Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0398/19.7BEPNF
Data do Acordão:09/25/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:PRESCRIÇÃO
PRAZO
Sumário:I - O Prazo de 5 anos a que se refere o artigo 48º, n.º 3 da LGT conta-se do final do ano civil em que ocorreu a liquidação do imposto e não da própria data da liquidação do imposto
II - Tratando-se o regime previsto no artigo 48º, n.º 3 da LGT, de um regime especial mais favorável estabelecido a favor dos devedores subsidiários, tratando-se, por isso de uma discriminação positiva, não se vê que duas situações semelhantes respeitantes a devedores subsidiários, mas em que as datas da liquidação do imposto e da citação diferem alguns dias, ou seja, a situação factual difira entre ambos, possa originar uma desigualdade constitucionalmente protegida.
Nº Convencional:JSTA000P24893
Nº do Documento:SA2201909250398/19
Data de Entrada:08/05/2019
Recorrente:A............
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, inconformado, reclama da decisão sumária proferida nos autos e datada de 21.08.2019, que negou provimento ao presente recurso, pedindo que a mesma seja revogada e seja concedido provimento ao presente recurso.
Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:
A-Percorrida a Decisão Sumária em apreço, em lado algum se encontra a justificação, à luz do artigo 656º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, para a admissibilidade de conhecimento do objecto do recurso através de decisão sumária.
B-A inexistência de justificação dos pressupostos para a admissibilidade do conhecimento do objecto do recurso por decisão sumária é, por si só, suficiente para esta reclamação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogada a Decisão Sumária e substituída por Acórdão que aprecie o recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente.
C-Mesmo que assim não se entendesse, os pressupostos para que o objecto do recurso fosse apreciado por decisão sumária (artigo 656º do CPC) não se encontram preenchidos porquanto a Fundamentação da Decisão Sumária não se apoia em jurisprudência uniforme e reiterada, que não existe no sentido defendido na mesma, nem o objecto do recurso é manifestamente infundado.
D-Quanto ao mérito da Decisão Sumária, o recorrente considera que os argumentos já apresentados nas suas alegações demonstram que não assiste razão ao Exmo. Sr. Juiz Relator na fundamentação que perfilhou, conforme supra explicado.

No recurso que o recorrente havia interposto da decisão proferida pelo TAF de Penafiel insurgiu-se contra a mesma, por entender que teria ocorrido uma errada interpretação das normas legais que regulam a concreta situação, tendo formulado as seguintes conclusões:
A. O objecto do presente recurso resume-se em aferir, à luz do direito, como deve ser contado o prazo de cinco anos a que alude o n.º 3 do artigo 48º da LGT segundo o qual «a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação».
B. Ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo, ao Recorrente não se suscitam dúvidas que a correcta interpretação da norma em apreço determina que a contagem do prazo de cinco anos se inicia na data da liquidação emitida ao devedor originário e, por força das regras de contagem dos prazos aplicáveis (ie., alínea c) do artigo 279º do Código Civil), o seu termo corresponderá ao dia e mês a que corresponda, dentro do quinto ano, à data da liquidação.
C. O n.º 3 do artigo 48º da LGT reporta-se expressamente à «liquidação» como o momento a partir do qual se contam os cinco anos de que a AT dispõe para promover a reversão das dívidas exequendas contra os devedores subsidiários.
D. E «liquidação» é um conceito jurídico-tributário inequívoco: corresponde ao acto administrativo consubstanciado na operação matemática de apuramento de um imposto em concreto através da aplicação de uma taxa a uma base tributável.
E. Reportando-se a lei tão-só à «liquidação», não é legítimo concluir-se que o seu significado é diferente daquele a que corresponde o próprio conceito jurídico-tributário de «liquidação», ou seja, ao acto de apuramento pela AT do imposto em dívida que se concretiza e se esgota numa precisa data (e não «no ano» ou «no fim do ano» como parece entender o Tribunal a quo ou na «notificação» da liquidação como vinha defendido pela AT no acto reclamado).
F. Esta conclusão é a única que é possível retirar da análise do preceito à luz dos seus elementos literal e teleológico (cfr. artigo 11º da LGT e artigo 9º do Código Civil).
G. Sobre o elemento literal do n.º 3 do artigo 48º da LGT, convém lembrar a obrigação interpretativa de não atribuir a uma norma um sentido que não possa ser extraído, com um mínimo de segurança, do texto legal, principalmente quando este apela a um conceito jurídico-tributário como o de «liquidação». Não esqueçamos que se deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, principalmente quando envolve conceitos jurídico-tributários.
H. A interpretação dada a este preceito legal na sentença recorrida no sentido de que o prazo de cinco anos se contará do «ano» da liquidação (e não da liquidação propriamente dita) não está em lado algum da norma, nem pode ser de algum modo intuído.
I. Sobre o elemento teleológico, a norma em apreço, inserida no instituto da prescrição das dívidas tributárias, é uma garantia dos contribuintes e serve precisamente para enquadrar e limitar a actuação da administração tributária, ou seja, em nome do princípio da segurança jurídica, a administração está obrigada a verificar se estão ou não concretamente cumpridas as condições da reversão, e a efectivar essa reversão dentro de um determinado prazo.
J. Se assim é, estabelecer a contagem do prazo daquela actuação da AT a partir do «ano» (ou do «termo do ano») do acto de liquidação, e não da data da liquidação, seria absolutamente contrário ao espírito do legislador; a AT obteve conhecimento da liquidação no próprio dia em que a concretizou e é a partir desta data que poderá utilizar os expedientes ao seu dispor para cobrar a receita tributária que entende devida e, se for o caso, chamar os seus responsáveis subsidiários.
K. Em face deste elemento teleológico, o elemento literal do n.º 3 do artigo 48º da LGT nunca poderia ser outro: se a reversão de uma execução contra os devedores subsidiários não ocorrer dentro dos cinco anos contados da prática do acto de liquidação, não são oponíveis àqueles quaisquer eventuais causas de interrupção do prazo de prescrição verificados no devedor principal.
L. E, inexistindo na legislação tributária qualquer disposição que regule a contagem daquele prazo, dever-se-á aplicar, ex vi alínea d) do artigo 2º da LGT, as regras previstas no artigo 279.º do Código Civil, mais precisamente, a alínea c), segundo a qual «o prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês».
M. Em face do exposto, não restam dúvidas de que o Recorrente só foi citado para a execução por reversão depois de decorridos cinco anos da liquidação, nos termos do n.º 3 do artigo 48º da LGT, não lhe sendo oponíveis quaisquer causas de interrupção da prescrição ocorridas na esfera do devedor principal, devendo ser declarada a prescrição da dívida exequenda quanto ao Recorrente.
N. Se este Venerando Tribunal entender que a interpretação correcta do n.º 3 do artigo 48º da LGT é a que foi sancionada pelo Tribunal recorrido, terá este Tribunal de apreciar e declarar a inconstitucionalidade material desta norma por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, assim como do princípio da proporcionalidade emanado daquele princípio, uma vez que a norma atribui um tratamento discriminatório e desproporcional, sem que exista qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva ou racional, ao não considerar como o momento relevante do início da contagem do prazo de cinco anos a data da liquidação.
O. Por fim, nos termos e para os efeitos n.º 7 do artigo 6.º do RCP, requer-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, estando os respectivos pressupostos preenchidos.

Reitera agora, no essencial, o que já havia dito no seu recurso, alegando ainda que a decisão sumária reclamada não respeita o disposto no artigo 656º do CPC.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
A) Em 09/02/2011 o SF de Santo Tirso efectuou a liquidação n.º 2011 8310001156, atinente a IRC do ano de 2007, e relativo ao sujeito passivo B…………, S.A., NIF ………, da qual resultou um valor a pagar de € 3.100.131,48;
B) Em 15/04/2011 o SF de Santo Tirso instaurou contra a B…………, S.A., o PEF n.º 1880201101014307, para cobrança coerciva de uma dívida no montante de € 3.126.696,35, proveniente da falta de pagamento de IRC de 2007 apurado na liquidação descrita na alínea precedente, e respectivos juros compensatórios;
C) Em 26/04/2011 a B…………, S.A. foi citada para a execução fiscal descrita na alínea precedente;
D) Em 10/02/2016 foi proferido despacho de citação do Reclamante, por reversão da execução descrita na alínea B) contra si;
E) Despacho esse que foi recepcionado pelo Reclamante em 12/02/2016;
F) Em 22/11/2018, o Reclamante requereu ao Chefe do SF de Santo Tirso, no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea B), que “declare a prescrição da dívida exequenda e a consequente inexigibilidade do seu pagamento, quanto ao ora Requerente”, nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento de fls. 101 a 103 dos autos (SITAF), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
G) Em 20/02/2019 a Chefe do SF de Santo Tirso proferiu despacho com o seguinte teor, entre o mais “(…)
Em sequência do pedido de declaração de prescrição da dívida exequenda, informa-se que a mesma não será devida uma vez que os processos não se encontram prescritos, atendendo a que:
No âmbito do processo de execução fiscal supra referido foi efetuada a reversão contra os responsáveis subsidiários, administradores de facto e de direito da devedora originária, Sociedade B…………, SA, anteriormente designada C…………, SGPS, SA, com sede na Rua do ………, n.º ……, sala …… - Porto, matriculada na Conservatória do registo comercial com o NIPC ……….
Os responsáveis subsidiários foram validamente notificados para exercerem o direito de audição prévia em 12/03/2015, de acordo com o preceituado no n.º 4 do art. 23º da Lei Geral Tributária.
A liquidação dos tributos ocorre quando é validamente notificada ao contribuinte conforme estipulam os n.ºs 1 e 4 do art. 45º da Lei Geral Tributária. A liquidação foi notificada a 15/02/2011.
Os responsáveis subsidiários foram citados da referida reversão nos termos do art.º 160º do CPPT em 12/02/2016, antes do 5º ano posterior ao da liquidação, pelo que, a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal produziu efeitos quanto ao responsável subsidiário, de acordo com o n.º 3 do art. 48º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
A interrupção inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, a menos que a interrupção resulte de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, caso em que o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (...);
H) O despacho descrito na alínea anterior foi comunicado ao Reclamante a coberto do ofício n.º 141, o qual foi remetido para a sua residência fiscal por correspondência postal registada com A/R (n.º 414821015PT);
I) O A/R que acompanhou a dita correspondência postal foi assinado em 21/02/2019 “por pessoa a quem foi entregue”;
J) O requerimento inicial destes autos foi dirigido ao TAF de Penafiel e remetido ao SF de Santo Tirso no dia 01/03/2019.
Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.
Como ponto prévio, cumpre esclarecer que o recurso dirigido ao Tribunal Constitucional junto aos autos, será admitido, se assim o entender o recorrente, por referência a este acórdão e não por referência à decisão sumária que se encontra agora a ser sindicada.
Igualmente, o alegado nesta reclamação no tocante à decisão sumária/liminar, da sua oportunidade e conformação à norma legal que a prevê, cfr. artigo 656º do CPC, não merece tratamento autónomo e específico, uma vez que sempre está este Supremo Tribunal obrigado a conhecer do mérito da questão colocada no recurso, nos termos do disposto no artigo 652º, n.º 3 do CPC.

E desde já se dirá, que agora se reiterará o que anteriormente se deixou dito na decisão sumária/liminar.

A sentença recorrida não acolheu a tese do Reclamante de se encontrar, quanto a ele, prescrita a dívida tributária exequenda -na alegação de que decorreu o prazo de 5 anos previsto no nº 3 do art. 48º da LGT (contado desde a liquidação, em 9/2/2011, até à sua citação, por reversão, em 12/2/2016)-, julgando, pelo contrário, que tal prazo não havia decorrido, pois que aquela norma estipula que a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal (só) não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação; ora, no caso, tendo o Reclamante sido citado em 2016 (em 12/2), tal ocorreu dentro do 5º ano posterior ao ano da liquidação (2011), e não após esse 5º ano.

Assim, pede, através do presente recurso jurisdicional:
1 - Que este STA, revogando aquela sentença do TAF de Penafiel, declare prescrita a dívida tributária exequenda relativamente a si Reclamante, ora Recorrente, por decorrência do prazo de 5 anos previsto no nº 3 do art. 48º da LGT e da consequente não aplicação da interrupção do prazo de prescrição de 8 anos previsto no nº 1 do mesmo artigo.
2 - No caso de este STA entender confirmar o julgamento do TAF de Penafiel quanto à interpretação do nº 3 do art. 48º da LGT (modo de contagem do prazo aí previsto), suscita a questão da inconstitucionalidade material da norma, nessa interpretação, por alegada ofensa dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.

A questão colocada neste recurso resume-se em saber se tal norma -artigo 48º, n.º 3 da LGT- se deve interpretar como defende o recorrente -prazo de 5 anos corridos desde a data do acto de liquidação- ou se, diferentemente, como julgou a sentença recorrida, considerando que o prazo corre até ao final do 5º ano (civil) posterior ao ano (civil) em que ocorreu o acto de liquidação.
Atendendo à norma em discussão, parece-nos claro ("cristalino", como observou a sentença recorrida) que a interpretação não pode ser outra do que aquela que a sentença recorrida ditou; não tendo qualquer apoio, nos principais elementos ou critérios da interpretação jurídica, a interpretação avançada pelo ora Recorrente.
Efectivamente, se a norma refere textualmente que «a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de execução fiscal, for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação», parece unívoco que a prevista não produção de efeitos só ocorre se a citação do responsável subsidiário for efectuada “após o 5.º ano posterior ao [ano] da liquidação”.
É esta a solução que resulta, de forma imediata, do elemento literal da interpretação jurídica. Caso o legislador tivesse querido adoptar a solução propugnada pelo ora Recorrente, teria dito: "se a citação do responsável subsidiário não for efectuada no prazo de 5 anos a contar da liquidação" ou "se a citação do responsável subsidiário for efectuada após 5 anos a contar da liquidação" ou, quando muito, "se a citação do responsável subsidiário for efectuada após o 5º ano posterior à liquidação".
Mas referindo, diferentemente, como refere: «se a citação do responsável subsidiário for efectuada após o 5° ano posterior ao da liquidação», este «ao da liquidação» só pode referir-se ao ano (da liquidação) e não à liquidação propriamente dita.
Assim, no presente caso, tendo a liquidação ocorrido no ano de 2011 (em 9/2), a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal só não produziria efeitos quanto ao ora Recorrente, responsável subsidiário, se a citação deste não fosse efectuada até ao final de 2016 (visto que os 5 anos posteriores ao ano da liquidação são 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016).
Bem andou, pois, a sentença recorrida ao julgar desta forma e ao concluir, em consequência, que aplicando-se ao ora Recorrente a interrupção da prescrição operada relativamente à devedora principal, era de confirmar o entendimento das Finanças de Santo Tirso quanto à não verificação da prescrição da dívida exequenda quanto ao Reclamante, devedor subsidiário.
Também não tem razão o Recorrente quando estriba a sua argumentação no art. 279° do C.Civil, uma vez que, como este artigo explicita no seu proémio, as suas regras aplicam-se «em caso de dúvida». Ora, no presente caso, nenhuma dúvida se coloca que requeira resposta nas regras do aludido art. 279º do C Civil; e sem esquecer que o art. 296º do CCivil bem refere que «as regras constantes do artigo 279.º são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário (...)». Ora, o legislador estabeleceu no nº 3 do art. 48º da LGT um regime específico de previsão de prazo que faz relevar os 5 anos (civis) posteriores ao ano (civil) em que ocorreu a liquidação, não tendo estabelecido - contrariamente ao defendido pelo Reclamante, ora Recorrente - um prazo de 5 anos a contar da data da liquidação.
No caso, a solução legal - de estabelecimento do prazo em causa até ao final do ano civil e não até à data correspondente, no ano final, à data da liquidação - é materialmente fundada no figurino anual dos tributos periódicos e na concepção de "ano fiscal" intimamente ligada a esta espécie de tributos (como é o aqui em causa: IRC).
Aliás, tal concepção e, portanto, tal solução, vem no seguimento da distinção prescritiva efectuada no nº 1 do mesmo art. 48º da LGT para, precisamente, os impostos periódicos por oposição aos impostos de obrigação única.
Quer isto dizer que a interpretação do preceito legal sufragada em primeira instância é também aquela que se alcança a partir do elemento sistemático da interpretação normativa.
Refira-se, mesmo, que a solução do início da contagem do prazo prescricional, de 8 anos, previsto no nº 1 do art. 48º, a partir do final do ano civil é já a adoptada, desde 1/1/2005, para o IVA e para os impostos sobre o rendimento por retenção na fonte, "ex vi" da redacção introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2005, Lei 55-B/2004, de 30/12.

Com efeito, o legislador português, contrariamente ao que sucede em outros ordenamentos jurídicos, optou por um critério para fixar o início da contagem do prazo prescricional que não é o 'critério natural', ou seja, o do momento a partir do qual a dívida se torna exequível e que seria o momento após o termo do prazo para o respectivo pagamento voluntário. A solução legislativa adoptada entre nós - que, maioritariamente, se reconduz, como dissemos, à contagem do prazo a partir do início do ano civil - é de molde a imprimir maior segurança jurídica, pois assegura uma tendencial uniformização na contagem dos prazos, neutralizando a complexidade que decorreria da utilização do mencionado ‘critério natural’, dependente dos diferentes prazos de pagamento dos impostos fixados nos respectivos regimes legais.
E é também este o critério que, pelas mesmas razões (elemento teleológico da interpretação normativa), é adoptado no n.º 3 do artigo 48.º da LGT a propósito da fixação do momento inicial e final da contagem do prazo de cinco anos para a citação do responsável tributário, ou seja, como a contagem do prazo só se inicia a partir do termo do ano em que se verificou a liquidação, também só termina no fim do quinto ano após aquela data, i. e., no caso, no fim do ano de 2016.
É certo que daqui resulta que o artigo 48.º estipula uma diferença entre o critério para o início da contagem do prazo de prescrição - o termo do ano em que se verificou o facto tributário - e o critério para o início da contagem do prazo para a citação do responsável tributário, sob pena de não poderem operar-se relativamente a ele as causas de interrupção da prescrição - o termo do ano em que ocorreu a liquidação. Mas esta é uma diferença perfeitamente compreensível se tivermos em conta que o responsável tributário não é parte na relação jurídica tributária e não é sujeito passivo das obrigações tributárias, não participando, por isso, da gestão do imposto (não participa do procedimento de autoliquidação nem controla a obrigação de entrega da declaração do IRC) ou de procedimentos de inspecção tributária dos quais resulte uma liquidação adicional. Portanto, para ele, o prazo para que a AT se considere investida do dever de desencadear os mecanismos de cobrança coerciva da divida tributária, verificados os pressupostos da sua responsabilidade, só poderia começar a contar-se a partir da liquidação. Assim, e aplicando a regra de uniformização por anos civis, a AT, para assegurar a oponibilidade ao responsável tributário da interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal (que também lhe aproveita segundo o n.º 2 do artigo 48.º), tem de proceder à sua citação até ao termo do 5.º ano posterior ao ano em que ocorreu a liquidação.
Assim, o recurso não merece provimento quanto a esta questão.
Alega ainda o recorrente, que uma interpretação do nº 3 do art. 48º da LGT como a efectuada anteriormente sempre seria inconstitucional pois ofenderia os princípios da igualdade e da proporcionalidade ao estabelecer uma desigualdade arbitrária e sem fundamento entre devedores subsidiários: se dois forem citados, um no final de um ano e outro no início do ano seguinte, este resultará "prejudicado" em quase um ano de prazo prescricional relativamente ao primeiro, não obstante as liquidações terem ocorrido num espaço de dias.
Também aqui o Recorrente não tem razão.
Desde logo, e contra o que o Recorrente parece intuir, o prazo em causa não é um prazo de prescrição mas tão só um prazo estabelecido para fazer operar, ou não, relativamente ao devedor subsidiário, a interrupção verificada quanto ao devedor principal.
Ou seja, trata-se de um mecanismo excepcional reservado apenas aos devedores subsidiários (excluindo-se portanto os devedores originários e solidários) que encontra a sua razão de ser no facto de os responsáveis subsidiários não serem os sujeitos originários da relação jurídica tributária e só serem chamados a ela mediante a citação.
Portanto, sendo tal demora (5 anos além do ano em que ocorreu a liquidação) da responsabilidade da AT, negligência ou desinteresse no exercício do direito, o legislador estabeleceu um regime que limita no tempo a produção de efeitos dos actos interruptivos que tenham ocorrido na esfera jurídica dos restantes devedores.
Na verdade, o regime regra, cfr. art. 48º, n.º 2 -as causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários- surge limitado temporalmente por força daquele n.º 3.
Tratando-se, assim, de um regime especial mais favorável estabelecido a favor dos devedores subsidiários, tratando-se, por isso de uma discriminação positiva, não se vê que duas situações semelhantes respeitantes a devedores subsidiários, mas em que as datas da liquidação do imposto e da citação diferem alguns dias, ou seja, a situação factual difira entre ambos, possa originar uma situação capaz de justificar uma protecção constitucional à luz do princípio da igualdade que se traduzisse num tratamento igualitário.
Acresce que a utilização do critério dos anos civis para o início da contagem do prazo de prescrição (em alternativa ao critério do momento em que as dívidas fiscais se tornem exequíveis, segundo os diferentes prazos previstas nos diversos regimes jurídicos dos impostos), como meio de simplificação procedimental e aumento da segurança jurídica, afigura-se um critério juridicamente válido, compaginável com o princípio do Estado de Direito e que não merece censura. Não procedem, pelo já apontado, as questões de constitucionalidade suscitadas por não ser arbitrária a solução legal em questão adoptada no nº 3 do art. 48º da LGT.
Improcederá, pois, o presente recurso também nesta parte.

Pelo que fica exposto, acordam os juízes que compõem a Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em julgar totalmente improcedente a presente reclamação, bem como o recurso que nos vinha dirigido.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 3 Ucs.
D.n.
Lisboa, 25 de Setembro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Paulo Antunes.