente habilitada e licenciada para o efeito, a que aderiram; ii) a ECOTAXA, rigorosamente imposta, enquanto contrapartida de… NADA!; W) Por seu lado, a RAM passou a receber… DUAS vezes: 1) as contrapartidas financeiras (no dizer do contrato já assinalado, os “Valores de Contrapartida”) - primeiro via AMRAM, depois, via C..., entretanto incorporada na D..., SA, devidas pelas atividades de recolha seletiva, triagem e entrega dos resíduos produzidos/introduzidos na totalidade do território da Região (relativamente a todo o tipo de embalagens não reutilizáveis, contendo ou não bebidas alcoólicas), contrapartidas essas asseguradas pela Sociedade B... (a mesma entidade que, note-se, subsidia, a fundo perdido, os custos de transporte de tais resíduos desde a RAM até ao Continente), tudo conforme legalmente determinado e contratualmente estipulado com a própria RAM; e 2) a ECOTAXA por… NADA!; X) A designada “ECOTAXA” aplicada a todos os produtores/introdutores das referidas embalagens, não apresenta qualquer contrapartida pela gestão, e, por via dela, não se criou qualquer tipo de gestão de resíduos adicional, alternativa ou complementar à que sempre existiu, como hoje existe, por via do SIGRE; Y) A “Ecotaxa” não assume a natureza de contribuição financeira: i) porque os fundamentos/interesses visados proteger com a “Ecotaxa” são os mesmos já acautelados pelo SIGRE, criado por lei da República, com aplicação na Região Autónoma da Madeira, ao qual, por contratos livremente assumidos e reconhecidos, o Governo da Região se vinculou e através dele se remunera, sem custos adicionais, já desde o ano 2000; ii) porque deparamos com flagrante situação de “dupla tributação”; iii) finalmente porque - não apresentando qualquer tipo de contrapartida pela alegada gestão de resíduos, seja no preâmbulo da lei que a criou, seja na prática, como já vimos - atento o envolvimento legal (!), a outorga (!) e os benefícios (!) retirados pelo Governo Regional no âmbito do SIGRE, sem quaisquer custos adicionais aos que derivam do SIGRE – o que a mesma traduz é, simplesmente, uma prestação unilateral, um imposto – cfr. Doutrina dos Prof. Diogo Leite de Campos (ob. cit), Prof. Alberto Xavier (ob. cit.), Prof. Saldanha Sanches (ob. cit.), Juiz-Conselheiro Manuel Henrique de Freitas Pereira (ob. cit.) e do Prof. Sérgio Vasques (ob. cit.), como, mutatis mutandis no que se refere à jurisprudência no mesmo sentido, os citados Acórdão TCA-Sul, de 10.07.2012, o Acórdão do STA, de 23.11.1994, ambos disponíveis em www.dgsi.pt; Z) E dado que, em matéria de criação de impostos, nos termos prescritos na Constituição da República Portuguesa (CRP), se aplica o princípio da legalidade estrita, e apelando às normas dos Artigos 103.º nº 2, 165.º n.º 1 e 227.º n.º 1, al. b), o Decreto Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de Abril, ao determinar e definir uma “ECOTAXA” nos sobreditos e concretos termos, está ferido de inconstitucionalidade orgânica porque da autoria de órgão regional em manifesto desrespeito com o constitucionalmente estatuído.». Rematou as suas conclusões dizendo que o recurso deve ser objeto de decisão liminar, por manifestamente infundado, que a recorrente deve ser condenada como litigante de má-fé e que, em qualquer caso, deve ser negado provimento o recurso. O recurso foi admitido na instância recorrida, tendo-lhe sido atribuída subida imediata e fixado efeito devolutivo. Recebidos os autos neste tribunal, foram os mesmos com vista ao Ministério Público. A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Foram dispensados os vistos legais, pelo que cumpre decidir, dando-se, desde já, por reproduzida a matéria de facto fixada em primeira instância, ao abrigo do n.º 6 do artigo 663.º do Código de Processo Civil. *** 2. No acórdão desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de março último, tirado em julgamento ampliado do recurso interposto no processo n.º 0331/18.3BEFUN, que correu termos entre as mesmas partes para apreciação de questões em tudo idênticas às que vêm suscitadas no recurso ora em apreciação, foi consignado, além do mais, o seguinte: «(…) 2. No primeiro capítulo das contra-alegações de recurso e nas alíneas “A)” a “F)” das respectivas conclusões, a Recorrida levanta duas questões que pretende sejam conhecidas previamente: a questão de saber se o recurso é «manifestamente infundado» e a questão de saber se a Recorrente litiga de má-fé. Analisado, porém, o seu conteúdo, verifica-se que o que a Recorrida pretende verdadeiramente é que o tribunal de recurso se pronuncie sobre a questão de saber se a Recorrente não deu cumprimento ao ónus que sobre si recaía de indicar as normas violadas e as que deviam ser aplicadas ou o sentido em que deveriam ser interpretadas. Ou seja, a Recorrida pretende que o tribunal de recurso decida se pode conhecer do recurso, face ao disposto no artigo 639.º do Código de Processo Civil. E, para o caso de o tribunal vir a concluir que não pode conhecer do recurso, pretende que conheça também da questão de saber se isso constitui a demonstração de que o recurso é manifestamente infundado e que a Recorrente sabia ou não podia deixar de saber que não tinha fundamento válido para recorrer e que o fez apenas para protelar o trânsito da decisão. E se, por isso, a Recorrente deve ser condenada como litigante de má-fé. Ou seja, a Recorrida relaciona o pedido de condenação da Recorrente como litigante de má-fé com uma decisão que, concluindo pela falta de indicação dos fundamentos do recurso, se traduza no não conhecimento do mesmo. E por isso, aliás, é que enquadrou aquele pedido nas questões prévias. É que, em regra, o julgamento do comportamento processual das partes faz-se a final. O que, no caso, ocorreria a final de uma decisão prévia. O que significa que o tribunal de recurso só deve conhecer da segunda questão prévia se vier a concluir que a Recorrida tem razão quanto à primeira questão prévia. Feito o enquadramento, passemos, então, à primeira questão prévia. Podemos adiantar desde já que é, quanto a nós, manifesto que não estamos perante um caso de falta absoluta de motivação de direito. E que, por isso, só se coloca verdadeiramente a questão de saber se a motivação do recurso é insuficiente. Tem sido entendido que a intensidade do dever de indicar as razões de discordância com o decidido em primeira instância varia em função do teor da decisão recorrida e dos objetivos visados no recurso. Faz sentido, por isso, que iniciemos a abordagem pela análise da própria decisão recorrida. O Mm.º Juiz a quo decidiu julgar procedente a impugnação judicial por entender que as normas que definem a incidência subjetiva e objetiva da denominada “ecotaxa” violam o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. Porque a denominada “ecotaxa” incide apenas sobre certas embalagens e sobre certos produtores, o que é discriminatório. E porque as operações de gestão de resíduos de embalagens são asseguradas por outra entidade, a quem a operadora paga as devidas contrapartidas financeiras, não estando demonstrada a ocorrência de outros custos neste âmbito que devam ser remunerados. Ora, a Recorrente veio contrapor que a «ecotaxa não representa qualquer violação ao princípio da equivalência e ao princípio da igualdade» (conclusão “31.”). Porque incide sobre todas as embalagens cuja utilização pretende desincentivar e sobre todos os operadores económicos que as introduzam no consumo (conclusões “21.” a “26.”). E porque não tem qualquer relação com o regime de gestão, recolha e transporte de resíduos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 366-A/97, de 20 de dezembro, não se pretendendo, por ali, compensar os respetivos custos, mas desincentivar a utilização de embalagens não reutilizáveis, sendo o seu custo equivalente ao necessário para promover esses objetivos (conclusões “2.” e “27.” a “30.”). Assim, a Recorrente não concorda que tenha sido violado esse princípio, dentro do enquadramento normativo que lhe foi dado na sentença e em qualquer das suas vertentes. E explica porquê. E, ao fazê-lo, revela inequivocamente como é que entende que o princípio em causa deve ser densificado e como é que a situação dos autos se lhe deve subsumir. Pelo que a Recorrida não tem razão ao concluir que a Recorrente não ataca minimamente a sentença recorrida e não lhe aponta vício algum. Reconheça-se que as doutas alegações de recurso poderiam ser mais assertivas na identificação das razões de discordância com o decidido em primeira instância. Mas como a falta de assertividade não impediu – no caso – a sua apreensão e o seu alcance, deve concluir-se que não existe obstáculo ao conhecimento do recurso. Improcede, assim, a primeira questão prévia, ficando prejudicado o conhecimento da segunda. (…) 4. Vem suscitada no presente recurso a questão de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que o tributo identificado nos autos como “ecotaxa” viola o princípio da equivalência, corolário do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição. O tribunal de primeira instância concluiu que o tributo em causa violava aquele princípio porque não abrangia todos os produtores de embalagens reutilizáveis, pelo que o valor da prestação tributária que é chamado a suportar não pode equivaler à sua contribuição para o custo administrativo com a gestão de resíduos de embalagens. Mas também porque a remuneração dos custos administrativos com a gestão de resíduos ou embalagens é assegurada por outro meio (através do denominado programa “SIGRE”), não estando sequer demonstrada a existência de outros custos que devam ser compensados. Ou seja, o tribunal de primeira instância concluiu, por um lado, que não há (não pode haver) equivalência económica entre a prestação tributária e a prestação administrativa, porque o seu montante não corresponde à sua parte dos custos que lhe cabia suportar. E concluiu, por outro lado, que não há sequer equivalência jurídica, porque não existe tampouco uma prestação administrativa que importe compensar. Deve observar-se desde já que, ao pôr em causa a própria existência de uma contraprestação administrativa, o tribunal de primeira instância não estava a apontar à legitimidade de um tributo comutativo, mas à própria existência desse tributo como um tributo comutativo. Na verdade, se um tributo não tem sequer no seu pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo pudesse ser causador ou beneficiário, não podemos ter mais do que uma bilateralidade aparente. E um tributo que não possa ser considerado bilateral nunca pode ser um tributo comutativo. Não passa de um imposto. Assim, o tribunal de primeira instância não extraiu todas as consequências do que ele próprio concluiu, visto que não corrigiu adiante a conclusão a que tinha chegado a montante: a de que a “ecotaxa” era uma contribuição financeira. De todo o modo, a Recorrente veio pôr em causa o julgamento efetuado em primeira instância, quer na parte em que apreciou a existência de equilíbrio entre as prestações (equivalência económica), quer na parte em que apreciou a própria existência ou conexão entre da prestação administrativa e a prestação tributária (equivalência jurídica). Porque o que a Recorrente veio dizer, no fundo, é que estamos perante um tributo de cariz ambiental. E que, num tributo com estas características, a prestação tributária não contrapõe a uma prestação administrativa: contrapõe ao desempenho ambiental do próprio sujeito passivo. É por isso que a Recorrente consente que a taxa seja considerada uma contribuição: na sua perspetiva, o tributo retribui ou compensa a pegada ecológica do sujeito passivo e equivale ao necessário para induzir comportamentos que adiram aos objetivos de política ambiental. Assim sendo, são duas as questões fundamentais a decidir, uma questão de qualificação e outra de legitimidade constitucional. A questão de qualificação consiste em saber se a “ecotaxa” é um tributo ambiental cobrado em função de uma atividade poluente do sujeito passivo e correspondendo o seu montante a um determinado custo ambiental. A questão de legitimidade consiste em saber se, em caso afirmativo, o valor da prestação tributária equivale ao dano ambiental causado. A primeira questão tem precedência lógica sobre a segunda, pelo que dela conheceremos no ponto seguinte. 5. Para respondermos à questão de saber se estamos perante um tributo ambiental importa primeiro responder à questão de saber se existe uma categoria tributária com essa designação. Na resposta a esta questão perfilam-se duas posições antagónicas. De um lado, a posição segundo a qual estes tributos não têm qualquer autonomia conceitual ou estrutural, existindo apenas fenómenos de extrafiscalidade em tributos ordinários, traduzidos na sua instrumentalização e alocação a finalidades que lhes são estranhas. Neste enquadramento, não existe aquilo que se designa de «verdadeiros tributos ambientais». A existirem instrumentos que tenham como fundamento exclusivo ou principal a realização de objetivos ecológicos, eles estão fora do sistema. Em última análise, nem merecem ser qualificados de tributos. De outro lado, temos a posição segundo a qual estamos perante tributos com especificidades próprias tais que não permitem sequer o seu enquadramento nos limites constitucionais do direito tributário, devendo ser recambiados para o direito económico, onde devem também ser procuradas as respostas para os respetivos problemas de legitimação. Nesta perspetiva, tende a distinguir-se os verdadeiros e os falsos tributos ambientais. Os primeiros, também designados de tributos ambientais em sentido estrito ou próprio, são os que têm como finalidade a preservação do meio ambiente. Na sua eficiência máxima, não geram receita alguma. Os segundos, também designados de tributos ambientais em sentido lato ou impróprio, são os que têm uma finalidade de captação de receitas que são alocadas a objetivos ambientais. Da atual Lei de Bases da Política do Ambiente (Lei n.º 19/2014, de 14 de abril, doravante identificada pela sigla “LBPA”), já em vigor ao tempo da liquidação impugnada, deriva que se pretendeu integrar nos instrumentos económicos e financeiros da política do ambiente todos os tributos dirigidos ao cumprimento de objetivos ambientais (nomeadamente as taxas ambientais e outras figuras tributárias que o legislador se dispensou de elencar, mas que enquadrou na «fiscalidade ambiental»), definindo princípios e regras com o propósito manifesto de construir um regime sectorial para a tributação ambiental – ver as alíneas c) e e) do n.º 2 do seu artigo 17.º. Com este alcance, tendemos a assumir que faz sentido, no contexto normativo já vigente à data da liquidação impugnada, falar de um domínio sectorial do direito tributário, que poderá ser designado de direito tributário ambiental. Não se trata, porém, de um domínio sectorial em que habitem categorias tributárias com uma natureza ou com uma estrutura próprias. Na verdade, decorre deste regime que não se pretendeu romper com as características fundamentais das figuras do direito tributário clássico, mas apelar às características e finalidades prototípicas destes tributos e sobrepor-lhes as especialidades próprias da tributação ambiental. A ideia de que o principal elemento distintivo dos tributos ambientais seria a sua componente contramotivadora não tem respaldo no atual panorama legislativo. Porque decorre do artigo 17.º da LBPA que todos os tributos ambientais são instrumentos financeiros da política do ambiente. A sua finalidade principal é (sempre) a de financiar as políticas do ambiente e não direcionar comportamentos (ainda que possa contribuir para tal, indireta ou complementarmente). Atualmente, o principal elemento distintivo dos tributos ambientais é a sua vinculação às políticas do ambiente: devem ter como pressuposto um comportamento sinalizado pelas políticas do ambiente para a utilização de instrumentos tributários e devem ter como finalidade o financiamento de soluções que estimulem o cumprimento de objetivos ambientais. Resulta do artigo 1.º do Decreto Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril, que a taxa ambiental pela utilização de embalagens não reutilizáveis na Região Autónoma da Madeira, denominada de “ecotaxa”, toma no seu pressuposto a «utilização de embalagens não reutilizáveis» na colocação de certos produtos no mercado. Sendo que as «embalagens não reutilizáveis» são há muito consideradas fontes de resíduos ambientais e a sua utilização vem sendo considerada um comportamento poluente suficientemente significativo para ser submetido a medidas de política ambiental tanto pela legislação nacional específica (em especial, a Portaria n.º 29-B/98, de 15 de janeiro, entretanto revogada pela alínea i) do n.º 1 do artigo 103.º do Decreto-Lei n.º 152-D/2017) como pelo Plano Regional da Política do Ambiente. Assim, a «utilização de embalagens não reutilizáveis» pelos operadores económicos deve ser considerada uma atividade poluente com relevo para a utilização de instrumentos tributários na área ambiental. Resulta também destes diplomas que os operadores económicos que utilizam estes produtos são responsáveis financeiramente pelos custos de gestão dessas embalagens e de resíduos de embalagens tendo em vista, além do mais, responder às «exigências em matéria de proteção do ambiente». De acordo com o preâmbulo do diploma que criou o tributo em causa, pretendeu-se criar um instrumento essencial da política ambiental que servisse, de um lado, para a redução de resíduos e redução dos respetivos custos de gestão. E, de outro lado, para onerar os comportamentos que, nessa área, causem desgaste ou prejuízos ambientais. Assim, a “ecotaxa” foi criada para o prosseguimento de uma política típica da fiscalidade ambiental. Que se traduz, de um lado, em desonerar as boas práticas na área da gestão de resíduos ambientais. E, de outro lado, em onerar financeiramente as práticas mais poluentes. Pelo que a “ecotaxa” deve ser considerada um tributo ambiental. Não devendo, porém, os tributos ambientais serem considerados figuras estruturais atípicas, ligadas ao domínio económico, também não devemos dispensar-nos da sua categorização dentro das figuras tributárias tradicionais. Até porque a qualificação dos tributos na ordem jurídica tributária não cumpre apenas uma função de organização ou de enquadramento sistemático, mas também uma função de garantia ou de delimitação dos poderes tributários das entidades públicas. A nosso ver, a “ecotaxa” não deve ser qualificada como um tributo ambiental comutativo (seja ele uma taxa ou uma contribuição ambiental). Fundamentalmente, porque o seu custo não remunera nenhum serviço prestado na área do ambiente e de que o operador económico seja efetivo ou presumido causador ou beneficiário. Dizendo de outro modo: a “ecotaxa” não toma no seu pressuposto de facto nenhuma prestação administrativa. Toma no seu pressuposto a introdução no consumo de certos produtos, que não inclui nem implica a realização de qualquer prestação pública. Pelo que lhe falta, desde logo, o que se designa de bilateralidade formal. É verdade que, ao onerar certos operadores económicos que introduzem no consumo certos produtos considerados ambientalmente nocivos, o legislador parece querer isolar um grupo de contribuintes que tem em comum a especial proximidade a um determinado custo ambiental (responsabilidade de grupo). Não se trata, porém, de assumir ou presumir que esses operadores são os causadores desses custos ambientais. Até porque é reconhecido que estamos perante formas de contaminação ambiental denominada “acumulativa” ou “em cadeia”, resultante da conjugação de fatores ou da comparticipação de vários agentes ao longo da cadeia de consumo. Não é por acaso que se admite, no artigo 7.º do Decreto Legislativo Regional n.º 8/2012/M que a “ecotaxa” seja repercutida aos clientes dos operadores económicos: é porque se sabe que estes são corresponsáveis (ou responsáveis últimos) pelo impacto ambiental das embalagens, na medida em que renunciem à sua colocação nos pontos de recolha para reciclagem. O que sucede é que se considera boa política ambiental imputar esses custos ambientais no ponto da cadeia de contaminação em que o número de operadores económicos seja menor e em que o controlo da sua atividade seja mais fácil. É também verdade que, ao onerar esses operadores económicos com tais tributos, o legislador promove também a internalização de certos efeitos económicos que possam ser imputados à sua atividade, nomeadamente os que se reflitam na implementação de boas práticas ambientais, como serão todas as que promovam a descontaminação do meio ambiente. Em certo sentido, estabelece-se aqui uma relação de compensação entre os que poluem e os que despoluem ou recuperam o ambiente. Mas não cremos que se possa afirmar que esses operadores económicos sejam os diretos ou presumidos beneficiários das boas práticas ambientais. Não em medida diversa do benefício que delas recolhe toda a comunidade, ao usufruir de um bom ambiente. Tal só sucederia, a nosso ver, se estivesse em causa o financiamento de serviços de recolha e de tratamento de resíduos direta ou presumidamente relacionados com a atividade desses operadores (como sucederia com o programa “SIGRE” mencionado nos autos). Decerto que a compensação de boas práticas ambientais poderia servir para estruturar uma relação de comutatividade orientada especificamente para estes tributos, se fosse de atribuir-lhes também uma natureza estruturalmente distinta. Isto é, se fosse de conceber os tributos ambientais como figuras estruturadas para «comutar» danos ambientais. Mas não foi essa a opção do legislador. No atual figurino legislativo, os tributos ambientais não são instrumentos de compensação ambiental. Esse papel é atribuído aos instrumentos administrativos que permitem às entidades públicas impor aos operadores económicos soluções de engenharia que compensem os danos ambientais previstos antes do início da atividade. [ver a alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º da LBPA]. De recordar que os tributos ambientais também não são dirigidos para a alteração de comportamentos ambientais (embora possam contribuir indiretamente para tal). Esse papel é atribuído aos denominados instrumentos de desempenho ambiental, isto é, aos instrumentos de política do ambiente que incentivam a adoção de padrões de produção e consumo sustentáveis e estimulam a oferta e procura de produtos de conceção ecológica e atividades e serviços com impacto ambiental cada vez mais reduzido. Estão previstos no artigo 20.º da LBPA. Os tributos ambientais são instrumentos financeiros equivalentes aos demais tributos, embora dirigidos ao financiamento de certas políticas do Estado e das entidades públicas na área do ambiente. Políticas que se traduzem em onerar as atividades poluentes e desonerar, em compensação, o que se designa de «boas práticas ambientais» e de que a coletividade no seu todo possa beneficiar. Pelo que só devemos reconhecer a existência de uma relação de comutatividade, para este efeito, quando possa ser estabelecida entre a prestação tributária, de um lado, e alguma prestação pública concretamente considerada, do outro lado. Não sendo um tributo ambiental comutativo, a “ecotaxa” só pode ser um imposto. Tem cabimento na alínea e) do n.º 2 do artigo 17.º da LBPA que, na essência, prevê e regula os instrumentos fiscais na área ambiental. 6. Assumida a qualificação da “ecotaxa” como um tributo ambiental e efetuado o seu enquadramento na categoria tributária dos impostos, importa agora decidir se estamos perante um imposto desigual. Como se sabe, o problema central do princípio da igualdade tributária reside na identificação e validação do critério de comparação. Assim, estando em causa um imposto ambiental, a primeira questão que se coloca é a de saber se este domínio sectorial reclama a utilização de um critério específico na repartição dos encargos tributários respetivos. Como está bem de ver, a resposta a esta questão depende da autonomia conceitual e estrutural que lhes for atribuída. Assim, parece lógico que a repartição de encargos de um imposto configurado especificamente para a adoção ou proibição de comportamentos na área ambiental não se faça comparando o poder económico dos destinatários mas os respetivos desempenhos ambientais. Sucede que - como referimos já - o legislador não pretendeu romper com as características e funções típicas das figuras tributárias clássicas no desenho das figuras tributárias ambientais, mas aproveitar e adaptar o quadro normativo já instituído pelo direito tributário, alocando-o às finalidades próprias da fiscalidade ambiental. Assim sendo, também que não existe fundamento para defender que o legislador tributário, na área ambiental, não se encontre jurídico-constitucionalmente vinculado por idênticos critérios de repartição dos encargos tributários. Ora, o Tribunal Constitucional vem afirmando, de forma reiterada e uniforme, que o critério material de igualdade que melhor se ajusta aos impostos é o da capacidade contributiva. Nos termos do qual um imposto será desigual quando não onera da mesma forma todos os que revelem idêntica capacidade económica para suportar o encargo do imposto. Do mesmo passo, porém, vem o Tribunal Constitucional admitindo que o princípio da capacidade contributiva deve ser compatibilizado com outros princípios com dignidade constitucional, como o princípio do Estado Social, a liberdade de conformação do legislador e certas exigências de praticabilidade e cognoscibilidade do facto tributário. E vem reconhecendo que aquele princípio não se impõe do mesmo modo ou com a mesma intensidade na regulamentação dos vários tipos de impostos. Em particular, nos impostos ditos parcelares e nos impostos especiais do consumo, tem-se entendido que são significativamente menos evidentes as exigências que coloca (ver, por todos, o acórdão n.º 105/2019 que, neste ponto, seguimos de perto). Deve, assim, entender-se que os impostos ambientais – e, em especial, os que se encontrem estruturados para onerar certos grupos de contribuintes – se encontram numa zona de confluência das exigências próprias destes princípios, impondo-lhes uma especial configuração e apontando para a sua compatibilização – ver, de resto, a alínea h) do n.º 2 do artigo 66.º da Constituição. Entre os princípios do Estado Social avulta, com interesse para o caso, o denominado princípio do poluidor-pagador. Foi elaborado inicialmente para constituir um critério de eficiência económica, mas veio depois a ser reconhecido como «um reflexo da dimensão fundamental do clássico princípio da igualdade perante os encargos públicos» (cit. Cláudia Soares, in «O Imposto Ecológico…», pág. 376). É considerado também como um dos princípios materiais do ambiente e encontramo-lo como tal consagrado no n.º 2 do artigo 191.º do Tratado do Funcionamento da União Europeia e na alínea d) do artigo 3.º do da LBPA. No que para aqui importa, tem subjacente a ideia de que as atividades económicas com impacto ambiental geram custos que recaem sobre a esfera económica de terceiros, a quem aquela atividade não aproveita. Assim, é devida àqueles agentes uma tributação que compense esses custos e corrija a desigualdade que constituiria a externalização desse custo, fazendo-o recair sobre a comunidade. Deste modo, o princípio do poluidor-pagador parte de uma ideia segundo a qual quem tem capacidade económica para obter lucro gerando custos ambientais deve ter também capacidade para internalizar esses custos, integrando-os nos seus custos de produção. Havendo que repartir esses custos entre diversos poluidores, como sucede quando nos deparamos com diversos operadores económicos na cadeia de produção ou com a concorrência de múltiplos operadores para a produção do mesmo encargo ambiental, pareceria lógico concluir que cada um deve contribuir na medida em que polui. Todavia, os impostos ambientais colocam desafios significativos, quer no plano da determinação dos comportamentos ambientalmente nocivos, quer no da determinação da expressão económica dos custos ambientais a internalizar. Desde logo, a produção de externalidades ambientais tende a ser detetável ou suscetível de avaliação económica apenas quando nos deparamos com grandes poluidores ou com as atividades mais poluentes. Assim, os impostos ambientais estão entre aqueles em que as exigências de praticabilidade e de cognoscibilidade do facto tributário poderão implicar importantes distorções a este critério básico de repartição dos encargos tributários. Por outro lado, e como já vimos, a eficiência das políticas ambientais depende significativamente da capacidade de atuar sobre os principais focos de poluição e os principais agentes poluentes. Porque é aí que devem ser também concentrados os estímulos às boas práticas ambientais. Finalmente, não pode excluir-se a necessidade de onerar mais os agentes a quem a poluição mais aproveita, mesmo que não sejam os maiores poluentes. Por um lado, por serem aqueles que dela extraem o maior benefício económico, sendo de elementar justiça que sejam também quem mais contribui para o financiamento das boas práticas ambientais. Por outro lado, por serem aqueles que precisam de um estimulo económico superior para optar pelas boas práticas ambientais (sendo que os impostos ambientais também podem contribuir para direcionar comportamentos). Em suma, deve concluir-se que o princípio da capacidade contributiva não se impõe com a mesma intensidade nos impostos ambientais. Mas também que lhe deve ser reconhecida uma configuração especial (que deriva da sua conjugação com o denominado princípio do poluidor-pagador e da introdução de variáveis que obrigam a ponderar razões de praticabilidade e de eficiência, bem como a especial utilidade económica extraída das externalidades ambientais). No caso dos autos, a Impugnante vinha clamando pela violação do princípio da igualdade porque a “ecotaxa” não trata de modo igual todos os operadores que utilizam embalagens não reutilizáveis, chamando a atenção que as consequências ambientais negativas são cientificamente iguais para uma embalagem do mesmo material e do mesmo volume, independentemente do produto embalado. Argumentação que foi acolhida pelo Mm.º Juiz a quo ao referir que não se descortina qualquer razão para a limitação da base de incidência a embalagens não reutilizáveis que contenham cerveja ou outras bebidas alcoólicas, até porque isso leva à tributação de apenas alguns operadores económicos. Que são, desta forma, discriminados «face aos demais, em igualdade de circunstâncias». O que – conclui – é claramente contrário ao princípio da equivalência. É manifesto que todo o raciocínio desenvolvido na douta sentença assenta no pressuposto de que a “ecotaxa” é uma contribuição financeira e que o critério material adequado à repartição encargos respetivos e que deriva do princípio constitucional da igualdade é o que é representado pelo princípio da equivalência. E já vimos no ponto anterior que não é isso que sucede no caso. De qualquer modo, a fiscalidade ambiental não mobiliza como elemento de comparação, na repartição dos encargos respetivos, a unidade de resíduo ou a unidade contaminante. Porque, na fiscalidade ambiental, comparam-se as atividades poluentes, tendo em vista a oneração dos maiores agentes poluidores e considerando-se como tal aqueles cuja atividade económica gera mais encargos ambientais ou os maiores beneficiários da utilidade económica gerada pelas externalidades ambientais, assumindo-se que o poder económico de poluir ou o poder de explorar os recursos ambientais em seu benefício é também, no contexto, o melhor indicador económico da sua capacidade de contribuir. Assim, do facto de este tributo ambiental incluir no seu âmbito subjetivo certos operadores económicos – os sujeitos passivos de imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas (IABA) – não deriva, por si só, qualquer lesão do princípio da igualdade. Porque daí não deriva que não sejam justamente estes produtores os maiores operadores e responsáveis pela poluição ambiental gerada pela utilização de embalagens não reutilizáveis na Região Autónoma da Madeira. Por outro lado, extrai-se do diploma em análise, que se pretendeu aproveitar a informação disponibilizada pelos procedimentos de liquidação do imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas quer para a identificação e monitorização de grandes agentes poluidores, quer para a racionalização dos próprios custos de gestão da “ecotaxa”. Pelo que o legislador regional, usando da liberdade de conformação que a Constituição lhe concede na escolha de soluções legislativas práticas e eficientes, terá acorrido às situações já identificadas onde se encontravam os maiores problemas com a emissão destes resíduos, sem descurar a possibilidade de alargar a outros grandes poluidores que como tal venham a ser identificados pelo Governo Regional, de acordo com o Plano Estratégico de Resíduos, onde são abordados e definidos os vetores de atuação para monitorizar estes comportamentos. A ideia de que qualquer solução que deixe de fora um operador que utilize esse tipo de embalagem constitui um intolerável desvio ao princípio da igualdade tem subjacente a perspetiva de que os tributos ambientais devem ter a base de incidência mais ampla permitida. O que não só pode não ser praticável como pode ter o efeito contrário ao pretendido. Seja ele o de tributar mais os que têm menos condições para investir em práticas menos poluentes ou o de inibir a própria tributação (e, por esta via, as políticas ambientais), por não haver condições para identificar todos os agentes poluidores. Com inegável lesão do princípio da igualdade, visto que daí deriva que o encargo da poluição é da mesma forma distribuído entre todos (os que poluem, os que despoluem e todos os demais), em vez de incidir sobre quem mais o produz ou quem mas dele beneficia. Deve, por isso, concluir-se que não há ou não foram apresentadas razões bastantes para concluir que as normas que definem a incidência da “ecotaxa” violam o princípio da igualdade tributária. E, assim, sendo, a douta sentença recorrida não pode manter-se e deve ser revogada. 7. No ponto III das doutas contra-alegações de recurso e nas alíneas “H)” e seguintes das suas conclusões, a Recorrida veio requerer, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso. De acordo com o disposto no artigo 636.º do Código de Processo Civil, a ampliação do âmbito do recurso abrange os fundamentos em que a parte vencedora tenha decaído. Analisando a douta sentença verifica-se que só ali foram apreciadas as questões de saber se a “ecotaxa” padece de inconstitucionalidade orgânica por violação da reserva de lei formal (invocada nos artigos 40.º a 52.º da petição inicial e decidida nas págs. 27 a 28 da sentença) e de inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade (invocada nos artigos 74.º a 86.º da petição inicial e decidida na sentença a final). Não se conheceu de outros vícios, invocados nos artigos 53.º a 73.º e 87.º a 90.º do mesmo articulado), tendo-se julgado prejudicado o seu conhecimento. E daquelas duas questões apreciadas a ora Recorrida só tinha decaído na primeira. Analisado o âmbito do pedido de ampliação, verifica-se que a Recorrida vem insistir que não existe nenhuma prestação administrativa a remunerar e que, por isso, a “ecotaxa” não pode assumir a natureza de contribuição financeira. Ora, o Supremo Tribunal já respondeu a esta questão no ponto 5 supra, por entender que se encontrava abrangido pelo âmbito do recurso. Estando, assim, prejudicado, nesta parte, o próprio pedido da sua ampliação. Fica a questão de saber se, não devendo a “ecotaxa” ser considerada uma contribuição financeira, mas um imposto ambiental, a Assembleia Legislativa Regional violou o princípio da legalidade tributária em matéria de criação de impostos (alínea “Z)” das conclusões). A esta questão respondemos negativamente. Porque, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição, os órgãos legislativos das regiões autónomas dispõem de poder tributário próprio. E, como se concluiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de novembro de 2018, o poder tributário próprio das Regiões Autónomas inclui o de criar impostos vigentes apenas para a Região, definido as respectivas incidência, taxa, liquidação, cobrança, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes (Processo n.º 046/15.4BEALM, disponível in www.dgsi.pt). É certo que tais impostos terão que incidir sobre matéria não objecto da incidência prevista para qualquer dos impostos de âmbito nacional. E poderia defender-se que isso não sucede no caso porque a “ecotaxa” é exigível no mesmo momento e é liquidada e paga em simultâneo e nos mesmos termos que os legalmente previstos para o IABA. É de notar, porém, que o IABA e a “ecotaxa”, não têm o mesmo âmbito material de incidência e devem ser considerados, para o efeito, dois tributos completamente distintos, sendo este último de âmbito meramente regional. E as modificações introduzidas no método de apuramento e liquidação de modo a acomodar o procedimento de liquidação da “ecotaxa” enquadram sem esforço no poder de adaptar o sistema de tributação nacional às especificidades regionais. Assim sendo, o julgamento de não inconstitucionalidade efetuado em primeira instância deve, nesta parte, ser confirmado, ainda que com uma distinta fundamentação.». Sendo as questões ali apreciadas em tudo idênticas às que vêm suscitadas nos presentes autos e devendo ser assegurada a uniformidade da jurisprudência no seu julgamento, resta apenas fazer aplicação do exposto aos presentes autos, o que significa conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos para apreciação das questões cujo conhecimento foi considerado prejudicado e se nada mais a tal obstar. *** 3. As conclusões do presente recurso serão as do sumário do acórdão para que acima se remeteu e que a seguir se reproduzem também: «(…) I. A taxa ambiental pela utilização de embalagens não reutilizáveis na Região Autónoma da Madeira, criada pelo Decreto Legislativo Regional n.º 8/2012/M, de 27 de abril, tem a natureza jurídica de um imposto ambiental; II. Nos impostos ambientais, o princípio da igualdade tributária concretiza-se compatibilizando o princípio da capacidade contributiva e certos princípios do Estado Social, como o princípio do poluidor-pagador, e levando em conta certas exigências de praticabilidade e de cognoscibilidade do facto tributário; III. Não está demonstrada a violação do princípio da igualdade tributária se, incidindo um imposto ambiental apenas sobre certos operadores económicos que utilizam embalagens não reutilizáveis, não estiver em causa que são os maiores produtores desses resíduos na Região Autónoma; IV. O poder tributário próprio das Regiões Autónomas inclui o de criar impostos vigentes apenas para a Região, definindo as respectivas incidência, taxa, liquidação, cobrança, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes. *** 4. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos para apreciação das questões cujo conhecimento foi considerado prejudicado e se nada mais a tal obstar. Custas do presente recurso pela Recorrida. Lisboa, 3 de maio de 2023. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Isabel Cristina Mota Marques da Silva. |