Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0965/19.9BEPNF |
Data do Acordão: | 05/10/2023 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL NÃO ADMISSÃO DO RECURSO |
Sumário: | I - A questão da caducidade do direito à liquidação não tem complexidade que justifique a admissão da revista, mercê do extenso tratamento jurisprudencial e doutrinário que tem merecido, e atento a que a decisão tomada se encontra (bem) fundamentada e se encontra decidida de modo plenamente verosímil, não enfermando de erro ostensivo ou notório. II - Também não se justifica a admissão de revista relativamente à questão da interpretação e aplicação do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA naqueles casos em que a liquidação tem por base operações simuladas quanto ao preço se a razão pela qual o TCA desatendeu a pretensão da recorrente não se prende com qualquer questão dogmática controvertida antes com o incumprimento do ónus da prova por parte da recorrente, não sendo controvertido que esse ónus recaía sobre si. |
Nº Convencional: | JSTA000P30991 |
Nº do Documento: | SA2202305100965/19 |
Data de Entrada: | 03/21/2023 |
Recorrente: | A...- UNIPESSOAL, LDA |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A... UNIPESSOAL, LDA, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excecional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 30 de novembro de 2022 que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgara totalmente improcedente a impugnação judicial por si deduzida relativa à decisão de indeferimento da reclamação graciosa e consequente liquidação adicional de IVA, do exercício de dezembro de 2012, maio e setembro de 2013 e respetivos juros compensatórios, no valor global de € 687.505,54. A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos: A) De acordo com o n.º 1 do art.º 285.º do CPPT, é admissível, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo: - quando “esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” - “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” B) A Recorrente submete à apreciação do Tribunal no presente recurso de revista fundamentalmente duas questões: - interpretando n.º 5 do art.º 45.º da Lei Geral Tributária, quais as condições para a sua aplicação - interpretando o n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA, naqueles casos em que a liquidação tem por base operações reais, mas simuladas quanto ao preço (simulação relativa), é admissível que seja pela Autoridade Tributária e Aduaneira liquidado imposto desconsiderando a totalidade do IVA deduzido relativamente àquelas operações ou tal desconsideração deve limitar-se ao valor do imposto incidente sobre a parte empolada do preço? C) Tais questões preenchem os critérios de admissibilidade da revista excepcional a que se refere o n.º 1 do art.º 285,º do CPPT: - que “esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” - “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” D) Dispõe o n.º 5 do art.º 45.º da LGT, na redacção dada na redacção dada pelo n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2006): “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”. E) Resultando da conjugação dos n.ºs 1 e 4 do art.º 45.º da LGT que o prazo-regra de caducidade do direito à liquidação é de 4 anos contados, no que respeita ao IVA, a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, é incontroverso que a notificação das liquidações impugnadas ocorreu depois de esgotado aquele prazo-regra F) Decorre da adequada interpretação do citado n.º 5 do art.º 45.º da LGT, aditado pela referida Lei do Orçamento do Estado para 2006, com recurso aos pertinentes critérios hermenêuticos, que tal disposição só é aplicável quando, ademais da identidade dos factos que estão na base da liquidação e dos que estão na base da instauração do inquérito criminal, a liquidação esteja dependente e condicionada pela investigação criminal, de tal modo que se revelasse impossível a liquidação sem o recurso aos factos apurados no inquérito G) Não é, pois, aplicável tal preceito quando, instaurado inquérito, a liquidação preceda o encerramento deste ou, em todo o caso, quando o processo crime está suspenso nos termos do art.º 47.º do RGIT H) O douto acórdão recorrido interpreta, pois, erradamente e viola os n.ºs 1, 4 e 5 do art.º 45.º da LGT I) O douto acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do preceituado nos art.ºs 19.º, n.º 3, do CIVA e no art.º 39.º da LGT. J) O mesmo douto aresto deveria ter julgado inconstitucional a norma ínsita no art.º 19.º, n.º 3, do CIVA. Nestes termos e nos demais de direito, deve ser julgado procedente o presente recurso, com a consequente revogação do douto acórdão recorrido e a final procedência da impugnação, como é de JUSTIÇA.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – Notificado para querendo emitir parecer sobre a admissão da revista, o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA entendeu não lhe caber emitir parecer nesta fase.
4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão sindicado e sua motivação (fls. 4 a 17 e 41/42 da respectiva numeração autónoma).
Cumpre decidir da admissibilidade do recurso. - Fundamentação - 5 – Apreciando. Dos pressupostos legais do recurso de revista. O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”: 1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. 3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado. 4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias. 6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário. Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso. E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.». Vejamos. São duas as questões resolvidas no acórdão sindicado das quais a recorrente pretende revista, alegando o recorrente que tais questões subsumem-se à noção de “questão que, pela sua relevância jurídica [...], se revista de importância fundamental” , sendo que, por outro lado, a admissão do recurso é clara e efectivamente necessária para uma melhor aplicação do direito. São elas relativas (1) à interpretação e aplicação do n.º 5 do art.º 45.º da Lei Geral Tributária e (2) à interpretação e aplicação do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA naqueles casos em que a liquidação tem por base operações simuladas quanto ao preço. O n.º 5 do artigo 45.º da LGT foi chamado à colação no acórdão sindicado, e na decisão de 1.ª instância, como fundamento da decisão de não se ter por verificada a caducidade do direito à liquidação, porquanto se verifica a existência de um elo directo entre os factos investigados no processo crime e os factos que permitem apurar o facto tributário, estando demonstrada a requerida identidade objectiva ou factual, jurisprudencialmente exigida, e não colhe o argumento da recorrente segundo o qual o n.º 5 do artigo 45º só é aplicável aos casos em que a instauração do inquérito criminal tenha antecedido o início do procedimento inspectivo, conforme jurisprudência do TCAN, pois que tal restrição não tem na lei “o mínimo de correspondência verbal”. Em face do decidido não vemos como justificada a reapreciação da questão da caducidade do direito à liquidação, que não tem complexidade que justifique a admissão da revista,, mercê do extenso tratamento jurisprudencial e doutrinário que tem merecido, e atento a que a decisão tomada se encontra (bem) fundamentada e se encontra decidida de modo plenamente verosímil, não enfermando de erro ostensivo ou notório (bem pelo contrário). Não se justifica, pois, quanto à questão da interpretação do n.º 5 do artigo 45.º da LGT a admissão da revista. No que se refere à interpretação e aplicação do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA naqueles casos em que a liquidação tem por base operações simuladas quanto ao preço, a razão pela qual o TCA desatendeu a pretensão da recorrente de que apenas fosse desconsiderado no direito à dedução do IVA o imposto correspondente à parte do preço “empolado”, mantendo-se o direito à dedução do IVA correspondente à parte do preço efectivamente pago, não se prende com qualquer questão dogmática controvertida que justifique a admissão de revista, antes com o incumprimento do ónus da prova por parte da recorrente, que não trouxe ao procedimento nem ao processo elementos que permitam fixar o “preço dissimulado” permitindo desencadear a aplicação do disposto no artigo 39.º da LGT– cf. acórdão, a fls. 42 a 61 E assim sendo, não se justifica a admissão da revista, pois que não merece censura a decisão de que tendo a AT recolhido indícios suficientes da simulação do preço das operações estava vedado à recorrente o direito à dedução do IVA suportado e que lhe cabia demonstrar o “preço dissimulado” para desencadear a aplicação do disposto no artigo 39.º da LGT.
Concluindo: A questão da caducidade do direito à liquidação não tem complexidade que justifique a admissão da revista, mercê do extenso tratamento jurisprudencial e doutrinário que tem merecido, e atento a que a decisão tomada se encontra (bem) fundamentada e se encontra decidida de modo plenamente verosímil, não enfermando de erro ostensivo ou notório. Também não se justifica a admissão de revista relativamente à questão da interpretação e aplicação do n.º 3 do art.º 19.º do Código do IVA naqueles casos em que a liquidação tem por base operações simuladas quanto ao preço se a razão pela qual o TCA desatendeu a pretensão da recorrente não se prende com qualquer questão dogmática controvertida antes com o incumprimento do ónus da prova por parte da recorrente, não sendo controvertido que esse ónus recaía sobre si.
Termos em que a revista não será admitida. - Decisão - 6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pela recorrente.
Lisboa, 10 de maio de 2023. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia. |