Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0576/18
Data do Acordão:09/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23566
Nº do Documento:SA2201809120576
Data de Entrada:06/12/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MASSA INSOLVENTE A... S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A Fazenda Pública recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 21/12/2017, que julgou extinto o procedimento de contraordenação, bem como a coima aplicada à sociedade A……….., S.A., em virtude da declaração de insolvência da sociedade arguida.

1.1. Formulou alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo:

I. À Recorrente arguida foi aplicada coima no valor de € 3.296,15, acrescida de custas processuais no âmbito do processo contraordenacional, pela falta de entrega de imposto retido na fonte, em incumprimento do disposto no artigo 98.º do CIRS, infracção prevista e punida pelo n.º 2 do artigo 114.º e n.º 4 do artigo 26.º, do RGIT.
II. Sendo que a recorrente foi declarada insolvente no Processo n.º 26379/16.4T8LSB com termos na 1ª Secção de Comércio da Comarca de Lisboa - Instância Central por sentença transitada em julgado, datada de 12/12/2016.
III. Questão pertinente na presente sede é proceder ao preenchimento do conceito a atribuir à "morte do arguido" a que apela a norma contida na alínea a) do artigo 61º do RGIT, de acordo com o qual o procedimento da contraordenação se extingue com a morte do arguido, uma vez que tal extinção impõe, pela via do artigo 62º do RGIT, a extinção da obrigação de pagamento da coima e de cumprimento das sanções acessórias.
IV. Se o procedimento o contraordenacional se extingue com a morte do arguido, e portanto com a extinção da pessoa colectiva, é seguro afirmar que, de acordo com o artigo 160º, nº 2, do CSC e a alínea t) do nº 1 do artigo 3º do Código do Registo Comercial, a extinção da pessoa colectiva se efectua apenas com o registo comercial do encerramento da liquidação da pessoa colectiva.
V. Da declaração de insolvência da pessoa colectiva decorre a sua dissolução (alínea e) do n.º 1 do artigo 141º do CSC), o que determina que a sociedade entre em liquidação (cf. n.º 1 do artigo 146º do CSC), porém, sucede que o nº 2 do artigo 146º do CSC determina expressamente que a sociedade em liquidação
mantem a personalidade jurídica, sendo-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas, daí decorrendo uma clara e inequívoca comparação entre a sociedade que exerce em condições normais a sua actividade e a sociedade que inicia processo de dissolução e de liquidação.
VI. Ademais, a declaração de insolvência, pela verificada impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações por parte do devedor (artigo 3º, nº 1, do CIRE), não acarreta uma imediata cessação da actividade da empresa, e veja-se neste sentido o nº 1 do artigo 82º do CIRE que afirma que os órgãos sociais do devedor se mantêm em funcionamento após a declaração de insolvência, indiciando a continuidade, ainda que em moldes necessariamente diferentes face ao constrangimento provocado pela insolvência, da actividade da empresa.
VII. Nem a declaração de insolvência implica a necessária dissolução e liquidação da empresa, porquanto da assembleia de credores na sequência da declaração de insolvência pode emergir a aprovação e homologação de um plano de insolvência (artigos 209º a 216º do CIRE) que preveja, como dispõe a alínea c) do nº 2 do artigo 195º do CIRE, a manutenção em actividade da empresa, podendo inclusive o plano de insolvência aprovado reconduzir-se a uma estratégia de recuperação da empresa, acaso tal objectivo se mostre exequível e conforme ao deliberado em assembleia de credores.
VIII. Para reforço do predito, veja-se o disposto na norma do nº 3 do artigo 192º, do CIRE, aditada pela Lei nº 16/2012, de 20/04, que se dispôs clarificar o conceito de plano de insolvência quando a finalidade subjacente é a da recuperação da empresa, atribuindo-lhe a denominação de Plano de Recuperação.
IX. Resulta do exposto que o regime plasmado no CIRE configura a declaração de insolvência como o primeiro estádio de um eventual processo de recuperação da empresa, compatível com a continuação do exercício da actividade da empresa ou com a recuperação da mesma.
X. Por outro lado, independentemente do destino seguido em processo de insolvência (recuperação ou liquidação da empresa ou mesmo alienação da mesma), sempre esta manterá a sua personalidade jurídica, mesmo que em liquidação, bem como mantém a sua personalidade tributária nos termos do artigo 15º da Lei Geral Tributária, a qual não é afectada pela declaração de insolvência.
XI. Assim, mostra-se o entendimento de acordo com a qual só com o registo do encerramento da liquidação é que a pessoa colectiva se extingue, atento o prescrito no artigo 160º do CSC, como aquele que permite acomodar o regime jurídico vertido no CIRE e que prefigura a possibilidade de recuperação da empresa, conformando-se ademais com o prescrito no artigo 160º do CSC, não ocorrendo com a declaração de insolvência a extinção da pessoa colectiva.
XII. Nestes termos, constatamos face à matéria de facto provada nos autos, que a arguida foi declarada insolvente, e que não permite consolidar e afirmar, conforme faz a douta sentença recorrida, o juízo de extinção da pessoa colectiva nos termos da alínea a) do artigo 61.º do RGIT, bem como não permite determinar a extinção do procedimento contraordenacional.
XIII. Concluímos, desta forma, que a declaração de insolvência da arguida não é determinante da extinção do procedimento contraordenacional por morte do infractor, por não enquadrável na alínea a) do artigo 61º do RGIT, uma vez que não pode ser equiparada a insolvência declarada por sentença transitada em julgado à extinção da pessoa colectiva.
XIV. Pelo que é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença procedeu a errônea subsunção dos factos às normas jurídicas pertinentes, com violação das normas da alínea a) do artigo 61º e do artigo 62º do RGIT, e do artigo 160º, nº 2, do CSC.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.3. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso perante a posição jurisprudencial consolidada no Supremo Tribunal Administrativo.

1.4. Com dispensa dos vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. O presente recurso tem por objeto a decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou extinto o procedimento contraordenacional e a coima aplicada por força da insolvência da sociedade arguida, decretada por sentença onde consta, além do mais, que esta encerrara já atividade e não tinha trabalhadores ao seu serviço.
A questão que se coloca é a de saber se, tal como defende a Fazenda Pública, a decisão recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que, não obstante a arguida tenha sido declarada insolvente, tal não permite afirmar o juízo de extinção da pessoa colectiva nos termos da alínea a) do artigo 61º do RGIT, bem como não permite determinar a extinção do procedimento contraordenacional.
Ou seja, segundo a Fazenda Pública, a declaração de insolvência da arguida não seria determinante da extinção do procedimento contraordenacional por morte do infractor.
Trata-se de questão repetidamente colocada a este Supremo Tribunal e que tem obtido sempre a mesma resposta, isto é, de que a declaração de insolvência constitui um dos fundamentos de dissolução das sociedades e essa a dissolução equivale à morte do infractor, em harmonia com o disposto nos arts. 61º e 62º do RGIT e no art.º 176º, nº 2, al. a) do CPPT, daí decorrendo a extinção do procedimento contraordenacional – cfr, entre outros, os acórdãos de STA de 12/01/2005, proc. 01569/03, de 6/10/2005, proc. 0715/05, de 16/11/2005, proc. 0524/05, de 27/02/2008, proc. 01057/07, de 12/03/2008, proc. 1053/07, de 9/02/2011, proc. 0617/10, de 2/07/2014, proc. 0638/14, de 9/07/2014, proc. 01107/12, de 21/10/2015, proc. 0610/15, de 02/07/2015, proc. 0638/14, de 27/01/2016, proc. 0870/15, de 1/06/2016, proc. 0515/16, de 20/12/2017, no proc. 0309/17, de 24/01/2018, no proc. 01311/17, de 28/02/2018, proc. 01314/17, e de 22/03/2018, no proc. 076/18.
Não obstante a insistência da Fazenda Pública, é essa a jurisprudência consolidada no Supremo Tribunal Administrativo e que a decisão recorrida também sufragou, pelo que nos limitaremos a reafirmá-la, acompanhando, para o efeito, os aludidos acórdãos desta Secção e o parecer do Ministério Público acima aludido.
Como expende JORGE LOPES DE SOUSA, no "Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado", 6ª edição, III Vol, pág. 307, "Relativamente às situações de falência ou insolvência, o STA vem entendendo que «mantendo embora a sociedade dissolvida, em liquidação, a sua personalidade jurídica – art.º 146º, nº 2, do CSC – são, com a declaração de falência, apreendidos todos os seus bens, passando a constituir um novo património, a chamada "massa falida": um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, em primeiro lugar, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos. Pelo que, então, já não encontrará razão de ser a aplicação de qualquer coima".
Esta jurisprudência reiterada e uniforme do STA, que se acompanha, parece ter como pressuposto a situação concreta que com maior frequência se verifica, ou seja aquela em que à declaração de insolvência se sucede a apreensão total dos bens do insolvente, a cessação da actividade - cfr. acórdão do STA de 1/10/2014, no proc. nº 0668/14, segundo o qual, «Quando no desenvolvimento do processo de insolvência se vem a revelar uma diversa situação de facto em que não foi deliberado o encerramento do estabelecimento, seja pela aprovação de um plano de insolvência ou através da manutenção em actividade e reestruturação da empresa, na titularidade do devedor ou de terceiros, nos moldes também constantes de um plano, ou mesmo por o devedor ter deixado de se encontrar em situação de insolvência, que, nos termos legais al. c) do nº 1, do art. 230º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, determinam a cessação de todos os feitos que resultam da declaração de insolvência já a equivalência entre a dissolução de uma sociedade e a morte do infrator para efeitos do disposto no art. 61.º do RGIT não tem lugar».
Dos autos consta que a arguida foi judicialmente declarada insolvente e encerrou actividade, e a Fazenda Pública nada alega em contrário, isto é, não invoca que tenha sido deliberada a continuação de actividade ou o não encerramento do estabelecimento – seja pela aprovação de um plano de insolvência ou manutenção em actividade e reestruturação da empresa nos moldes constantes de um plano – nem invoca que a arguida tenha deixado de se encontrar em situação de insolvência.
Assim sendo, a insolvência da arguida equivale à morte do infrator e determina a extinção da coima e consequente arquivamento dos autos de contraordenação.
Acresce que, como se deixou esclarecido em diversos acórdãos desta Secção, designadamente no acórdão de 24/01/2018, no proc. nº 01311/17, «pese embora o diverso enquadramento que sobre esta matéria os tribunais da jurisdição comum têm vindo a adoptar, em face do disposto nos arts. 141º, 146º, nº 2, e 160º, nº 2, todos do Código das Sociedades Comerciais, (...) crê-se que a especificidade das relações jurídico-tributárias continua a justificar um diverso enquadramento jurídico quanto ao momento em que se deverá ficcionar «a morte da pessoa colectiva», sendo que neste sentido parece apontar o entendimento legislativo substanciado na Lei nº 16/2012, de 20/4 [diploma que introduziu diversas alterações ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [(CIRE)], nomeadamente em face da redacção introduzida no art. 65º.».
Com efeito, referindo-se ao momento da extinção das obrigações fiscais de uma sociedade insolvente, estabelece o art.º 65º do CIRE que as obrigações fiscais se extinguem necessariamente com a deliberação de encerramento da actividade do estabelecimento (nos termos do nº 2 do art.º 156º), o que deve ser comunicado oficiosamente pelo Tribunal à AT para efeitos de cessação da actividade; e na falta dessa deliberação, as ditas obrigações fiscais passam a ser da responsabilidade daquele a quem a administração do insolvente tenha sido cometida e enquanto esta durar.
Ou seja, em termos estritamente fiscais e, consequentemente, para aplicação de coimas por incumprimento de obrigações fiscais, também no âmbito do CIRE (e tal como já se entendia no âmbito do CPEREF e do CSC) não há que remeter para o encerramento da fase de liquidação e partilha da sociedade insolvente, a libertação da respectiva responsabilidade.
Em suma, a decisão recorrida interpretou correctamente as normas legais aplicáveis e não padece do erro de julgamento que lhe vem imputado.
3. Face ao exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 12 de Setembro de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.