Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0313/04.2BEPRT 01109/16
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IRC
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A legalidade de uma liquidação não pode ser sindicada judicialmente senão à luz do discurso que a AT externou para a fundamentar.
II - A cedência de direitos desportivos de um jogador profissional de futebol efectuada por uma sociedade não residente a uma sociedade residente, que uma e outra não são SAD nem clube desportivo, não constitui prestação de serviços para efeitos da previsão legal do art. 4.º, n.º 3, alínea c), 7), do CIRC (na redacção aplicável).
Nº Convencional:JSTA000P24706
Nº do Documento:SA2201906260313/04
Data de Entrada:10/04/2016
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial n.º 313/04.2BEPRT (1109/16)
Recorrente: “A……….., S.A.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada (a seguir também Impugnante e Recorrente) interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 2001 que lhe foi efectuada pela AT com o fundamento de que a sociedade não procedeu, como devia, à retenção na fonte do imposto quando dos pagamentos efectuados a uma sociedade com sede no Uruguai como contrapartida pela aquisição de direitos desportivos de dois jogadores profissionais de futebol.

1.2 A Recorrente apresentou alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1. Em 27/10/2000, B……….. cedeu 50% dos seus direitos desportivos à C……….., os quais vieram a ser adquiridos pela A……….. em 04/01/2001; por sua vez, em 09/07/2001, o “Clube Tacuary FBC” cedeu 45% dos direitos desportivos de D……….. à C……….., parte dos quais (22,50%) viriam a ser a esta adquiridos, pela A…………, em 06/12/2001.

2. No seguimento de uma acção inspectiva, a AT liquidou IRC, a título de retenção na fonte, sobre as quantias pagas pela A…………. à C……….. aquando da compra dos direitos desportivos de B………. e D………..;

3. Para a AT, o pagamento à C……….. – uma entidade não residente – corresponderia a uma prestação de serviços realizada em território português, sujeita a retenção na fonte nos termos da leitura conjugada dos artigos 88.º, n.º 1 al. g), n.º 3 al. b) e 80.º, n.º 2 al. e), todos do CIRC.

4. A recorrente não se conforma com os referidos actos pelo que os impugnou: não só os mesmos têm por base uma errada aplicação das normas de incidência em sede de IRC como assentam na aplicação de termos estranhos a este tributo.

5. De facto, toda a fundamentação da AT para os actos impugnados assenta na aplicação abusiva em sede de IRC de conceitos e de mecanismos próprios do IVA, levando a tributar naquela sede uma realidade apenas abarcada por esta.

6. A utilização de uma norma de incidência oriunda do CIVA por forma a dela extrair consequências em sede de IRC, não apenas se afigura metodologicamente incorrecta, como dita a negação da autonomia dogmática do IRC, a consequente ilegalidade dos actos impugnados e, com isso, um flagrante erro de julgamento da matéria de direito a cargo do Tribunal a quo.

Com efeito,

7. O IRC apresenta-se como sistema unitário, autónomo e auto-suficiente de tributação do rendimento das pessoas colectivas, devendo buscar-se no respectivo Código as normas que consagram os pressupostos necessários ao surgimento da relação jurídica de imposto; aliás, o princípio da tributação pelo rendimento real apenas poderá ser garantido através da completa e integrada aplicação do CIRC.

8. O IRC mantém-se próximo das realidades materiais que pretende atingir, o que faz não apenas através do modelo de dependência parcial face à contabilidade, mas também por via do respeito pela autonomia privada das partes, acolhendo, na normalidade das situações e para efeitos de enquadramento das respectivas operações, a configuração por aquela querida num determinado negócio.

9. A configuração jurídica gizada pelas partes apenas não prevalecerá caso a AT, lançando mão dos expedientes próprios, faça actuar, por exemplo, a Cláusula Geral Anti-Abuso, prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT – cuja aplicação exige a utilização do procedimento consagrado no artigo 63.º do CPPT – ou a simulação (cf. artigo 39.º da LGT).

10. Não tendo a AT utilizado aqueles expedientes, deverá prevalecer o princípio geral atrás referido: a veracidade das declarações dos contribuintes, devendo as operações realizadas serem qualificadas como compras e vendas de direitos.

11. Se era na sede do IRC que a AT pretendia tributar aquelas operações, era no seu âmbito que deveria ter colhido o seu suporte jurídico bastante.

Prosseguindo:

12. A liquidação no caso em apreço, efectuada com base na alínea g) do n.º 1 do artigo 88.º do Código do IRC (CIRC) – na redacção à data, dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 03/07 –, padece de absoluta petição de princípio.

13. Aquela norma explicita, apenas, o mecanismo de pagamento (retenção na fonte) aplicável aos denominados «... rendimentos de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português ...» – não é norma de incidência.

14. Impunha-se determinar a montante se aqueles rendimentos cabiam no âmbito de incidência em sede de IRC: podia haver lugar à retenção na fonte, se e na medida em que se apurasse a priori estarmos diante de uma manifestação de capacidade contributiva, sendo que, para aferir isso, a AT assumiu um raciocínio infundado.

15. Partindo da consideração de uma determinada realidade de facto (a transacção de direitos entre a impugnante e uma entidade não residente), a AT, apoiando-se na sua leitura do artigo 88.º do CIRC e do n.º 3 do artigo 4.º do CIVA, assume como premissa do seu raciocínio a existência de uma prestação de serviços.

16. A inclusão da cedência temporária ou definitiva de um jogador e as indemnizações de promoção e valoração na categoria residual das prestações de serviços para efeitos da sua tributação em sede de IVA, não transfigura essas realidades em rendimentos sujeitos para efeitos de IRC: preencher o âmbito de incidência do IRC por recurso a um conceito próprio cuja utilização só cabe no contexto de delimitação da incidência do IVA, é errado e, neste caso, ilegal.

17. Quer a AT quer o Tribunal a quo, erram na aplicação do Direito concretamente mobilizável, mormente no que respeita à delimitação da incidência em IRC e, com isso, na pretensa aplicação do mecanismo da retenção da fonte neste caso.

Sem prescindir,

18. O preço pago à C………… pela A………… não pode ser qualificado como a justa indemnização prevista no artigo 18.º, n.º 2 da Lei 28/98: o objectivo deste preceito é ressarcir a anterior entidade empregadora desportiva dos custos que esta teve com a promoção ou valorização dos praticantes desportivos; sendo a C……….. uma entidade não desportiva, a mesma não pode, por definição, receber qualquer valor a título de promoção ou valorização do praticante desportivo; acresce que nem a Administração fiscal nem o Tribunal a quo tentaram provar que a C………… teve despesas com a promoção ou valorização dos jogadores em causa.

19. Por outro lado, a indemnização referida no artigo 18.º, n.º 2 da Lei 28/98 não era, nos presentes autos, obrigatória: tratando-se de jogadores “livres” os mesmos não necessitavam de pagar o que quer que fosse a um qualquer clube desportivo para poderem celebrar um contrato com um outro clube; tendo a A………… adquirido os direitos económico-desportivos de jogadores “livres” a mesma poderia proceder à sua posterior alienação sem que, para tal, tivesse que pagar qualquer indemnização; acresce que desde o acórdão Bosman que apenas as transferências realizadas entre clubes desportivos situados em Portugal – e já não as realizadas entre clubes portugueses e estrangeiros – estão sujeitas à indemnização prevista no artigo 18.º, n.º 2 da Lei 28/98 pelo que, não tendo os jogadores em causa qualquer contrato de trabalho desportivo com um clube português, a sua posterior contratação por um Clube português não implicaria o pagamento de qualquer indemnização – ao anterior clube, à C……….. ou à A……….. – ao abrigo do artigo 18.º, n.º 2 da Lei 28/98.

20. Concluindo, não dando a compra de direitos desportivos, por parte da A……….., lugar ao pagamento de qualquer indemnização ao abrigo do artigo 18.º, n.º 2 da Lei 28/98, tal operação não pode, naturalmente ser tributada em sede de IVA ao abrigo do artigo 4.º, n.º 3, 2.ª parte. Não havendo lugar a tributação em sede de IVA com este fundamento, o mesmo também não pode, logicamente, servir para tributar a operação em sede de IRC.

Ainda sem prescindir,

21. Os pagamentos efectuados pela A………… à C………… também não podem ser subsumidos ao conceito de prémio de assinatura, que corresponde ao valor que um jogador “livre” poderia exigir ao clube desportivo com o qual celebra um novo contrato de trabalho desportivo. Com efeito, o prémio de assinatura é pago aos próprios jogadores “livres”, que são quem dispõe dos seus direitos económico-desportivos, podendo assim exigir uma determinada quantia pela cessão dos mesmos. Ora, as únicas quantias que os jogadores em causa receberam tiveram a C……….. como entidade pagadora. Deste modo, se algum pagamento houvesse de ser tributado a título de prémio de assinatura, teria de ter sido esse.

22. A Sentença ignora por completo, aliás, a distinção entre Clube/SAD, por um lado, e empresário desportivo, por outro: com efeito, a fundamentação expendida pelo Tribunal a quo tem apenas aplicação às situações em que um Clube/SAD efectua um pagamento – encarado como prémio de assinatura – a uma entidade não desportiva não residente que detenha os direitos desportivos-económicos de um jogador “livre”. Ora, tal não é o caso dos autos.

Assim,

23. A leitura conjugada dos artigos 88.º, n.º 1 al. f) e 4.º, n.º 3 al. d) do CIRC diz-nos que os rendimentos derivados do exercício da actividade por parte de desportistas só estão sujeitos a retenção na fonte quando a referida actividade for praticada em território português: ora, não consta dos autos que D……….. tenha, em algum momento, exercido em Portugal a sua actividade desportiva ou, sequer, que tenha aqui residido; por sua vez, quando a A………. adquiriu os direitos económico-desportivos de B………., este era jogador do “AS Mónaco PC” e residia no Mónaco, não tendo os rendimentos derivados do exercício da sua actividade desportiva origem no território português.

24. Ao concluir em sentido diverso do exposto, a sentença padece de incontornável vício de erro de julgamento da matéria de Direito a cargo do Tribunal a quo.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as consequências legais».

1.3 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrida não contra-alegou.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e, julgando-se procedente a impugnação judicial, anulada a liquidação impugnada, com a seguinte fundamentação:

«[…] 3.1 A questão que se coloca consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao ter confirmado a legalidade do acto tributário sindicado pela impugnante e aqui Recorrente. E mais especificamente, saber se o acto tributário sindicado padece do vício de ilegalidade, por os montantes pagos pela impugnante à sociedade sedeada no Uruguai, no âmbito dos contratos com esta celebrados, não estarem sujeitos a tributação em sede de IRC e serem passíveis de retenção na fonte a título definitivo.
Importa desde logo referir que comungamos o entendimento da Recorrente sobre a ambiguidade e deficiência da sentença, uma vez que não se alcança o sentido do seu discurso fundamentador, tal a forma vaga e imprecisa como é apreciada a questão que foi colocada ao tribunal.
Na verdade, o tribunal “a quo” limitou-se a fazer transcrições e citações, sem contudo retirar quaisquer consequências ao nível do direito aplicável ao caso concreto, limitando-se a concluir que “...bem andou a Administração Tributária na liquidação adicional de Imposto...”, o que configurando nulidade da sentença por falta de fundamentação, não releva, por não ter sido suscitada pela Recorrente e não ser de conhecimento oficioso – artigo 615.º, n.º 1, alínea b), e n.º 4, do CPC.
Importa conhecer de tal deficiência no âmbito do erro de julgamento imputado ao tribunal “a quo”.
Tendo a sentença confirmado o entendimento sufragado pela AT para fundamentar o acto tributário, importa analisar essa fundamentação.
Decorre dessa fundamentação que a tributação dos montantes pagos à sociedade “C…………” é baseada no artigo 4.º, n.º 3, alínea c), 7), do CIRC, o qual dispõe que “... consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, os rendimentos... cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português... derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, …”.
E a obrigação da retenção na fonte a título definitivo, no artigo 88.º, n.º 1, al. g), e n.º 3, alínea b), do CIRC, que dispõe que “O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente .... rendimentos de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português” e “… o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis”.
Refere-se a este propósito no relatório dos Serviços de Inspecção (cfr. ponto 12 do probatório), que «As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC quanto aos rendimentos nele obtidos, considerando-se obtidos em território português..., os rendimentos cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português..., nomeadamente os rendimentos derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português...». E conclui-se que «os pagamentos efectuados ao Uruguai, relativamente aos passes do B………. e D……….., consubstanciam rendimentos de não residentes, obtidos em território nacional, cujo devedor tem cá residência».
Ou seja, para a AT estamos perante rendimentos derivados de “outras prestações de serviços”, pagos por entidade com sede em território nacional a não residente e nessa medida estão sujeitos a tributação através de retenção na fonte a título definitivo.
Ora, o que a impugnante e aqui Recorrente contesta é a natureza da fonte desses rendimentos, já que no seu entendimento não estamos perante quaisquer “prestação de serviços”, ainda que com natureza residual. E por outro lado nenhum dos dois atletas exercia a sua actividade desportiva em Portugal, pelo que não se verifica o elemento de conexão com o território nacional previsto na norma legal invocada pela AT, que se refere a “... rendimentos derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português...”.
Como decorre do ponto “III.2.1.2 - retenções na fonte” do relatório dos Serviços de Inspecção Tributária, a AT não fundamenta a qualificação desses rendimentos como derivados de prestação de serviços no n.º 3 do artigo 4.º do CIVA, embora cite esta norma no ponto “III.2.1.1.1 – Caso B………”, a propósito da caracterização dessa operação como “anormal” e para não aceitar os montantes pagos como encargos da impugnante para efeitos do disposto no artigo 59.º do CIRC. Já na resposta ao exercício do direito de audição – ponto IX.2.2 –, os SIT invocam que: «… estamos em presença de direitos desportivos, os quais se consubstanciam num direito de indemnização conforme artigo 22.º do Contrato de Trabalho Desportivo – Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, e n.º 2 do Artigo 18.º – Decreto-Lei 28/98, de 26 de Junho. Entendemos que tais direitos configuram uma prestação de serviços, v.g. o acolhimento dado pelo artigo 4.º, n.º 3, do CIVA. Pelo que mantemos a posição inicialmente assumida».

3.2 Está em causa nos autos a tributação dos rendimentos obtidos pela sociedade “C……….., S.A.” com a venda à impugnante “A………..” de “direitos desportivos” referentes a dois atletas no decurso do ano de 2001.
À data das duas transacções, nenhum dos atletas tinha vínculo contratual com qualquer clube desportivo ou SAD, nem eram dados como residentes em território nacional.
A problemática das transacções de atletas tem sido objecto de vários estudos, seja pela sua relevância desportiva, por contender com a liberdade contratual do atleta e a actividade desportiva dos clubes, seja pela sua relevância económica, por movimentar quantias pecuniárias de valores elevados. A doutrina que se tem debruçado sobre o tema tem feito a distinção entre os chamados “direitos desportivos ou federativos” e os “direitos económicos” que se encontram associados aos primeiros 1 [1 Cfr., a este propósito, Maria Lagoa Ghira Zinho, “Direitos Económicos de Terceiros”, in Direito e Finanças do Desporto, estudos sob a coordenação de João Miranda e Nuno Cunha Rodrigues].
No que respeita aos primeiros, considera-se que os mesmos apenas podem ser titulados por um clube desportivo ou SAD e consistem na susceptibilidade de um clube registar um atleta numa federação nacional e/ou numa liga profissional de modo a que este possa participar nas competições desportivas, sendo que de acordo com o Regulamento da Federação Internacional de Futebol (FIFA) um atleta apenas pode estar inscrito por um único clube, o que pressupõe que tenha sido celebrado entre ambos um contrato de trabalho desportivo.
Quanto aos “direitos económicos” tem-se entendido que os mesmos derivam dos direitos federativos e resultam da negociação do clube com um terceiro (investidor) sobre os ganhos resultantes de eventual transferência do atleta para um outro clube na pendência do contrato. Nesta perspectiva, os direitos económicos dependerão sempre de uma futura transacção do atleta e dos ganhos que resultarem da mesma 2 [2 Acórdão do TRL, de 20/11/2012, proc. 211/10.OTCFUN.L1-7, em que é Relator o senhor juiz Desembargador Orlando Nascimento, no qual se definiram os direitos económicos como “direito de crédito sobre a receita líquida que venha a resultar da transferência, definitiva ou temporária, e onerosa dos direitos de inscrição desportiva do Jogador para um terceiro Clube”.
Cfr. igualmente a jurisprudência do Tribunal Arbitral do Desporto, no Acórdão CAS 2004/A/635, RCD Espanyol de Barcelona SAD vs Club Atlético Velez Sarsfield, no qual é referido, a propósito da venda dos direitos económicos, que “transacção comercial é juridicamente possível apenas em relação aos jogadores que estão ligados contratualmente a um clube, uma vez que os jogadores que estão livres de compromissos contratuais – os chamados agentes livres – podem ser contratados por qualquer clube livremente, sem direitos económicos envolvidos” e acrescenta, ainda, que os “direitos económicos, sendo os direitos contratuais comuns, podem ser parcialmente transmitidos e, assim, partilhados entre diferentes detentores” – https://jurisprudence.tas-cas.org/Shared%20Documents/635.pdf ponto 28.
28. In the Panel’s opinion, in professional football a base legal distinction is to be made between the “registration” of a player and the “economic rights” related to a player: - the registration of a professional player with a club and with the pertinent national federation serves the administrative purpose of certifying within the federative system that solely that club is entitled to field that player during a given period; obviously, such federative registration is possible only if there is an employment contract between the club and the player; - a club holding an employment contract with a player may assign, with the player’s consent, the contract rights to another club in exchange for a given sum of money or other consideration, and those contract rights are the so-called “economic rights to the performances of a player” (hereinafter “economic rights”); this commercial transaction is legally possible only with regard to players who are under contract, since players who are free from contractual engagements – the so-called “free agents” – may be hired by any club freely, with no economic rights involved].
Ora, no caso concreto dos autos, os contratos celebrados entre a impugnante e a “C…………” consubstanciam a cessão de “direitos desportivos” cujo conteúdo não resulta esclarecido. Com efeito e como a própria AT reconhece no relatório dos Serviços de Inspecção Tributária e que fundamentou a sua desconsideração como custos, à data em que foram celebrados tais contratos os atletas não tinham vínculo contratual com qualquer clube desportivo. E por outro lado nenhuma das partes contratuais é um clube desportivo ou sociedade anónima desportiva.
Na sentença recorrida recorreu-se à doutrina administrativa objecto da circular n.º 18/2011, segundo a qual, nos casos em que não há qualquer vínculo contratual entre o atleta e um clube desportivo com inscrição numa federação ou liga profissional, e uma entidade não residente cobra rendimentos em contrapartida da assinatura de um futuro contrato desportivo com um clube/SAD residente, equivalendo a “prémio de assinatura” que o jogador pode exigir pela celebração do novo contrato, considera que tais rendimentos são derivados do exercício em território português da actividade de desportistas e sujeitos a tributação em sede de IRC.
Ora, tanto a impugnante como a “C…………” não são nem clubes desportivos, nem sociedades anónimas desportivas. Considerando que os contratos celebrados entre ambas as sociedades têm por objecto a cessão de um direito de crédito sobre eventual prémio a ser pago por clube ou SAD aquando da celebração de contrato desportivo com um dos atletas em causa (tendo como pressuposto a obrigação assumida pelos atletas aquando da celebração dos contratos com a “C……….. - pontos 4 e 8 do probatório), temos que concluir que estamos perante a cedência de um direito de crédito futuro e incerto (sendo certo que neste caso se pode colocar a questão da validade do contrato no que respeita aos efeitos sobre a liberdade contratual do atleta – cfr. artigo 18.º da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho).
Decorre do exposto que as quantias pagas pela impugnante à entidade não residente não derivam da existência da celebração de qualquer contrato de praticante desportivo entre qualquer um dos atletas e um clube desportivo ou SAD em território nacional. Não existe, assim, qualquer conexão entre as quantias pagas e a actividade desportiva exercida pelos atletas em causa em território nacional que permita qualificar tais prestações pecuniárias como relativas a prestação de serviços desportivos realizadas em território nacional. E nessa medida entendemos igualmente que não há lugar à obrigação de retenção na fonte por parte da entidade pagadora, ao abrigo do disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, uma vez que não estamos perante “prestações de serviços realizados ou utilizados em território português”.
Tanto basta para concluir que a liquidação oficiosa de IRC padece do vício de violação de lei que lhe é assacado pela Recorrente, o que constitui fundamento para a sua anulação.
Em face do exposto, entendemos que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto nos artigos 4.º, n.º 3, alínea c), 7), e 88.º, n.º 1, al. g), e n.º 3, alínea b), ambos do CIRC, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e em substituição a prolação de acórdão que julgue a acção de impugnação judicial procedente e se determine a anulação do acto tributário, por vício de violação de lei, julgando-se, assim, procedente o recurso».

1.6 Colhidos os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1. A Impugnante, A……….., S.A., exerce a actividade de gestão de carreiras de profissionais do futebol, encontrando-se enquadrada no CAE 92 620, podendo a sua actividade revestir as seguintes formas: intermediação na transferência de jogadores profissionais, representados ou não, pelo Sujeito Passivo; compra e venda dos direitos desportivos de um jogador e colocação de atletas à experiência ou com um contrato de duração reduzida – cf. relatório de inspecção tributária a fls. 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

2. Esta sociedade é um Sujeito Passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, enquadrado no regime geral e no regime normal de periodicidade mensal no que respeita a Imposto sobre o Valor Acrescentado – cf. relatório de inspecção tributária a fls. 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

3. Em 03.03.1997 o jogador de futebol profissional B……….., com o nome profissional “B……….”, celebrou com a Impugnante um contrato de representação desportiva, o qual foi renovado em 22.12.1999 – cfr. relatório de inspecção tributária, de fls. 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

4. Em 27.10.2000 o jogador B……….. celebrou com a empresa “C…………, S. A.” contrato pelo qual cedeu 50% dos seus direitos desportivos, pelo valor de $ 500.000 (dólares americanos, o que, ao tempo correspondia a € 569.595,73) – cf. relatório de acção inspectiva a fls. 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

5. Em 04.01.2001 a Impugnante celebrou com a empresa C……….., S.A., com sede em Montevideu, Uruguai, um contrato pelo qual adquiriu os direitos desportivos por esta detidos (os 50% adquiridos pelo contrato de 2000, facto provado n.º 4), relativos ao jogador B…………., pelo preço de $ 600.000 (dólares americanos, o que, ao tempo, correspondia a € 683.514,87), a pagar até ao dia 31.12.2001 – cfr. relatório de acção inspectiva e cópia do contrato celebrado a fls. 25 e seguintes e 108 do Processo Administrativo apenso aos autos;

6. Entende a Administração Tributária ser um facto essencialmente relevante: “é de referir a existência de um contrato inicial de representação assinado entre o B……….. e a A……….. datado de 03.03.1997, e renovado posteriormente em 22.12.99, portanto anteriores à venda de 50%, por parte do B…………, dos direitos desportivos do próprio à C…………., S. A., direitos estes que viriam, posteriormente, a ser adquiridos pela A………... A reforçar o facto de existirem relações existentes antes da compra de 50% dos direitos desportivos do B…………, por parte da A……….. à C……….., já em 30.06.2000 existirem ofertas no valor de 491.400$00 (€ 2.451, 09) (v. quadro de ofertas constante III.1.1.1.)” – cfr. relatório de acção inspectiva a fls. 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

7. Considerando aquele facto, refere ainda a Administração Tributária o seu carácter anormal, nos seguintes moldes: “a venda efectuada pelo B……….. à C…………. não consubstancia uma venda de facto, uma vez que os direitos desportivos dos jogadores, à luz da legislação nacional, só transitam entre clubes, como é especificado pelo n.º 3 do art. 4.º do CIVA (...). O DL 305/95 de 18 de Novembro bem como a Lei 28/98 de 26 de Junho que o revoga não referem nada acerca de direitos desportivos nos casos de contratos que expirem, falando-se apenas de indemnizações nos casos de transferências de jogadores a título de promoção ou valorização do praticante desportivo durante a vigência dos contratos laborais. Desta forma, e uma vez que o contrato do Clube do Mónaco com o jogador B……….. tinha expirado a sua vigência, não haveria lugar a indemnizações, logo não existindo o que vulgarmente se conhece como PASSE. A compensação monetária pretendida poderia ter sido obtida a nível negocial com o clube contraente do novo contrato, não fazendo sentido novamente a intervenção de terceiras entidades detentoras de eventuais percentagens de direitos desportivos. Refira-se que o B……….. à data da operação com o Uruguai é residente no Mónaco – território também submetido a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da Portaria 1271/2001, lista a que se refere o n.º 3 do artigo 59.º CIRC. Existindo um contrato inicial de representação entre o B……….. e a A……….., bem como comprovadas relações sociais, anteriores à venda dos direitos desportivos à C………….., esta transacção não faz sentido, para a sua posterior aquisição por parte da A………... Tendo em atenção todos os elementos (...) acima carreados concluímos que a operação tem um carácter anormal, o contraditório descrito questiona a sua efectiva realização, pelo que ao abrigo do n.º 1 do art. 59.º do CIRC não é aceite a dedução para efeitos de determinação do lucro tributável das importâncias pagas à C………….. a título de compra de 50% dos direitos desportivos do jogador B………... Nos termos do n.º 8 do art. 81.º do CIRC, tais pagamentos estão sujeitos a tributação autónoma à taxa de 35%” – cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

8. Em 09.07.2001 o jogador D……….., ao tempo com contrato de trabalho desportivo em vigor com o Clube Tacuary FBC, nesse mesmo mês, em que o contrato expiraria, este clube celebrou um contrato de venda de 45% dos direitos desportivos deste jogador à C…………, pelo valor de $ 135.000 (dólares americanos) – cf. relatório de acção inspectiva constante de fls. 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

9. Em 06.12.2001 a A……….. adquiriu à C………… 22,5% dos direitos desportivos daquele jogador, pelo valor de € 400.000 – cf. relatório de acção inspectiva de fls. 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

10. Relativamente ao facto provado 9., refere a Administração Tributária: “sendo certo que o jogador D…………., desde 06.12.2001 (...) não foi objecto de nenhum tipo de transacção (dentro da incidência temporal da acção em curso), pelo que ao abrigo do art. 18.º do CIRC e de acordo com princípio da especialização dos exercícios, não pode ser imputado o valor da factura em questão como custo, estando perante um custo suspenso. Entendemos que tal encargo, e à semelhança do anteriormente relatado, será sempre afastado de custo do exercício, cf. art. 59.º CIRC. Face ao exposto será de acrescer ao lucro tributável declarado o valor de € 400.000. Tal como foi descrito aquando da apresentação da operação referente ao “B………..” os pagamentos feitos ao Uruguai, cf. n.º 8 do art. 81.º CIRC, ficam sujeitos a tributação autónoma à taxa de 35%” – cfr. relatório de acção inspectiva a fls. 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos;

11. Ainda em sede de inspecção, em justificação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas emitidas, no que respeita às retenções na fonte, refere a Administração Tributária: “as pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas quanto aos rendimentos nele, obtidos, considerando-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem como rendimentos cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado, nomeadamente rendimentos derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português (cf. n.º 2 e n.º 3 c) do art. 4.º CIRC). Os pagamentos efectuados ao Uruguai, relativamente aos passes do B……….. e D……….. consubstanciam rendimentos de não residentes, obtidos em território nacional, cujo devedor tem cá a residência. Pela alínea g) do n.º 1 do artigo 88.º do CIRC, o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas de tais rendimentos é objecto de retenção na fonte a título definitivo, conforme alínea b) do n.º 3 do referido artigo, cuja responsabilidade originária é da entidade devedora. A taxa de retenção na fonte é a prevista na alínea e) do n.º 2 do art. 80.º CIRC, isto é 15%” – cf. relatório de inspecção tributária a fls. 25 e seguintes do Processo Administrativo apenso aos autos, documento para o qual se remete e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

12. Por ofício n.º 230/322 de 06.08.2003 a Direcção de Finanças do Porto notificou a Impugnante para, querendo, em 10 dias exercer o direito de audição, sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção tributária, o qual foi enviado em anexo, nos termos e para os efeitos previstos nos art. 60.º da Lei Geral Tributária e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária – cfr. notificação de fls. 21 e 22 do Processo Administrativo apenso aos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

13. Em 22.08.2013 a sociedade Impugnante exerceu o seu direito de audição, pela forma escrita – cf. informação de fls. 59/60 do Processo Administrativo apenso aos autos bem como daquela peça processual a fls.63 e seguintes também do Processo Administrativo apenso, documentos para os quais se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

14. Em 28.08.2003 foi lavrada informação nos seguintes termos: “no decurso da acção inspectiva ao Sujeito Passivo em epígrafe identificado, constatamos que pagou rendimentos a não residentes (Uruguai) sujeitos a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, cf. n.º 3, alínea c) – 7 do art. 4.º CIRC, sem que contudo tenha procedido à retenção do imposto a título definitivo que se mostra devido – alínea g) do n.º 1 do art. 88.º e alínea b) do n.º 3 do referido artigo. Porque a responsabilidade é originária da entidade pagadora de tais rendimentos – n.º 4 do art. 106.º e são devidos os respectivos juros compensatórios, informamos, para os devidos efeitos que os montantes em causa são os seguintes”, sendo ambos devidos por força de pagamentos efectuados à C……….., S.A., nas datas de 28.12.2001 e 28.03.2001, nos valores de € 400.000 e € 599.555,07, ambos à taxa de 15%, seria o imposto a reter de € 60.000 e € 89.933,26, num total de € 149.933,26 – cfr. informação de fls. 24 do Processo Administrativo apenso aos autos, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

15. Sobre este relatório e informação, foi, em 01,09.2003 exarado parecer: “Confirmo. Para efeitos de cobrança de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas não retido – al. g), n.º 1 e b) n.º 3 do art. 88.º do CIRC – e respectivos juros compensatórios, a presente informação deve ser remetida ao DLIRD” – cf. parecer de fls. 23 do Processo Administrativo apenso aos autos;

16. Sobre este parecer, a Chefe de Divisão, por subdelegação do D.F. Adjunto, despacho n.º 2/2003 de 7 de Junho, proferiu, em 02.09.2003, despacho determinando a remessa à DLIRD – cfr. despacho de fls. 23 do Processo Administrativo apenso aos autos;

17. Em 01.10.2003 a Administração Tributária emitiu a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas n.º ……….., referente ao ano de 2001, em nome da Impugnante, determinando um valor a pagar de € 172.463 (€ 149.933,26 a título de imposto e € 22.530,47 de juros compensatórios) e cuja data limite de pagamento voluntário foi em 17.11.2003 – cfr. liquidação de fls. 6 dos autos, numeração referente ao processo físico, documento 1 da Petição Inicial, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

18. Em 17.02.2004 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal a presente Impugnação Judicial – cf. carimbo aposto no rosto da Petição Inicial a fls. 1 dos autos».


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2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A AT, com referência ao ano de 2001, liquidou adicionalmente à sociedade ora Recorrente IRC, que considerou devido pelos pagamentos efectuados por esta sociedade à sociedade denominada “C………..”, com sede no Uruguai (entidade não residente), no âmbito dos contratos que referiu, celebrados entre ambas as sociedades, e que, a seu ver, a Recorrente deveria ter retido aquando do pagamento (à taxa de 15%).
Esses pagamentos foram efectuados pela aquisição que a ora Recorrente fez, de 50% dos direitos desportivos do jogador conhecido como B………… e de 22,5% dos direitos desportivos do jogador D……….., à “C………….”, que esta, por sua vez, tinha adquirido directamente ao jogador B……….. e ao “Club Tacuary FBC” (neste caso 45% dos direitos), respectivamente.
Considerou a AT, na fundamentação daquele acto de liquidação adicional, em suma, que os montantes pagos pela ora Recorrente àquela sociedade não residente estão sujeitos a tributação, ao abrigo do disposto no art. 4.º, n.ºs 2 e 3, alínea c), 7), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) – aqui e adiante, citado na redacção em vigor à data –, que diziam: «[…] 2- As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos. 3- Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam: […] c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado: […] 7) Rendimentos derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com excepção dos relativos a transportes, comunicações e actividades financeiras».
Considerou ainda que a ora Recorrente deveria ter retido na fonte, a título definitivo, o imposto devido, atento o disposto no art. 88,º, n.ºs 1, alínea g), e 3, alínea b), do CIRC, que dispunha: «1- O IRC é objecto de retenção na fonte relativamente aos seguintes rendimentos obtidos em território português: […] g) Rendimentos provenientes da intermediação na celebração de quaisquer contratos e rendimentos de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com excepção dos relativos a transportes, comunicações e actividades financeiras […] 3- As retenções na fonte têm a natureza de imposto por conta, excepto nos seguintes casos em que têm carácter definitivo: […] b) Quando, não se tratando de rendimentos prediais, o titular dos rendimentos seja entidade não residente que não tenha estabelecimento estável em território português ou que, tendo-o, esses rendimentos não lhe sejam imputáveis».
Mais considerou que essa retenção na fonte deveria ter sido feita à taxa de 15%, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 2 do art. 80.º do CIRC, que dispunha: «2- Tratando-se de rendimentos de entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português e aí não possuam estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis, a taxa do IRC é de 25%, excepto relativamente aos seguintes rendimentos: […] e) Comissões por intermediação na celebração de quaisquer contratos e rendimentos de prestações de serviços referidos no nº 7) da alínea c) do nº 3 do artigo 4º, em que a taxa é de 15%.».
Cumpre ainda ter presente que a AT, já após a ora Recorrente ter exercido o direito de audiência prévia à conclusão do relatório da inspecção que deu origem às correcções em causa, procurando refutar o argumento aduzido em sede do exercício daquele direito, deixou dito o seguinte: «Refere o contribuinte estarmos em presença da aquisição de “Direitos” detidos por um não residente. Será relevante referir que estamos em presença de direitos desportivos, os quais se consubstanciam num direito de indemnização conforme artigo 22.º do Contrato de Trabalho Desportivo – Dec.-Lei 305/95, de 18 de Novembro e n.º 2 do artigo 18.º – Dec.-Lei 29/98, de 26 de Junho. Entendemos que tais direitos configuram uma prestação de serviços, v.g. o acolhimento dado pelo artigo 4.º n.º 3 do CIVA. Pelo que mantemos a posição inicialmente assumida».
Ou seja, a AT entendeu que o pagamento efectuado pela ora Recorrente, residente no nosso País, à referida sociedade não residente constituía para esta um rendimento de “outras prestações de serviços” e que esse rendimento estava sujeito a tributação por retenção na fonte, à taxa de 15%. Porque a sociedade ora Recorrente não procedeu à retenção, a AT, em conformidade com o seu entendimento, procedeu à liquidação do imposto que considerou em falta.
A sociedade ora Recorrente, discordando desse entendimento, impugnou a liquidação. Sustentou, em síntese, que os dois contratos em causa e que celebrou com a referida sociedade não residente, de aquisição de uma parte dos direitos desportivos de jogadores profissionais de futebol (geralmente denominados “passe”), não são contratos de prestação de serviços, cuja definição legal deve buscar-se no art. 1154.º do Código Civil (CC), atenta a regra de interpretação consagrada no n.º 2 do art. 11.º da Lei Geral Tributária (LGT). Os referidos contratos são de transmissão de direitos desportivos, direitos que a ora Recorrente adquiriu à referida sociedade não residente, ou seja, não são mais do que contratos de compra e venda de direitos de crédito, aos quais é directamente aplicável o regime estabelecido nos arts. 874.º e segs. do CC.
Assim, concluiu o ora Recorrente na petição inicial que apresentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, porque a lei fiscal está subordinada a uma reserva absoluta de lei e a analogia está expressamente proibida (cfr. art. 11.º, n.º 4, da LGT), não pode sequer ensaiar-se, como fez a AT (no seu «único argumento timidamente invocado no […] relatório de inspecção tributária para a pretensa subsunção da transmissão de direitos desportivos no conceito de prestação de serviços»), a subsunção ao conceito de prestação de serviços tal como vertida no art. 4.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e, pelo contrário, a invocação deste preceito «acaba mesmo por reforçar inequivocamente conclusão inversa da que aquele relatório pretendeu fundar». Isto porque esta disposição legal do CIVA «só existe, precisamente, porque o legislador fiscal, consciente do recorte claro do conceito de prestação de serviços, e sabendo que nele não se incluem manifestamente a transmissão de quaisquer direitos, teve necessidade de dizer que «são equiparadas a prestação de serviços» a transmissão temporária ou definitiva dos direitos desportivos de um jogador de futebol».
A sentença parece ter anuído à argumentação da AT, ora Recorrida, e confirmou a legalidade desse acto de liquidação adicional.
Se bem a interpretamos, considerou a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, depois de salientar que nos autos apenas está em causa «avaliar a transacção ocorrida entre a C……….. e a A……….. – Gestão de Carreiras de Profissionais Desportivos, S.A.» e também depois de diversas referências ao regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, aprovado pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho (ELI: https://data.dre.pt/eli/lei/28/1998/p/cons/20170714/pt/html.), em vigor à data (Esta lei veio a ser revogada pelo art. 43.º da Lei n.º 54/2017, de 14 de Julho.), considerou que se impõe «caracterizar o contrato celebrado entre aqueles jogadores e a entidade uruguaia, para saber o que é que por força da sua celebração foi transmitido», a fim de «saber, em concreto, sobre que tipo de direito incidiu a aquisição da Impugnante» (Os direito adquiridos pela ora Recorrente à “C………..” haviam sido transferidos para esta, num dos casos pelo próprio jogador e no outro pelo clube com quem o jogador tinha contrato de trabalho desportivo.).
Depois, referiu o conceito de direitos desportivos e aludiu à doutrina da Circular n.º 18/2011, para concluir, de modo enigmático, nos seguintes termos:
«Considerando a possibilidade de individualizar os direitos desportivos, fazendo sobre eles incidir um contrato autónomo, sendo que este foi celebrado pelo jogador e não por um Clube, ou entidade desportiva, com quem este tivesse celebrado contrato de trabalho desportivo, e que adquirente foi uma entidade terceira, também ela não desportiva;
No momento em que a Impugnante adquire aqueles direitos à C…………, com o objectivo de, no âmbito da execução do contrato de representação desportiva, ser livremente permitido ao jogador celebrar contrato de trabalho desportivo, sempre diremos que bem andou a Administração Tributária na liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas aqui impugnada improcedendo, por isso, a presente Impugnação».
A Impugnante, inconformada com o sentido da decisão, recorreu da sentença para este Supremo Tribunal. Em síntese, mantém que a AT não só errou na aplicação das normas de incidência, como também fez apelo a uma regra de incidência do IVA, tudo em violação de lei, que determina a anulação do acto impugnado. Considerou ainda que se a AT pretendia dar ao negócio celebrado entre ela Recorrente e a sociedade um enquadramento jurídico diverso do que lhe foi conferido pelas partes, deveria ter lançado mão dos expedientes próprios, v.g., ou accionando a cláusula anti-abuso (cfr. art. 38.º, n.º 2, da LGT), o que lhe exigiria a utilização do procedimento previsto no art. 63.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ou a simulação (cfr. art. 39.º da LGT). Considerou ainda que, a AT, ao invés de previamente estabelecer se sobre os rendimentos em causa incidia IRS, deu como adquirido que o imposto deveria ter sido retido e assumiu a existência de uma prestação de serviços com base numa norma do Código do IVA, que não tem a virtualidade de transfigurar a realidade fáctica em rendimento sujeito a IRC. Realçou ainda que o montante que pagou à sociedade uruguaia a título de preço i) não pode ser qualificado como a indemnização prevista no art. 18.º, n.º 2, da Lei n.º 28/98, pois, por um lado, esta sociedade não é uma entidade desportiva e, por outro, os jogadores eram “livres” (i.e., sem contrato de trabalho desportivo com qualquer clube desportivo), motivo por que também não havia lugar ao pagamento de indemnização alguma que, ademais, só seria devida se se tratasse de uma transferência de jogadores entre dois clubes portugueses e ii) também não pode ser visto como “prémio de assinatura” (exigido pelo jogador “livre” ao clube com quem celebra contrato de trabalho desportivo), pois este é pago aos próprios jogadores e a Recorrente não lhes pagou o quer que fosse.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando considerou legal a liquidação efectuada pela AT no pressuposto de que a ora Recorrente deveria ter retido, e não reteve, IRC pelo pagamento que efectuou a uma sociedade não residente no âmbito dos contratos por que adquiriu a esta sociedade parte dos direitos desportivos de dois jogadores profissionais de futebol. A indagação dessa legalidade será a efectuar à luz da fundamentação externada pela AT em suporte do acto (Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar em diversas ocasiões, sendo é exclusivamente à luz da fundamentação externada pela AT quando da prática da liquidação que deve aferir-se a legalidade desse acto tributário, não podendo o tribunal substituir-se à AT na escolha de outros fundamentos que porventura entenda que justificariam o acto impugnado. Nesse sentido, entre outros os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário:
- de 23 de Setembro de 2015, proferido no processo n.º 1034/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/942e8a77d8018eba80257ecb004e9125;
- de 18 de Maio de 2016, proferido no processo n.º 493/16, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a6d227855575ae3380257fbc0048b0da.), qual seja a de que os rendimentos em causa respeitam a outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português e, porque pagos por entidade com sede em território nacional a não residente, estão sujeitos a tributação, a efectuar mediante retenção na fonte a título definitivo.

2.2.2 DA LEGALIDADE DA TRIBUTAÇÃO

A nosso ver, e em conformidade com o parecer do Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, a Recorrente tem razão quando se insurge contra a sentença, que confirmou a a legalidade da liquidação efectuada pela AT. Vejamos:
A liquidação foi efectuada pela AT mediante a invocação do disposto no art. 4.º, n.ºs 2 e 3, alínea c), 7), do CIRC, que dispunha: «[…] 2- As pessoas colectivas e outras entidades que não tenham sede nem direcção efectiva em território português ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos. 3- Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado e, bem assim, os que, não se encontrando nessas condições, a seguir se indicam: […] c) Rendimentos a seguir mencionados cujo devedor tenha residência, sede ou direcção efectiva em território português ou cujo pagamento seja imputável a um estabelecimento estável nele situado: […] 7) Rendimentos derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português, com excepção dos relativos a transportes, comunicações e actividades financeiras».
Ou seja, a AT enquadrou os rendimentos auferidos pela “C………….” – apesar de esta não ter sede nem direcção efectiva no nosso País, o devedor (a ora Recorrente) tem sede em território português – como “rendimentos derivados de outras prestações de serviços realizados ou utilizados em território português”.
No entanto, no caso sub judice os contratos celebrados entre a ora Recorrente e a sociedade não residente denominada “C………..” referem-se à transmissão de direitos desportivos.
Esses direitos desportivos [(Quanto à distinção entre direitos desportivos ou federativos e os direitos económicos associados aos primeiros, vide o parecer do Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal, bem como as referências doutrinais e jurisprudenciais que nele foram feitas. Vide também os dois primeiros números da Circular n.º 18/2011, da Direcção de Serviços do IRC, do seguinte teor:
«1. «Direitos desportivos» são os direitos que emergem na esfera de um Clube/Sociedade Anónima Desportiva (SAD) em resultado da celebração de um contrato de trabalho desportivo com um jogador e que permite a esse Clube/SAD inscrevê-lo numa Federação desportiva ou numa Liga Profissional, para o poder utilizar nas competições em que participa.// 2. Denomina-se «direitos económicos relativos a direitos desportivos» ou «direitos económico-desportivos», o direito à compensação exigida por um Clube/SAD que detém um contrato de trabalho desportivo com um jogador, para que prescinda desse jogador em favor de outro Clube/SAD, permitindo assim a sua transferência para essa outra entidade desportiva com a qual vai ser celebrado um novo contrato de trabalho desportivo».)] – cujo valor económico vulgarmente é designado como passe – apenas podem titulados por um clube desportivo ou por uma sociedade anónima desportiva (SAD), qualidade que nem a ora Recorrente nem a sociedade uruguaia detinham como bem salientou o Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, para o qual remetemos. Por outro lado, como também ficou referido no parecer do Ministério Público, à data em que foram celebrados os contratos entre ambas as sociedades nenhum dos jogadores tinha contrato desportivo de trabalho, nem sequer residência em Portugal. O que tudo suscita algumas dúvidas quanto ao conteúdo e validade desses contratos, como também refere o Procurador-Geral Adjunto. Mas, independentemente dessas dúvidas (Note-se que, para efeitos fiscais, não releva a eventual invalidade do negócio, como resulta do disposto no n.º 1 do art. 38.º da LGT, que dispõe: «A ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes».), certo é que os mesmos não podem ser configurados como prestação de serviços, pois não foi invocada pela AT factualidade que os permita integrar nessa modalidade contratual.
Na verdade, prestação de serviços, nos termos do disposto no art. 1154.º do CC, é o contrato pelo qual «uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição». Como bem salientou a Recorrente, na interpretação da lei fiscal há que observar o disposto no n.º 2 do art. 11 da LGT, que dispõe: «Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei». Ora, apesar de não conhecermos o teor dos contratos, o que resulta dos autos é apenas que deles consta que a ora Recorrente adquiriu, na proporção neles mencionada, os direitos desportivos dos referidos jogadores. Não vislumbramos, pois, como esses contratos poderão ser qualificados como prestação de serviços, atento o disposto no citado art. 1154.º do CC.
É certo que a sentença parece ter aderido à tese da Circular n.º 18/2011, de 19 de Maio de 2011 (Disponível em http://www.taxfile.pt/file_bank/news2411_9_1.pdf.), de cujos n.ºs 8 a 10, transcritos pela Juíza do Tribunal a quo resulta: «8. No caso de o jogador se encontrar “livre”, ou seja, sem contrato de trabalho desportivo em vigor, quando surge uma entidade não desportiva não residente a cobrar uma importância a um Clube/SAD residente que pretende celebrar um contrato de trabalho desportivo com o jogador, estes direitos económicos não têm na sua origem direitos desportivos, uma vez que inexiste contrato de trabalho desportivo. Nestas condições, a celebração de um futuro contrato de trabalho desportivo subsume-se no direito equivalente ao prémio de assinatura que um jogador poderia exigir pela celebração do novo contrato.// 9. Assim, os rendimentos obtidos pela entidade não residente, em contrapartida da assinatura de um futuro contrato de trabalho desportivo com um Clube/SAD residente, consideram-se rendimentos derivados do exercício em território português da actividade de desportistas, sujeitos a IRC, por força da norma de localização constante na alínea d) do n.º 3 do artigo 4.º do Código do IRC.// 10. Os rendimentos obtidos com a cedência de direitos que se subsumem na figura de prémio de assinatura, por uma entidade não residente em território português, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% nos termos n.º 4 do artigo 87.º, conjugado com o n.º 5 do artigo 94.º, ambos do Código do IRC. […]».
No entanto, a fundamentação aduzida pela AT para suportar o acto impugnado não foi essa (a que veio a constar dos pontos 9 e 10 da citada Circular). Nem poderia ter sido, uma vez que, à data em que o acto foi praticado, não estava ainda em vigor a alínea d) do n.º 3 do art. 4.º do CIRC na redacção referida na Circular, que apenas foi introduzida pela Lei 32-B/2002 de 30 de Dezembro. É certo que, à data dos factos, o art. 4.º, n.º 3, alínea d), estendia a tributação em IRC aos «[r]endimentos derivados do exercício em território português da actividade de profissionais de espectáculos ou desportistas, excepto quando seja feita prova de que estes não controlam directa ou indirectamente a entidade que obtém o rendimento». Mas, independentemente de saber se seria ou não viável a subsunção dos rendimentos em causa nessa previsão (e parece que sempre faltaria o requisito exercício em território português da actividade dos jogadores), a verdade é que não foi essa a norma legal invocada pela AT para praticar o acto impugnado.
A fundamentação utilizada pela AT foi a de que os rendimentos em causa se subsumiam à previsão do art. 4.º, n.º 3, alínea c), 7) – porque provenientes de uma prestação de serviços realizada em território português – e, por isso, sujeita a retenção na fonte nos termos da leitura conjugada dos arts 88.º, n.ºs 1 alínea g), e 3, alínea b), e 80.º, n.º 2, alínea e), todos do CIRC.
Ora, como deixámos já dito, a legalidade do acto impugnado não pode ser aferida pelo Tribunal senão à luz da fundamentação externada pela AT em suporte do acto e os rendimentos em causa não podem considerar-se provenientes de prestação de serviços e, muito menos, de serviços prestados no território nacional.
Finalmente, se a AT entendia que o contrato em causa encobria uma realidade fáctica diversa da por ele titulada e sujeita a tributação, impunha-se-lhe que tivesse lançado mão dos mecanismos próprios para tributar essa realidade.
Seguro é que essa tributação não poderá ocorrer ao abrigo do disposto no art. 4.º, n.º 3, alínea c), 7), do CIRC, e, consequentemente, também inexistia a obrigação de retenção na fonte nos termos dos arts 88.º, n.ºs 1 alínea g), e 3, alínea b), e 80.º, n.º 2, alínea e), todos do CIRC.
A sentença recorrida, que entendeu em sentido contrário, não pode manter-se e, ao invés, deverá ser revogada; consequentemente, conhecendo-se da impugnação judicial, haverá de anular-se o acto impugnado, tudo como decidiremos a final.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A legalidade de uma liquidação não pode ser sindicada judicialmente senão à luz do discurso que a AT externou para a fundamentar.

II - A cedência de direitos desportivos de um jogador profissional de futebol efectuada por uma sociedade não residente a uma sociedade residente, que uma e outra não são SAD nem clube desportivo, não constitui prestação de serviços para efeitos da previsão legal do art. 4.º, n.º 3, alínea c), 7), do CIRC (na redacção aplicável).


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, julgando a impugnação judicial procedente, anular a liquidação impugnada.

Custas pela Recorrida [cfr. art. 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT].


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Lisboa, 26 de Junho de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.