Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0752/07.7BELRS
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:ILEGALIDADE
NOTIFICAÇÃO
ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:As ilegalidades da notificação do ato tributário não afetam a validade do ato notificado pelo que, os vícios de notificação, não integrando o ato tributário, não são fundamento de impugnação judicial.
Nº Convencional:JSTA000P25229
Nº do Documento:SA2201911270752/07
Data de Entrada:03/06/2019
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………….., SA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 25 de Maio de 2018, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de indeferimento da reclamação graciosa, apresentada contra os actos de liquidação adicional de IVA, com o nº 5226376, no montante de € 122.346,02 e de juros compensatórios, com o nº 05226377, no montante de € 26.349,65, relativas ao período de Maio de 2001.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
i. Da análise da sentença recorrida, constata-se, que o Tribunal a quo não conheceu, como estava adstrito, do vício da nulidade do ato de notificação da liquidação adicional de IVA e da liquidação de juros de compensatórios, em virtude de nos referidos atos não ter sido indicada, expressamente, a qualidade em que o referido Subdiretor-Geral decidiu (i.e., por delegação de poderes), nos termos do então n.º 9 do artigo 39.º do CPPT;
ii. Os atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios notificados à Recorrente padecem do vício de nulidade, por não conterem a menção da qualidade em que o referido Subdiretor-Geral, ………, atou (i.e., por delegação de poderes), nos termos do n.º 9 do artigo 39.º do CPPT (aplicável à data dos factos);
iii. Tratando-se de um ato de notificação nulo, nos termos do n.º 9 do artigo 39.º do CPPT, o mesmo não produz quaisquer efeitos jurídicos, pelo que o Tribunal a quo estava adstrito ao conhecimento oficioso desse vício, independentemente de a Recorrente ter ou não suscitado a questão na petição inicial;
iv. O mesmo se diga em relação ao Recurso sub judice: dado que a nulidade do ato de notificação da liquidação adicional de IVA e respetivos juros compensatórios é de conhecimento oficioso (nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 134.º do CPA aplicável à data dos factos e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 162.º do atual CPA), o facto de não ter sido suscitada perante o Tribunal a quo nem por ele apreciada em sede de Impugnação Judicial não impede que a questão seja suscitada em sede do presente recurso, pelo que o Tribunal ad quem deverá conhecer da questão;
v. O facto de a Recorrente não se ter socorrido do mecanismo a que alude o n.º 1 do artigo 37.º do CPPT não implicou a sanação do vício acima identificado, porquanto as nulidades da notificação previstas no n.º 9 do artigo 39.º do CPPT não são suscetíveis de sanação;
vi. Em face do exposto, deve a sentença sufragada pelo Tribunal a quo ser revogada por Vossas Excelências, e, em consequência, deverá a mesma ser substituída por nova decisão que comtemple as interpretações de Direito acima explanadas, dando-se provimento à pretensão da Recorrente.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A Impugnante é uma sociedade que se dedica ao exercício de administração, gestão e representação de Fundos de Valores Imobiliários, com o CAE n.º 64.201.
B) Em 14/06/2005, teve início um procedimento de inspecção externa, pela Direcção de Serviços de Inspecção tributária, que incidiu sobre as declarações periódicas de IVA de 2001 e 2002, tendo sido elaborado o respectivo relatório.
C) Em 09/08/2005, no decurso da inspecção tributária referida na anterior alínea do probatório, os serviços da Administração tributária procederam à liquidação adicional de IVA, n.º 05226376, referente ao período de Maio de 2001, no valor de € 122.346,02 e à liquidação de juros compensatórios, n.º 05226377, no montante de € 26.349,65.
D) Em 09/08/2005, foi emitida notificação, pela Direcção Geral dos Impostos, referente à liquidação adicional de IVA n.º 05226376, referente ao período de Maio de 2001, no valor de € 122.346,02, com data limite de pagamento em 30/09/2005, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
«Fica V. Exa. notificado para, até à data fixada para o pagamento voluntário, indicado no quadro de referências e mediante apresentação deste Documento de Cobrança, efetuar, nos locais de pagamento mencionados, o pagamento da importância aqui referida. Findo este prazo, sem que se mostre efetuado esse pagamento, proceder-se-á nos termos do art.º 88.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, à extração de certidão de dívida, para instauração de processo executivo. (…)
Aos 09/08/2005
O subDirector geral
……….»

FUNDAMENTAÇÃO
Liquidação adicional efectuada nos termos do artigo 82º do Código do IVA em resultado do processamento da declaração correctiva e relativamente a um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica.
Os valores considerados na liquidação adicional são os que constam do quadro seguinte
1 Valor da declaração correctiva
2 Valor da declaração substitutiva
3 Resultado da comparação das duas declarações
4 Meio de pagamento enviado com declaração
5 Outros créditos disponíveis utilizados
6 Valor da correcção automática efectuada à declaração substituída
7 LIQUIDAÇÃO ADICIONAL (3-4-5-6)
a débitoa crédito
9.520,60112.825,42
122.346,02


122.346,02
DATA LIMITE DE PAGAMENTO 2005/09/30
VALOR A
PAGAR
€ 122.346,02

E) Em 09/08/2005, foi emitida notificação, pela Direcção Geral dos Impostos, referente à liquidação adicional de Juros Compensatórios n.º 05226377, no valor de € 26.349,65, com data limite de pagamento em 30/09/2005, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
«Fica V. Exa. notificado para, até à data fixada para o pagamento voluntário, indicado no quadro de referências e mediante apresentação deste Documento de Cobrança, efetuar, nos locais de pagamento mencionados, o pagamento da importância aqui referida. Findo este prazo, sem que se mostre efetuado esse pagamento, proceder-se-á nos termos do art.º 88.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, à extração de certidão de dívida, para instauração de processo executivo. (…)
Aos 09/08/2005
O subDirectorgeral
……….»

FUNDAMENTAÇÃO
Juros compensatórios liquidados nos termos dos artigos 89º do Código do IVA e 35º da Lei Geral Tributária, por ter sido retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo
Imposto em falta sobre o qual incidem juros
122.346,02
Período a que se aplica a taxa de juro
de 2001/07/10 a 2005/07/20
Taxa de juro aplicável ao período
a equivalente à taxa dos juros legais fixada nos termos do nº 1 do artigo 559º do Código Civil
Valor dos juros
26.349,65
DATA LIMITE DE PAGAMENTO 2005/09/30
VALOR A
PAGAR
26.349,65
F) Em 11/08/2005 e 22/08/2005, a Impugnante tomou conhecimento, respetivamente, das notificações referidas nas alíneas do B) e C) do probatório.
G) Em 29/12/2005, a Impugnante apresentou reclamação graciosa, a que foi atribuído o nº 3247200694000029, contra as liquidações referidas nas alíneas D) e E) do probatório.
H) Em 07/08/2007, pelo Director de Finanças Adjunto, foi proferido despacho de concordância com a proposta de indeferimento da reclamação graciosa, exarado sobre informação de 28/06/2007, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
«II -Análise da Reclamação Graciosa
(…) O Serviço de Administração do Imposto sobre o Valor Acrescentado procedeu à liquidação de imposto, resultando a(s) liquidação(ões) n.º(s) 5226376 efetuada(s) em 30/07/2005, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação da Direcção Geral dos Impostos, verifica-se que as alegações da reclamante não têm fundamento, dado que:
Após análise dos autos cumpre-me informar que: tendo o requerente arguido a incompetência do SubDirector Geral para proceder às liquidações adicionais do IVA, verifica-se que, efetivamente, nos termos do art.º 82.º do CIVA, a competência para o acto de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios, pertence ao Chefe do Serviço de Finanças. A fls. 12 e 13 dos autos, constata-se que o sujeito passivo apenas recebeu as notificações da liquidação adicional do IVA do período 01 05 e dos respectivos juros compensatórios, em cuja fundamentação se menciona que a liquidação do imposto foi efetuada nos termos do artigo 82.º do CIVA.
Tratando-se tão só de notificações dos actos de liquidação adicional de Iva e dos juros compensatórios, o que aqui releva não é propriamente a competência para a liquidação, mas sim para a sua notificação; ou seja, não impõe a lei, onde quer que seja, que não possa o subDirector Geral proceder à notificação, ainda que por forma puramente mecanográfica, assinando o documento de cobrança relativo ao imposto e respectivos juros compensatórios. Nestes termos, não me parece existir qualquer vício de violação de lei que possa gerar a anulabilidade do acto.
No que respeita ao início da contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar o IVA do período 01 05, sendo o IVA um imposto de obrigação única, e que face à redação inicial do art.º 45.º, n.º4 da LGT, se situava no dia imediato àquele em que ocorreu o facto tributário (10.07.2005), a partir de 1 de janeiro de 2003, com a entrada em vigor àquele preceito pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, passou a ocorrer no inicio do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, Estando em causa um alongamento do prazo, por postcipação do momento inicial, deve aplicar-se-lhe a regra n.º2 do art.º 197.º do C.C.: a lei nova é imediatamente aplicável, mas conta-se todo o prazo decorrido desde o momento inicial (tal como estabelecido pela lei nova). Importa isto dizer que não se verificando a caducidade do direito à liquidação até 31/12/2002, a partir de 01.01.2003 essa mesma caducidade só se verifica por aplicação da lei vigente.
No caso presente, estando em causa o IVA do mês de Maio de 2001, a caducidade do direito à liquidação verificar-se-ia em 31 de dezembro de 2005 pelo que, tendo a notificação ocorrido ainda durante o ano de 2005 (uma vez que a petição inicial foi entregue em 29.12.2005), constata-se que foi dentro do prazo de caducidade.
Assim, sou de parecer que a presente reclamação deverá ser INDEFERIDA. (…)».
I) Em 09/08/007, foi expedido oficio dirigido à Impugnante para exercício do direito de audição prévia, relativamente à proposta de indeferimento referida na anterior alínea do probatório.
J) Em 04/10/2007, foi, pelo Director de Finanças Adjunto, proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa, exarado sobre a informação de 12/09/2007, onde consta, nomeadamente, o seguinte:
«II -Análise da Reclamação Graciosa
(…) O Serviço de Administração do Imposto sobre o Valor Acrescentado procedeu à liquidação de imposto, resultando a(s) liquidação(ões) n.º(s) 5226376 efetuada(s) em 30/07/2005, e em função dos elementos constantes deste processo e consultados os dados informáticos através do sistema central de informação da Direcção Geral dos Impostos, verifica-se que as alegações da reclamante não têm fundamento, dado que:
Após análise dos autos cumpre-me informar que: tendo o requerente arguido a incompetência do SubDirector Geral para proceder às liquidações adicionais do IVA, verifica-se que, efetivamente, nos termos do art.º 82.º do CIVA, a competência para o acto de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios, pertence ao Chefe do Serviço de Finanças. A fls. 12 e 13 dos autos, constata-se que o sujeito passivo apenas recebeu as notificações da liquidação adicional do IVA do período 01 05 e dos respectivos juros compensatórios, em cuja fundamentação se menciona que a liquidação do imposto foi efetuada nos termos do artigo 82.º do CIVA.
Tratando-se tão só de notificações dos actos de liquidação adicional de Iva e dos juros compensatórios, o que aqui releva não é propriamente a competência para a liquidação, mas sim para a sua notificação; ou seja, não impõe a lei, onde quer que seja, que não possa o subdirector Geral proceder à notificação, ainda que por forma puramente mecanográfica, assinando o documento de cobrança relativo ao imposto e respectivos juros compensatórios. Nestes termos, não me parece existir qualquer vício de violação de lei que possa gerar a anulabilidade do acto.
No que respeita ao início da contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar o IVA do período 01 05, sendo o IVA um imposto de obrigação única, e que face à redação inicial do art.º 45.º, n.º4 da LGT, se situava no dia imediato àquele em que ocorreu o facto tributário (10.07.2005), a partir de 1 de janeiro de 2003, com a entrada em vigor àquele preceito pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, passou a ocorrer no inicio do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto, Estando em causa um alongamento do prazo, por postcipação do momento inicial, deve aplicar-se-lhe a regra n.º2 do art.º 197.º do C.C.: a lei nova é imediatamente aplicável, mas conta-se todo o prazo decorrido desde o momento inicial (tal como estabelecido pela lei nova). Importa isto dizer que não se verificando a caducidade do direito à liquidação até 31/12/2002, a partir de 01.01.2003 essa mesma caducidade só se verifica por aplicação da lei vigente.
No caso presente, estando em causa o IVA do mês de Maio de 2001, a caducidade do direito à liquidação verificar-se-ia em 31 de dezembro de 2005 pelo que, tendo a notificação ocorrido ainda durante o ano de 2005 (uma vez que a petição inicial foi entregue em 29.12.2005), constata-se que foi dentro do prazo de caducidade.
Assim, sou de parecer que a presente reclamação deverá ser INDEFERIDA.
III – Exercício do direito de audição
Assim sendo, e porque se propôs que a presente reclamação graciosa não fosse deferida na totalidade, houve lugar a audiência prévia nos termos do n.º 2 do art.º 60 da Lei Geral Tributária, não se tendo, no entanto obtido qualquer reação do reclamante, sendo assim de manter a decisão previamente notificada.
IV – Conclusão
Assim sendo, constata-se que a situação tributária do contribuinte não carece de correção, pelo que se propõe que a presente reclamação graciosa seja INDEFERIDA, pelos motivos antes expostos notificando-se o reclamante desta decisão final.».
K) Em 15/10/2007, a Impugnante tomou conhecimento do despacho que determinou o indeferimento da reclamação graciosa, referido na anterior alínea do probatório,
L) Em 30/10/2007, foi expedida, via CTT, a presente impugnação.
M) Em 02/11/2007, deu entrada, no Tribunal Tributário de Lisboa, a presente Impugnação.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que conhecer do objecto deste recurso e para tanto seguir-se-á de perto o bem fundamentado parecer do Ministério Público.

O TT de Lisboa julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o despacho de indeferimento de reclamação graciosa, por sua vez deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e JC de 01/2005 e contra estes próprios atos de liquidação, no entendimento de que não ocorrem os vícios imputados aos atos sindicados.
Sustenta a recorrente que, embora não tenha sido alegada deveria a sentença recorrida ter conhecido da nulidade da notificação dos atos de liquidação adicional, de conhecimento oficioso, por omissão da menção da qualidade em que o Subdiretor-Geral atuou, ou seja, por delegação de poderes, nos termos do, então, artigo 39.°, n.º 9 do CPPT.
Nas suas alegações recursivas, a recorrente desenvolve nos pontos 7. a 23., uma argumentação aprofundada sobre a nulidade da notificação dos actos de liquidação adicional, bem como a necessidade do seu conhecimento nesta instância, por se tratar de questão de conhecimento oficioso.

Vejamos, portanto.
A irregularidade ou nulidade do ato de notificação, porque exterior ao ato tributário, não contende com a sua validade, mas sim com a sua eficácia em relação ao seu destinatário, não constituindo, por isso, fundamento de impugnação judicial.
Tem sido entendido uniformemente que, …a notificação do ato tributário e da sua fundamentação já respeita à eficácia ou oponibilidade do ato aos interessados e não à validade do ato em si mesmo.
Com efeito a validade da notificação é requisito de eficácia do ato notificado, nos termos do n.º 6 do artigo 77.º da LGT e do n.º 1 do artigo 36.º do CPPT, estabelecendo este normativo que “os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”.
Daí que se possa concluir que os vícios da notificação não afetam a validade do ato notificado pelo que os vícios de notificação, não integrando o ato tributário, não são fundamento de impugnação judicial, cfr. acórdão datado de 03.04.2019, recurso n.º 02757/15.5BEALM, em dgsi.pt.

Como tal, ao contrário do que sustenta a recorrente, por tal questão não ter relevância para a decisão da impugnação judicial, não podia a sentença recorrida conhecer da mesma oficiosamente, nem agora se pode operar tal conhecimento.
A pretensão da recorrente não tem, assim, apoio legal.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 27 de Novembro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz.