Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0448/18.4BELLE |
Data do Acordão: | 06/05/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL APRECIAÇÃO PRELIMINAR |
Sumário: | I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso de revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis). II - É de admitir a revista relativamente à questão de saber se o mérito da questão do reinvestimento enquanto causa de exclusão das mais-valias obtidas com a venda um imóvel, debatida ao longo do procedimento e não relevada na liquidação, por a AT entender não estarem reunidos os respectivos requisitos, não pode ser apreciado judicialmente em sede de impugnação judicial deste acto com o fundamento de que «não apresenta qualquer relação com a fundamentação factual e jurídica do acto cuja legalidade se pretende ver sindicada pelo tribunal». |
Nº Convencional: | JSTA000P32355 |
Nº do Documento: | SA2202406050448/18 |
Recorrente: | AA (E OUTROS) |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 448/18.4BELLE
1. RELATÓRIO 1.1 Os acima identificados Recorrentes, notificados do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 19 de Dezembro de 2023 ( Disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/6cc41c59dfb470f380258a8d004c4479.) – que, concedendo provimento ao recurso interposto pela AT, revogou a sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgara procedente a impugnação judicial por eles deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2014 e, em substituição, julgou parcialmente procedente essa impugnação judicial –, apresentaram requerimento de interposição de recurso excepcional de revista, ao abrigo do disposto no art. 285.º do CPPT. Apresentaram alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «A) Vem a presente revista interposta do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que, conhecendo da apelação interposta pela Fazenda Pública, julgou improcedente o reinvestimento efectuado pelos ora Recorrentes para efeitos de exclusão da tributação. B) A presente revista afigura-se objectivamente útil e necessária para melhor aplicação do Direito e por levantar questões revestidas de relevância social fundamental. C) Por um lado, a matéria em causa foi tratada pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória ou mesmo de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, o que justifica objectivamente a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema, suprindo definitivamente os erros imputáveis exclusivamente às instâncias e, assim, fazendo prevalecer o princípio da capacidade contributiva e o direito à tutela jurisdicional efectiva. D) Por outro lado, a questão em análise, perante a importância do direito em causa e a natureza genérica e corrente do procedimento tributário também em causa, é susceptível de ter o mesmo desfecho administrativo e as mesmas consequências jurídicas negativas num número indeterminável de casos, sendo essencial que o STA defina uma orientação para a apreciação de outros casos, assim se salvaguardando os princípios da justiça e da capacidade contributiva. E) O Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, na medida em que, para fundar a sua decisão de rejeitar o conhecimento do mérito do reinvestimento, estabelece uma ligação directa entre a liquidação impugnada e o relatório da inspecção tributária, ignorando, assim, todo o procedimento tributário que se seguiu à elaboração desse relatório, bem como todo o acervo factual já estabilizado nos autos. F) Ao emitir a liquidação impugnada (18-04-2018), que veio na sequência da segunda declaração oficiosa, a AT proferiu um juízo de improcedência do reinvestimento, pelo que o mesmo se integra na fundamentação do acto impugnado. G) Ademais, poderá extrair-se da fundamentação do acórdão revidendo que a decisão sobre a matéria do reinvestimento tem por base a falta de declaração do reinvestimento, o que, em face dos factos provados nos autos, afronta os princípios da justiça, da tributação do lucro real e da capacidade contributiva, o que se traduz em manifesto erro de julgamento. H) A decisão de rejeitar o conhecimento de mérito da questão do reinvestimento, que se seguiu a uma omissão de pronúncia por parte do tribunal de primeira instância, oneram manifesta e injustificadamente a posição dos Recorrentes, coarctando o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva sobre matéria que impacta directamente com o princípio da capacidade contributiva. I) A questão do reinvestimento – e pretensão de obter a exclusão de tributação por essa via – não foi trazida ex novo aos autos, mas foi formulada pelos Recorrentes aquando da submissão da declaração de substituição de 21-11-2016. J) Não só essa questão foi formulada anteriormente à impugnação judicial, como foi discutida previamente à emissão da liquidação impugnada (de 18-04-2018). K) Tal afirmação decorre inequivocamente do elenco de factos julgados provados, que nunca foram impugnados pela Fazenda Pública e que, por isso, estão assentes. L) A obrigação de declarar a intenção de proceder ao reinvestimento, ou de que o mesmo ocorreu nos 24 meses anteriores à data da realização, não consubstancia um requisito absoluto da exclusão tributária e deve ceder perante os elementos comprovativos do reinvestimento constantes dos autos, prevalecendo a substância sobre a forma e, assim, os princípios da justiça, da tributação do lucro real e da capacidade contributiva. M) No caso dos autos, a falta de declaração do reinvestimento não é susceptível, em face dos elementos que deles constam, de prejudicar o conhecimento dos requisitos substanciais do reinvestimento nem de justificar, a jusante, o indeferimento da exclusão de tributação pretendida. N) Para além do erro de julgamento patente no acórdão recorrido, verifica-se que a AT, ao indeferir o reinvestimento, violou os princípios da legalidade tributária, do inquisitório e da capacidade contributiva. O) Perante os erros da AT e a omissão de pronúncia do tribunal de primeira instância, impunha-se ao Tribunal a quo decidir definitivamente a questão do reinvestimento, ou seja, aplicar o Direito aos factos julgados provados, sem que nada a isso obstasse. P) A decisão do Tribunal a quo deixa os contribuintes sujeitos ao livre-arbítrio da Administração e é susceptível de reproduzir-se num número indeterminável de reinvestimentos na aquisição de habitação. Q) É necessário, por conseguinte, que o STA defina uma orientação para a apreciação de outros casos, que deverá ser a seguinte: verificando-se que o contribuinte declarou o reinvestimento posteriormente à emissão de relatório de inspecção tributária, mas antes da liquidação do imposto, e sendo impugnado o acto de liquidação com fundamento na desconsideração do reinvestimento, deverá entender-se que a rejeição do reinvestimento inscreve-se na fundamentação da liquidação impugnada, apresentando uma relação directa com a mesma e que, assim sendo, insere-se nos poderes de cognição do tribunal em sede de contencioso de anulação. R) Constam da matéria de facto julgada provada os elementos factuais necessários ao preenchimento da previsão normativa do artigo 10.º, n.ºs 5 e 6 do CIRS, na redacção em vigor à data do facto tributário. S) Verifica-se, por conseguinte, que os Recorrentes realizaram o reinvestimento nas condições legalmente exigíveis para puderem beneficiar da exclusão de tributação. T) Impõe-se, assim, a revogação parcial do acórdão revidendo e, por essa via, a anulação integral da liquidação impugnada. Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá a presente revista ser admitida, julgada totalmente procedente, e, em consequência, ser parcialmente revogado o acórdão recorrido, no que respeita à decisão sobre o reinvestimento, Com o que, assim judicando, Definitivamente fará este Colendo Tribunal a necessária e devida JUSTIÇA!». 1.2 A Recorrida não contra-alegou. 1.3 O Desembargador relator no Tribunal Central Administrativo Sul ordenou a remessa dos autos ao Supremo Tribunal Administrativo. 1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de que «[n]ão compete ao Ministério Público, nesta fase, pronunciar-se quanto à admissibilidade ou não do Recurso de Revista, mas apenas quanto ao seu mérito e só no caso de este ser admitido». 1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, da admissibilidade do recurso ao abrigo do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. art. 285.º, n.º 1, do CPPT). 2.1.2 Como a jurisprudência tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável). 2.1.3 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» ( Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.). 2.1.4 Cumpre também ter presente que, como decorre do n.º 4 do art. 285.º do CPPT, «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». 2.1.5 Convém ainda ter presente que a jurisprudência tem vindo a afirmar, uniforme e repetidamente, que, atento que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 285.º do CPPT (e no art. 150.º do CPTA), não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC ( Vide, a título de exemplo, os seguintes acórdãos da formação do n.º 6 do art. 285.º do CPPT: 2.1.6 Referidos que ficaram os pressupostos da admissibilidade da revista excepcional e o seu âmbito abstracto, passemos a verificar, preliminar e sumariamente, se o recurso pode ser admitido (cfr. art. 285.º, n.ºs 1 e 6, do CPPT). 2.2 O CASO SUB JUDICE 2.2.1 Estamos perante uma impugnação judicial de uma liquidação de IRS respeitante ao ano de 2014 e às mais-valias apuradas pela venda de um imóvel. 2.2.2 É desse acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que vem interposto o presente recurso de revista. 2.2.3 Em face desta alegação, podemos desde já adiantar que se nos afigura ser de admitir a presente revista. 2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 285.º do CPTT não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - É de admitir a revista relativamente à questão de saber se o mérito da questão do reinvestimento enquanto causa de exclusão das mais-valias obtidas com a venda um imóvel, debatida ao longo do procedimento e não relevada na liquidação, por a AT entender não estarem reunidos os respectivos requisitos, não pode ser apreciado judicialmente em sede de impugnação judicial deste acto com o fundamento de que «não apresenta qualquer relação com a fundamentação factual e jurídica do acto cuja legalidade se pretende ver sindicada pelo tribunal». * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em admitir o presente recurso. Custas a determinar a final. * Informe o Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo de Instrução Criminal de Portimão (Instrução n.º 217/16.6IDFAR), como solicitado pelo ofício com a referência ...19. * |