Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0400/15.1BEFUN
Data do Acordão:03/08/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
ENCARGOS FINANCEIROS
Sumário:I - Apesar de a aquisição de partes de capital e a realização de prestações suplementares constituírem meios de contribuição dos sócios para o reforço do património da sociedade - no caso das SGPS, do património das empresas participadas -, correspondem-lhe obrigações intrinsecamente distintas, consistindo a mais relevante especificidade evidenciada pelas segundas no facto de o valor a restituir pela respectiva realização, quando tal restituição deva ter lugar, não ser nunca superior ao valor nominal das mesmas.
II - A previsão da norma constante do art. 32º nº 2 do E.B.F., na redacção em vigor em 2012, não abrangia os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares, o que implica que nem as prestações suplementares, nem as prestações acessórias que seguem o regime daquelas, constituem partes de capital e que, portanto, a não dedutibilidade de encargos estatuída no artigo 32º nº 2 do EBF apenas se aplica relativamente àqueles que derivarem de financiamentos utilizados para a aquisição de participações sociais.
III - Quando está em causa uma SGPS, serão aceites como custo fiscal os encargos financeiros referentes a crédito obtido para, com ele, a SGPS realizar empréstimos gratuitos às participadas.
Nº Convencional:JSTA000P30698
Nº do Documento:SA2202303080400/15
Data de Entrada:02/08/2023
Recorrente:AT-RAM
Recorrido 1:BANCO 1..., SA - EM LIQUIDAÇÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Processo n.º 400/15.1BEFUN (Recurso Jurisdicional)



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 25-10-2022, que julgou procedente a pretensão deduzida por “Banco 1..., SA”, agora “Banco 1..., SA - Em Liquidação” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (objecto imediato) e da liquidação de IRC n.º 2015 8910000030, referente ao período de 2012, efetuada pelo serviço de Serviços de Finanças de Funchal 1.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A) Tem sido entendimento da AT que quer as prestações suplementares, quer as prestações acessórias de capital constituídas sob o regime de prestações suplementares, incluem-se no regime de mais e menos valias relativas a partes de capital, ficando assim abrangidas pelo regime constante da referida norma, pelo que os encargos financeiros incorridos com o seu financiamento não poderão concorrer para a formação do lucro tributável.

B) Com efeito, o conceito de “partes de capital” é um conceito essencialmente utilizado pelas regras contabilísticas, inexistindo qualquer definição no Direito Comercial, no Direito das Sociedades ou no Direito Fiscal, ramos do direito que utilizam o conceito contabilístico sem, no entanto, o definir;

C) A orientação da Comissão de Normalização Contabilística, encontra-se expressa no ofício n.º 8/97 de 29.01, segundo a qual as prestações suplementares se integram nas partes de capital e devem ser contabilizadas pela sociedade participante em subdivisão específica da sub conta POC 411 - Partes de Capital e na esfera da entidade participada na conta 53 - Prestações Suplementares;

D) O Centro de Estudos Fiscais (CEF), embora sobre a aplicação do n.º 5 (ex n.º 7 entretanto revogado) do artigo 23.º do CIRC, emitiu o Parecer 32/2010, tendo propugnado que “quer as prestações suplementares quer, bem assim, as prestações acessórias que se encontrem submetidas a um regime similar, partilhando, portanto, as mesmas características essenciais, devem indubitavelmente ser qualificadas como elementos do capital próprio”;

E) O que é, aliás, confirmado pela Norma Internacional de Contabilidade 32 «Instrumentos Financeiros: Apresentação», onde se define passivo financeiro como, nomeadamente, “qualquer passivo que seja: a) uma obrigação contratual: i) de entregar dinheiro ou outro ativo financeiro a uma outra entidade, ou ii) de trocar ativos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade em condições que sejam potencialmente desfavoráveis para a entidade;” e instrumentos de capital próprio “qualquer contrato que evidencie um interesse residual nos ativos de uma entidade após a dedução dos seus passivos” (cfr. Parágrafo 11). Referindo-se que “Uma característica crítica na diferenciação entre um passivo financeiro e um instrumento de capital próprio é a existência de uma obrigação contratual de um participante no instrumento financeiro (o emitente) seja de entregar dinheiro ou outro ativo financeiro ao outro participante (o detentor) seja de trocar ativos financeiros ou passivos financeiros com o detentor em condições que sejam potencialmente desfavoráveis para o emitente” (cfr. parágrafo 17), referindo-se que “Se uma entidade não tiver um direito incondicional de evitar a entrega de dinheiro ou outro ativo financeiro para liquidação de uma obrigação contratual, a obrigação corresponde à definição de um passivo financeiro” (cfr. Parágrafo 19).

F) Daqui resulta claramente que, por força do regime adotado, as prestações suplementares devem ser tidas jurídica e contabilisticamente como integrando os capitais próprios;

G) Mais refere o sobredito Parecer que, “no artigo 23.º, n.º 3 a 5, se utiliza o conceito de partes de capital, que remete para a contabilização na ótica do prestador, correspondendo à designação da conta “411 – Partes de capital” do Plano Oficial de Contabilidade, o qual deve dizer-se não incluía nenhuma conta ou subconta específica para registar as prestações suplementares na contabilidade do prestador, posição esta que corresponde, aliás, à assumida pela Comissão de Normalização Contabilística, através do seu Ofício n.º 8/97, de 29 de Janeiro de 1997”, concluindo que, “em conformidade com os entendimentos já anteriormente sancionados, as prestações suplementares e, bem assim, as prestações acessórias que estejam sujeitas a um regime idêntico, integram o conceito de partes de capital previsto no atual artigo 23.º, números 3 a 5 do Código do IRC”;

H) A relevância fiscal destes investimentos financeiros (a realização de prestações suplementares) implica a sua equiparação às “Partes de capital”, nos termos que vieram a constar expressamente do artigo 42.º n.º 3 do CIRC, na redação introduzida pela Lei 60-A/2005, de 30/12 (atual art. 45.º) e que já decorriam de uma interpretação sistemática da lei (designadamente da inclusão das prestações suplementares no conceito de “entradas de capital” para efeitos do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 21.º do CIRC);

I) Refere a este respeito Sofia Gouveia Pereira (In “Prestações Suplementares no Direito Societário Português”, Principia Publicações, 1ª edição, 2004) que: “tal como a figura se encontra desenhada no atual código das Sociedades Comerciais, somos de opinião de que as prestações suplementares se aproximam mais do capital social do que de um empréstimo dos sócios. Elas constituem, em sentido amplo, uma parte das entradas globais dos sócios. São um capital adicional, que não se integra no capital nominal”;

J) O acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 2011.11.17, no processo 00467/07, quando se refere às prestações suplementares exarou o seguinte: “As prestações suplementares de capital visam objetivos idênticos aos do aumento de capital, sem envolver o formalismo e a responsabilidade deste e daí que, tal como o aumento de capital realizado pela Impugnante foi considerado pela administração tributária na determinação do valor de aquisição, também o devem ser as referidas prestações suplementares.”;

K) A conclusão a retirar é de que as verbas advenientes das prestações suplementares servem para fortalecimento do património social, considerando-se elemento integrante das “partes de capital” e, portanto, as prestações suplementares são tratadas, contabilística e fiscalmente como partes de capital;

L) Neste enquadramento, nos termos do n.º 2 do art. 32.º do EBF, não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital, nas quais se incluem as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares, assim como, os encargos financeiros suportados com a aquisição dessas partes de capital;

M) Ante o exposto, ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, designadamente o disposto no art. 32.º, n.º 2 do EBF.

N) De igual forma é nosso entendimento que a sentença padece de erro de julgamento, consubstanciado na subsunção do direito ao caso concreto, no que concerne indispensabilidade e consequente dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com as prestações acessórias a participadas, para a formação do lucro tributável, à luz do artigo 23.º do CIRC.

O) Ora, julgamos que deverá prevalecer o entendimento vertido nos tribunais superiores sobre esta matéria, segundo o qual estes gastos são excluídos da formação do lucro tributável,

P) De que são os exemplos o Acórdão do TCA Sul, exarado no âmbito do processo n.º 05251/11, de 24.04.2012, segundo o qual “Tendo a sociedade dominante deliberado efetuar prestações acessórias de capital com o regime das prestações suplementares nas suas associadas para, além do mais, reforçar o seu capital social, os encargos relativos aos empréstimos contraídos para o efeito, porque diretamente conexionados com o exercício da atividade das associadas, constitui um custo fiscal destas, que não da sociedade dominante”,

Q) ou, ainda, o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo 01046/05, de 07.02.2007, mediante o qual “Não constituem custos de uma sociedade, nos termos do artigo 23.º do CIRC, os encargos por si suportados com empréstimos bancários contraídos para fazer face a prestações acessórias efetuados a uma sociedade sua associada pelos quais não cobrou quaisquer juros”.

R) Tudo visto, não nos restam dúvidas que a sentença ora recorrida padece de erro de julgamento sobre a matéria de direito, designadamente por errada interpretação e subsunção ao caso concreto dos normativos previstos no n.º 2 do artigo 32.º do EBF e na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC.

S) Termos em que pugnamos pela procedência do presente recurso e pela substituição da decisão por outra que julgue a impugnação improcedente.

Nestes termos, e nos mais de direito cujo douto suprimento se invoca, deve ser julgado procedente o presente recurso e a decisão recorrida ser revogada.

A Recorrida “Banco 1..., SA - Em Liquidação” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“…

A) O processo que deu origem ao recurso em análise tem por objeto o ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») n.º 2015 8910000030, praticado pela Autoridade Tributária na sequência da ação inspetiva realizada ao IRC do exercício de 2012 da sociedade Banco 1..., SA SGPS, S.A., posteriormente incorporada na Banco 1..., SA - Em Liquidação, ora Recorrida.

B) Subjacente a tal acto de liquidação está uma correção, no valor global de € 4.267.113,26, que a Administração tributária realizou ao lucro tributável do exercício de 2012 da mencionada sociedade Banco 1..., SA SGPS, referente aos encargos financeiros suportados por aquela sociedade com a realização de prestações suplementares em sociedades suas participadas.

C) Como o Tribunal a quo identificou na sentença recorrida, a decisão quanto à legalidade de ato de liquidação objeto dos Autos passava (e passa) pela resposta às seguintes questões decidendas:

«i) As prestações suplementares a participadas são ou não qualificáveis como “partes de capital” e, nessa medida, os respetivos encargos financeiros suportados pela Impugnante concorrem ou não para a formação do seu lucro tributável, nos termos do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF)?

iii) Os encargos financeiros suportados pela Impugnante com a realização de prestações suplementares a participadas, são ou não indispensáveis para a formação do lucro tributável da Requerente, nos termos do disposto no artigo 23.º do Código do IRC?» (cf. sentença recorrida).

D) Depois de fixar a matéria de facto relevante e de elencar as normas legais aplicáveis no caso em apreço, o Tribunal a quo analisou a diversa jurisprudência existente quanto à matéria indicada na primeira questão decidenda, tendo concluído que «sendo discernível partes de capital de elementos do capital próprio, resulta que a aquisição de participações sociais se distingue da realização de prestações suplementares».

E) Neste contexto, o Tribunal a quo decidiu que «(…) não existindo motivo para nos afastarmos do entendimento adotado nestes arestos, também aqui se entende que nem as prestações suplementares, nem as prestações acessórias que seguem o regime daquelas, constituem partes de capital e que, portanto, a não dedutibilidade de encargos estatuída no artigo 32.º, n.º 2, do EBF apenas se aplica relativamente àqueles que derivarem de financiamentos utilizados para a aquisição de participações sociais».

F) Quanto à segunda questão decidenda, o Tribunal a quo alicerçou, igualmente, a sua decisão em diversa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, tendo também concluído que «uma operação de financiamento de uma sociedade participada é um ato de gestão da sociedade detentora da participação financeira – no caso, uma SGPS –, consubstanciado no reforço do ativo financeiro, e é também realizado no interesse desta com propósito lucrativo».

G) «Assim sendo [continuou o Tribunal a quo], a concessão de financiamentos gratuitos a sociedades participadas deve ser considerada como efetuada no âmbito da “atividade produtiva”, interesse social e escopo lucrativo da sociedade participante, designadamente quando, como é o caso, esta é uma SGPS», tendo decidido que o ato de liquidação deveria ser anulado por o fundamento invocado pela Fazenda Pública «radicar em errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 23.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC».

H) Apesar de a sentença proferida pelo Tribunal a quo se fundar em jurisprudência pacífica quanto a ambas as questões decidendas, a Fazenda Pública recorreu da mesma, por considerar que esta «padece de erro de julgamento sobre a matéria de direito, porquanto faz uma errónea subsunção do caso concreto ao direito aplicável, designadamente no n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e da alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, na redação vigente em 2012» (cf. ponto 5. das alegações de recurso).

I) Sucede que as alegações e conclusões apresentadas pela Fazenda Pública não têm sustentação legal e colidem frontalmente com a jurisprudência reiterada existente sobre as matérias em apreço, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.

J) Quanto à inaplicabilidade do n.º 2 do artigo 32.º do EBF aos encargos financeiros suportados por SGPS’s com a realização de prestações suplementares em sociedades suas participadas, importa salientar que o entendimento sufragado pela Recorrida e pelo Tribunal a quo consta de várias decisões singulares e coletivas proferidas em ações arbitrais, nas quais reiteradamente se conclui pela impossibilidade de subsunção de prestações suplementares ou de prestações acessórias no conceito de partes de capital e se confirma, em consequência, a inaplicabilidade do regime legal consagrado no n.º 2 do artigo 32.º do EBF aos encargos financeiros suportados por SGPS’s com a realização de prestações suplementares nas suas participadas.

K) Neste sentido, vejam-se, em particular, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 9/2012-T, n.º 69/2012-T, n.º 12/2013-T, n.º 24/2013-T, n.º 39/2013-T, n.º 80/2013-T, n.º 113/2013-T, n.º 326/2015-T e n.º 246/2016-T n.º (todas disponíveis em www.caad.org.pt).

L) Também em outro aresto, em que foi árbitra presidente a Exma. Senhora Conselheira FERNANDA MAÇÃS, observou-se, em termos derradeiros, que «A redação vigente do art. 32.º, 2 do EBF, à data dos factos, não afasta a relevância, para a formação do lucro tributável, dos encargos financeiros suportados com prestações suplementares – prestações essas que se enquadrariam nas "outras componentes do capital próprio" a que se referia (e refere) o art. 45.º do CIRC, e não nas "partes de capital" a que se restringia a redação do art. 32.º, 2 do EBF» (cf. acórdão proferido em 17 de junho de 2016, no processo n.º 631/2015-T, disponível em www.caad.org.pt).

M) A jurisprudência acima indicada encontra-se em linha com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, bem como dos Tribunais Centrais Administrativos.

N) Atenta a relevância para o caso em apreço, importa recordar o que foi deliberado no Acórdão de 16/09/2020, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0954/13.7BEPRT, em que foi Relator o Senhor Conselheiro JOAQUIM CONDESSO e que aqui se reproduz:

«I - Na lei comercial as prestações suplementares encontram-se previstas e reguladas nos artºs.210 a 213, do Código das Sociedades Comerciais, cumprindo realçar que estas têm sempre por objecto dinheiro, não vencem juros e a sua existência deve estar consagrada pelo contrato de sociedade. As prestações suplementares constituem um possível meio de fortalecimento do património social, necessário ao desenvolvimento da actividade da sociedade, embora sem a rigidez da pura prestação (aumento) de capital, da qual se diferenciam. Ou seja, consubstanciam um instrumento de financiamento societário sem custos (contrariamente aos suprimentos que, na maioria dos casos, pressupõem remuneração) e sem a notada "rigidez" do aumento de capital. Em sede de sociedades anónimas, a existência de prestações suplementares é também admissível, desde que respeite o regime previsto para as sociedades por quotas nos citados artºs.210 a 213, do C.S.Comerciais, através de aplicação analógica.

II - Para a contabilização das prestações suplementares, o POC previa a conta “53 - Prestações suplementares” e, de acordo com as notas explicativas respectivas, esta conta deveria ser utilizada em conformidade com o previsto no Código das Sociedade Comerciais (cfr.artº.210, do C.S.C.). Por sua vez, a conta “51 - Capital”, respeitava ao capital nominal subscrito, incluindo aumentos de capital, também de acordo com a explicação fornecida pelo POC. A separação entre as contas e as notas explicativas referidas, não deixam margem para dúvidas de que no POC o termo capital, quando referido a sociedades, tinha como significado o seu capital nominal, que capital nominal e prestações suplementares eram realidades assumidas contabilisticamente como distintas e que, relativamente a ambas as realidades, se acompanhava a terminologia e o regime estabelecido no C.S.Comerciais.

III - A previsão da norma constante do artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais, na redacção em vigor em 2009, não abarcava os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares, encargos estes que não eram abrangidos pela expressão "partes de capital"».

O) Também o Tribunal Central Administrativo Norte veio expressar idêntico entendimento no Acórdão de 20/01/2022, proferido no processo n.º 00577/14.3BEPRT.

P) É, portanto, evidente que deve ser negado provimento ao recurso, sendo confirmada a sentença recorrida, por a mesma não se encontrar ferida dos vícios que a Recorrente lhe pretende imputar.

Q) A Recorrida não pode, ainda, deixar de salientar que a Fazenda Pública não desconhece a jurisprudência reiterada sobre esta matéria (tanto mais que a mesma foi invocada pela Recorrente nos seus articulados e consta da sentença recorrida), pelo que é inexplicável o entendimento vertido no seu recurso e repreensível a sua postura processual.

R) Com efeito, quer a Administração tributária, quer a Fazenda Pública se encontram vinculadas aos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público.

S) Ora, não tendo a posição vertida no seu recurso qualquer assento na letra e no espírito da lei e existindo jurisprudência reiterada em sentido inverso, a persistência da litigância neste assunto em particular, em que a possibilidade de obtenção de uma decisão favorável se antecipa como altamente improvável, é atentatória do princípio da defesa do interesse público.

T) Também no que se refere à segunda questão decidenda é evidente que os encargos financeiros suportados pela Banco 1..., SA SGPS para a realização de prestações suplementares às suas participadas eram dedutíveis ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC, pelo que deve ser negado provimento ao recurso.

U) A este propósito, recorda-se que a Fazenda Pública invocou diversa jurisprudência existente sobre a questão da dedutibilidade de gastos com encargos financeiros para efetuar prestações suplementares, mas que manifestamente não se aplicam nas situações em que a entidade que suportou tais encargos é uma SGPS.

V) De resto, mesmo no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo citado pela Fazenda Pública, é indicado que «os custos previstos naquele artigo 23.º têm de respeitar desde logo à própria sociedade contribuinte, isto é, para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respetiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades». E é também dito que «As quantias controvertidas correspondem a juros de empréstimos bancários contraídos pela recorrente e aplicados no financiamento gratuito de uma sociedade sua associada. Tais verbas não estão, pois, diretamente relacionadas com qualquer atividade do sujeito passivo inscrita no seu objeto social, que é a fabricação de azulejos e não a gestão de participações sociais ou financiamento de sociedades de risco» (cf. cit. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 07/02/2007, proferido no processo n.º 01046/05; o destacado é da Recorrida).

W) Por conseguinte, estando em causa nos presentes autos encargos financeiros suportados pela Banco 1..., SA SGPS, sociedade que tinha por objeto a gestão de participações sociais, é óbvio que os encargos financeiros suportados pela Banco 1..., SA SGPS para a realização de prestações acessórias em sociedades participadas teriam que ser considerados como dedutíveis ao abrigo do disposto no artigo 23.º do Código do IRC.

X) Aliás, como bem apontou o Tribunal a quo, este Supremo Tribunal Administrativo afirmou, expressamente, num dos seus Arestos que «O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, quando está em causa uma SGPS, serão aceites como custo fiscal os encargos financeiros referentes a crédito obtido para, com ele, a SGPS realizar empréstimos gratuitos às participadas. O objecto social de gestão de participações sociais significa que uma empresa adquire ou aliena participações sociais de uma outra empresa e exerce actividade comercial, utilizando única e exclusivamente o poder de decisão sobre «a vida da empresa participada» que o valor das acções de que é titular lhe possam conferir. Isto é, se a empresa participada deve adquirir acções de outra sociedade, se deve contrair empréstimos para realizar tais aquisições, a SGPS tem o poder de concordar, votando favoravelmente tais decisões. Isto insere-se no objecto social de uma SGPS» (cf. Acórdão de 28/02/2018, proferido no processo n.º 01206/17).

Y) Este entendimento jurisprudencial tem, aliás, vindo a ser sucessivamente repetido pelo Supremo Tribunal Administrativo, como se realça no Acórdão de 10/06/2021, proferido no processo n.º 03109/15.2BESNT, onde foi Relator o Senhor Conselheiro GUSTAVO COURINHA. Nesse Aresto, foi explicitado o seguinte: «(…) a jurisprudência deste Supremo Tribunal, embora se inclinando a considerar como não dedutíveis os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo grupo sempre que não sejam debitados às entidades beneficiárias, abre uma cabal exceção para os casos em que estejam envolvidos empréstimos de uma SGPS às sociedades por si participadas, atento o respectivo objeto social» (destacado da Recorrida). O mesmo foi também defendido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/09/2021, proferido no processo n.º 066/14.6BESNT 01173/17.

Z) Também o CAAD tem sido unânime nesse entendimento, como se pode observar nos acórdãos proferidos pelo Tribunal Arbitral nos processos n.º 326/2015-T e n.º 631/2015-T.

AA) Dito isto, é evidente que não assiste razão à Fazenda Pública e que o entendimento que esta apregoa, não só não encontra respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo - como enganadoramente se pretende fazer crer no recurso -, como, para além disso, tem sido sucessiva e reiteradamente afastado pelos Tribunais (cf. arestos acima citados).

BB) De facto, uma vez mais se observa que a Fazenda Pública não olvida a jurisprudência que existe por referência a situações em que os encargos financeiros foram assumidos por SGPS, mas escolhe, estratégica e deliberadamente, invocar os Acórdãos proferidos quanto a encargos financeiros suportados por sociedades com outra atividade/objeto.

CC) Em suma, deve ser negado provimento ao recurso - por ser total e ostensivamente desprovido de fundamento - e ser confirmada a sentença recorrida com as demais consequências legais.

Termos em que,

Deve ser negado provimento ao Recurso apresentado pela Fazenda Pública e ser confirmada a sentença recorrida, só assim se fazendo a costumada justiça.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em analisar o invocado erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, designadamente o disposto no art. 32.º, n.º 2 do EBF, em função do entendimento da AT de que quer as prestações suplementares, quer as prestações acessórias de capital constituídas sob o regime de prestações suplementares, incluem-se no regime de mais e menos valias relativas a partes de capital, ficando assim abrangidas pelo regime constante da referida norma, pelo que os encargos financeiros incorridos com o seu financiamento não poderão concorrer para a formação do lucro tributável e ainda apreciar a matéria da indispensabilidade e consequente dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com as prestações acessórias a participadas, para a formação do lucro tributável, à luz do artigo 23.º do CIRC no sentido de que estes gastos são excluídos da formação do lucro tributável.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A) Na sequência da Ordem de Serviço n.º OI201400133, de 19/03/2014, a sociedade Banco 1..., SA SGPS, S.A foi alvo de uma ação inspetiva, relativa ao período de tributação de 2012 (cf. relatório de inspeção tributária junto como documento n.º 1 com a petição inicial).

B) Em 2012, a sociedade Banco 1..., SA SGPS, S.A era uma sociedade anónima que tinha por objeto exclusivo a gestão de participações sociais noutras sociedades e exercia, em exclusivo, as funções de holding e de comando estratégico do Banco 1..., SA - Grupo Financeiro, tanto a nível nacional como internacional (cf. relatório de inspecção tributária junto como documento n.º 1 com a petição inicial).

C) A sociedade Banco 1..., SA SGPS, S.A encontrava-se registada, para efeitos fiscais, na área de Serviço de Finanças do Funchal 1, pelo exercício da atividade gestora de participações sociais financeiras, estando sujeita ao regime geral do IRC (cf. relatório de inspeção junto como documento n.º 1 com a petição inicial).

D) Em 17/12/2012, a sociedade Banco 1..., SA SGPS foi incorporada por fusão no Banco 1..., SA -, ora Impugnante (por acordo).

E) Em 27/11/2014, a Impugnante foi notificada do projeto de relatório de inspecção tributária para, querendo, exercer o direito de audição (cf. fls. 70 e verso do PA).

F) A Impugnante não exerceu o direito de audição (cf. fls. 3 e 21/22 do relatório de inspeção).

G) Através do ofício n.º 4595, de 22/12/2014, a Impugnante foi notificada do relatório de inspeção, em 31/12/2014 (cf. fls. 39 a 41 do PA).

H) Do referido relatório de inspeção consta, entre o mais, o seguinte:

[IMAGEM]

(…)

[IMAGEM]

(…)”
(cf. relatório de inspeção tributária junto como documento n.º 1 com a petição inicial).
I) Em 08/01/2015, a Impugnante foi notificada da liquidação n.º 2015 8910000030, da demonstração de liquidação de IRC n.º 2015 00000281641, emitida em 05/01/2015 e da demonstração de acerto de contas (cf. documento n.º 2 junto com a petição inicial e fls. 56 do PRG).
J) Em 06/05/2015, a Impugnante apresentou reclamação graciosa (cf. 2 a 54 do PRG - Procedimento de Reclamação Graciosa).
K) Por ofício 2201 de 02/07/2015, a Impugnante foi notificada para exercer o direito de audição quanto ao projeto de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (cf. fls. 68 do PRG).
L) Em 21/07/2015, a Impugnante apresentou o direito de audição (cf. fls. 70 a 83 do PRG).
M) Por despacho de 31/07/2015, proferido pelo Diretor Unidade dos Grandes Contribuintes, foi mantido o indeferimento da reclamação graciosa (cf. fls. 85 a 88 do PRG).
N) Em 31/07/2015, a Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada (cf. fls. 89 e 90 do PRG).
Factos não provados:
Com relevância para a decisão da causa, inexistem factos a dar como não provados.
Motivação
O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada com os documentos juntos aos autos e ao processo administrativo na parte em que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (artigos 74.º da LGT e 342.º do Código Civil (CC)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (artigos 76.º, n.º 1 da LGT e 362.º e seguintes do CC) identificados em cada um dos factos.
Conforme foi especificado nas várias alíneas da matéria de facto provada, a decisão da matéria de facto fundamentou-se no exame crítico e conjugado dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, designadamente no relatório de inspeção tributária.
A restante matéria alegada pelas partes, o Tribunal não a julgou provada ou não provada, por ser irrelevante para a decisão da causa ou por constituir alegação conclusiva ou de direito.”

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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de analisar o invocado erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, designadamente o disposto no art. 32.º, n.º 2 do EBF, em função do entendimento da AT de que quer as prestações suplementares, quer as prestações acessórias de capital constituídas sob o regime de prestações suplementares, incluem-se no regime de mais e menos valias relativas a partes de capital, ficando assim abrangidas pelo regime constante da referida norma, pelo que os encargos financeiros incorridos com o seu financiamento não poderão concorrer para a formação do lucro tributável e ainda apreciar a matéria da indispensabilidade e consequente dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com as prestações acessórias a participadas, para a formação do lucro tributável, à luz do artigo 23.º do CIRC no sentido de que estes gastos são excluídos da formação do lucro tributável.


Num primeiro momento, a Recorrente aponta que o conceito de “partes de capital” é um conceito essencialmente utilizado pelas regras contabilísticas, inexistindo qualquer definição no Direito Comercial, no Direito das Sociedades ou no Direito Fiscal, ramos do direito que utilizam o conceito contabilístico sem, no entanto, o definir, sendo que, por força do regime adoptado, as prestações suplementares devem ser tidas jurídica e contabilisticamente como integrando os capitais próprios e a relevância fiscal destes investimentos financeiros (a realização de prestações suplementares) implica a sua equiparação às “Partes de capital”, nos termos que vieram a constar expressamente do artigo 42.º n.º 3 do CIRC, na redacção introduzida pela Lei 60-A/2005, de 30/12 (actual art. 45.º) e que já decorriam de uma interpretação sistemática da lei (designadamente da inclusão das prestações suplementares no conceito de “entradas de capital” para efeitos do disposto na al. a) do n.º 1 do art. 21.º do CIRC), verificando-se que a conclusão a retirar é de que as verbas advenientes das prestações suplementares servem para fortalecimento do património social, considerando-se elemento integrante das “partes de capital” e, portanto, as prestações suplementares são tratadas, contabilística e fiscalmente como partes de capital e, neste enquadramento, nos termos do n.º 2 do art. 32.º do EBF, não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital, nas quais se incluem as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares, assim como, os encargos financeiros suportados com a aquisição dessas partes de capital.
Que dizer?
Desde logo, cumpre notar que a norma em apreço - art. 32º nº do EBF - teve origem na Lei n.º 32-B/2002, de 20-12 (que aprovou o Orçamento do Estado para 2003), correspondendo-lhe, então, o n.º 2 do artigo 31º daquele Estatuto, que foi posteriormente alterado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31-12, tendo sido subsequentemente republicado pelo D.L. nº 108/2008, de 26-06, que procedeu à remuneração dos respectivos artigos, transitando o anterior artigo 31.º para o artigo 32.º e já com a sua nova roupagem - art. 32º nº 2 do EBF, a norma em causa foi novamente alterada pela Lei nº 64-B/2011, de 30-12, tendo sido finalmente revogado pela Lei nº 83-C/2013, de 31-12.
Com referência à matéria que interessa aos presentes autos, importa ter presente que, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 64-B/2011, de 30-12, o artigo 32º nº 2 do EBF dispunha o seguinte:
«As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.»


Como já ficou enunciado, e como resulta do relatório de inspecção tributária (RIT), a AT entende que quer as prestações suplementares quer as prestações acessórias de capital constituídas sob o regime de prestações suplementares se incluem no regime mais e menos valias relativas a partes de capital, ficando abrangidas pelo regime constante do artigo 32º nº 2 do EBF, pelo que os encargos financeiros incorridos com o seu financiamento não poderão concorrer para a formação do lucro tributável.

Pois bem, o conceito de parte de capital refere-se à participação social detida pelos sócios de uma sociedade: «[p]artes de capital (ou participações sociais) é conceito que, inversamente ao que se passa com o conceito de “capital social”, se relaciona com a perspectiva do sócio da sociedade à qual “pertence” o capital social - o sócio “participa em parte desse capital social” » (cf. Fernando Carreira Araújo/António Fernandes de Oliveira, “O Código do IRC e os conceitos de (i) capital, (ii) partes de capital, (iii) prestações suplementares e (iv) créditos pela realização de prestações suplementares”, in Paulo Otero/Fernando Araújo/João Taborda da Gama (Orgs.), Estudos em Memória do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Vol. IV, Coimbra: Coimbra Editora, 2011, pág. 698).
Tal significa que o conceito de parte de capital abrange, assim, o capital social, correspondendo ao quinhão deste detido pelos sócios (quotas ou acções), sendo que as partes de capital são subscritas e realizadas pelos sócios - art. 20º do Código das Sociedades Comerciais, conferindo direito aos lucros (art. 21º nº 1, alínea a)), ao voto (art. 21º nº 1, alínea b)), à informação sobre a vida da sociedade (art. 21º nº 1, alínea c)) e, no caso de liquidação, à partilha do activo (art. 156º), sendo que todas as normas agora apontadas integram o Código das Sociedades Comerciais.
Ora, as partes sociais só são restituíveis verificadas as condições legais e estatutárias, com a saída do sócio da sociedade, verificando-se que em caso de amortização de participações sociais, poderá haver lugar ao reembolso do capital ou ao pagamento de quantia correspondente à quota de amortização (arts. 235º, 346º e 347º do Código das Sociedades Comerciais), além de que os detentores de partes do capital de uma empresa podem aliená-las a qualquer momento, desde que respeitem as regras específicas previstas para os diferentes tipos de sociedades, caso em que as mais-valias originadas pela alienação das partes de capital são, em regra, tributadas (art. 10º nº 1, alínea b) do CIRS).
A partir daqui, temos que o conceito de parte de capital não se confunde a figura das prestações suplementares.
Como se dá nota no Ac. deste Supremo Tribunal de 16-09-2020, Proc. nº 0954/13.7BEPRT (Em que o Relator deste processo teve intervenção como 2º Adjunto), www.dgsi.pt “… As prestações suplementares podem definir-se como entradas em dinheiro realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta, para além do capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes restituídas, as quais não se incluem no capital social da sociedade (cfr. Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2º. Volume, Sociedades Comerciais, AAFDL, 1989, pág.297 e seg.; João Aveiro Pereira, O Contrato de Suprimento, Coimbra Editora, 1997, pág.103 e seg.).
Na lei comercial as prestações suplementares encontram-se previstas e reguladas nos artºs. 210 a 213, do Código das Sociedades Comerciais, cumprindo realçar que estas têm sempre por objecto dinheiro, não vencem juros e a sua existência deve estar consagrada pelo contrato de sociedade. As prestações suplementares constituem um possível meio de fortalecimento do património social, necessário ao desenvolvimento da actividade da sociedade, embora sem a rigidez da pura prestação (aumento) de capital, da qual se diferenciam. Ou seja, consubstanciam um instrumento de financiamento societário sem custos (contrariamente aos suprimentos que, na maioria dos casos, pressupõem remuneração) e sem a notada “rigidez” do aumento de capital. Em sede de sociedades anónimas, a existência de prestações suplementares é também admissível, desde que respeite o regime previsto para as sociedades por quotas nos citados artºs. 210 a 213, do C. S. Comerciais, através de aplicação analógica (cfr. artºs. 210 e 211, do C. S. Comerciais; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª. Edição, Almedina, 1989, pág.235 e seg.; António Meneses Cordeiro e Outros, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3ª. Edição, Almedina, 2020, pág.753; ac.S.T.A-2ª.Secção, 3/06/2020, rec.1018/09.3BELRS; …). …”.
Assim sendo, as prestações suplementares aparentam, pois, ser “uma figura híbrida que, apesar de apresentar elementos análogos aos que integram o aumento de capital ou os suprimentos, contudo, não se identifica com qualquer deles”: embora «façam parte do «património da sociedade», as «prestações suplementares não se integram no seu capital, pelo que não constituem um aumento daquele» (Brás Teixeira, “Notas Dispersas sobre Imposto de Capitais”, Ciência e Técnica Fiscal, 1969, 125º, p. 136), sendo que pelo facto de serem sempre em dinheiro e não poderem ser remuneradas, e pelo regime a que se encontram sujeitas, as prestações suplementares são habitualmente designadas como “quase capital” (Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 5ª ed., Coimbra: Almedina, 2016, p. 386): embora consubstanciem entregas de fundos por meio das quais os sócios contribuem para o reforço do património da sociedade, as prestações suplementares não fazem parte do capital social, nem a sua realização constitui um aumento deste, impondo-se ainda ter presente, no âmbito da distinção apontada, a possibilidade de o direito à restituição de prestações suplementares ser “separado dos outros direitos patrimoniais do sócio, ou por cessão isolada desse direito ou por retenção desse direito pelo cedente da quota” (Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª ed., Coimbra: Almedina, 1989, p. 264): enquanto direito de crédito, o direito ao reembolso é, em princípio, transmissível autonomamente, aplicando-se-lhe o princípio da transmissibilidade dos direitos patrimoniais.
Nesta medida, tem de entender-se que, apesar de a aquisição de partes de capital e a realização de prestações suplementares constituírem meios de contribuição dos sócios para o reforço do património da sociedade - no caso das SGPS, do património das empresas participadas -, correspondem-lhe obrigações intrinsecamente distintas, consistindo a mais relevante especificidade evidenciada pelas segundas no facto de o valor a restituir pela respectiva realização, quando tal restituição deva ter lugar, não ser nunca superior ao valor nominal das mesmas.
No plano contabilístico, e voltando ao citado Ac. deste Supremo Tribunal de 16-09-2020, Proc. nº 0954/13.7BEPRT, www.dgsi.pt “… No Plano Oficial de Contabilidade (POC), aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11, vigente à data dos factos, a expressão "partes de capital" era empregue para designar a subconta 411 da subconta 41 (Investimentos financeiros) da conta 4 (Imobilizações), onde, ao lado das contas "Obrigações e títulos de participação" (412), "Empréstimos de financiamento" (413), "Investimentos em Imóveis" (414) e "Outras aplicações financeiras" (415), deveriam ser registados os investimentos em "partes de capital" na óptica do investidor (sócio).
Já para a contabilização das prestações suplementares, o POC previa a conta "53 - Prestações suplementares" e, de acordo com as notas explicativas respectivas, esta conta deveria ser utilizada em conformidade com o previsto no Código das Sociedade Comerciais (cfr.artº.210, do C.S.C.). Por sua vez, a conta "51 - Capital", respeitava ao capital nominal subscrito, incluindo aumentos de capital, também de acordo com a explicação fornecida pelo POC.

A separação entre as contas e as notas explicativas referidas, não deixa margem para dúvidas de que no POC o termo capital, quando referido a sociedades, tinha como significado o seu capital nominal, que capital nominal e prestações suplementares eram realidades assumidas contabilisticamente como distintas e que, relativamente a ambas as realidades, se acompanhava a terminologia e o regime estabelecido no C. S. Comerciais (cfr. António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, 14ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 1995, pág.545 e 574; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.11 e seg.; …) …”.

Neste ponto, crê-se pertinente acrescentar que o lucro tributável é apurado por referência ao resultado contabilístico, mas com as correcções a que este se encontra sujeito por força das disposições que anulam a relevância de determinados rendimentos ou gastos contabilísticos no plano do apuramento do lucro fiscal, o que envolve as correcções relativas às variações patrimoniais positivas e negativas, em cujo âmbito justamente se inscrevem as normas que consagram benefícios fiscais, além de que a circunstância de as prestações suplementares serem tidas contabilisticamente como capital próprio - isto é, de serem consideradas como “capital próprio” de acordo com o Sistema de Normalização Contabilística - reflecte o facto de os sócios apenas poderem recuperar as quantias empregues se e na estrita medida em que existiam bens na sociedade que não sejam necessários à cobertura do capital social e da reserva legal, bem como o facto de o reembolso das correspondentes quantias dever ser decidido em Assembleia-Geral, o que não significa que as prestações suplementares e as partes do capital social detenham, por essa razão, a mesma natureza, seja económica ou jurídica.

Assim sendo, sabendo que os benefícios fiscais revestem a natureza de medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem, funcionando como factos que, estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude e ainda que as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva, continuamos a acompanhar o exposto, em termos decisivos, no mencionado Ac. deste Supremo Tribunal de 16-09-2020, Proc. nº 0954/13.7BEPRT, www.dgsi.pt, onde se aponta que “… A este título e enquanto elemento sistemático de interpretação, deve trazer-se à colação a previsão da norma constante do artº.42, nº.3, do C.I.R.C., norma onde a referência às prestações suplementares não existia antes da redacção introduzida pela Lei 60-A/2005, de 30/12, alteração legislativa essa com a qual pretendeu explicitar que as prestações suplementares se enquadram entre as "outras componentes do capital próprio", assim se verificando uma extensão da incidência do mesmo preceito (cfr. Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade, Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011, pág.245 e seg.; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.25). Pelo contrário, na norma sob interpretação (artº.32, nº.2, do E.B.F.) nunca o legislador operou a identificada alteração (e teve oportunidades para a realizar - cfr.artº.9, nº.3, do C.Civil). …”, para depois concluir que a previsão da norma constante do art. 32º nº 2 do E.B.F., na redacção em vigor em 2012, não abrangia os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares, o que sanciona a afirmação de decisão recorrida no sentido de que nem as prestações suplementares, nem as prestações acessórias que seguem o regime daquelas, constituem partes de capital e que, portanto, a não dedutibilidade de encargos estatuída no artigo 32º nº 2 do EBF apenas se aplica relativamente àqueles que derivarem de financiamentos utilizados para a aquisição de participações sociais, improcedendo o recurso nesta sede.

A Recorrente insiste depois que a sentença padece de erro de julgamento, consubstanciado na subsunção do direito ao caso concreto, no que concerne indispensabilidade e consequente dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com as prestações acessórias a participadas, para a formação do lucro tributável, à luz do artigo 23.º do CIRC, pois que, deverá prevalecer o entendimento vertido nos tribunais superiores sobre esta matéria, segundo o qual estes gastos são excluídos da formação do lucro tributável.

Neste domínio, resta apenas remeter para o Ac. deste Supremo Tribunal de 06-10-2021, Proc. nº 03109/15.2BESNT, www.dgsi.pt, onde se ponderou que:

“…

Ora, esta questão já foi extensamente analisada e respondida favoravelmente por este Supremo Tribunal em situação que é absolutamente semelhante à presente - envolvendo as mesmas Partes e o mesmo circunstancialismo fáctico e legal, pese embora reportado a exercício fiscal distinto - por acórdão lavrado em 21 de Fevereiro de 2018, no âmbito do Processo n.º 0473/13. E aí se decidiu, em termos lapidares, que: “Ao decidir efectuar participações acessórias de capital a algumas das empresas participadas sem delas receber quaisquer juros e, para fazer esses financiamentos contraiu empréstimos onerosos junto de instituições financeiras, os encargos financeiros suportados por estes empréstimos estão conexionados com a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora da empresa participante que contraiu os empréstimos e pagou os encargos financeiros correspondentes.” (disponível em www.dgsi.pt).

Aliás, a jurisprudência deste Supremo Tribunal, embora se inclinando a considerar como não dedutíveis os encargos financeiros incorridos com vista a fazer face a necessidades financeiras de sociedades do mesmo grupo sempre que não sejam debitados às entidades beneficiárias, abre uma cabal exceção para os casos em que estejam envolvidos empréstimos de uma SGPS às sociedades por si participadas, atento o respectivo objeto social - cfr., além do acórdão anterior, o acórdão do STA de 28 de Fevereiro de 2018, prolatado no Processo n.º 01206/17, onde se pode ler uma rigorosa síntese, segundo a qual: “O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que, quando está em causa uma SGPS, serão aceites como custo fiscal os encargos financeiros referentes a crédito obtido para, com ele, a SGPS realizar empréstimos gratuitos às participadas.

O objeto social de gestão de participações sociais significa que uma empresa adquire ou aliena participações sociais de uma outra empresa e exerce atividade comercial, utilizando única e exclusivamente o poder de decisão sobre «a vida da empresa participada» que o valor das ações de que é titular lhe possam conferir. Isto é, se a empresa participada deve adquirir ações de outra sociedade, se deve contrair empréstimos para realizar tais aquisições, a SGPS tem o poder de concordar, votando favoravelmente tais decisões. Isto insere-se no objeto social de uma SGPS.” - disponível em www.dgsi.pt. …”.

Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas reiterar o que ficou ali consignado, até porque as alegações da Recorrente não têm a virtualidade de colocar em crise o que ficou dito no aresto apontado, o que significa que, nesta altura, a decisão recorrida não merece censura em qualquer das suas vertentes, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.

Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Mais tem vindo a considerar a jurisprudência constitucional que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».
É certo que o juízo de proporcionalidade entre a taxa cobrada e o valor do serviço prestado se apresenta como problemático, pois envolve a ponderação de diversas variáveis, nem todas objectivas. Mas nem por isso o tribunal se pode eximir do mesmo.
Assim, aplicando a referida interpretação normativa ao caso dos autos, ponderada a tramitação dos autos e o comportamento processual da ora Recorrente, mas também o elevado valor da causa (mais de 4 milhões de euros) e a utilidade económica dos interesses a ela associados, a complexidade da questões submetidas a juízo - que se situa na média -, considera-se adequado dispensar a Recorrente e Recorrida do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de € 275.000, apenas sendo, deste modo, a pagar, para além do inicialmente devido, o valor de 10% do dito remanescente, neste Supremo Tribunal Administrativo.
Note-se, finalmente e justificando a dispensa parcial, que a norma do citado n.º 7 do art. 6.º do RCP, referindo apenas a dispensa, deve ser interpretada no sentido de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade.


4.

DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa de ambas as partes do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça, pelo montante superior a € 275.000.

Notifique-se. D.N..

Lisboa, 8 de Março de 2023. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.