Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0181/23.5BALSB
Data do Acordão:04/10/2025
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:CONCESSÃO
JOGOS
ARBITRAGEM
NULIDADE
CONTRADITÓRIO
Sumário:I – Nos contratos de concessão de jogo, a contrapartida anual mínima, prevista no anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001, consubstancia um regime financeiro daquelas concessões com forma e força de lei;
II - A modificação financeira do contrato (total ou parcial, de forma direta ou indireta) por alteração das circunstâncias não pode resultar do acionamento do regime supletivo do artigo 312.º do CCP (437.º do C. Civ.), uma vez que existe um regime legal especial previsto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 422/89 e na cláusula 8.ª do contrato.
III - Para que neste caso pudesse validamente operar o princípio da justiça e da boa-fé contratual como dimensão garantística contratual derrogadora do regime legal destas concessões era necessário fazer provar da existência de prejuízos da concessionária ou, pelo menos, de uma lesão patrimonial grave, que não se pode identificar com uma mera redução da rentabilidade.
IV – Se é certo que a crise económica 2011-2013 afetou todo o País, e que poderá ter contribuído para a redução de lucros dos casinos, tal não significa nem determina que tal possa ser equiparado à verificação de prejuízos.
V – A ausência de análise prévia das nulidades suscitadas, decorre da relativização que tem vindo a ser adotada face ao "dogma da prioridade" da apreciação dos pressupostos processuais, de modo a que não sejam apreciadas, nomeadamente as nulidades, antes da apreciação das questões de mérito.
O nº 3 do art.º 278º do CPC - privilegia a prolação de decisões de mérito, em detrimento das de natureza formal, visando impedir que a possibilidade de resolução de litígios seja prejudicada por questões de ordem formal que desnecessariamente impeçam a obtenção da justiça material, o que determina que seja relativizado o tradicional “dogma da prioridade” da apreciação dos pressupostos processuais, mormente quando o julgamento de mérito a emitir seja integralmente favorável à parte cujo interesse seja tutelado pela absolvição da instância.
VI – A prevalência da decisão de mérito, encontra, pois, a sua consagração no art. 288°, n° 3, do CPC, que permite a emissão de uma decisão sobre o mérito da causa mesmo que, por subsistir uma exceção, fosse possível a absolvição da instância.
Em causa está a superação do “dogma da prioridade da apreciação dos pressupostos processuais” sobre as questões de mérito.
VII – Pretendendo-se lançar mão do mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, o tribunal deverá consignar tal facto expressamente na decisão, justificando por que razão não irá proferir decisão de absolvição da instância, mas sim conhecer do mérito da causa, no pressuposto desta ser integralmente favorável à parte interessada na absolvição da instância.
Nessa circunstância o conhecimento da exceção fica prejudicado já que é totalmente inútil o tribunal pronunciar-se sobre um vício processual do qual acabará por não retirar consequências ao nível da lide.
VIII - Acresce que decorre da Lei da Arbitragem Voluntária que o não exercício do contraditório não determina a verificação de nulidade, quando, como no caso presente, não tenha "influência decisiva na resolução do litígio", como decorre dos Artº 46.º, n.ºs 1 e 3, ii) e 30.º, n.º 1, c), ambos da LAV.
Nº Convencional:JSTA00071925
Nº do Documento:SA1202504100181/23
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CCP ART312
DL 422/89 ART14
CPC ART288 N3 ART278 N3
LAV ART46 N1 N3
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo

I. RELATÓRIO
A..., SA., com os sinais dos autos, propôs, no Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, Ação Arbitral contra o ESTADO PORTUGUÊS tendo por objeto o suscitado desequilíbrio económico-financeiro do “Contrato de Concessão de Exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da ...”.

O Tribunal Arbitral proferiu decisão em 3 de outubro de 2023 com o seguinte teor:
“1. Condenar o Estado ao pagamento à Demandante de uma compensação, de modo a mitigar os prejuízos por ela sofridos decorrentes da crise económica de 2011, correspondente à devolução do valor das diferenças entre as contrapartidas anuais e as contrapartidas mínimas pagas nos anos de 2012 (2.936.068€), 2013 (5.650.625€) e 2014 (5.595.594€), atualizadas à data da decisão.
2. Julgar improcedente o pedido de condenação do Estado a uma compensação financeira por prejuízos sofridos por causa do crescimento do jogo on line.
3. Julgar improcedente o pedido de condenação do Estado à reposição do equilíbrio económico-financeiro do Contrato de Concessão, em razão de custos e prejuízos incorridos com as restrições impostas na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 37/2007.(…)”

É desta decisão que o Demandado Estado vem, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 144.º, 150.º, n.º 1 e 185.º-A, n.º 3, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pedir a admissão do recurso de revista, tendo este sido admitido por acórdão do STA de 29 de fevereiro de 2024

O Recorrente Estado veio formular alegações, concluindo:
“I. Por Despacho de 3 de maio de 2023 do Tribunal, foi considerada extemporânea a apresentação dos documentos técnicos juntos pelo Demandado em 1 de maio de 2023 como pronúncia ao Parecer Técnico económico-financeiro junto pela Demandante;
II. Na verdade o Demandando não pretendia juntar parecer técnico, mas tão só apresentar uma pronúncia técnica aos pareceres técnicos apresentados pela Demandante, o que fez ao abrigo do princípio do contraditório ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 30.º da Lei da Arbitragem Voluntária e dos artigos 3.º e 4.º do Código de Processo Civil.
III. Ao vedar ao Demandado a possibilidade de apresentar o seu ponto de vista e de contrariar a documentação técnica junta, o Tribunal Arbitral, violou ainda o princípio da igualdade de armas, porquanto, como se explica na alegação, quando a Demandante apresentou documentos extemporaneamente, o tribunal aceitou-os e quando o Demandando apresentou pronúncia não hesitou em qualificar a mesma como apresentação extemporânea de documentos. Ainda que assim fosse, que não é, deveria ter aceite os documentos dando assim tratamento idêntico a ambas as partes. Assim, pelas razões acima expendidas a Decisão deve ser declarada nula e de nenhum efeito
IV. Em 17 de outubro de 2023, após prolação da Decisão, o Tribunal proferiu um despacho de aclaramento da Decisão Arbitral, a requerimento da Demandante apresentado 24 horas antes e sem permitir ao Demandado pronunciar-se atempadamente sobre o mesmo.
V. Tal despacho tem impactos significativos porquanto define um critério de atualização das quantias devidas com base no Índice de Preços no Consumidor excluída a habitação. Trata-se não só de uma violação ostensiva do princípio do contraditório, mas ainda de uma verdadeira decisão surpresa.
VI. Acresce ainda que a Demandante coloca em causa a necessidade deste aclaramento, efetuado pelo Tribunal ao abrigo do artigo 40.º, n.º 2, do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Comercial e no artigo 45.º, n.º 2, da Lei de Arbitragem Voluntária, porque à luz de melhor doutrina não se crê existir ininteligibilidade na parte da Decisão sobre a qual incide o pedido de esclarecimento, nem sequer ambiguidade, pois o que está em causa em causa é uma mera atualização monetária. Assim, pelas razões acima expendidas a Decisão deve ser declarada nula e de nenhum efeito.
VII. Ao decidir como decidiu relativamente aos dois despachos acima referidos o Tribunal violou o princípio da «igualdade de armas» ou da «igualdade das partes» consagrado nos artigos 13.º e 20.º da CRP, atuando de forma a não permitir que o Demandado tivesse igual oportunidade de expor as suas razões, procurando convencer o tribunal a compor o litígio a seu favor, e por assim atuar violou frontalmente estes dispositivos constitucionais.
VIII. Fixada a matéria factual pelo Tribunal Arbitral, foi efetuada na Decisão uma caracterização do contrato de concessão para a exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo da ... que é consentânea com a natureza jurídica do mesmo e com o ambiente legal, único e exclusivo, em que estes contratos se movem.
IX. Em causa está um contrato administrativo especial, nominado, típico, oneroso e sinalagmático e tem por objeto imediato a atribuição da atividade de exploração, em regime de exclusivo territorial, de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo da ..., primeiro por 20 anos e depois por mais 15, à Demandante que os explora por sua conta e risco;
X. Num plano funcional-substancial, a concessão da exploração do jogo de fortuna e azar configura um contrato administrativo especial, pré-regulado por lei, radicalmente diferente da generalidade das concessões, dado o carácter tendencialmente “pecaminoso” da atividade exercida: não é um contrato de concessão de serviços públicos, porque a exploração dos jogos de fortuna e azar não é nem pode ser entendida como um serviço comunitário – o ideal público normativamente assumido seria mesmo que diminuísse o interesse por esse tipo de jogo.
XI. A ausência de um serviço público (e de um interesse público correspondente ao desenvolvimento e prática do jogo) conduz-nos a uma outra particularidade das concessões de jogo: a ausência de uma remuneração da concessionária que seja o correspetivo da realização, pela mesma, do interesse público subjacente ao serviço público concessionado, desonerando o Estado dos encargos da sua prossecução a título próprio.
XII. A atividade, objeto do contrato de concessão, é a exploração do jogo, que é um contrato aleatório; As receitas brutas do jogo são já um resultado da operação do jogo (leia-se, da sorte ou azar e, até, do bem ou mal jogar), sendo obtidas através da diferença entre o montante de apostas realizado num casino e os prémios pagos.
XIII. A Decisão Arbitral ao aplicar os princípios gerais de direito administrativo, para além de se sobrepor aos termos como o instituto da alteração das circunstâncias se encontra regulado no Código Civil, ainda que reconheça a natureza especial deste contrato nos moldes acima referidos,
XIV. Entendeu que a interpretação das clausulas do contrato não permitia excecionar do contrato as grandes alterações das circunstâncias.
XV. Ao não levar a cabo uma interpretação literal, sistemática, histórica e teleológica, ao não concatenar os direitos e obrigações que decorrem do contrato para ambas as partes com o clausulado específico previsto nas clausulas 4.ª n.º 2 e 8ª do contrato, o Tribunal Arbitral, interpretou erroneamente o quadro legal e contratual aplicável.
XVI. O sentido claro da cláusula 8.ª do contrato é para além de definir os casos que podem e devem ser objeto de compensação, excluir os demais que ali não se encontram previstos. Isso mesmo é confirmado pela expressão «em caso algum» que consta da cláusula 4.ª n.º 2 do contrato. Nenhum facto foi provado que permitisse ao tribunal desviar-se do acordado pelas partes no contrato.
XVII. De resto, a natureza jurídica do contrato, o afastamento do Estado dos custos e proveitos da atividade, a amplitude máxima de direitos conferidos à Demandante (autonomia de gestão, monopólio da atividade numa parte do território do país, entre outros) já permitiam antever que onde não há limites aos benefícios (enriquecimento) também não podia haver compensações por alegadas quebras de receita ubi commoda ibi incommoda.
XVIII. Não obstante o Tribunal na Decisão referir: a concessão da exploração do jogo é um contrato económico-financeiro de risco integral para o contraente privado: a atividade é desenvolvida, a título privado, com total liberdade de gestão da concessionária, sem qualquer intromissão do Estado, que dela se pretende desinteressado – entende, depois, (i) que a fixação de uma taxa de crescimento de 2% sobre a inflação das contrapartidas anuais mínimas suporta o entendimento de que era pressuposto que as receitas brutas também crescessem; (ii) a participação numa percentagem de 50% das receitas brutas quando superior aos mínimos, revela que o Estado participa quando a receita aumenta mas não quer participar quando a receita diminui, designadamente, quando diminui por causa de uma crise intensificadas pela própria atuação do Estado.
XIX. Estas duas circunstâncias invocadas pelo Tribunal para inverter a regra prevista no contrato de que o risco integral da atividade corre pela Demandante, não procedem.
XX. A taxa de crescimento de 2% das contrapartidas mínimas foi definida nos anos 80 e não no Séc. XXI, e não existe qualquer relação entre o pagamento das contrapartidas mínimas e as receitas brutas.
XXI. O facto de estar contratualizado que o Estado recebe 50% das receitas brutas não impõe que este participe das perdas de receita, pois os benéficos obtidos foram para ambas as partes e o contrato comporta mecanismos de adequação que mitigam já essa proporção, em desfavor do Estado.
XXII. A alteração das circunstâncias ganha vida nos contratos apenas para além do risco acordado entre as partes, não pode servir para o alterar ou atenuar o risco originalmente estabelecido. O Tribunal viola por isso este instituto. Viola os princípios gerais de direito administrativo e o artigo 437.º do Código Civil.
XXIII. A Demandante não provou fatos essenciais à procedência do pedido.
a) Não provou uma correlação entre a economia/PIB e o jogo;
b) Não provou uma relação de causalidade entre a quebra de receitas no casino e a economia/PIB.
c) Não provou que sofreu prejuízos, uma lesão grave;
d) Não provou que o cumprimento do contrato era especialmente oneroso e que violava os ditames da boa-fé.
XXIV. Importa considerar o facto provado de que a receita bruta é o resultado do jogo. Por isso uma quebra de receita bruta, em maior ou menos medida, não corresponde a um prejuízo.
XXV. O Tribunal Arbitral não consegue preencher os requisitos do instituto da alteração das circunstâncias e, para atribuição da compensação recorre ao princípio da justiça do contrato, que em rigor impunha a decisão contrária.
XXVI. Não há uma base de negócio, não há um caso base. As circunstâncias em que as partes fundaram a vontade de contratar não sofreu uma alteração anormal. Num contrato a 35 anos era expectável que ocorressem crises mais ou menos intensas e a que ocorreu não impactou diretamente sobre a concessão, não impediu nem o casino de funcionar nem os jogadores de ali se deslocarem e jogarem, e se estes foram mais ou menos cautelosos a jogar, o Estado não pode ser responsabilizado por isso. Estas oscilações estão a coberto dos riscos do contrato. São normais nesta atividade.
XXVII. A Demandante é uma entidade experiente no jogo, estando instalada na zona da ... desde 1975, já passou por todo o tipo crises e disrupções sociais. A crise de 2011-2013, ainda que mais intensa, não foge a risco do contrato.
XXVIII. A Demandante não cumpriu com o critério da autonomia financeira no ano de 2014, mantendo um rácio inferior ao limite legal, encontrando-se por isso em incumprimento contratual. Por essa razão não pode beneficiar do instituto da alteração das circunstâncias. Ao decidir compensar este ano o Tribunal viola o artigo 438.º do Código Civil e o artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro.
XXIX. Os princípios gerais de direito e o artigo 437.º do Código Civil não se bastam com a admissão do facto notório de que existiu uma crise ou pandemia para justificarem uma modificação dos contratos por ocorrer uma grande alteração das circunstâncias.
XXX. Não é manifestamente um facto notório - facto de conhecimento geral no país, conhecidos pelo cidadão comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informação - o impacto que a crise económica pode ter sobre o jogo em Portugal. Muito menos quando os especialistas independentes, sem exceção, afirmam inexistir uma correlação e causalidade entre economia e jogo. Como o demonstra a evolução das receitas do casino e a raspadinha explorada pela Santa Casa da Misericórdia de…, cujas receitas subiram ao longo de todo o período da crise.
Sem conceder, à cautela e por mero dever de patrocínio
XXXI. Caso se entenda que não assiste razão ao Demandando e que a Decisão de compensar a Demandante deve ser mantida, então requer-se ao Tribunal que reveja a condenação porque os termos da mesma não são equitativos.
XXXII. Na verdade, se a questão que leva o Tribunal a inverter a regra do risco integral correr pela Demandante é o facto de a contrapartida anual mínima crescer a 2% ao ano, então deve este Colendo Tribunal alterar a condenação e substituí-la por outra que ordene a devolução à Demandante do montante correspondente ao crescimento de 2% de cada uma das contrapartidas anuais de 2012 a 2014.
XXXIII. Caso assim não se entenda requer-se ao Tribunal que modifique a decisão por outra que impeça que a quebra de receitas brutas seja assumida exclusivamente pelo Estado.
Na verdade, a inversão da Clausula 4ª n.º 2 constitui uma solução que acarreta qualquer esforço económico da parte da Demandante, que assim fica imune aos efeitos da crise e acarreta, por outro lado, que seja o Estado a única parte do contrato a fazer um sacrifício. Caso se pretenda uma decisão equitativa deve a compensação ser reduzida a metade, sendo o Estado condenado a pagar metade do montante previsto na Decisão Arbitral.
XXXIV. Por último, em qualquer caso, não deve ser o Estado condenado a compensar o ano de 2014, por nesse ano a Demandante se encontrar em incumprimento contratual, nos termos do artigo 438.º do Código Civil.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Excelências Colendos Juízes Conselheiros, se requer a admissão do presente recurso ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 185.º-A do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e em consequência:
1. Anulada a Decisão Arbitral por terem sido proferidos despachos em violação do princípio da igualdade de armas, do contraditório e por se afigurar estar-se perante uma decisão surpresa;
2. Requer-se a procedência do recurso e em consequência a revogação e substituição da Decisão Arbitral por outra que absolva o Estado do pedido.
3. Caso assim não se entenda, requer-se a este Colendo Tribunal que modifique a decisão por outra mais equitativa, sendo manifestamente excessivo o montante em que o Estado Português foi condenado.
4. Mais se requer que em conformidade com o acordado pelas partes na convenção arbitral, seja revogada a decisão quanto a custas proferida pelo Tribunal Arbitral e condenados os responsáveis pelas custas processuais, em função do agora decidido, indicando a proporção da respetiva responsabilidade com base no respetivo decaimento.”

A A. e aqui Recorrida A... SA contra-alegou, tendo singelamente concluído o seguinte:
“Em face do exposto, resta concluir que o Tribunal Arbitral decidiu não só com rigor e acerto jurídico, mas com preclaro sentido de justiça, nada havendo a censurar à condenação do Estado.
Por um lado, todos os pressupostos - quer positivos, quer negativos - de que depende a aplicação in casu do instituto da alteração das circunstâncias estão reunidos, como demonstrado.
Por outro lado, a medida da compensação revela uma adequada intelecção dos termos em que deve operar uma modificação equitativa dos contratos ex vi do instituto da alteração anormal das circunstâncias. De facto, “[a] modificação equitativa do contrato não supõe um ajustamento perfeito, isto é, que restabeleça a relação entre os valores das duas prestações, que na data do contrato existia”, mas antes “será equitativa quando puser a parte a coberto dos prejuízos que excedam [a] medida” do risco assumido pelo lesado.
Foi o que o Tribunal Arbitral, claramente, procurou fazer, e entende a Recorrida que o fez com sucesso.
A compensação estabelecida pelo Tribunal Arbitral consiste em impor que, no período mais nefasto da crise económica para a Concessionária, o dano em que se traduz a quebra de receitas seja partilhado entre a Concessionária e o Estado - a Concessionária retém, para si, 50% das receitas; e ao Estado é entregue a mesma proporção, ao invés de uma percentagem superior, recebendo um valor que é ainda muito significativo. Nas palavras do Tribunal, “o Estado suporta parte do prejuízo ao receber apenas o equivalente ao montante da contrapartida anual decorrente da receita bruta conseguida” (cfr. p. 103 do acórdão arbitral). Trata-se de uma verdadeira partilha dos prejuízos resultantes da crise económica em termos equitativos, não sendo correta a tese do Recorrente de que, com a compensação arbitrada, “as consequências da quebra da receita bruta passam a ser assumidas exclusivamente pelo Estado” (cfr. p. 83 das suas Alegações de Recurso). Isto porque, rigorosamente, os prejuízos sofridos pela ora Recorrida, ao nível da quebra das receitas brutas, em resultado da crise económica e entre 2012 e 2014, foram significativamente mais profundos e de valor superior ao “valor das diferenças entre as contrapartidas anuais e as contrapartidas mínimas pagas nos anos de 2012 (2.936.068€), 2013 (5.650.625€) e 2014 (5.595.594€)”.
A exata medida da condenação do Estado é uma opção do Tribunal Arbitral que manifestamente não assenta num juízo arbitrário, mas antes nos princípios da boa-fé e da proporcionalidade.
Termos em que não deverá ser admitido o recurso excecional de revista e, caso assim não se entenda, deverá ser-lhe negado provimento e confirmado o Acórdão Arbitral recorrido.”

Sem emissão de parecer pelo Ministério Público ex vi do disposto no artigo 146.º do CPTA.

Cumpre apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
De facto
Sobre a matéria de facto assente pode ler-se o seguinte na decisão arbitral:
(i) O concurso público para a concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da ... foi aberto pelo Decreto-Lei n.º 274/88, de 3 de Agosto, constando os termos do procedimento concursal, bem como as obrigações contratuais, do Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto [Diário da República, I série, n.º 178, de 3 de Agosto de 1988];
(ii) Em 29 de Dezembro de 1988, a Demandante celebrou com o Demandado o Contrato de Concessão (artigo 6.º da PI; artigo 204.º da Contestação; Doc. n.º 2 junto com a PI);
(iii) Através do referido Contrato, a Demandante adquiriu inicialmente o direito de explorar, em regime de exclusivo, até 31 de Dezembro de 2008, os jogos de fortuna ou azar na zona de jogo permanente da ... (artigo 7.º da PI; Doc. n.º 2 junto com a PI);
(iv) Nos termos da cláusula 4.ª, n.º 2, do referido Contrato, a Demandante comprometeu-se a “prestar, em cada ano, contrapartida do valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no casino; todavia, em caso algum, a contrapartida prestada nos termos deste número poderá ser inferior aos valores indicados na coluna 3 do quadro anexo ao referido Decreto Regulamentar n.º 29/88, depois de serem previamente convertidos em escudos correntes do ano a que respeitam pelo processo indicado no artigo 4.º do mesmo diploma legal” (Doc. n.º 2 junto com a PI);
(v) Em 1997/1998, a Associação Portuguesa de Casinos (“APC”), mandatada pelas suas associadas, entre as quais a Demandante, requereu ao Governo a prorrogação dos prazos de vigência dos contratos de concessão de jogo (artigo 22.º da PI; artigos 213.º e 214.º da Contestação; Doc. n.º 4 junto com a Contestação);
(vi) As negociações entre a APC e o Demandando decorreram ao longo de cinco anos (artigo 214.º da Contestação; Doc. n.º 4 junto com a Contestação);
(vii) A APC negociou e acordou com o Demandado o valor global de €256.382.119,09 a pagar pela prorrogação dos prazos de vigência dos contratos de concessão das suas associadas (artigos 25.º e 26.º da PI; artigo 221.º da Contestação);
(viii) O Governo, através do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, reconheceu existir interesse público na prorrogação dos vários contratos de concessão de jogo, que havia sido requerida pela APC, em representação e mandato das suas associadas em território continental, entre as quais a Demandante (artigos 22.º e 23.º da PI; artigo 213.º da Contestação);
(ix) O Governo fez constar do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, as condições que ponderou e que entendeu estarem reunidas para a prorrogação dos prazos de vigência dos contratos, tendo ouvido, antes de aprovar e publicar este diploma, a APC, designadamente, no que respeita aos valores das contrapartidas constantes do anexo ao referido diploma (Decreto-Lei n.º 275/2001 de 17 de Outubro; artigo 228.º da Contestação];
(x) O Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, fixou às concessionárias, a título de contrapartidas pela prorrogação dos contratos de concessão, uma obrigação de pagamento ao Estado de contrapartidas iniciais, impondo à Demandante uma contrapartida inicial no montante global de € 58.359.353,96 (artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro; artigos 25.º e 26.º da PI);
(xi) Relativamente a esta contrapartida inicial a cujo pagamento a Demandante ficou adstrita, previa-se o pagamento de um montante inicial até ao dia da assinatura do acordo que formalizasse a prorrogação e a adaptação do Contrato de Concessão, no valor de € 34.061.879,87 (artigo 2.º, n.º 2, alínea a), subalínea v), do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro; artigo 27.º da PI);
(xii) O remanescente da contrapartida inicial a pagar pela Demandante, no montante de € 2.429.747,41, deveria ser liquidado em 10 prestações semestrais iguais, que se venceriam em 2 de Janeiro e 1 de Julho de cada ano, sendo a primeira prestação devida em 2 de Janeiro de 2002 (artigo 2.º, n.º 2, alínea b), subalínea v) do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro; e artigo 28.º da PI);
(xiii) O Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, sem modificar a percentagem das receitas brutas de jogo cujo produto corresponde à contrapartida anual devida pelas concessionárias ao Estado, alterou os montantes das contrapartidas mínimas, que passaram a ser, para a Concessão da zona de jogo da ..., as referidas no artigo 2.º, n.º 4, e no Anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro (Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro; artigo 29.º da PI);
(xiv) A tabela de contrapartidas mínimas anexa ao Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, manteve a taxa de crescimento de 2% ao ano prevista na tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto (artigo 62.º da PI; artigo 237.º da Contestação);
(xv) Ao abrigo da autorização concedida pelo Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, o Demandado e a Demandante procederam à assinatura, no dia 14 de Dezembro de 2001, do acordo que formalizou a prorrogação do Contrato de Concessão até 31 de Dezembro de 2023, bem como as demais alterações contratuais pressupostas pelo referido diploma (artigos 8.º e 30.º da PI; artigos 231.º e 239.º da Contestação; Doc. n.º 3 junto com a PI], do qual consta o seguinte:
«Pelos outorgantes foi dito que, em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, se procede à revisão do contrato de concessão celebrado em 29 de Dezembro de 1988, com a B..., S. A., publicado no Diário da República, 3.ª série, n.º 37, de 14 de Fevereiro de 1989, o qual é integralmente substituído pelo presente, obrigando-se a cumprir as cláusulas seguintes:
Cláusula 1.ª
O prazo do atual contrato de concessão do exclusivo da exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo da ..., celebrado em 29 de Dezembro de 1988, é prorrogado até 31 de Dezembro do ano de 2023.
Cláusula 2.ª
1 - À concessionária são reconhecidos todos os direitos e vantagens estabelecidos nas leis em vigor.
2 - O Governo compromete-se a não consentir, durante o prazo da concessão, novas zonas de jogo de fortuna ou azar a menos de 150 km do local onde se situa o Casino da ..., com exceção de salas de jogo do bingo, as quais, no entanto, não poderão ser criadas na área do município da ... e nos que com este confinam.
Cláusula 3.ª
A concessionária aceita todas as obrigações impostas pela legislação em vigor, designadamente, as estabelecidas nos Decretos-Leis n.ºs 422/89, de 2 de Dezembro, e 184/88, de 25 de Maio, e legislação complementar, bem como pelos Decretos-Leis n.ºs 274/88, de 3 de Agosto, e 275/2001, de 17 de Outubro, e pelo Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto.
Cláusula 4.ª
A concessionária obriga-se, nos termos dos citados Decreto-Lei n.º 275/2001, e Decreto Regulamentar n.º 29/88, a:
1) Prestar uma contrapartida inicial, no montante global de 58 359 353,96 euros (11 700 000 000$), a preços de 31 de Dezembro de 2000, a pagar do seguinte modo:
a) Até ao dia da assinatura do presente contrato, 34 061 879,87 euros (6 828 793 800$);
b) O remanescente, no montante de 24 297 474,09 euros (4 871 206 200$), em 10 prestações semestrais iguais, no valor de 2 429 747,31 euros (487 120 620$), a preços de Dezembro de 2000 que se vencerão em 2 de Janeiro e 1 de Julho de cada ano, sendo a primeira prestação devida em 2 de Janeiro de 2002.
Os valores das prestações referidos na alínea b) serão atualizados para o ano em que cada uma delas for paga com recurso à evolução do índice de preços ao consumidor no Continente, excluída a habitação, publicada pelo Instituto Nacional de Estatística.
A contrapartida referida neste número será entregue no Tesouro, mediante guias a emitir pela Inspeção-geral de Jogos;
2) Para além da contrapartida referida no número anterior, prestar, em cada ano, contrapartida no valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no casino; todavia, em caso algum a contrapartida prestada nos termos deste número poderá ser inferior aos valores indicados no anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, depois de serem previamente convertidos em euros correntes do ano a que respeitam, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º do mesmo diploma.
A contrapartida referida neste número realiza-se pelas seguintes formas:
a) Através do pagamento do imposto especial sobre o jogo, nos termos da legislação em vigor;
b) Através do pagamento das importâncias que à concessionária couberem para compensação do Estado pelos encargos com o funcionamento da Inspeção-geral de Jogos, nos termos legalmente estabelecidos;
c) Através da dedução do valor constante de 12 220 000$, a preços de 1987, cuja conversão em euros correntes do ano a que as receitas respeitam será feita pelo processo constante do artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 29/88, a título de comparticipação em eventuais prejuízos com a exploração do conjunto de piscinas afeto à concessão, independentemente dos resultados reais que venham a ser registados;
d) Através da dedução, até 50% em termos a aprovar pelo Ministro da Economia, ouvida a Inspeção-geral de Jogos, dos encargos com a aquisição, renovação ou substituição do equipamento de jogo, designadamente da aquisição, no mercado nacional ou estrangeiro, de máquinas eletrónicas, bem como com os projetos e execução de obras de modernização e ampliação do atual casino;
e) Através da dedução dos encargos, aprovados pela Inspeção--Geral de Jogos, com a autorização do sistema de emissão de cartões de acesso às salas de jogos e de controlo das respetivas receitas, bem como com a instalação de circuitos internos de televisão e outros dispositivos de vigilância, de acordo com o programa a definir pela mesma entidade, sob proposta da concessionária, ou, na falta desta, após audição da concessionária;
f) Através da dedução, até 1% das receitas brutas dos jogos, dos encargos relativos ao cumprimento das obrigações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 16.º do Decreto--Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redação do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, encargos que não poderão ser inferiores a 3% das receitas brutas dos jogos.
Caso estes encargos, adicionados aos custos líquidos com animação e restauração e aos encargos com publicidade e marketing, ultrapassem um valor correspondente a 3% das receitas brutas dos jogos, a concessionária tem, adicional e complementarmente, direito a deduzir 50% dos encargos em excesso do referido mínimo exigível, não podendo esta dedução suplementar exceder 3% das receitas brutas dos jogos.
Esta última dedução só será exequível na medida e dentro dos limites de 25% do acréscimo de receitas brutas dos jogos de cada exercício, relativamente ao exercício anterior;
g) Através da dedução anual de 45 000 000$, a preços de 1987, cuja conversão em euros correntes do ano a que respeitam será feita pelo processo constante do artigo 4.º do citado Decreto Regulamentar n.º 29/88, importância destinada ao
Instituto de Formação Turística;
h) Através da dedução anual de 30 000 000$, a preços de 1987, cuja conversão em euros correntes do ano a que respeitam será feita pelo processo constante do artigo 4.º do citado Decreto Regulamentar n.º 29/88, para subsídios a conceder pelo Ministro da Economia, ouvida a respetiva Câmara Municipal, a entidades com relevância social que desenvolvam a sua atividade na área do município da ...;
i) Através do pagamento da diferença entre o total da contrapartida anual referida na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto Regulamentar n.º 29/88, e os valores apurados nos termos das alíneas a) a h) deste número.
3 - Garantir a conservação, em bom estado de utilização, das instalações afetas à concessão, indicadas na alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto Regulamentar n.º 29/88, bem como o respetivo equipamento, mobiliário e utensilagem, nos termos das instruções dimanadas da Inspeção-geral de Jogos.
Cláusula 5.ª
1 - No caso de a soma dos valores das importâncias indicadas nas alíneas a) a h) do n.º 2 da cláusula 4.ª exceder a contrapartida anual referida no n.º 2 da mesma cláusula, o excesso será creditado à concessionária como antecipação e compensação por força das verbas referidas na alínea i) também do mesmo n.º 2, nos anos seguintes, após conversão em euros correntes do ano em que tiver lugar a compensação por aplicação da fórmula prevista no artigo 4.º do Decreto Regulamentar n.º 29/88.
2 - As importâncias mencionadas nas alíneas a) a i) do n.º 2 da cláusula 4.ª vencem-se:
a) As referidas nas alíneas a) e b), nos termos previstos na legislação aplicável;
b) As referidas nas alíneas d) a f) e h), à medida que se tornar necessário satisfazer os respetivos encargos;
c) A referida na alínea g) em prestações trimestrais, a entregar no primeiro dia útil de cada trimestre;
d) As referidas na alínea c) e i), até 31 de Janeiro do ano seguinte àquele a que as receitas respeitarem.
3 - As importâncias a pagar nos termos da alínea i) do n.º 2 da cláusula 4.ª serão depositadas no Instituto de Financiamento e Apoio ao Turismo, mediante guias a emitir pela Inspeção-geral de Jogos e deverão ser afetas a finalidades de interesse turístico, nos termos da legislação aplicável.
Cláusula 6.ª
A concessionária poderá transmitir para terceiros a exploração de jogos e demais atividades a que contratualmente fica obrigada, depois de devidamente autorizada pelas entidades referidas no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro.
Cláusula 7.ª
A concessionária fica obrigada ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da atividade do jogo, não sendo exigível qualquer outra tributação geral ou local relativa ao exercício dessa atividade ou de quaisquer outras a que esteja obrigada neste contrato, processando-se as respetivas liquidação e cobrança nos termos dos artigos 84.º e seguintes do citado Decreto-Lei n.º 422/89.
Cláusula 8.ª
A modificação anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade de contratar, resultante de ato soberano ou de alteração da lei ou regulamento que afeta com gravidade o equilíbrio contratual, dará à parte lesada o direito à modificação deste contrato segundo juízos de equidade.
Cláusula 9.ª
As alterações ao regime contratual aplicável à concessão entram em vigor na data da assinatura do presente contrato, salvo o disposto na alínea f) do n.º 2 da cláusula 4.ª que será aplicável ao exercício no decurso do qual este concurso é outorgado.
Cláusula 10.ª
O presente contrato pode ser rescindido nos termos previstos na lei, designadamente, em conformidade com o disposto no artigo 119.º do Decreto-Lei n.º 422/89, no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 275/2001, e no n.º 4 do artigo
3.º do Decreto Regulamentar n.º 29/88.».
(xvi) A contrapartida inicial devida pela Demandante nos termos do Contrato de Concessão revisto em 2001 foi efetivamente paga ao Demandado (artigo 31.º da PI; facto não controvertido);
(xvii) Entre 1989 e 2019, as contrapartidas anuais devidas ao Demandado foram todas pagas pela Demandante, tendo esta realizado as deduções nos valores que constam do Doc. n.º 5-A junto com a Contestação (artigo 32.º da PI; Mapas dos Cadernos de Contrapartidas juntos pela Demandante e pelo Demandado; Relatórios e Contas relativos aos anos de 1989 a 2019, juntos pela Demandante como Doc. n.º 6-A e pelo Demandado como Docs. n.ºs 3 a 14);
(xviii) A equação económico-financeira das concessões de jogo sitas em Portugal continental, em 2020 e 2021, foi, no quadro da pandemia da COVID-19, negativamente afetada por medidas públicas restritivas e por fatores socioeconómicos diversos (como a redução generalizada do consumo, menor consumo em espaços físicos por receio de contágio, diminuição do turismo) (artigo 34.º da PI; facto não controvertido);
(xix) Nesse contexto, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 103/2021, de 24 de Novembro, o qual estabelece medidas excecionais e temporárias aplicáveis à exploração de jogos de fortuna ou azar nas zonas de jogo do ..., de ..., do ..., da ... e da ..., através do qual foi “reconhecido que as medidas legislativas ou administrativas excecionais e temporárias de resposta à pandemia da doença da COVID-19 de fonte governamental, de encerramento e de limitação da atividade dos casinos situados nas zonas de jogo (…), determinadas por decisão do Estado no decurso dos anos de 2020 e 2021 e, bem assim, os demais impactes motivados pela situação pandémica, constituem fundamento para a modificação dos respetivos contratos” (cfr. artigo 2.º), para o efeito de reequilibrar, do ponto de vista económico-financeiro, essas concessões (artigos 34.º e 35.º da PI; facto não controvertido);
(xx) Nesta sequência, veio o Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, através do Despacho n.º 80/2021, de 13 de Dezembro, concretizar o Decreto-Lei n.º 103/2021, de 24 de Novembro, fixando uma metodologia e orientações para o cálculo do desequilíbrio económico-financeiro daquelas concessões — tendo ali fixado critérios para apurar o ponto de equilíbrio das concessões que deve servir de referência ao reequilíbrio (artigo 37.º da PI; facto não controvertido);
(xxi) Em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n.º 103/2021, de 24 de Novembro, e no Despacho n.º 80/2021, de 13 de Dezembro, foi o Contrato de Concessão novamente objeto de prorrogação, até 31 de Dezembro de 2025, com vista ao seu reequilíbrio económico-financeiro, isentando-se a Demandante, nomeadamente, do pagamento das contrapartidas mínimas relativas aos exercícios de 2020 e 2021 (artigos 9.º e 38.º da PI; artigos 240.º e 241.º da Contestação;
Doc. n.º 4 junto com a PI);
(xxii) No Decreto-Lei n.º 103/2021, de 24 de Novembro, reconhece-se, ainda assim, que quer a medida da prorrogação da vigência dos contratos de concessão quer a da suspensão do pagamento das contrapartidas mínimas podem revelar-se insuficientes para a reposição do equilíbrio financeiro daqueles contratos (Preâmbulo do referido diploma; Despacho n.º 80/2021, de 13 de Dezembro).
55. Os restantes factos com relevo para a decisão da causa são enunciados infra a propósito de cada tema da prova.
(…)
58. Com base nas propostas das Partes, o Tribunal Arbitral, sem o intuito de restringir o objeto do processo e da prova, mas apenas para ordenar a discussão, fixou os seguintes Temas de Prova:
(1) Apuramento da equação económico-financeira subjacente ao Contrato de Concessão.
(2) Performance económico-financeira da Concessão.
(3) Os contornos da crise financeira iniciada em 2008 e da posterior recessão económica em Portugal.
(4) O surgimento e a evolução do jogo online em Portugal.
(5) As restrições decorrentes da entrada em vigor da denominada «Lei do Tabaco», (Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto) e sua evolução.
(6) Impacto económico-financeiro dos eventos referidos nos pontos III a V no Contrato de Concessão.
(7) Montante dos prejuízos eventualmente sofridos pela Demandante em virtude da ocorrência dos eventos identificados.
(8) Os atos de gestão da Demandante e o respetivo impacto económico financeiro na Concessão.
§3.º/ 2. Resposta aos temas de prova
59. O Tribunal Arbitral pronuncia-se sobre factos com relevância para o objeto do litígio e, portanto, para a decisão da causa.
60. Da apreciação crítica da prova produzida, designadamente da prova documental junta aos autos e dos depoimentos das testemunhas, o Tribunal decide dar a seguinte resposta aos temas da prova:
I. Matéria de facto apurada relativa ao tema da prova (1)
[Apuramento da equação económico-financeira da Concessão]
(1) O Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto, que definiu os termos do procedimento de adjudicação do Contrato de Concessão, não exigia aos concorrentes a apresentação de pressupostos económicos respeitantes à execução do contrato (Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto);
(2) O Contrato de Concessão não contém um Caso Base expresso ou formalizado (facto não controvertido);
(3) O esquema contratual definido não assenta numa rentabilidade acordada da Concessão (Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto e Contrato de Concessão);
(4) A tabela de contrapartidas mínimas anexa ao Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de Outubro, manteve a taxa de crescimento de 2% ao ano prevista na tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 29/88, de 3 de Agosto (facto não controvertido);
(5) Com referência ao Contrato de Concessão sub judice, a contrapartida mínima fixada para o ano de 2001 corresponde a 30% das receitas brutas de jogo do ano de 2000 (facto não controvertido);
(6) Em face do histórico da Concessão, em 2001, era razoável prever-se uma taxa média de crescimento anual das receitas brutas de jogo na ordem dos 2%, mesmo considerando no longo prazo a ocorrência de fenómenos cíclicos de crise (depoimento de AA [00:52:25] a [00:58:15]);
(7) No caso das zonas de jogo de ... e da ... a proporção entre a contrapartida mínima fixada para o ano de 2001 e a receita bruta do ano de 2000 não é de 30% (depoimento de AA [00:43:05 a 00:43:57]);
(8) Nas negociações mantidas no contexto da prorrogação dos contratos de concessão das zonas de jogo em 2001, nem a APC nem as suas associadas partilharam com o Demandado os pressupostos económicos subjacentes ao valor a pagar pelas concessionárias, nem a forma como efetuaram a divisão desse valor entre si, assim como o Demandado também não partilhou com a APC ou com as associadas desta os pressupostos subjacentes à aceitação do valor final global proposto, cifrado em € 256.382.119,09 (depoimento de BB [00:08:01] a [00:10:25]);
(9) Não existiu entre as Partes qualquer referência a taxas de rentabilidade expectáveis, nem se discutiu a ratio dos valores concretamente pagos pela Demandante pela prorrogação do prazo de vigência do Contrato de Concessão (depoimentos de AA [00:04:08] a [00:05:16], de CC [00:05:57] e de BB [00:10:21] a [00:11:53]);
(10) A Demandante declarou, relativamente ao acordo alcançado com o Demandado, que as contrapartidas definidas em 2001 foram “unanimemente consideradas justas” (Relatório e Contas do ano de 2001, junto pela Demandante como Doc. n.º 6-A).
II. Matéria de facto apurada relativa ao tema da prova (2)
[Performance económico-financeira da Concessão]
(1) Durante os primeiros 12 anos de vigência do contrato (1989 a 2000), a Demandante apresentou resultados líquidos negativos em 7 exercícios (de 1992 a 1998, inclusive), num total de €42.852.504 e apresentou resultados líquidos positivos em 5 exercícios (1989, 1990, 1991, 1999 e 2000), num total de €8.142.778 (Relatórios e Contas da Demandante, dos anos de 1989 a 2000, juntos pelo Demandado como Docs. n.º 3 a 14);
(2) De 2004 a 2013, a Demandante teve um volume de negócios acumulado de 509 milhões de euros (Relatórios e Contas da Demandante de 2004 a 2013, juntos pela Demandante como Doc. n.º 6-A);
(3) Em 2000, a Demandante apresentou 2,4 milhões de euros de saldo de clientes de cobrança duvidosa e 2,0 milhões de euros de imparidades sobre os mesmos (Relatório e Contas da Demandante de 2000, junto com requerimento da Demandante como Doc. n.º 6-A);
(4) Em 2004, a Demandante apresentou 3,24 milhões de euros de saldo de clientes de cobrança duvidosa e 3,12 milhões de euros de imparidades sobre os mesmos (Relatório e Contas da Demandante de 2004, junto pela Demandante como Doc. n.º 6-A);
(5) Em 2009, a Demandante apresentou 2,0 milhões de euros de saldo de clientes de cobrança duvidosa e 2,0 milhões de euros de imparidades sobre os mesmos (Relatório e Contas da Demandante de 2009, junto pela Demandante como Doc. n.º 6-A);
(6) Em 2019, a Demandante apresentou 0,6 milhões de euros de saldo de clientes de cobrança duvidosa e 0,6 milhões de euros de imparidades sobre os mesmos (Relatório e Contas da Demandante de 2019, junto pela Demandante como Doc. n.º 6-A);
(7) Entre 2001 e 2019, a Demandante registou imparidades sobre o valor do ativo intangível (Concessão) no valor de, pelo menos, 18,2 milhões de euros, que decorreram da realização de testes de imparidade realizados ao referido ativo, usando o valor de uso (Relatórios e Contas da Demandante de 2001 a 2019, juntos pela Demandante como Doc. n.º 6-A);
(8) A Demandante apresentou os seguintes Rácios de Autonomia Financeira (Relatórios e Contas da Demandante de 1989 a 2019, juntos pelo Demandado como Docs. n.ºs 3 a 14, e pela Demandante como Docs. n.º 6 e 6-A; depoimento de CC [01:01:28] a [01:02:41]):
(9) Nos anos de 1989 a 2019, o valor das receitas brutas da Concessão, de contrapartidas anuais por referência a 50% da receita bruta, de contrapartidas mínimas, de deduções e de remanescente da contrapartida anual são os que constam do quadro seguinte (Doc. n.º 5-A junto com a Contestação; Cadernos de Contrapartidas):
(10) Entre 2001 e 2019, as receitas brutas obtidas pela Demandante ascenderam a €911.953.167,01 (Doc. n.º 5-A junto com a Contestação; Cadernos da Contrapartida juntos pelas Partes);
(11) Entre 2001 e 2011, o valor das contrapartidas anuais excedeu em cerca de 86 milhões de euros o valor das contrapartidas mínimas para o mesmo período (Doc. n.º 5-A junto com a Contestação; Cadernos da Contrapartida juntos pelas Partes);
(12) Entre 2012 e 2019, o valor das contrapartidas mínimas pagas excedeu em cerca de 34,4 milhões de euros o valor das contrapartidas anuais (Doc. n.º 5-A junto com a Contestação; Cadernos da Contrapartida juntos pelas Partes);
(13) Entre 2008 e 2013, verificou-se uma queda das receitas brutas do jogo da Concessão, com um decréscimo anual médio de 8,9% (Doc. n.º 5-A junto com a Contestação);
(14) A partir de 2012 (inclusive), a Concessionária pagou ao Estado os montantes da contrapartida mínima, porquanto o valor da contrapartida anual a pagar nos termos do Contrato (50% das receitas brutas do jogo) ficou sempre abaixo da contrapartida mínima (Doc. n.º 5-A junto com a Contestação; Cadernos da Contrapartida juntos pelas Partes);
(15) A receita bruta constitui um resultado da operação de jogo e não se confunde com o volume de jogo (depoimentos de DD [00:13:39] a [00:13:45], de CC [00:12:03], de EE [00:29:08], de FF [00:05:51] a [00:10:10], de GG [00:14:02] a [00:14:33] e de HH [00:37:47]);
(16) Entre 2004 e 2011, o casino da Demandante apresentou um volume de jogo superior ao de ... e a partir de 2012 a situação inverteu-se [Doc. n.º 5 junto com a Contestação; depoimentos de EE [00:04:13] a [00:04:35], e de FF [00:11:01], [00:14:08], [00:14:15], [00:16:39] a [00:17:12]);
(17) Perante uma quebra de receita que ocorreu no período 2011-2013, o casino de ... apresentou maior capacidade de recuperação (depoimentos de FF [00:16:39] a [00:17:12] e de GG [00:52:54], [00:55:42] e [01:06:15] a [01:09:01];
(18) O casino de ... está progressivamente a atrair mais jogo do que o casino da ... (depoimento de EE [00:12:50], [01:25:57]);
(19) Até aos anos da crise económica, não se verifica uma quebra substancial do volume de jogo físico (Doc. n.º 5 junto com a Contestação);
(20) Entre 2005 e 2007, as receitas brutas da Concessão aumentaram muito significativamente (depoimento de DD [00:03:53] a [00:04:47]);
(21) O período 2011-2013 é especialmente grave na diminuição das receitas da Concessão, com perdas superiores a dois dígitos (depoimento de DD [00:07:00]);
(22) A partir de 2013, o volume de jogo em casino apresenta um crescimento constante, apenas com uma ligeira queda em 2019 (Doc. n.º 5 junto com a Contestação; depoimento de FF [00:11:05]);
(23) Durante a pandemia provocada pela doença COVID-19, com o fecho dos casinos, as receitas do jogo físico caíram para menos de metade (Decreto-Lei n.º 103/2021, de 24 de Novembro).
III. Matéria de facto apurada relativa ao tema da prova (3)
[Os contornos da crise financeira iniciada em 2008 e da posterior recessão económica em Portugal]
(1) Os efeitos da crise do subprime, iniciada em 2007 nos EUA, rapidamente se estenderam à economia mundial (facto público e notório);
(2) As exportações globais caíram quase 20% entre 2007 e 2009 (dados da Fundação ... – “F...” – referenciados na PI);
(3) Portugal, que já apresentava uma estagnação económica e uma redução do emprego, foi rapidamente atingido nas suas exportações e no crédito bancário (facto público e notório);
(4) Houve lugar, genericamente, a restrições ao crédito a particulares e empresas e uma diminuição do consumo e do investimento privados, a uma subida da taxa de desemprego, e o PIB real per capita descreu 4,4% em apenas 4 trimestres (dados da F... referenciados na PI);
(5) A dívida pública aumentou muito consideravelmente desde 2008 como resposta à crise que nesse ano eclodiu e em virtude dos resgates ao setor financeiro (dados da F... referenciados na PI);
(6) Em Portugal, a dívida pública cresceu de 72,7% do PIB em 2007 para 87,8% em 2009 (dados da F... referenciados na PI);
(7) A desconfiança sobre a capacidade de vários países conseguirem cumprir os seus compromissos cresceu e as taxas de juro da dívida pública aumentaram de forma muito significativa, para compensar a perceção, por parte dos mercados, do aumento do risco (dados da F... referenciados na PI);
(8) Os países periféricos da Zona Euro foram os mais afetados, designadamente Portugal (dados da F... referenciados na PI);
(9) Portugal iniciou, em 2010, uma política orçamental restritiva e em 2011 foi solicitada assistência económica e financeira, tendo sido acordado, nesse ano, com as instituições europeias e com o Fundo Monetário Internacional, o Programa de Assistência Económica e Financeira (“PAEF”), o qual impôs ao país a execução de medidas estruturais com os objetivos da consolidação orçamental, de assegurar a estabilidade do sistema financeiro e o crescimento económico sustentável (facto público e notório);
(10) Este período, que se prolongou por vários anos, ficou marcado por uma diminuição do rendimento disponível das pessoas e por uma diminuição do consumo privado, traduzindo-se numa recessão económica (facto público e notório);
(11) O PAEF foi concluído em Junho de 2014 e, a partir do mesmo ano, verificou-se um período de recuperação geral da economia, até 2019, que somente veio a ser interrompido com os efeitos da pandemia provocada pela doença COVID-19 (facto público; estudo da F... referenciado na Contestação).
IV. Matéria de facto apurada relativa ao tema da prova (4)
[O surgimento e a evolução do jogo online em Portugal]
(1) Em meados dos anos 90, as concessionárias entendiam que a exploração do jogo online lhes devia ser atribuída, por força do exclusivo territorial que detinham (Doc. n.º 7 junto com a Contestação);
(2) Os primeiros sites de jogo online surgiram em 1995/1997 e desde então cresceram de forma significativa (Docs. n.ºs 4 e 7 juntos com a Contestação; depoimentos de EE [01:01:42] a [01:01:56] e de HH [00:11:19] a [00:12:04]);
(3) Em 20 de Setembro de 1999, o Presidente do Conselho de Administração da Demandante concedeu uma entrevista à revista ... onde referiu (Doc. n.º 7 junto com a Contestação):
“(…) face ao um novo inimigo que se perfila desde há alguns anos e que são os casinos cibernéticos, que assumem uma expressão esmagadora e têm, até, representatividade internacional traduzida na constituição da Internet Gaming Assotiation, que aglutina mais de 150 casinos cibernéticos. (…) Face a análises e estudos da Associação Portuguesa de Casinos que perspectivam, só para o jogo cibernético em Portugal, valores de faturação que se traduziriam, no ano de 2000, entre um mínimo de nove milhões de contos e provavelmente, algo próximo a 49 milhões de contos e comparados com os resultados previsíveis no corrente ano para a totalidade da faturação dos 8 casinos portugueses - que se situará em torno dos 40 milhões de contos -, ficamos com uma ideia da importância da ameaça e do risco dos casinos cibernéticos.”.
(4) Em 20 de Janeiro de 2000, o Presidente do Conselho de Administração da Demandante, em entrevista ao jornal …, sob o título «Casinos “on-line” imparáveis», disse o seguinte (sítio da Internet do jornal …):
“Proliferam como cogumelos os casinos na Net. Já há mais de 300 registados, e a moda parece ter chegado a Portugal. As autoridades pouco podem fazer para impedir a sua multiplicação, porque os registos dos "sites" são feitos fora do país. Os casinos portugueses sentem-se prejudicados e dizem que a exclusividade garantida pelo Estado é cada vez mais virtual (…).”
(5) Em Setembro de 2001, o Presidente do Conselho de Administração da Demandante declarou, em entrevista à revista ..., que, no quinquénio que antecedeu o ano de 2000, as concessionárias tinham efetuado elevados investimentos para fazer face ao “surto dos casinos cibernéticos”, e que essa era uma das razões pelas quais as concessionárias, através da APC, tinham solicitado a prorrogação dos prazos de vigência dos contratos, pois seria a forma de atacar o “surto”, porquanto era necessário “enfrentar o vírus dos casinos cibernéticos”, pois estes, nessa altura, já constituíam “uma «praga» inevitável” (Doc. n.º 4 junto com a Contestação);
(6) No início da década de 2000, o jogo online não era uma realidade imprevisível para a Concessionária (Docs. n.ºs 4 e 7 juntos com a Contestação; depoimentos de EE [01:01:42] a [01:01:56] e de HH [00:12:24] a [00:13:23] e [00:14:32]);
(7) Foi a partir de 2004/2005 que, a par da evolução tecnológica, o jogo online se desenvolveu com mais intensidade (depoimento de II [00:59:17]);
(8) A legalização do jogo online apenas ocorre já no ano de 2015 com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 66/2015, de 29 de Abril, através do qual se adotou um modelo permissivo de licenciamento (Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de Abril);
(9) Antes da legalização do jogo online em Portugal, não existem dados fiáveis sobre o jogo ilegal (depoimentos de HH [00:19:20] a [00:20:58], [00:43:53] e de JJ [00:47:10] a [00:50:19], [00:51:04]);
(10) Em todo o caso, reconhece-se que, embora seja difícil quantificar de modo absolutamente preciso, o jogo online tinha um volume muito elevado (depoimento de HH [00:20:58], [00:43:53], [00:53:07]);
(11) As maiores entidades exploradoras de jogo online licenciadas em Portugal não têm casinos físicos (depoimentos de EE [01:17:08] e de HH [00:21:47]);
(12) Em setembro de 2015, a C... apresentou pedido de licença para explorar jogos de fortuna ou azar online, sob as marcas casino ..., casino ... e ... (depoimento de HH [00:24:58]);
(13) A Demandante pertence ao Grupo C... e optou, por uma questão de lógica de grupo, por não apresentar pedido de licença para explorar jogos de fortuna ou azar online (depoimentos de II [00:03:32] a [01:04:26] e de HH [00:24:58]);
(14) A C..., empresa do grupo da Demandante, é titular de uma licença para explorar jogos de fortuna ou azar online sob as marcas casino ..., casino ... e casino da ... desde 25 de julho de 2016 (facto público).
V. Matéria de facto apurada relativa ao tema da prova (5)
[As restrições decorrentes da entrada em vigor da denominada «Lei do Tabaco» (Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto) e sua evolução]
(1) Desde 1989 que as concessionárias deviam ter delimitado zonas reservadas a não fumadores nos casinos (depoimentos de HH [00:28:09] e de JJ [00:27:28]);
(2) As restrições decorrentes da Lei do Tabaco são de alcance geral e aplicam-se, de um modo geral, a todos os espaços públicos fechados (artigo 4.º da Lei do Tabaco);
(3) Foi com fundamento no n.º 5 do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e na sequência da publicação da Convenção Quadro da Organização Mundial de Saúde para o controlo do Tabaco, transposta para a ordem interna pelo Decreto n.º 25-A/2005 e, depois, com a publicação da Lei n.º 37/2007, de 14 de Agosto, que, em 2008, a Comissão de Jogos determina a delimitação de zonas reservadas a não fumadores nos casinos (depoimentos de FF [00:59:04] de 8.5.2023 e [00:40:55] a [00:41:06] de 12.5.2023, de HH [00:28:10] a [00:29:19] e de JJ [00:30:40] a [00:31:25]);
(4) Através da Deliberação n.º 11/2008/CJ, de 25 de Janeiro de 2008, a Comissão de Jogos do Turismo de Portugal deliberou no sentido de que fossem definidas, nos casinos, zonas reservadas para fumadores e para não fumadores, sempre que esta separação se efetivar e existam condições para a sua implantação de não fumadores, sem imposição de áreas ou equipamentos mínimos (Doc. n.º 7 junto com a PI);
(5) Em 4.7.2008, a Comissão de Jogos do Turismo de Portugal aprovou o parecer do Serviço de Inspeção de Jogos que exigiu à Demandante que o layout do Casino da ... reservasse pelo menos um terço da área disponível e um terço dos equipamentos de jogo a não fumadores (Doc. n.º 8 junto com a PI; depoimento de JJ [00:34:55]);
(6) A Demandante foi notificada do referido parecer em 5.8.2008 (Doc. n.º 8 junto com a PI);
(7) Em 2009, foram implementadas no casino da ... zonas de jogo para não fumadores (depoimentos de FF [00:57:23] a [00:57:43], de GG [01:31:36] a [01:33:23] e de JJ [00:33:26] a [00:35:32]);
(8) Na reunião de 8.1.2010, a Comissão de Jogos deliberou que: “Sobre o assunto, a Comissão clarificou o entendimento de que apenas deverá ser imposto aos concessionários o que decorre das Deliberações da Comissão de Jogos nºs 11/2008/CJ e 21/2008/CJ [relativa às salas de bingo], respetivamente, de 25 de janeiro e de 29 de fevereiro, no sentido de que apenas é exigível a instalação e certificação dos dispositivos de ventilação e renovação do ar ambiente nos termos ali previstos, podendo, no entanto e em alternativa, as empresas concessionárias optar por apresentar relatório emitido por empresa competente na matéria em que se comprove que a qualidade do ar ambiente respeita os padrões legalmente estabelecidos, caso em que as análises e respetivos relatórios devem ser apresentados com periodicidade semestral”
(Doc. n.º 8 junto com a Contestação);
(9) A Demandante reformulou todo o sistema AVAC (aquecimento, ventilação e ar condicionado) do Casino da ... — obra essa integrada na empreitada de reconceptualização e remodelação do Casino da ..., objeto de concurso público –, tendo despendido, para o efeito, € 2.468.107,02 (Doc. n.º 9 junto com a PI; depoimento de HH [00:28:58] a [00:30:03]).
VI. Matéria de facto apurada relativa ao tema da prova (6)
[Impacto económico-financeiro dos eventos referidos nos pontos III a V no Contrato de Concessão]
(1) O Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República elaborou o Parecer n.º 3/2018, no qual, a propósito de um contrato de concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar, concluiu que a crise económica configurava uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, com uma intensidade muito superior às crises que normalmente se vão sucedendo, embora não deixe de se afirmar que também outros fatores muito importantes podem ter contribuído para a diminuição das receitas (Doc. n.º 10 junto com a PI);
(2) O referido Parecer foi homologado pela Secretária de Estado do Turismo, por despacho de 14 de Agosto de 2018 (facto não controvertido);
(3) No período da crise, nomeadamente durante o PAEF, as receitas brutas de jogo no casino da Demandante decresceram significativamente, apenas retomando a subida a partir de 2014 (factos apurados quanto ao tema da prova (2); Doc. n.º 5-A junto com a Contestação);
(4) O impacto da crise nas receitas de jogo nos casinos de ... e de ..., ambos influenciados pelo PIB da zona Norte, foi menor do que no casino da Demandante (depoimento de GG [00:54:50] a [00:56:04], [01:20:08] a [01:23:48]);
(5) Os jogadores do online não se confundem com os jogadores dos casinos físicos, destinando-se a oferta a públicos-alvo distintos, havendo apenas uma pequena franja de jogadores que são coincidentes (depoimentos de CC [00:09:39] a [00:10:29], de EE [00:23:42] a [00:24:34], [00:59:55] a [01:01:06], [01:04:45] a [01:05:50], de GG [00:29:39] a [00:31:07], [00:35:50], de HH [00:15:49] a [00:18:24] e de JJ [00:52:41] a [00:54:30];
(6) Não se comprovou que os jogadores fumem significativamente mais que a generalidade das pessoas ou que os casinos sejam mais afetados do que outros estabelecimentos como os de restauração ou discotecas (Doc. n.º 5 junto com a Contestação; depoimentos de HH [00:37:12] e de JJ [00:28:09]);
(7) A substituição do ar condicionado e a instalação de equipamentos não foram impostas à Demandante (depoimentos de HH [00:28:58] a [00:30:03] e de JJ [00:35:32] a [00:38:10], [00:33:26]);
(8) As obras levadas a cabo pela Demandante foram objeto de comparticipação para efeitos de dedução à contrapartida anual (p. 518 do Doc. n.º 6-A junto pela Demandante e fig. 20 da p. 48 do Doc. n.º 5 junto com a Contestação);
(9) Os custos com o projeto de remodelação do casino, onde se inclui a intervenção no sistema de AVAC, foram deduzidos à contrapartida anual em 50% (facto não controvertido);
(10) Nos espaços dedicados a fumadores nunca foram vistas filas para jogar nas máquinas que se encontravam nas zonas onde era permitido fumar (depoimentos de FF [00:56:38] a [00:57:16] e de JJ [00:39:32]);
(11) O SRIJ nunca recebeu quaisquer reclamações de jogadores por falta de máquinas disponíveis para jogar nas áreas de fumadores (depoimentos de FF [00:56:38] a [00:57:16] e [00:58:42] a [00:58:42] e de HH [00:35:40], [00:38:55] a [00:39:57]).
VII. Matéria de facto apurada relativa ao tema da prova (7)
[Montante dos prejuízos eventualmente sofridos pela Demandante em virtude da ocorrência dos eventos identificados]
(1) Embora resulte dos factos apurados a respeito dos restantes temas da prova uma considerável diminuição das receitas da Concessão no período mais intenso da crise, a plausível concausalidade entre os vários eventos identificados – especialmente a crise e, marginalmente, a concorrência do jogo online – e a própria aléa da atividade concessionada e os atos de gestão da Demandante impediu uma concretização precisa dos prejuízos eventualmente sofridos pela Demandante em resultado daqueles eventos.
VIII. Matéria de facto apurada relativa ao tema da prova (8)
[Os atos de gestão da Demandante e o respetivo impacto económico-financeiro na Concessão]
(1) A Demandante atual com total autonomia de gestão na exploração do jogo no casino e demais atividades que tem de desenvolver e que constituem obrigações da Concessionária e tais decisões têm impacto nos resultados do jogo, quer no volume de jogo quer na receita bruta (depoimento de JJ [00:19:19] a [00:20:51], [00:23:50], [00:24:36]);
(2) As obras realizadas no casino de ... no início da década de 2000 tiveram impacto positivo na apresentação e na comodidade do casino (depoimento de FF [00:51:49] a [00:52:21]), bem como no volume de jogo gerado por este, permitindo recuperar melhor das quebras de receita (depoimentos de EE [01:30:26] e de GG [00:52:54]);
(3) Em 16.11.2011, a Demandante enviou uma carta ao Serviço de Inspeção de Jogos, onde refere a necessidade de implementar obras de remodelação e conservação no casino, que permitam, por um lado, adequar o edifício às exigências dos tempos modernos e, por outro lado, impedir que este se degrade com a erosão do tempo (Doc. n.º 9 junto com a Contestação);
(4) O payout, que corresponde à percentagem de prémios pagos, é fixado pelas concessionárias (depoimentos de DD [00:09:08] a [00:09:32], [00:10:04] e de EE [00:11:25] a [00:11:43]);
(5) A partir de 2012, quer o volume de jogo, quer a receita bruta no casino de ... passaram a ser claramente superiores aos do casino da Demandante (Doc. n.º 5 junto com a Contestação; depoimento de EE [00:12:50], [00:13:15] e [01:25:57];
(6) Os jogadores circulam entre os casinos da mesma zona de influência e os casinos de ... e da ... competem pelo mesmo mercado (depoimento de FF [00:14:47] a [00:43:26] e de II [00:51:17] e [00:52:18]);
(7) O póquer tem uma procura por parte dos jogadores de uma faixa etária mais jovem, trazendo novos frequentadores para o casino (depoimento de FF [00:31:40] a [00:32:53] de dia 8.5.2023 e [00:32:18], [00:33:43] a [00:34:19] de 12.5.2023);
(8) O póquer cash, nas variantes «Omaha» e «Hold’em», e em modo de torneio é permitido em Portugal desde 2007; a Demandante só em 2015 iniciou a exploração deste jogo com regularidade enquanto as outras concessionárias o fazem desde 2009 (depoimento de FF [00:29:30] a [00:30:53]).

Correspondentemente, decidiu o Tribunal Arbitral:
«1. Condenar o Estado ao pagamento à Demandante de uma compensação, de modo a mitigar os prejuízos por ela sofridos decorrentes da crise económica de 2011, correspondente à devolução do valor das diferenças entre as contrapartidas anuais e as contrapartidas mínimas pagas nos anos de 2012 (2.936.068€), 2013 (5.650.625€) e 2014 (5.595.594€), atualizadas à data da decisão.».

Por não se conformar com a condenação constante do ponto n.º 1 da Decisão, que condena o Estado Português à devolução do valor das diferenças entre as contrapartidas anuais e as contrapartidas mínimas pagas nos anos de 2012 (2.936.068€), 2013 (5.650.625€) e 2014 (5.595.594€), atualizadas à data da decisão, de acordo com o IPC (conforme esclarecimento posterior), vem interposto o presente recurso.

Analisando o Recorrido
Refira-se, desde logo, que se seguirá de perto o discorrido e decidido no recente Acórdão deste STA, nº 124/24.9BALSB de 9 de janeiro de 2025, relativo a questão idêntica, no qual se sumariou:
“I. Nos contratos de concessão de jogo, a contrapartida anual mínima, prevista no anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001, consubstancia um regime financeiro daquelas concessões com forma e força de lei;
II. A modificação financeira do contrato (total ou parcial, de forma direta ou indireta) por alteração das circunstâncias não pode resultar do acionamento do regime supletivo do artigo 312.º do CCP (437.º do C. Civ.), uma vez que existe um regime legal especial previsto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 422/89 e na cláusula 8.ª do contrato;
III. Para que neste caso pudesse validamente operar o princípio da justiça e da boa-fé contratual como dimensão garantística contratual derrogadora do regime legal destas concessões era necessário fazer provar da existência de prejuízos da concessionária ou, pelo menos, de uma lesão patrimonial grave, que não se pode identificar com uma mera redução da rentabilidade.”

Vejamos:
São, em qualquer caso e desde logo pelo Recorrente, suscitadas duas nulidades, referindo-se nas alegações de Recurso:
“Ao vedar ao Demandado a possibilidade de apresentar o seu ponto de vista e de contrariar a documentação técnica junta, o Tribunal Arbitral, violou ainda o princípio da igualdade de armas, porquanto (…) quando a Demandante apresentou documentos extemporaneamente, o tribunal aceitou-os e quando o Demandando apresentou pronúncia não hesitou em qualificar a mesma como apresentação extemporânea de documentos. (…)
Assim, pelas razões acima expendidas a Decisão deve ser declarada nula e de nenhum efeito .
Em 17 de outubro de 2023, após prolação da Decisão, o Tribunal proferiu um despacho de aclaramento da Decisão Arbitral, a requerimento da Demandante apresentado 24 horas antes e sem permitir ao Demandado pronunciar-se atempadamente sobre o mesmo. (…)
Trata-se não só de uma violação ostensiva do princípio do contraditório, mas ainda de uma verdadeira decisão surpresa. (…)
Assim, pelas razões acima expendidas a Decisão deve ser declarada nula e de nenhum efeito.”

Atenta a circunstância já declarada de se acompanhar o discorrido e decidido no Acórdão deste STA nº 124/24.9BALSB de 9 de janeiro de 2025, relativo a questão idêntica, desde já se declara que se concederá provimento ao recurso de revista, mais se julgando improcedente a ação.

Deste modo, a análise das nulidades recursivamente suscitadas mostra-se inútil, redundante e de nenhum efeito, em face do que em homenagem ao princípio da celeridade e da economia processual não será feita a análise das mesmas.
Aliás, o referido decorre da relativização que tem vindo a ser adotada face ao "dogma da prioridade" da apreciação dos pressupostos processuais, de modo a que não sejam apreciadas, nomeadamente as nulidades, antes da apreciação das questões de mérito, como se discorreu no Acórdão do STJ nº 1250/12.2TBVCD-A.P1.S1, de 24-01-2019, afirmando-se que o “(…) nº 3 do art. 278º do atual CPC - privilegia a prolação de decisões de mérito, em detrimento das de natureza formal, visando impedir que a real possibilidade de resolução de litígios seja prejudicada por questões de ordem formal que desnecessariamente impeçam a obtenção da justiça material; está em crise, pois, o tradicional “dogma da prioridade” da apreciação dos pressupostos processuais.
O uso desta regra, pressupondo que a decisão de mérito possa ser proferida no momento em que o tribunal conheceria da falta do pressuposto processual, é ainda limitado por uma exigência essencial, a de que o julgamento de mérito a emitir seja integralmente favorável à parte cujo interesse seja tutelado pela causa de absolvição da instância que assim se despreza.”

Aliás o próprio Tribunal Constitucional já havia discorrido sobre a referida matéria em 12 de dezembro de 2006, no Acórdão nº 680/2006, proferido no Procº nº 566/2006, nos seguintes termos:
No plano processual a consagração do princípio da proteção judicial efetiva implica que sejam ultrapassados os formalismos processuais que afetem desrazoavelmente a proteção judicial dos cidadãos
O princípio do favorecimento do processo (princípio pro actione), enquanto projeção do direito à tutela judicial efetiva, além de apontar para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal, impede igualmente o legislador de criar obstáculos nesse acesso (Dra. Fernanda Maçãs, in Reforma do Contencioso Administrativo – Trabalhos Preparatórios, O Debate Universitário, Vol. 1, pág 360).
O princípio “pro actione” encontra o seu âmbito natural de aplicação no processo civil, tendo sido “a garantia da prevalência do fundo sobre a forma e, portanto, a orientação pela verdade material” uma das linhas-mestras da reforma de 1995. Este princípio, também denominado como “prevalência da decisão de mérito”, encontra a sua consagração por excelência no art. 288°, n° 3, do CPC, preceito que permite a emissão de uma decisão sobre o mérito da causa mesmo que, por subsistir uma exceção dilatória, fosse possível a absolvição da instância. Em causa está a superação do “dogma da prioridade da apreciação dos pressupostos processuais” sobre as questões de mérito.”

Já mais recentemente relativamente ao “Dogma da prioridade” sumariou-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 6/6/2024 (264/23.1T8GMR.G1) o seguinte:
I - Pretendendo lançar mão do mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, o juiz deverá consignar tal facto expressamente na sentença, pronunciando-se, em concreto, quanto à verificação dos requisitos exigidos pela norma em causa, designadamente mencionando que, não obstante verificar-se naquele caso determinada exceção dilatória, o tribunal não irá proferir decisão de absolvição da instância, mas sim conhecer do mérito da causa.

Mais se discorreu no referido Acórdão:
“Para que o tribunal possa lançar mão do mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, é, portanto, necessário que, para além da verificação de uma exceção dilatória, se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos […].
i) a absolvição da instância se destine tão só a tutelar o interesse de uma das partes (e não, também, a defesa do interesse público na boa administração da justiça […] ou a tutela de interesses que respeitem também à parte contrária);
ii) no momento da apreciação da exceção, nenhum outro motivo obste ao conhecimento do mérito da causa;
iii) a decisão de mérito a proferir deva ser integralmente favorável a essa parte (ou seja, à parte cujo interesse a absolvição da instância visa tutelar) […]
Em virtude desta norma, se no momento em que se vai conhecer da exceção for possível conhecer do mérito da causa e a decisão deva ser integralmente favorável à parte a que respeita a exceção, o tribunal deve conhecer do mérito e absolver o réu do pedido independentemente de se verificar a exceção. Nessa circunstância o conhecimento da exceção fica prejudicado já que é totalmente inútil o tribunal pronunciar-se sobre um vício processual do qual acabará por não retirar consequências ao nível da lide […]
Pretendendo lançar mão do mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, o juiz deverá consignar tal facto expressamente na sentença, pronunciando-se quanto à verificação dos requisitos exigidos pela norma em causa, designadamente mencionando que, não obstante verificar-se naquele caso determinada exceção dilatória, o tribunal não irá proferir decisão de absolvição da instância, mas sim conhecer do mérito da causa, pronunciando-se, em concreto, quanto aos três mencionados requisitos supra enunciados […]”

Aqui chegados, consagra-se que se adotará o mecanismo previsto no art. 278º, n.º 3, 2ª parte, do CPC, apreciando-se recursivamente, desde logo, o mérito da Ação.

Acresce que decorre da Lei da Arbitragem Voluntária, nomeadamente, que o não exercício do contraditório não determina a verificação de nulidade, quando, como no caso presente, não tenha "influência decisiva na resolução do litígio", como decorre dos Artº 46.º, n.ºs 1 e 3, ii) e 30.º, n.º 1, c), ambos da LAV.


O Objeto do Recurso - Enquadramento
Refere-se no controvertido Acórdão Arbitral que Nas concessões de jogo, o Estado confere o exclusivo da exploração de uma atividade económica privada, com elevado potencial lucrativo, em troca do pagamento pelo concessionário de contrapartidas patrimoniais.

Mais refere o Tribunal Arbitral que «Estipulam-se, em regra, três tipos de contrapartida:
i) uma contrapartida inicial, de montante fixo, que visa e remunera a atribuição do exclusivo da atividade durante todo o período da concessão, nada tendo a ver com o equilíbrio ou a performance contratual;
ii) contrapartidas anuais, que representam uma percentagem das receitas brutas de jogo em cada ano;
iii) contrapartidas mínimas, fixadas na lei para cada um dos anos da concessão, que asseguram que, independentemente das receitas brutas de jogo, o montante a pagar ao Estado tem de atingir um determinado valor.»

Refere, ainda, o Tribunal Arbitral, no ponto 2.1. da parte III., que «Na realidade, não resulta da lei ou do contrato, mediante um caso base ou uma qualquer base negocial, a garantia estadual de uma acordada rentabilidade da concessão. E, em sentido contrário, o artigo 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 275/2001 determina expressamente que, no caso de rescisão por interesse público, o Estado – ao contrário do que é normal (artigo 334.º, n.º 2, do CCP) – não está obrigado a indemnizar as concessionárias dos lucros cessantes pelo tempo não decorrido (mas apenas do valor de determinados encargos não comparticipados e de uma parte, em proporção, da contrapartida inicial). Existe, sim, ao invés, a garantia estável de uma renda mínima fixa para o Estado durante todo o período da concessão – uma garantia puramente patrimonial, da qual não se pode dizer que vise promover uma gestão eficiente da atividade, porque não se trata de assegurar a prestação de um serviço público.».

Decorre do discurso fundamentador da decisão recorrida que o Estado fez constar da legislação que, em caso de resolução unilateral do contrato, não está obrigado a indemnizar as concessionárias dos lucros cessantes pelo tempo não decorrido, mas apenas do valor de determinados encargos não comparticipados e de uma parte, em proporção, da contrapartida inicial.

A indemnização não abrange as contrapartidas anuais mínimas pela simples razão de que as mesmas não são pagas de imediato e na totalidade (como a contrapartida inicial), mas ao longo dos anos de vigência do contrato, não deixando, por esse motivo, de constituir ainda o correspetivo da atribuição da concessão.

Assim, a contrapartida inicial e as anuais mínimas encontram-se completamente desligadas do resultado económico da exploração, sendo que «As contrapartidas são negociadas e variam em relação às várias zonas de jogo: no caso da ..., a partir da modificação operada em 2001, além de uma parcela da contrapartida inicial global (proposta pela Associação Portuguesa de Casinos), foi acordada uma contrapartida anual (uma espécie de renda da concessão) correspondente ao valor de 50% da receita bruta do jogo…»

Sem prejuízo do precedentemente afirmado, não se acompanha o entendimento expendido na decisão Recorrida, relativamente aos «pedidos de compensação por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias», mormente quando se afirma que o Contrato de Concessão da exploração da zona de jogo da ... não regula…. [a] hipótese de uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.

Com efeito, o Tribunal Arbitral refere que, no contrato, apenas se prevê na cláusula 8.ª que «[a] modificação anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade de contratar, resultante de ato soberano ou de alteração de lei ou regulamento que afete com gravidade o equilíbrio contratual, dará à parte lesada o direito à modificação deste contrato segundo juízos de equidade” – situações de compensação dos prejuízos causados pelo Estado na sua veste de autoridade, que correspondem tipicamente à figura do facto do príncipe.»

Já se acompanha o entendimento do Tribunal Arbitral quando afirma que «Não se pode duvidar da aplicabilidade temporal do princípio da justiça contratual que está na base dos referidos preceitos do CC e do CCP, mas pode duvidar-se da verificação, em abstrato, dos respetivos condicionalismos, seja por não se adequar ao contrato de exploração de jogo a tradicional teoria da imprevisão, fundada na ideia da continuidade do serviço público e no consequente “princípio de assistência financeira devida pela Administração ao outro contraente”, seja por não haver uma base negocial acordada que possa servir de pressuposto de avaliação das alterações relevantes no quadro do princípio pacta sunt servanda, seja ainda por ter sido assumido expressamente e voluntariamente pela concessionária, por inteiro, o risco da rentabilidade contratual, ao aceitar pagar um montante fixo mínimo de contrapartida anual.»

Em síntese e no que aqui releva, entende adequadamente o Tribunal Arbitral, que:
«não resulta da lei ou do contrato, mediante um caso base ou uma qualquer base negocial, a garantia estadual de uma acordada rentabilidade da concessão.»
E, em sentido contrário, o artigo 7.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 275/2001 determina expressamente que, no caso de rescisão por interesse público, o Estado – ao contrário do que é normal (artigo 334.º, n.º 2, do CCP) – não está obrigado a indemnizar as concessionárias dos lucros cessantes pelo tempo não decorrido (mas apenas do valor de determinados encargos não comparticipados e de uma parte, em proporção, da contrapartida inicial).
Existe, sim, ao invés, a garantia estável de uma renda mínima fixa para o Estado durante todo o período da concessão – uma garantia puramente patrimonial, da qual não se pode dizer que vise promover uma gestão eficiente da atividade, porque não se trata de assegurar a prestação de um serviço público.
não basta tratar-se de um contrato duradouro e de execução continuada para que o contraente público tenha o dever de, em situações ou tempos difíceis, contribuir para uma boa gestão ou assegurar a rentabilidade contratual: não é irrelevante que a atividade concessionada seja, ou não, de serviço público.

Importa não perder de vista que os contratos de concessão de exploração, em exclusivo territorial, dos jogos de fortuna ou azar têm especificidades próprias, insuscetíveis de enquadramento em qualquer outra atividade contratual.

Nesse sentido, qualquer tentativa de transferir o risco ou parte dele na perda de receitas brutas para o Concedente sempre pressuporia a existência de normativos que o viabilizassem.

Como decorre da decisão arbitral são as seguintes as características do contrato de concessão de jogo:
1. O Estado, em 1927, decidiu regular uma atividade que proliferava em Portugal e contra a qual a repressão já nada podia;
2. Regulando essa atividade o Estado decidiu que essa regulação seria forte, no que se traduziu (i) num controlo intenso do jogo (obrigado à sua honestidade), (ii) na prevenção de comportamentos abusivos, (iii) na proteção dos mais vulneráveis (menores e dependentes de fenómenos de adição) e (iv) através da imposição de um imposto especial de jogo e obrigações contratuais que permitissem ao Estado desenvolver turisticamente o país e devolver, em especial às comunidades onde se encontram inseridos os casinos, um valor que permita a sua compensação por sofrerem o “encargo/ónus social” de ali verem instalado um casino, potenciando o seu desenvolvimento económico;
3. A regulação do jogo não visa satisfazer uma necessidade de interesse público.
4. Porque existe um forte juízo de censura moral sobre a atividade, o Estado afasta-se dos lucros reais da exploração, não aceitando participar/lucrar com o infortúnio ou a desgraça alheia. O que quer dizer que o Estado decidiu tornar as contrapartidas financeiras e a tributação do jogo independentes dos lucros diários;
5. Sendo o direito de explorar jogos de fortuna ou azar reservado ao Estado (art. 9.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro), a sua exploração pode ser atribuída a pessoas coletivas privadas.
6. O contrato a celebrar é, por isso, um contrato administrativo especial, nominado, típico, oneroso e sinalagmático e tem por objeto imediato a atribuição da atividade de exploração, em regime de exclusivo territorial, de jogos de fortuna ou azar numa determinada zona de jogo, por um período temporal alargado, a um particular que os explora por sua conta e risco;
7. Num plano funcional-substancial, a concessão da exploração do jogo de fortuna e azar configura um contrato administrativo especial, pré-regulado por lei, radicalmente diferente da generalidade das concessões, dado o carácter tendencialmente “pecaminoso” da atividade exercida: não é um contrato de concessão de serviços públicos, porque a exploração dos jogos de fortuna e azar não é nem pode ser entendida como um serviço comunitário – o ideal público normativamente assumido seria mesmo que diminuísse o interesse por esse tipo de jogo. (cfr. pág. 90 da Decisão Arbitral)
8. A ausência de um serviço público (e de um interesse público correspondente ao desenvolvimento e prática do jogo) conduz-nos a uma outra particularidade das concessões de jogo: a ausência de uma remuneração da concessionária que seja o correspetivo da realização, pela mesma, do interesse público subjacente ao serviço público concessionado, desonerando o Estado dos encargos da sua prossecução a título próprio.
9. A atividade, objeto do contrato de concessão, é a exploração do jogo, que é um contrato aleatório; As receitas brutas do jogo são já um resultado da operação do jogo (leia-se, da sorte ou azar e, até, do bem ou mal jogar), sendo obtidas através da diferença entre o montante de apostas realizado num casino e os prémios pagos.

Aqui chegados, a exploração do jogo é concedida através da atribuição de um direito exclusivo de modo a que seja exercida uma atividade que se encontra reservada ao Estado e que lhe é atribuída em regime de monopólio, num determinado território, por um período longo, comprometendo-se o Estado, in casu, «a não consentir, durante o prazo da concessão, novas zonas de jogo de fortuna ou azar a menos de 150 km do local onde se situa o Casino da ...».

A contrapartida inicial e a contrapartida anual mínima são os montantes que o Estado, define como devendo receber, nos termos que a decisão Arbitral definiu nos seguintes termos:
Estipulam-se, em regra, três tipos de contrapartida:
i) uma contrapartida inicial, de montante fixo, que visa e remunera a atribuição do exclusivo da atividade durante todo o período da concessão, nada tendo a ver com o equilíbrio ou a performance contratual;
ii) contrapartidas anuais, que representam uma percentagem das receitas brutas de jogo em cada ano;
iii) contrapartidas mínimas, fixadas na lei para cada um dos anos da concessão, que asseguram que, independentemente das receitas brutas de jogo, o montante a pagar ao Estado tem de atingir um determinado valor. (cfr. pág 91 da Decisão Arbitral).

Em concreto, acordaram as partes que a aqui Recorrida pagaria ao Estado, em cada ano, o valor correspondente a 50% das receitas brutas dos jogos explorados no casino da ..., se este valor fosse superior à referida contrapartida anual mínima, sendo que a receita bruta corresponde à diferença entre o montante das apostas efetuadas e os prémios pagos.

A receita bruta é o valor com que a concessionária conta para pagar as despesas e custos da sua atividade, sendo que esta paga os referidos 50% antes de apurar sequer os seus custos, o que significa que o risco da atividade corre integralmente pela aqui Recorrida.

Como refere o Tribunal Arbitral, «o equilíbrio contratual da concessão da exploração do jogo não se estrutura, por definição, num caso-base, acordado ou aceite pelas partes, como acontece hoje na generalidade das concessões, para marcar a linha divisória dos riscos que cabem ao privado e ao Estado no exercício da atividade concessionada de serviço público. Não há lugar nas concessões de zonas de jogo a uma proposta, apresentada pela concessionária, que estabeleça formalmente um equilíbrio económico-financeiro na exploração da atividade, reconhecido pelas partes (uma base negocial), nem há, por isso, lugar a um reequilíbrio, em função da repartição de riscos, que justifique a sua construção retrospetiva. E não é por acaso: como vimos, o Estado, por razões éticas, não quer ser parte interessada nos resultados da atividade, nem interferir na respetiva gestão económico-financeira, e, por isso, não tem de aceitar ou entrar em acordo com o particular sobre a rentabilidade do contrato, limitando-se a negociar contrapartidas, correndo o risco económico da exploração do jogo integralmente por conta da concessionária.
No âmbito deste tipo de contratos, não tem sentido, por isso, o apuramento de uma equação económico-financeira subjacente ao negócio, para efeitos da sua comparação com a realidade da performance da concessão, no quadro de uma eventual reposição do equilíbrio contratual, como acontece nas concessões de serviço público.» (cfr. pág. 92 e 93 da Decisão Arbitral)

Em concreto, resulta do convencionado - cláusula 4.ª n.º 2 do contrato de concessão - que para além da contrapartida inicial, deverá ser prestada em cada ano, contrapartida no valor de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no casino, sendo que, essa contrapartida não poderá ser inferior aos valores indicados no anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de outubro.

A regra contratualmente estabelecida é a de que a Concessionária pode, ou não, ficar com 50% da receita bruta, podendo ficar com outra percentagem menor.

Se num determinado ano, como foi o caso em 2012, a Concessionária obtém receitas brutas no valor de 40,8 milhões de euros e, se nos termos do contrato, tem de pagar uma contrapartida anual mínima de 23,3 milhões de euros, ou seja, a percentagem da receita bruta que fica para si é de 43%, isso quer dizer que a Concessionária teve um ano menos bom, porque em vez de receber 20,4 milhões de euros, recebeu 17,5 milhões de euros, o que não equivale a um prejuízo.

A solução para a questão do equilíbrio do contrato ou dos prejuízos verificados não pode estar na percentagem de quebra da receita bruta.

O referido não significa que seja inadmissível a alteração do convencionado por alteração das circunstâncias, mas tal terá de resultar de tal excecionalidade que tal se imponha, sendo que na situação em presença estamos perante um menor lucro e não de prejuízo.

Importa atender ainda que, não há um único facto dado com o provado que suporte a decisão indemnizatória do Tribunal Arbitral.

Não se tendo apurado factos determinantes da atribuição da peticionada indemnização, é impossível estabelecer qualquer relação entre as contrapartidas anuais mínimas exigidas e a evolução da receita bruta da concessionária.

O Tribunal Arbitral entendeu, sem suporte factual, que se o Estado fixou as contrapartidas mínimas a crescer à taxa de inflação acrescida de 2 pontos percentuais foi porque admitiu que as receitas brutas iriam crescer, pelo menos, de igual forma, o que se mostra falacioso.

Não se reconhece, pois, que tenha sido intenção do Estado que as contrapartidas mínimas crescendo a 2%, tal equivaleria a uma relação com o crescimento das receitas brutas.

A crise económica ocorrida não tem a virtualidade de alterar a configuração do risco prevista pelas partes no contrato. A alteração das circunstâncias só releva se situar para além do risco acordado entre as partes, não podendo servir para o alterar ou atenuar, como refere o Tribunal Arbitral, o risco originalmente estabelecido.

O que inadvertidamente foi feito pelo Tribunal Arbitral foi atribuir compensação, não por entender que o risco estava do lado do Estado, não por entender que a Concessionária tinha sofrido prejuízos graves, mas porque entendeu que seria mais equilibrado o Estado compensar o concessionário pela obtenção de menores lucros relativamente ao expectável, sendo que não foi isso que as partes haviam originariamente acordado.

Acresce que a receita bruta, constante do quadro provado no n.º 9 do número II. dos temas da prova, demonstra que os resultados do jogo nas concessões são elevados, como se havia já enunciado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo tirado no processo n.º 2224/13.1BEPRT, onde, no que aqui releva, se discorreu o seguinte:
«Os jogos de fortuna e azar são uma atividade geradora de riqueza, mas sem comparação com as restantes atividades tradicionais que dependem do esforço físico e da inteligência dos homens, que criam empregos, ajudam ao desenvolvimento social e humano e permitem a realização pessoal, conatural à existência do homem social. Nessa medida, tratando-se de uma atividade especial à qual se encontram intimamente ligados efeitos sociais nocivos, próprios das adições, carece também de uma regulamentação especial, quer no que toca à sua própria existência e modo do seu exercício, quer no que respeita à sua contribuição para o bem comum, de forma direta ou indireta, por via dos impostos e das contrapartidas pagas pelas concessões.»

Está bem de ver que se o Estado, entre 2001 e 2011, recebeu mais 86 milhões de Euros acima das contrapartidas mínimas foi porque a Concessionária também recebeu mais 86 milhões de euros do que aqueles que teria recebido se tivesse de receitas brutas apenas o dobro das contrapartidas mínimas.

Não é displicente realçar em função da prova produzida que a aqui Recorrida deduziu à contrapartida anual devida ao Estado, despesas que suportou no valor de 235 milhões, pelo que, nesses 11 anos de exploração, o Estado apenas recebeu, a título de remanescente da contrapartida anual, 52 milhões de euros, em face do que não é exato afirmar simplesmente que o Estado ficou com mais 86 milhões de Euros.

Durante 23 anos – de 1989 a 2011 – as contrapartidas anuais que foram pagas foram sempre superiores ao valor fixado para a contrapartida anual mínima, sendo que durante os 3 anos em causa nestes autos, de 2012 a 2014, as mesmas foram inferiores, o que, como se disse já, não é sinónimo da verificação de prejuízos.

Efetivamente, de 1989 a 2011 a Recorrida obteve de receita bruta 836 milhões de euros e as contrapartidas mínimas foram de 216 milhões euros, o que significa que o que teve de receita da Demandante excedeu em 4 vezes as contrapartidas anuais mínimas consideradas, sendo que nesse período o Estado não alterou o contrato e não exigiu a sua renegociação.

Não havendo limites aos ganhos da Concessionária, é justo que o Estado imponha uma contrapartida mínima anual, protegendo-se dos anos em que as receitas brutas do jogo possam diminuir.

Em síntese, o facto de o Estado ter recebido durante 23 anos da concessão uma contrapartida anual no valor de 50% das receitas brutas, não permite retirar a conclusão de que o Estado deve, em 3 anos de crise económica, partilhar com a Concessionária a quebra de receitas, quando está expressamente previsto no contrato que o Estado recebe sempre uma quantia mínima anual, caso as receitas brutas efetivamente diminuam.

Já relativamente ao enunciado pelo Tribunal Arbitral, sob a epígrafe «A recessão económica decorrente da crise financeira de 2008» aí se qualifica a crise financeira de 2008 como uma grande alteração das circunstâncias, aludindo ao Parecer n.º 3/2018 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (homologado pelo Governo), que reconhece a anormalidade da crise, como um acontecimento excecional.

Em qualquer caso, no referido Parecer refere-se que cabe à Concessionária provar que a crise económica foi, de facto, o motor da redução das receitas brutas obtidas com o jogo, entendimento que se acompanha e que, só por si, sempre determinaria a improcedência da presente Ação.

É manifesto que a crise económica 2011-2013 afetou todo o País, e que poderá ter contribuído para a redução de lucros dos casinos, o que, como reiteradamente se disse já, não é sinónimo da verificação de prejuízos, atento até que o Estado não poderá ser responsabilizado por uma quebra de receita decorrente da opção dos jogadores de jogarem menos.

O próprio Decreto-Lei n.º 103/2021 não viabiliza a responsabilização do Estado pela diminuição de receitas por parte dos Casinos, referindo-se no preambulo do diploma que:
(i) Se está perante uma situação anormal e imprevisível – uma pandemia -, que não resulta de atos ou condutas que possam ser imputáveis ao Demandado ou à Demandante;
(ii) A situação pandémica obrigou a que o Governo adotasse medidas excecionais para defesa da saúde pública – encerramento dos casinos e posteriormente reduções no funcionamento, em termos de horários e lotações;
(iii) O reconhecimento pelo Demandado de que as medidas referidas em (ii) tiveram impacto significativo nas Concessões.

O conjunto de dispositivos legais e regulamentares produzido neste contexto subsume-se ao enquadramento excecional acima descrito e não pode legitimar uma aplicação retrospetiva à situação agora em litígio, porquanto:
(i) O Estado não impôs, no período de 2011 a 2013, (já delimitado como o que correspondeu ao período da crise em Portugal), qualquer restrição ao funcionamento dos casinos e muito menos o seu encerramento;
(ii) No mesmo período (2011-2013), as contrapartidas anuais devidas sempre foram pagas.

Não é pelo facto de ter ocorrido uma alteração das circunstâncias, que automaticamente todas as empresas ficaram em situação económica difícil e também não foi pelo facto de ter ocorrido a crise económica de 2011-2013 que todas as empresas se ressentiram da mesma forma.

De resto, a aqui Recorrida também não demonstrou nos autos que a crise económica foi, de facto, o motor da redução das receitas brutas obtidas com o jogo no casino da ..., sendo que essa alteração das circunstâncias, sempre teria de causar prejuízos graves e inesperados, o que a Recorrida não logrou demonstrar.

Importava evidenciar que teria ocorrido uma perturbação da base do negócio. Tal seria demonstrável se fosse objetivamente reconhecível que o contrato não teria sido celebrado ou teria sido celebrado em condições diferentes se as partes tivessem previsto que, decorridos 20 anos da sua celebração ou 10 desde a sua renegociação, num total de 35 anos de contrato, as receitas brutas pudessem descer, durante 3 anos, a níveis que implicariam o pagamento da contrapartida mínima anual.

Importa assim verificar «Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem uma alteração anormal»

Diga-se que o requisito da “anormalidade” coincide, de algum modo, com a ideia de imprevisibilidade,
Tendo o contrato sido originariamente celebrado por um período de 20 anos, posteriormente prorrogado por mais 15, está bem de ver que sempre ocorreria alguma imprevisibilidade, em função dos normais riscos de durante a sua vigência se verificarem crises económicas, com reflexos potenciais nas receitas, o que, ao contrário de se tratar de uma imprevisibilidade, antes constituirá uma inevitabilidade, própria de um qualquer contrato com aquela longevidade.

Decorrente da referida crise, os portugueses optarem por jogar menos, o que, como reiteradamente se afirmou, não determinou necessariamente a verificação de prejuízos, mas antes e tão-só, diminuição de receitas.

Aliás, não é feita prova efetiva da verificação de quaisquer prejuízos por parte do casino.

Apenas se refere timidamente no Número VII. da Matéria de facto apurada relativa ao tema da prova (7) com o subtítulo «Montante dos prejuízos eventualmente sofridos pela Demandante em virtude da ocorrência dos eventos identificados» o seguinte:
“Embora resulte dos factos apurados a respeito dos restantes temas da prova uma considerável diminuição das receitas da Concessão no período mais intenso da crise, a plausível concausalidade entre os vários eventos identificados – especialmente a crise e, marginalmente, a concorrência do jogo online – e a própria aléa da atividade concessionada e os atos de gestão da Demandante impediu uma concretização precisa dos prejuízos eventualmente sofridos pela Demandante em resultado daqueles eventos.”

Objetivamente, não se provaram quaisquer prejuízos, o que não invalida que se reconheça que durante os anos de crise, as receitas caíram significativamente, o que não significa, repete-se, que se tenha verificado prejuízo.
Não obstante não se terem provado prejuízos o Tribunal Arbitral conseguiu preencher este pressuposto indemnizatório.

Efetivamente, refere-se a este respeito na decisão Arbitral que «Pode dizer-se que a Concessionária, tal como a generalidade das empresas e da sociedade portuguesa, sofreu prejuízos relevantes decorrentes da crise, embora, dadas as caraterísticas da atividade desenvolvida e o seu funcionamento em regime de exclusivo territorial, os efeitos da crise sobre o seu desempenho possam ter sido menores em comparação com outras atividades económicas.»
(…)
«Admitindo o facto notório de que a crise económica provocou uma diminuição relevante das receitas brutas do casino, põe-se o problema de saber em que medida isso ultrapassa o risco assumido no contrato pela Concessionária, tendo em consideração que se trata de um contrato de longa duração, em que há ciclos sucessivos de crescimento e de quebra de volume de jogo.
Embora se reconheça que as circunstâncias decorrentes da crise de 2010-2014 foram excecionais e tiveram um impacto profundo na atividade concessionada, que excede o risco normal, a Concessionária não pode senão pretender que haja lugar, por razões de justiça contratual, a uma partilha equitativa dos prejuízos decorrentes dessa diminuição do volume de jogo. Terá direito a uma compensação, e não, obviamente, a uma cobertura integral dos prejuízos ou à garantia de um determinado lucro, sendo que, em qualquer caso, não há razão, no contexto deste tipo de contrato, em que há gestão privada e assunção total do risco (normal) de exploração, para basear essa compensação em comparações com as expectativas iniciais de rentabilidade da concessionária.»

Em momento algum se perceciona por que razão a quebra de receitas brutas é convertida em prejuízo.

Objetivando: A presente revista visa escrutinar se existem erros de julgamento da decisão arbitral recorrida que condenou o Estado ao pagamento de uma compensação por aplicação dos princípios da justiça contratual e da boa-fé, correspondente à devolução das diferenças entre as contrapartidas anuais e as contrapartidas mínimas pagas pela concessionária nos anos de 2012 (2.936.068€), 2013 (5.650.625€) e 2014 (5.595.594€), atualizadas à data da decisão.

Atenta a factualidade dada como provada, e as posições esgrimidas por ambas as partes, importa acrescidamente referir o seguinte:
A “discussão” relativa à qualificação jurídica da contrapartida anual, e aos termos em que a mesma foi fixada pelo legislador, foi já objeto de análise jurisprudencial pelos tribunais estaduais, em termos que aqui importa também referir:
i) Num primeiro momento, em 05.12.2018, a Secção do Contencioso Administrativo, em formação alargada nos termos do artigo 148.º do CPTA, no proc. 02224/13.1BEPRT 01457/15, foi confrontada com a questão de saber se a liquidação da parcela respeitante ao imposto do jogo violava as regras e os princípios legais e constitucionais da tributação. No aresto referido, este STA rejeitou as teses das concessionárias do jogo a respeito da inconstitucionalidade orgânica e material da liquidação do imposto do jogo e deixou ainda consignado, entre outras coisas e no que aqui releva, o seguinte:
“(…) Os jogos de fortuna e azar são uma atividade geradora de riqueza, mas sem comparação com as restantes atividades tradicionais que dependem do esforço físico e da inteligência dos homens, que criam empregos, ajudam ao desenvolvimento social e humano e permitem a realização pessoal, conatural à existência do homem social. Nessa medida, tratando-se de uma atividade especial à qual se encontram intimamente ligados efeitos sociais nocivos, próprios das adições, carece também de uma regulamentação especial, quer no que toca à sua própria existência e modo do seu exercício, quer no que respeita à sua contribuição para o bem comum, de forma direta ou indireta, por via dos impostos e das contrapartidas pagas pelas concessões (…)”.

ii) Em 2019, a Secção do Contencioso Tributário deste STA foi diretamente confrontada com a questão de saber se a contrapartida anual, tal como configurada no Decreto-Lei n.º 275/2001, se devia qualificar como um imposto e, nessa medida, ser considerada ilegal e inconstitucional. No aresto de 23.01.2019 (proc. 01037/14.8BEPRT 0891/17), o Tribunal viria a firmar a tese (reiterada em inúmeros acórdãos posteriores) de que “[A] “contrapartida anual” prevista no Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17/10, reconduz-se a uma prestação de natureza patrimonial” e considerou ainda que, o Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12 (Lei do Jogo), bem como o Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17/10, não enfermam de inconstitucionalidade orgânica e/ou material”. Com interesse para o caso dos presentes autos, o mesmo aresto deixou ainda consignado que:
“(…) cada uma das prestações financeiras (a contrapartida patrimonial fixada no contrato de concessão do direito e o imposto estabelecido pela lei) «tem a sua estrutura específica, independentemente da finalidade comum e das suas interconexões práticas: uma, a contrapartida, tem natureza administrativa e contratual, outra, o imposto, tem natureza tributária e legal.»
E neste entendimento as contrapartidas pecuniárias (quer a inicial, quando prevista, quer a anual) não terão natureza tributária mas, antes, patrimonial, reconduzindo-se à «contraprestação devida pela atribuição do direito de explorar, em exclusivo a concessão numa zona territorial pré-determinada», independentemente até de o pagamento do imposto de jogo contribuir, juntamente com outros pagamentos, para a realização e preenchimento da contrapartida anual (casos há, aliás, em que não há que pagar qualquer contrapartida anual, mas somente imposto de jogo).
E nem a circunstância de no Decreto nº 14.643, de 3/12/1927 (diploma que inicialmente regulou a atividade do jogo) se considerar na epígrafe que antecede os arts. 44º e seguintes, a menção «Imposto sobre o jogo. Sua consignação», não obstante o art. 45º se reportar ao pagamento das contrapartidas, nem a circunstância de os valores destas poderem ser consignados às mesmas entidades e finalidades do imposto de jogo, tem a virtualidade de determinar a mutação da natureza jurídica da prestação financeira patrimonial em prestação tributária. Estas obrigações financeiras (contrapartidas financeiras mínimas ou de natureza não pecuniária devidas como contraprestação pela concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como o modo de pagamento das mesmas – cfr. o art. 11º, nº 4 e) da Lei do Jogo — e assumidas pela concessionária por efeito da concessão) têm fundamento diferente do imposto e constituem receitas de natureza patrimonial.
Acresce que (…) a distinção entre ambas as figuras também não é afetada pelo facto de existir uma pré-fixação legal dos montantes e das formas de cálculo e de pagamento: tal prática é frequente nos contratos de concessão, «cujas bases contratuais são, em regra, estabelecidas na lei» e «a obrigação de pagamento destes montantes não nasce coactivamente da lei, mas do contrato de concessão, dado que só existe, a título de remuneração do exclusivo concedido, para as empresas que aceitam, nas condições estabelecidas na lei, ser concessionárias do Estado na exploração do jogo», sendo normal «que a contrapartida pela outorga de um direito de exclusivo para a exploração de um bem ou de um serviço seja calculada a partir de uma percentagem da receita das concessionárias», sendo que também as «receitas patrimoniais podem em regra ser consignadas a finalidades específicas de interesse público - as limitações orçamentais à consignação reportam-se, essencialmente, ao domínio dos impostos» (aliás, relativamente à contrapartida, prevêem-se casos em que o pagamento do imposto do jogo se soma integralmente ao pagamento da contrapartida anual, e casos em que o pagamento deste é deduzido no cálculo da contrapartida anual, o que bem mostra que imposto e contrapartida não são a mesma coisa e não têm, por isso, de ser da mesma natureza) (…)”.

iii) à jurisprudência firmada pelo STA e reiterada em diversos acórdãos respeitantes a pagamentos de diferentes anos e por diversas concessões de jogo, seguiram-se os acórdãos do Tribunal Constitucional exarados nos processos 23/21, 330/21 e 403/21, nos quais se conclui, no que aqui importa, que a fixação de uma contrapartida mínima nos termos em que a mesma se encontra prevista no artigo 2.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 275/2001, constitui uma prestação contratual e não uma prestação tributária e que, mesmo à luz desta qualificação não se afiguram argumentos para sustentar a sua inconstitucionalidade, designadamente por violação do princípio da proporcionalidade ou do direito de propriedade privada:

“(…) a norma que constitui objeto material do presente recurso se aloja exclusivamente nos preceitos indicados pela recorrente constantes do Decreto-Lei n.º 275/2001 e no Decreto-Regulamentar n.º 1/95 (isto é, no artigo 2.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de outubro, em articulação com os artigos 4.º, n.º 1, alínea c), 5.º e 7.º do Decreto Regulamentar n.º 1/95, de 19 de janeiro) – delimitando-se, assim, o objeto do recurso –, concluiu-se (…) que a contrapartida aí em questão deveria ser qualificada como uma prestação contratual (e não como um imposto ou uma taxa)

(…)

Refere ainda a reclamante que também impugnou a “contrapartida mínima” com base na violação do princípio da proporcionalidade, articulado com o direito fundamental à propriedade privada, e que tal figura é suscetível de ser analisada à luz desse princípio, independentemente da sua natureza (tributária ou não), pelo que lhe deveria ser dado o direito de apresentar alegações para desenvolvimento da análise da “contrapartida” ao abrigo do quadro constitucional da proporcionalidade (cf. conclusão V).

Não é exato.

Conforme referido, resulta das conclusões da alegação apresentada pela ora reclamante perante o Supremo Tribunal Administrativo que a invocada violação do princípio da proporcionalidade, articulado com o direito fundamental à propriedade privada, tem como pressuposto a qualificação da “contrapartida mínima” como um tributo. Com efeito, em tais conclusões a recorrente refere expressamente o seguinte:

«Por outro lado, a inconstitucionalidade material da contrapartida manifesta-se ainda na violação dos princípios da proporcionalidade e do direito fundamental à propriedade privada. É que a circunstância de o imposto em apreço não ter qualquer ligação – e abertamente não a procurar – com os rendimentos (ainda que brutos) da Recorrente converte-o num verdadeiro confisco. Não apenas na medida em que o seu quantitativo se afigura excessivo, mas também por resultar, na prática, numa ablação do direito da Recorrente de fruir dos rendimentos gerados pela exploração da zona de jogo do ….» (cf. conclusão R da referida alegação)

Sendo o problema de constitucionalidade em apreço colocado com base no pressuposto de que a prestação em causa é um imposto, uma vez afastada tal premissa, e não se vislumbrando que na hipótese de a prestação em causa ter natureza contratual ocorra a violação de qualquer norma ou princípio constitucional, inexiste fundamento para que seja determinada a produção de alegações nos termos pretendidos pela reclamante (…)”.

Sem prejuízo de tudo quanto se discorreu já, refira-se ainda o seguinte:
A tese expendida na decisão arbitral e contraditada no recurso em análise de que se verificam no caso os pressupostos para a aplicação dos princípios da justiça e da boa fé contratual em razão da alteração superveniente das circunstâncias tem pressuposta uma outra questão jurídica, que vem alegada no recurso a propósito da ilegal “modificação substancial do contrato” por efeito da decisão arbitral, e que consiste em saber se a solução jurídica que resulta da decisão arbitral poderia ter sido proferida na vigência do atual quadro jurídico regulador das concessões do jogo, por se consubstanciar como uma modificação dos termos económicos e financeiros definidos pelo legislador para aquele tipo de contrato concessório.

No essencial, o que o Recorrente Estado alega nesta parte é que a contraprestação mínima e o seu montante fixado no anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001 fazem parte de uma dimensão legislativa que prefigura e conforma a relação contratual e que a decisão arbitral, ao permitir que aquela regra resulte derrogada por efeito do regime do artigo 312.º do CCP e 437.º do C. Civil, alterou substancialmente (de forma ilegal) o contrato de concessão (transmutando os termos financeiros do contrato e a alocação do risco tal como legalmente determinado e não apenas contratualmente acordado); ainda que se trate de uma modificação com efeitos limitados aos anos a que respeita a dita concessão. Uma derrogação modificativa do contrato que é ilegal, uma vez que o artigo 2.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 275/2001 consubstancia uma disciplina legal daquela relação contratual.

Importa avaliar e ponderar a natureza da contrapartida anual constante do Decreto-Lei n.º 275/2001.

Antes da aprovação do Decreto-Lei n.º 275/2001, a regra era a de que a contrapartida anual a que estava obrigada a concessionária da zona de jogo não podia ser inferior a um valor fixo e previamente determinado, mas tinha natureza regulamentar, ou seja, era uma regra determinada pelo Estado concedente no âmbito dos seus poderes administrativos de regulamentação dos termos das concessões de jogo e depois vertida na cláusula contratual.

O regime jurídico-legal das referidas concessões do jogo constava do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e este, nos artigos 25.º e 26.º, remetia exclusivamente para a disciplina contratual a fixação das contrapartidas.

Com a consagração do artigo 2.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 275/2001, a regra de que a contrapartida anual tem um valor mínimo absoluto que é indisponível passou a ser uma disposição legislativa aplicável a todas as concessões do jogo.

Foi a jurisprudência do STA e do Tribunal Constitucional que a esclareceram que se tratava de uma prestação de natureza patrimonial e contratual e não tributária, apesar de o respetivo valor resultar de uma disposição legal e não meramente, como acontecia antes de 2001, de uma cláusula contratual correspondente ao teor das regras de elaboração do contrato.

Não é de acolher, por outro lado, a tese Arbitral de acordo com a qual a redação do artigo 2.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 275/2001, por comparação com a redação do artigo 4.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Regulamentar n.º 1/95, ao não contemplar a expressão “em caso algum”, permitiria flexibilizar os termos consagrados de pagamento da contrapartida mínima, uma vez que essa diferença de redação é irrelevante para o conteúdo material da disposição legislativa, que é, como o intérprete médio bem sabe, a de que o valor fixado no anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001 é um valor mínimo indisponível, que a concessionária terá sempre que pagar, independentemente da receita bruta que venha a auferir.

A isso acresce que mesmo que estivessem verificados os pressupostos dos artigos 312.º do CCP e 437.º do C. Civ. e que estivéssemos perante uma “alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar”, ou melhor, em que as partes fundaram a decisão de prorrogar os contratos de concessão, sempre teria de ser acionado e respeitado o regime especial da alteração das circunstâncias previsto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 422/89, onde se dispõe o seguinte:

Artigo 14.º
Alteração de circunstâncias
1 - Quando alguma das obrigações contratuais das concessionárias não possa ser cumprida, ou seja, aconselhável para o desenvolvimento turístico a execução de realizações não previstas, pode o membro do Governo da tutela impor ou admitir a respetiva substituição ou alteração, em termos de equivalência de valor.
2 - As alterações dos contratos de concessão, nos termos do número anterior, quando impostas pelo membro do Governo da tutela, não podem agravar nem reduzir os valores das obrigações inicialmente assumidas pelas concessionárias e, quando pedidos por estas, não podem reduzi-los.

Quer isto dizer que o regime jurídico das concessões de jogo contempla um regime especial para os casos de alteração das circunstâncias, regime esse que prevê a modificação do contrato como resposta àquele tipo de casos e que, sendo um regime legal especial, afasta a possibilidade de aqui ser aplicado o regime supletivo do artigo 312.º do CCP ou do artigo 437.º do C. Civ..

Como o STJ reafirmou no acórdão de 23.11.2023 (proc. 2864/22.8T8VNG.P1):
“O artigo 437.º, do CC, referindo-se, em especial, à não cobertura dos riscos do contrato: tem natureza supletiva, perante o regime legal ou contratual do risco, pelo que existindo normas legais que regulam especialmente a situação, o disposto no artigo 437.º, n.º 1, do CC não é de convocar”. Na fundamentação deste aresto pode ler-se ainda: “(…) Explica Menezes Cordeiro, decompondo o artigo 437.º do CC e referindo-se, em especial, à não cobertura dos riscos do contrato: “trata-se de conferir, ao dispositivo do artigo 437.º/1 natureza supletiva, perante o regime legal ou contratual do risco e, mais latamente, a todas as regras de imputação de danos”[ Cfr. António Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, II – Das Obrigações em geral, CIDP / Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra, Almedina, 2021, p. 279]. Na mesma senda Paulo Mota Pinto “[O contrato como instrumento de gestão do risco de ‘alteração das circunstâncias’”, in: António Pinto Monteiro (coord.), O contrato na gestão do risco e na garantia da equidade, Coimbra, Instituto Jurídico, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, p. 92] refere: .“O instituto da alteração anormal das circunstâncias é, como resulta da lei, de aplicação subsidiária em relação a essas outras regras legais de repartição do risco”.

O que resulta de forma expressa do artigo 14.º do regime legal do Decreto-Lei n.º 422/89 é que em caso de comprovada alteração das circunstâncias, o Estado contratante pode promover ou aceitar a modificação do contrato, tendo como limite a impossibilidade de redução dos valores das obrigações inicialmente assumidas pelas concessionárias, o que, conjugado com o disposto no artigo 2.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 275/2001, significa que a alteração das circunstâncias não pode, no âmbito do regime legal em vigor, compatibilizar-se com uma solução como aquela que resulta da decisão arbitral recorrida, seja porque não respeita os pressupostos normativos para sustentar a modificação do contrato, seja porque reduz o montante dos valores das obrigações assumidas, seja ainda porque fixa um montante de contrapartida anual para os anos de 2012, 2013 e 2014 inferior àquele que expressamente se estabelece no anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001, como prestação mínima devida anualmente pela concessão, independentemente da receita bruta auferida.

A solução adotada na decisão arbitral recorrida, enquanto forma sui generis de modificação (parcial) do regime financeiro do contrato nos anos de 2012 a 2014, não se coaduna com o regime legal vigente, violando disposições do regime das concessões de jogo.

Aliás, o exemplo a que a decisão arbitral recorre para sustentar a modificação do contrato por alteração das circunstâncias no contexto dos efeitos da COVID-19, por aplicação do Decreto-Lei n.º 103/2021, de 24 de Novembro, é, em si, uma razão pela qual a decisão arbitral não pode ser acompanhada.

Com efeito, tratando-se a remuneração das concessões de um aspeto legalmente disciplinado e como tal vinculado para o Estado concedente, uma tal modificação contratual só podia ocorrer por efeito de um ato legislativo.

Não havendo neste caso um ato legislativo que habilite qualquer modificação financeira contratual, ela é ilegal e não pode ser determinada por decisão arbitral ou judicial.

A Recorrida contesta esta interpretação, alegando que o contrário resulta do que foi expresso no já referenciado parecer n.º 3/2018 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

Em qualquer caso, esse elemento interpretativo não lhe dá razão, sendo que o mesmo, independentemente do seu teor interpretativo, não é aqui objeto de Recurso.

Importa atender, para além do mais, à jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, que tem afirmado que:
«com vista a assegurar a transparência dos processos e a igualdade de tratamento dos proponentes, as alterações introduzidas nas disposições de um contrato público durante a sua vigência constituem uma nova adjudicação do contrato … quando apresentem características substancialmente diferentes das do contrato inicial e sejam, consequentemente, suscetíveis de demonstrar a vontade das partes de renegociar os termos essenciais do contrato (v., neste sentido, acórdão de 5 de Outubro de 2000, Comissão/França, C -337/98, Colect., p. I -8377, n.ºs 44 e 46);
A alteração de um contrato público vigente pode ser considerada substancial quando introduz condições que, se tivessem figurado no procedimento de adjudicação inicial, teriam permitido admitir proponentes diferentes dos inicialmente admitidos ou teriam permitido aceitar uma proposta diferente da inicialmente aceite.
Da mesma forma, uma alteração do contrato inicial pode ser considerada substancial quando alarga o contrato, numa medida importante, a serviços inicialmente não previstos. Esta última interpretação é confirmada no artigo 11.º, n.º 3, alíneas e) e f), da Diretiva 92/50, que impõe, para os contratos públicos de serviços que têm por objeto, exclusiva ou maioritariamente, serviços que figuram no anexo I A desta diretiva, restrições quanto à medida em que as entidades adjudicantes podem recorrer ao procedimento por negociação para adjudicar serviços complementares dos que constituem objeto de um contrato inicial.
Uma alteração pode igualmente ser considerada substancial quando modifica o equilíbrio económico do contrato a favor do adjudicatário do contrato de uma forma que não estava prevista nos termos do contrato inicial».
Munidos com este lastro dogmático mínimo, a primeira questão que os diversos regimes de modificação dos contratos de concessão suscitam é a de saber se o regime previsto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 422/89, afasta os restantes regimes de alteração objetiva do contrato, impondo sempre que a modificação do contrato pedida pela concessionária não possa reduzir os valores das obrigações inicialmente assumidas.
O referido artigo prescreve, como já referimos, que «quando alguma das obrigações contratuais das concessionárias não possa ser cumprida ou seja aconselhável para o desenvolvimento turístico a execução de realizações não previstas, pode o membro do Governo da tutela impor ou admitir a respetiva substituição ou alteração, em termos de equivalência de valor» e que «As alterações dos contratos de concessão, nos termos do número anterior, quando impostas pelo membro do Governo da tutela, não podem agravar nem reduzir os valores das obrigações inicialmente assumidas pelas concessionárias e, quando pedidos por estas, não podem reduzi-los».
Nestes termos, de acordo com o número dois, a redução dos valores das obrigações inicialmente assumidas, só está limitada quando a alteração se deva a impossibilidade do cumprimento nos termos do número um. Assim, nada impede que, em todos os outros casos, designadamente em casos de alteração das circunstâncias, os valores inicialmente assumidos possam ser reduzidos. A impossibilidade do cumprimento não se confunde com a alteração das circunstâncias.
Acresce, ainda que porventura assim não fosse, que, como aqui parece suceder, se a redução dos valores não for pedida pela concessionária, nada a impedirá.
Nesse caso, as partes são livres para (na margem legalmente fixada) determinar o novo conteúdo contratual. Desde que cumpridos os demais limites legais, nada impede a redução dos valores inicialmente assumidos. […]».

Em concreto, se é certo que o Estado pode modificar o contrato em caso de alteração das circunstâncias, o que é facto é que o regime legal especial do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 422/89 não obsta a que essa alteração se possa traduzir meramente numa redução dos montantes fixos da contrapartida anual, sempre que a iniciativa desse pedido não provenha da concessionária.

Com efeito, se a concessionária estiver numa situação de incumprimento contratual imputável à alteração das circunstâncias, a lei veda que a modificação do contrato possa incluir a redução do montante mínimo das contrapartidas anuais.

O Estado concedente, por sua iniciativa e sem que isso tivesse sido pedido pela concessionária, não poderia, mesmo em caso de comprovada alteração das circunstâncias, promover a modificação do contrato com redução da contrapartida mínima pelo valor correspondente ao fixado no anexo ao Decreto-Lei n.º 275/2001, uma vez que esse é um limite legal, sendo que essa alteração sempre pressuporia, como condição de conformidade jurídica dessa modificação, a prévia alteração do regime legal.

Esse limite, que é ditado pelo princípio da legalidade, também vale para os casos em que a modificação do contrato resulte de decisão arbitral ou judicial (artigo 312.º do CCP) e, por maioria ou identidade de razão, para os casos em que uma decisão arbitral como sucedeu aqui, atribua uma compensação que consubstancie uma tal modificação.

Para a atribuição da compensação arbitrada, seria necessário que se tivesse comprovado que a concessionária tinha tido prejuízos nos correspondentes anos, ou que os 50% da receita bruta em que se traduziu o montante da contrapartida, consubstanciou uma receita insuficiente para satisfazer os custos e alcançar rendimento.

Como mencionado no parecer n.º 3/2018 do Conselho Consultivo da PGR:
«[…] [a modificação do contrato por alteração das circunstâncias] não é afastada pelo facto de, quer no contrato inicial, quer na sua renovação, existir uma cláusula segundo a qual «a modificação anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade de contratar, resultante de um ato soberano ou de alteração da lei ou regulamento que afete com gravidade o equilíbrio contratual, dará à parte lesada o direito à modificação deste contrato segundo juízos de equidade».
Na verdade, como refere ANTÓNIO MENESES CORDEIRO:
«nenhuma cláusula de adaptação poderá ser interpretada como afastando o núcleo legal da alteração das circunstâncias no direito público. Tal cláusula apenas poderá movimentar -se dentro do espaço deixado em aberto pelo legislador: prevendo regras de procedimento, métodos de avaliação, sinais de alarme quanto a alterações ou convenções especiais de arbitragem. Não é possível, nos contratos públicos suprimir a faculdade de adaptação às circunstâncias, concentrando designadamente no particular, o risco das eventualidades. Para além do que foi dito quanto à legalidade, cabe invocar as raízes do instituto: o serviço público, a administração não pode fazer depender as suas funções de áleas incontroláveis. A sobrevivência económica do particular contraente é vital para a comunidade organizada (Estado!) como há um século foi descoberto pela própria (e rígida) jurisprudência francesa».
A referida cláusula contratual só refere os casos de alteração das circunstâncias resultante de um ato soberano ou de alteração da lei ou regulamento, não impedido o funcionamento das normas gerais decorrentes de outras alterações […]».

Acompanha-se a tese de que o instituto legal da alteração das circunstâncias não deve ficar arredado por mera disposição contratual que o não contemple, ou que o regule de forma mais limitada, sempre que esteja em causa uma concessão de um serviço público, ponderadas que sejam as circunstâncias do caso.

Porém, neste caso, para afastar a limitação decorrente da cláusula 8.ª não basta esta referência genérica, uma vez que o objeto da concessão não se identifica com um serviço público. Como, de resto, a decisão arbitral refere, as concessões do jogo têm um contexto e uma origem histórica próprias e características especiais, que, maioritariamente, se reconduzem à finalidade de neutralizar a proliferação de jogo ilegal e clandestino.

Em qualquer caso, essa finalidade não poderá ser alcançada como uma obrigação de serviço público, no sentido de serviço económico essencial, ou serviço básico.

Apesar de o contrato concessório em causa ser um contrato administrativo, não pode certamente dizer-se que a exploração do jogo constitui uma função administrativa ou que goza das características tradicionais do serviço público, como a universalidade, a acessibilidade ou a continuidade, ou ainda que a sobrevivência económica destas concessionárias é vital para o cumprimento das funções estaduais.

Há seguramente um dever de boa-fé contratual por parte do Estado Concedente e há também a necessidade de cumprir os princípios jurídicos fundamentais como a proteção da confiança legítima das concessionárias, mas isso não é suficiente para transpor para estas concessões os princípios que regem as concessões dos atuais serviços de interesse económico geral.

Nessa medida, a querer aplicar aqui um tal nível de proteção no âmbito das relações contratuais que permitisse derrogar a regulação do contrato, sempre exigiria um esforço de argumentação acrescido, baseado na caracterização financeira especialmente onerosa para a concessionária, o que, como já dissemos, não sucede.

Em suma, a decisão arbitral funda-se na atribuição de uma compensação equitativa pela alteração objetiva do ambiente contratual em que as obrigações contratuais daquela concessão de jogo foram definidas e que alegadamente causou uma degradação da situação económica da atividade concessionada, que o concedente tem o dever de compensar, por força dos princípios da justiça e da boa fé contratual, acolhidos nos artigos 312.º do CCP e 437.º do C. Civ.; mas a fundamentação de facto não apresenta elementos adequados que permitam sustentar a dita situação de manifesta injustiça ou onerosidade.

O acionamento desta válvula de segurança não se compadece com uma mera situação de redução da rentabilidade da atividade que o contraente esperava obter no ambiente contratual que presidiu à celebração do contrato.

Como resulta do que vem alegado e provado nos autos e como a jurisprudência do STJ há muito sublinha, só quando a alteração das circunstâncias afeta “o equilíbrio patrimonial e a funcionalidade própria do negócio” é que se pode dizer que estamos perante “uma desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício, ou seja, uma prestação excessivamente onerosa” (acórdão do STJ de 06.04.2021, proc. 5760/18.0T8STB.E1.S1), nem que a alteração das circunstâncias “degradou a capacidade económica da autora – e que a conduziu à impossibilidade de satisfazer as obrigações assumidas” (acórdão do STJ de 10.01.2023, proc. 187/10.4TVLSB.L2.S1).

No caso dos autos não ficou provado o pressuposto de facto necessário para se acionar legitimamente aquele regime jurídico a título de garantia de última ratio da justiça contratual. Nem a concessionária alegou prejuízos, nem estes foram apurados ou dados como provados pela decisão recorrida.

Não há, assim, factos provados que permitam concluir, como exige a jurisprudência que “Essa alteração [seja] significativa, ou seja, deve assumir proporções tais que subvertam a própria economia do contrato, tornando-o lesivo para uma das partes contratantes ao ponto de, caso o contrato se mantenha nos termos em que foi celebrado, a exigência das obrigações por ela assumidas, sem se mostrar coberta pelos riscos próprios do contrato, afete gravemente os princípios da boa-fé” (acórdão do STJ de 14.06.2017, proc. 163/09.0TTLSB-A.L1-4).

Ao acionar este regime jurídico sem dispor de factos que o permitam sustentar a decisão arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento.

Por tudo quanto se disse, o recurso será julgado procedente e a decisão arbitral revogada.

III – Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste STA em conceder provimento ao recurso de revista, revogar o acórdão arbitral na parte em que o mesmo foi objeto de impugnação, e, correspondentemente, julgar totalmente improcedente a ação.

Custas pela Recorrida, com dispensa de 25% do remanescente da taxa de justiça, atento princípio da proporcionalidade.

Lisboa, 10 de abril de 2025. - Frederico Macedo Branco (relator) - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Cláudio Ramos Monteiro.