Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0786/15.8BECBR |
Data do Acordão: | 06/15/2023 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | MARIA DO CÉU NEVES |
Descritores: | PRESCRIÇÃO RESTITUIÇÃO DE QUANTIAS PRESTAÇÕES SEGURANÇA SOCIAL |
Sumário: | I - A responsabilidade emergente do pagamento indevido de prestações de segurança social é regulada pelo Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de Abril. II - O prazo de prescrição da obrigação de restituição das quantias indevidamente recebidas a título de prestações da Segurança Social está previsto no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 133/88, de 20 de Abril, e era de 10 anos até 16 de Maio de 2018, data em que passou a ser de 5 anos, por força da alteração que lhe foi introduzida pelo n.º 1 do art. 149.º do Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de Maio, contando-se o novo prazo a partir da entrada em vigor deste diploma, mas atendendo-se ao tempo até então decorrido do prazo anterior, nos termos do n.º 2 do referido art. 149.º ainda do mesmo diploma. III - A contagem desse prazo inicia-se com a interpelação para restituir e interrompe-se, com efeitos duradouros, com a citação do devedor. |
Nº Convencional: | JSTA00071744 |
Nº do Documento: | SA1202306150786/15 |
Data de Entrada: | 01/31/2022 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | INSTITUTO DE SOLIDARIEDADE E SEGURANÇA SOCIAL, I.P. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Legislação Nacional: | · ARTIGOS 1.º E 13.º DO DECRETO-LEI N.º 133/88, DE 20 DE ABRIL ARTIGO 149.º DO DECRETO-LEI N.º 33/2018 |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO: A..., Instituição Particular de Solidariedade Social, Pessoa Colectiva nº ..., com sede no Lugar ..., B..., intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF) a presente acção administrativa especial contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., com sede na Rua Rosa Araújo, nº 43, 1250 - 194 Lisboa, peticionando a anulação “do acto praticado, em 19.05.2015, pelo Sr. Director de Segurança Social do Centro Distrital de Coimbra do ISS, I.P., que lhe determina a reposição de comparticipações financeiras indevidamente pagas no âmbito dos acordos de cooperação para a resposta social de lar residencial, num total de 93.094,00€.” * Por decisão do TAF de Coimbra, datada de 06 de Novembro de 2019, a acção administrativa especial foi julgada improcedente, e, absolvida a entidade demandada, Instituto da Segurança Social, I.P., do pedido contra si formulado.* A Autora apelou para o TCA Norte, dessa decisão e do despacho saneador, e este, por acórdão proferido a 15 de Maio de 2020, negou provimento ao recurso, confirmando as decisões recorridas.* A Autora A..., inconformada, interpôs o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:«I - O artigo 150º do CPTA consagra um recurso excepcional de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, a admitir quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; II - Tem sido entendimento desse Supremo Tribunal que a importância fundamental da questão há-de resultar quer da sua relevância jurídica quer social, aquela entendida não num plano meramente teórico mas prático em termos de utilidade jurídica da revista, e esta, em termos da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular e que, por outro lado, a “melhor aplicação do direito” há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito; III – O acórdão recorrido incorre em erro grosseiro ao considerar, para efeitos de termo inicial do prazo de prescrição das dívidas abrangidas pelo Decreto-Lei nº 155/92, o previsto no artigo 306º do Código Civil, quando é insofismável que existe norma especial quanto à prescrição dessas mesmas dívidas – o nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92 – a qual, nessa medida, derroga o regime geral; IV – Mesmo que se considere não existir erro grosseiro, é inquestionável que o Decreto-Lei nº 155/92 é aplicado, diariamente, pelos serviços da Administração Pública portuguesa, pelo que se afigura crucial, até pelas decisões divergentes nesta matéria - inclusivamente do TCAN – que se defina, com segurança, se o termo inicial da contagem do prazo prescricional das quantias a cobrar nos termos do sobredito diploma legal há-de ir buscar-se ao que dele especificamente resulta – o que, até à prolação do acórdão recorrido, parecia ser óbvio – ou se, pelo contrário, deve aplicar-se o regime geral constante do artigo 306º do Código Civil; V – Estribando-se no artigo 60º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, considera o tribunal “a quo” que “para além das causas gerais de interrupção, as dívidas à Segurança Social gozam ainda de uma outra causa de interrupção, que passa pela realização de qualquer diligência administrativa”, quando, na verdade, a prescrição a que alude aquele artigo diz respeito às quotizações e contribuições para a Segurança Social e não, portanto, a todas as dívidas àquela entidade; VI – Em sentido oposto à jurisprudência existente sobre esta matéria, o acórdão recorrido faz juntar às causas gerais de interrupção e suspensão da prescrição a que se refere o nº 2 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, uma outra, colhida na Lei de Bases da Segurança Social; VII - Sendo claro que o nº 3 do artigo 60º da LBSS diz respeito à prescrição da obrigação de pagamento de contribuições e quotizações, parece à Recorrente existir erro ostensivo, por parte do TCAN, na aplicação que pretende fazer desta norma, estendendo-a a todas as dívidas à Segurança Social, independentemente da sua natureza; VIII - Mas mesmo que se entenda que não existe um erro dessa natureza, sempre se crê que se justifica a intervenção desse Supremo Tribunal, no sentido de definir se os nºs 3 e 4 do artigo 60º da LBSS são aplicáveis à prescrição da obrigação de pagamento de contribuições e quotizações ou se, pelo contrário, como se defende no acórdão recorrido, devem aplicar-se a qualquer tipo de dívida à Segurança Social. IX - Seja pela necessidade de intervenção correctiva, seja pela potencialidade expansiva das questões aqui subjacentes, seja pela importância das matérias tratadas, julga-se estarem preenchidos os requisitos que o artigo 150º do CPTA impõe para a admissão do presente recurso. X - O nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, estabelece, de forma clara e inequívoca, que a data do recebimento constitui o termo inicial da contagem do prazo de prescrição de cinco anos, pelo que se aí se diz qual é o termo inicial, não há por que ir buscar um outro ao regime geral estabelecido no Código Civil; XI - O nº 2 do artigo 40º expressamente refere que o decurso do prazo estabelecido no nº 1 interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição, pelo que a remissão pretendida pelo legislador é apenas essa e não, também, a referente ao termo inicial do prazo prescricional; XII – O próprio TCA Norte já decidiu, em acórdão de 26.10.2012, proferido no proc. nº 1584/09.3BELSB, que “...a letra da norma do artigo 40º nº1 do DL nº 155/92, de 28/07, não deixa qualquer dúvida: a data do recebimento constitui o termo inicial da contagem do prazo de prescrição de cinco anos. É claro que se trata, aqui, de uma norma especial em relação à norma geral do artigo 306º do CC, que por ela é derrogada (lex specialis derrogat lex generali). E, para além disso, o nº 2 desse artigo 40º somente remete para as causas gerais de interrupção e suspensão da prescrição, sendo certo que o artigo 306.º do CC trata do início do curso de prescrição, e não de causas de interrupção ou suspensão da mesma”; XIII - Em estrita observância do que decorre do Decreto-Lei nº 155/92 – que é, aliás, como consta do processo, aplicado neste caso pelo Recorrido – o prazo prescricional referente à alegada dívida da Recorrente iniciou a sua contagem na data de recebimento das quantias em causa; XIV - Estando em causa comparticipações pagas pelo Recorrido referentes aos anos de 2009 e de 2010 - sendo que este último apenas até 31 de Maio -, o prazo de prescrição de cinco anos a que se refere o nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, começa a sua contagem na data de recebimento dessas quantias e não, ao contrário do que se pretende no acórdão recorrido, a partir de Novembro de 2010, data de realização de auditoria por parte do Recorrido. XV - À data da notificação do acto impugnado 19.05.2015, havia já decorrido o prazo de prescrição relativamente às quantias pagas pelo Recorrido referentes ao aludido período de Janeiro de 2009 a Maio de 2010; XVI - Mesmo que se tomasse por boa a tese do acórdão recorrido, não se vê como é que o prazo prescricional só poderia iniciar a sua contagem em Novembro de 2010, aquando da realização de auditoria, na exacta medida em que o Recorrido, desde 1986 – data da celebração do 1º acordo de cooperação – podia, sem óbices, realizar auditorias, pelo que se não exerceu o seu direito não foi porque não o podia exercer mas, simplesmente, porque não o quis exercer; XVII – Ao pretender aplicar aqui o artigo 306º do Código Civil, ao arrepio do que expressamente decorre do nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação destes preceitos normativos e, consequentemente, violando-os; XVIII - As quantias pagas pelo Recorrido no âmbito de acordos de cooperação não constituem quotizações ou contribuições, pelo que, logo por aí, não há razão para aplicar o regime do artigo 60º da LBSS; XIX - Para além disso, o artigo 40º, nº 2, do Decreto-Lei nº 155/92, estabelece quais são as causas de suspensão e de interrupção da prescrição relativas às dívidas aí em causa - no fundo as que constam dos artigos 318º a 323º do Código Civil -, não havendo, também por aqui, razão para ir buscar uma outra causa de interrupção que vá para além daquelas que o legislador expressamente estabeleceu para as dívidas a cobrar ao abrigo daquele diploma legal; XX - O artigo 60º da LBSS e, especificamente, o previsto nos seus nºs 3 e 4, não é aplicável às dívidas referentes a prestações pagas pela Segurança Social no âmbito de acordos de cooperação, pelo que a auditoria realizada em Novembro de 2010 pelo Recorrido não consubstancia, relativamente à obrigação de pagamento das quantias aqui em litígio, causa interruptiva da prescrição. XXI - Quando o acto impugnado foi praticado, já havia decorrido o prazo de prescrição a que alude o nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92; XXII - O acórdão recorrido incorre em erro de julgamento, fazendo errada interpretação e aplicação do artigo 60º da LBSS, violando-o, e afrontando, igualmente, o nº 2 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92.» * O recorrido contra-alegou, concluindo do seguinte modo:«1.ª - As comparticipações financeiras a que a nota de reposição se reporta são referentes ao período de novembro de 2008 a 31 de maio de 2010, pelo que a alegação de prescrição improcede por si só, pois na data da realização da primeira audiência de interessados em novembro de 2013 - os valores das comparticipações financeiras apurados ainda não tinham prescrito, dado que ainda não tinha decorrido o prazo prescricional de 5 anos, previsto no artigo 40º, nº 1 do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de julho, desde a data do recebimento da primeira comparticipação cuja restituição se peticiona. 2.ª - Mesmo que assim não fosse, refira-se que o nº 1 do artigo 306º do Código Civil dispõe que: "O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…)” Ora, o reconhecimento do pagamento indevido das comparticipações financeiras só ocorreu com o processo de auditoria do Ministério nº 3/2010 de novembro de 2010, pelo que o direito de restituição só podia ser exercido a partir dessa data, isto é, da data do conhecimento dos factos. Assim, o prazo de prescrição de 5 anos, constante do artigo nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, só iniciou a sua contagem após o conhecimento por parte do Recorrente de que aquelas quantias eram indevidas, o que só veio a acontecer em novembro de 2010; 3.ª - Acresce ainda, que o nº 2 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 155/92, dispõe que o decurso do prazo se interrompe ou se suspende por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição e o artigo 60º, nº 1 e 4 da Lei 4/2007, prevê como causa interruptiva de prescrição não só das "contribuições e quotizações", mas também de “outros montantes devidos", nomeadamente de comparticipações financeiras pagas às IPSS, a realização de qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida." 4.ª - Tendo a IPSS sido notificada para restituir as verbas indevidamente recebidas, em sede de audiência de interessados, em 26/11/2013, o prazo prescricional de 5 anos foi, nesta data, interrompido, pelo que a dívida de comparticipações não se encontra prescrita.» * O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 13 de Janeiro de 2022.* O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 146º, nº 1 e 147º do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência da revista.* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. MATÉRIA DE FACTO “1) Em 30 de dezembro de 1986, a Autora celebrou com o Centro Regional de Segurança Social de Coimbra um acordo de cooperação, de cujas cláusulas se destaca (cf. documento de fls. 19 a 24 do PA): “CLÁUSULA I – FINS E ATIVIDADES 1 – O presente acordo tem por finalidade o desenvolvimento por parte da A. - ASSOCIAÇÃO de atividades de apoio a crianças e jovens deficientes de acordo com os objetivos definidos na Norma VI e VII do Despacho Normativo nº 387/80, tendo especificamente em vista: a) o desenvolvimento progressivo de todas as capacidades do cidadão deficiente através de uma ação terapêutica e educativa em ordem à sua integração social; b) desenvolvimento de atividades de apoio a deficientes severos, visando a sua integração em estruturas que lhes permitam realizar tarefas ocupacionais socialmente úteis; c) a integração social do deficiente através de um lar de transição. 2 – As atividades a que se refere o número anterior serão exercidas nas instalações da A..., no lugar de ..., no Concelho ..., Distrito de Coimbra, equipamento que a Instituição se obriga a manter em funcionamento de acordo com as regras e orientações técnicas legalmente estabelecidas e em conformidade com os seus estatutos. CLÁUSULA II – LOTAÇÃO A lotação de utentes no equipamento a que se refere o presente acordo é de vinte e cinco (25). (…) CLÁUSULA VI – COMPARTICIPAÇÃO FINANCEIRA DO CENTRO REGIONAL O Centro Regional obriga-se a comparticipar nos encargos financeiros da Instituição, no montante encontrado através de estudo económico-financeiro feito por este Centro Regional e a Instituição, anexo a este Acordo. (…) CLÁUSULA X – VIGÊNCIA DO ACORDO O presente acordo entra em vigor em 01 de janeiro de 1987, e terá a duração de 12 meses, findo os quais será obrigatoriamente revisto, se superiormente não forem estabelecidos custos médios utente/mês superiores para a valência nele contemplada, revogando-se os acordos de cooperação celebrados em 26 de fevereiro de 1986, entre o Centro Regional e a A.... ESTUDO ECONÓMICO-FINANCEIRO DO ACORDO ATÍPICO – CRSS DE COIMBRA – A... PARA O ANO DE 1987 Conforme estudo elaborado, pela Associação supra citada e que se remete em anexo à presente informação é proposto ao Centro Regional de Segurança Social de Coimbra, para o ano de 1987, o seguinte valor mensal de comparticipação – 4.166.500$00 (…)”. 2) A Autora, na qualidade de segunda outorgante, e a Santa Casa da Misericórdia e Hospital ..., na qualidade de primeira outorgante, celebraram um acordo, não datado, do qual consta o seguinte (cf. documento de fls. 291 e 292 do PA): “(…) A primeira outorgante, através de acordo com o CRSS, fornecerá as instalações para o funcionamento do ‘Lar de Deficientes Profundos’, bem como todos os serviços que se tornem necessários ao bom funcionamento da unidade, com exceção daqueles que requeiram pessoal especializado. Tais serviços especializados serão prestados por funcionários da segunda outorgante, através de acordo com o CRSS, que desenvolverão o seu trabalho nas instalações supra referidas (…) O prazo de vigência do presente contrato é de um (1) ano, renovando-se nos seguintes, se nenhuma das partes o rescindir”. 3) Em 30 de Dezembro de 1987, a Santa Casa da Misericórdia e Hospital ... celebrou com o Centro Regional de Segurança Social de Coimbra um acordo de cooperação, de cujas cláusulas se destaca (cf. documento de fls. 2 a 6 do PA): “CLÁUSULA I – FINS E ATIVIDADES 1 – O presente acordo tem por finalidade o desenvolvimento por parte da Santa Casa da Misericórdia ... de atividades de apoio a crianças e jovens deficientes de acordo com os objetivos definidos na Norma VI e VII do Despacho Normativo n.º 387/80, tendo especificamente em vista o desenvolvimento de atividades de apoio em lar residencial a deficientes médios e severos, visando a sua integração em estruturas que lhes permitam realizar tarefas ocupacionais socialmente úteis. 2 – As atividades a que se refere o número anterior serão exercidas nas instalações da Santa Casa da Misericórdia ..., no Concelho ..., Distrito de Coimbra, equipamentos que a Instituição se obriga a manter em funcionamento de acordo com as regras e orientações técnicas legalmente estabelecidas e em conformidade com os seus estatutos. CLÁUSULA II – LOTAÇÃO A lotação de utentes no equipamento a que se refere o presente acordo é de seis (6). (…) CLÁUSULA VI – COMPARTICIPAÇÃO FINANCEIRA DO CENTRO REGIONAL O Centro Regional obriga-se a comparticipar nos encargos financeiros da Instituição, no montante encontrado através de estudo económico-financeiro feito por este Centro Regional e a Instituição, anexo a este Acordo (…) CLÁUSULA X – VIGÊNCIA DO ACORDO O presente acordo entra em vigor em 01 de dezembro de 1987, e terá a duração de 12 meses, findo os quais será obrigatoriamente revisto, se superiormente não forem estabelecidos custos médios utente/mês superiores para a valência nele contemplada (…)”. 4) A Autora e o Centro Regional de Segurança Social de Coimbra acordaram nas seguintes alterações do número de utentes abrangidos pelo “acordo de cooperação”, melhor identificado no ponto 1) (cf. documentos de fls. 25 a 28, 294 e 295 e 304 a 307 do PA):
5) Em 31 de Maio de 2010, a Autora celebrou com o Centro Distrital de Coimbra do ISS, I.P. um “acordo de cessação do acordo de cooperação”, pelo qual decidiram, de comum acordo, nos termos do disposto no n.º 1 da Norma XXV do Despacho Normativo nº 75/92, de 20/05, cessar o “acordo de cooperação”, melhor identificado no ponto 1), com efeitos a partir de 31 de Maio de 2010 (cf. documento de fls. 29 e 30 do PA); 6) Na mesma data, a Autora celebrou com Centro Distrital de Coimbra do ISS, I.P. um “acordo de cooperação atípico”, de cujas cláusulas se destaca (cf. documento de fls. 312 a 320 do PA): “Cláusula I (Objeto) Constitui objeto do presente acordo a definição dos termos e condições em que: 1. A Instituição desenvolve as atividades de Lar Residencial, localizada na Avenida ... ... B..., freguesia ..., concelho ..., distrito de Coimbra. 2. O Centro Distrital presta o apoio técnico e financeiro à Instituição pelo desenvolvimento das referidas atividades. (…) Cláusula V (Capacidade) A capacidade do equipamento é de 23 utentes. (…) Cláusula XIII (Vigência) O presente acordo entra em vigor em 01/06/2010 tendo a duração de 1 ano, considerando-se automática e sucessivamente renovado por igual período de tempo, se não for denunciado por qualquer dos outorgantes, nos termos da Cláusula XII (…) ANEXO AO ACORDO DE COOPERAÇÃO CELEBRADO EM 31/05/2010 (…) Cláusula V (Comparticipação financeira da Segurança Social) 1. A comparticipação financeira do Centro Distrital é de 1.288,91€ utente/mês. 2. Este valor será atualizado de forma automática, após o decurso de um ano de vigência do acordo de cooperação, da sua renovação ou da revisão da respetiva comparticipação financeira (…)”. 7) Em 29 de Novembro de 2010, foi elaborado, pela Inspeção-Geral do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, o relatório nº ...10, no âmbito do processo n.º ...10, no qual se apurou, designadamente, que (cf. documento de fls. 32 a 79 do PA): “(…) Em 1987, foram celebrados acordos de cooperação com a SCM da ... e com a A..., prevendo, em ambos os casos, a comparticipação de 20 utentes na resposta social lar residencial. Sendo a SCM da ... a proprietária das instalações onde é prosseguida a resposta social e a A... a prestadora dos serviços especializados em deficientes profundos, conclui-se pela existência de uma duplicação de apoios pelos mesmos utentes, pelo que o CDist deverá proceder ao apuramento dos montantes indevidamente pagos e diligenciar no sentido da sua reposição (…) V – RECOMENDAÇÕES E PROPOSTAS (…) 9. Diligencie no sentido da regularização dos acordos celebrados com a SCM da ... e com a A... bem como do apuramento dos apoios financeiros indevidamente pagos e da respetiva reposição (…)”. 8) Em 14 de Abril de 2014, foi elaborada a informação nº ...14, que mereceu despacho de concordância do Diretor do Centro Distrital de Coimbra, de 23 de Abril de 2014, determinando que se procedesse à audiência prévia, nos termos nela proposta, e da qual consta, além do mais, o seguinte (cf. documento de fls. 216 a 227 do PA): “(…) Foi elaborada a lista nominal de utentes em duplicado na resposta social de Lar Residencial, apresentada pela Santa Casa da Misericórdia ... e pela A..., que se apresenta como Anexo 1, de onde se extraem as seguintes conclusões: 1.) registou-se duplicação de utentes nos mapas enviados pelas duas Instituições a este Centro Distrital, relativos a 2009, nos seguintes termos: - Maio: 17 utentes. - Junho: 18 utentes. - Julho: 18 utentes. - Agosto: 17 utentes. - Setembro: 17 utentes. - Outubro: 17 utentes. - Novembro: 16 utentes. - Dezembro: 16 utentes. Propõe-se que seja decidida a reposição a 100%, por cada Instituição, das comparticipações financeiras pagas relativas aos NISS’s ... e ... (NISS’s não atribuídos e como tal, não identificativos de ninguém), ... (o beneficiário faleceu em 1993 e nunca recebeu, até à sua morte, qualquer pensão de invalidez), ... (o beneficiário faleceu em 1998) e ... (a beneficiária efetuou, nesse ano, descontos para a Segurança Social e, como tal, não será uma deficiente profunda). Relativamente aos demais utentes em duplicado nos mapas de utentes apresentados pela SCM da ... e pela A..., propõe-se que a reposição seja efetuada a 50% por cada uma. 2.) Relativamente aos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2010, foi possível apurar a existência de duplicação em 16 utentes nos mapas enviados por ambas as Instituições. Não foi possível proceder ao apuramento de eventuais duplicações de utentes no mês de maio de 2010, uma vez que não existe qualquer mapa de utentes disponível relativo a esse mês. Propõe-se que seja decidida a reposição a 100%, por cada Instituição, das comparticipações financeiras pagas relativas aos NISS’s ... e ... (NISS’s não atribuídos), ... (o beneficiário faleceu em 1993 e nunca recebeu, até à sua morte, qualquer pensão de invalidez) e ... (o beneficiário faleceu em 1998). Relativamente aos demais utentes em duplicado nos mapas de utentes apresentados pela SCM da ... e pela A..., propõe-se que a reposição seja efetuada 50% por cada uma. 3.) Foi ainda apurado que o NISS ..., correspondente à beneficiária AA, continuou a ser enviado pela A... nos mapas de utentes de maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro de 2009, bem como em janeiro, fevereiro, março e abril de 2010. Existe, porém, registo de contribuições realizadas pela beneficiária no período em causa, como trabalhadora de serviço doméstico. A beneficiária aufere atualmente uma pensão por velhice, sem qualquer referência a graus de invalidez, pelo que não será deficiente profunda. Em face do exposto, propõe-se o envio dos mapas em anexo com a lista nominal de utentes à A. - ASSOCIAÇÃO, sendo a mesma notificada da necessidade de reposição das quantias indevidamente recebidas, no valor global de 126.607,84€, de acordo com as seguintes tabelas:
ANO VALOR A REPOR 2009 7.447,52€ 2010 3.723,76€ TOTAL: 11.171,28€ Pelo que proponho se decida pela fixação do montante da dívida da A... em € 126.607,84, (…)”. 9) Por ofício de 6 de Maio de 2014, foi a Autora notificada para, querendo, se pronunciar, nos termos dos artigos 100º e 101º do CPA, e no prazo de quinze dias úteis, sobre o conteúdo da decisão melhor descrita no ponto precedente (cf. ofício e aviso de receção de fls. 212 a 215 do PA); 10) Por despacho do Diretor do Centro Distrital de Coimbra, datado de 22 de Dezembro de 2014, foi dada concordância à informação técnica n.º 31/2014, de 12 de Dezembro de 2014, elaborada pelo C..., I.P., e determinado a “reposição das comparticipações financeiras indevidamente pagas, conforme proposto”, de cujo teor se destaca (cf. informação de fls. 251 a 264 do PA): “(…) Em 23-10-2014, o NAJ rececionou a informação nº 618/2014, de 16-10-2014, da Srª. Diretora do Núcleo de Respostas Sociais (…), que recaiu sobre a resposta da Santa Casa da Misericórdia ... apresentada no exercício do direito de audiência de interessados (…). Atento o exposto, e após a dedução da dívida comunicada na audiência prévia de 09/05/2014, no montante de € 177.980,13, dos montantes referentes ao utente BB (NISS ...), os valores a repor pela SCM da ... seriam de 153.799,28€; e uma vez que este utente também estava incluído nos montantes a repor pela A..., por maioria de razão, após a sua dedução, a A... teria de repor o valor global de 104.265,28€ (e não os 126.607,28€ apurados na audiência prévia remetida a 9 de maio de 2014). Concluindo que a decisão final deve ser notificada às duas instituições. Do Direito: (…) Como claramente resulta dos dois acordos, há uma sobreposição dos fins e atividades, pelo que na medida em que exista uma correspondência dos utentes indicados nas listagens de frequência de cada uma das Instituições, estamos perante uma duplicação na comparticipação efetuada e, nessa medida, torna-se indevida. O Centro Distrital apurou ter existido uma duplicação de 21 utentes no mapa enviado pelas duas Instituições, relativo ao mês de dezembro de 2008, encontrando-se, no entanto, a reposição limitada ao número de utentes em acordo, que à data eram 20. Relativamente ao ano de 2009, a duplicação de utentes nas listagens enviadas pelas duas Instituições foi de: 20 utentes em janeiro; 20 utentes em fevereiro, 17 utentes em março; 17 utentes em abril; 17 utentes em maio; 18 utentes em junho; 18 utentes em julho, 17 utentes em agosto; 17 utentes em setembro; 17 utentes em outubro; 16 utentes em novembro e 16 utentes. em dezembro. A SCM da (...) não colocou em causa nenhum destes dados, na sua resposta. No entanto, no apuramento desta sobreposição de utentes, foram identificadas situações irregulares dos utentes indicados nas listagens mensais de frequências enviadas pelas duas instituições. (…). Ora, o ónus da prova competia à SCM da ... (art. 88.º do CPA), não bastando a mera alegacão, muito menos sendo admissível como prova a declaração de uma outra instituição, considerada terceira quanto à rela": contratual estabelecida através ao acordo de cooperação formalizado entre a SCM da ... e o Centro Distrital de Coimbra. Deste modo, a SCM da ... não logrou provar que o serviço tinha sido prestado aos utentes CC, NISS ..., DD, NISS ..., EE, NISS ... e FF, NISS ..., pelo que se mantém os fundamentos que conduzem à reposição plena das comparticipações financeira referentes aos NISS's inexistentes (... e ...), de NISS's de pessoas já falecidas (NISS ... do utente GG falecido em 1998) e de NISS de pessoa que se encontrava a trabalhar, com descontos para a Segurança Social (NISS ... da utente HH). Quanto aos demais utentes em duplicado nas listagens remetidas pelas duas instituições, é de manter que a reposição seja efetuada a 50% por cada uma. Assim, procedeu apenas o argumento apresentado pela SCM da ... relativamente ao utente II (NISS ...) (…) Por último, uma vez que procedeu o argumento apresentado pela SCM da ..., relativamente ao utente II (NISS ...), este também terá de ser atendido na reposição a efetuar pela A... (mesmo não tendo respondido à audiência de interessados), uma vez que este utente também estava incluído nos montantes a repor pela A.... Assim, por maioria de razão, procedeu-se nos termos do disposto no artº 249º do Código Civil à retificação das comparticipações financeiras a repor, sendo desta forma devido um total de 104.265,28€ (cento e quatro mil duzentos e sessenta e cinco Euros e vinte e oito cêntimos): - Ano de 2009 — 70.751,44 € (48.408,88 € - reposição a 50% + 22.342,56 € - reposição a 100%); - Ano de 2010 - 33.513,84 € (22.342,56 € - reposição a 50% + 11.171,28 € - reposição a 100%); (…)”. 11) Por ofício datado de 26 de Dezembro de 2014, e rececionado em 31 de dezembro de 2014, a Autora foi notificada para proceder à reposição da quantia de € 104.265,28 (cf. ofício e aviso de receção juntos a fls. 269 a 271 do PA); 12) Com data de registo de 15 de Janeiro de 2015, a Autora apresentou reclamação da decisão indicada em 10), invocando que “a decisão final do Exmo. Diretor do Centro Distrital de Coimbra do Instituto da Segurança Social, I.P. não teve em conta a resposta apresentada pela A...”, datada de 3 de junho de 2014, e acompanhada de 21 documentos, pelo que requereu, a final, a revogação da decisão definitiva datada de 26 de dezembro de 2014 (cf. documento de fls. 272 a 277 do PA); 13) Por despacho, datado de 19 de Maio de 2015, do Diretor de Segurança Social do Centro Distrital de Coimbra do ISS, I.P, foi dada concordância à informação técnica n.º 12/2015, datada de 18 de Maio de 2015 e elaborada pelo Núcleo de Apoio Jurídico do Centro Distrital de Coimbra do ISS, I.P., determinando que se procedesse em conformidade com a mesma, ou seja (cf. documento de fls. 370 a 379 do PA): “(…) DOS FACTOS 2. Análise efetuada pelo NRS Em 08-04-2015, o NAJ rececionou a informação nº 154/2015, de 13/04/2015, da Sra. Diretora do Núcleo de Respostas Sociais (…), que recaiu sobre a resposta da A... (A...) apresentada no exercício do direito de audiência de interessados (…). Concluiu assim a informação, propondo que seja alterada a decisão final proferida em 26/12/2014, de modo a que a reposição seja efetuada 50% por cada um dos utentes acima identificados. (…) DO DIREITO: 1. QUESTÃO PRÉVIA A decisão final de 22/12/2014, exarada na informação nº ...14, datada de 12/12/2014, sofre do vício de violação de lei, porquanto a administração não resolveu todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não foram decididas em momento anterior (…). Na realidade, a resposta à audiência de interessados da A... não foi considerada na decisão final, motivos pelo qual se encontram reunidos os pressupostos para proceder à revogação da decisão (…)”. CONCLUSÕES Assim, procedendo os argumentos apresentados pela A..., relativamente ao NISS ... (considerado inexistente), ao NISS ... (considerado inexistente), ao NISS ... de GG utente que não existia, tratando-se de um simples erro de escrita, que é revelado no próprio contexto da declaração, procedeu-se nos termos do disposto no artº 249º do Código Civil à retificação das comparticipações financeiras a repor, sendo dessa forma devido um total de 93.094,00€: - Ano de 2009 — 63.303,92€ (48.408,88 € + 14.895,04€ - reposição a 50%); - Ano de 2010 – 29.790,08€ (22.342,56 € + 7.447,52€ - reposição a 50%). Por último, uma vez que procedeu o argumento apresentado pela A..., relativamente ao NISS ... (considerado inexistente), ao NISS ... (considerado inexistente), ao NISS ... de GG utente que não existia, estes valores também terão de ser atendidos na reposição a efetuar pela Santa Casa da Misericórdia ..., uma vez que os utentes também se encontravam incluídos nos montantes a repor pela Santa Casa da Misericórdia .... (…). PROPOSTAS Atento o exposto, e não tendo sido trazido para o processo mais nenhum elemento considerado pertinente, ou que altere o sentido da decisão que o Centro Distrital de Coimbra se propôs tomar, consideramos que o Senhor Diretor estará na posse de todos os elementos para revogar a decisão datada 22/12/2014, e uma vez que esta ainda não tenha sido executada, deverá ordenar a reposição das comparticipações financeiras indevidamente pagas no âmbito dos acordos de cooperação para as respostas sociais de Lar Residencial, no caso da A... o valor global de € 93.094,00 e da SCM da ..., no montante total de € 146.446,12 (…)”. 14) Por ofício de 20 de Maio de 2015, rececionado em 27 de Maio de 2015, foi a Autora notificada da decisão identificada no ponto precedente (cf. ofício e aviso de receção a fls. 380 do PA); 15) A presente ação deu entrada, por via eletrónica, em 10 de novembro de 2015 (cf. comprovativo de entrega a fls. 1 dos autos)». * «Uma vez que igualmente vem recorrido o Despacho Saneador, e no que aqui releva, transcreve-se infra o mesmo:“Da exceção de caducidade do direito de ação Veio a Entidade Demandada suscitar a exceção de caducidade da ação, relativamente à parte do despacho de 22.12.2014, em que foi determinada o valor da reposição de 50%, uma vez que não foi alterado pelo despacho de 19.05.2015. Sobre a mesma questão o TCA Norte teve já oportunidade de se pronunciar, relativamente à outra entidade a quem foi também determinada a reposição de verbas por dupla comparticipação, como seja a Santa Casa da Misericórdia ..., O sobredito Acórdão de 26.01.2018, proferido no rec. 00337/15.4BECBR-A decidiu, relativamente à revogação parcial ou total o seguinte: “(…) De acordo com a motivação e conclusões apresentadas pelo recorrente a questão em apreciação por este Tribunal prende-se com a necessidade de saber se o ato administrativo exarado na informação nº ...15, de 18/05/2015 é um ato de revogação parcial ou de revogação total do ato administrativo exarado na informação n.º 31/2014 de 12/12/2014. A revogação, de acordo com o nº 1 do artigo 165º do atual CPA, é o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade. Por seu lado, o n.º 2 do mesmo artigo refere que a anulação administrativa é o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade. O novo Código trouxe assim uma novidade neste campo, fazendo a distinção entre revogação e anulação, conceitos que no anterior código estavam ligados à denominada revogação ab rogatória ou extintiva e à revogação anulatória. Como refere Mário Aroso de Almeida, in Comentários à Revisão do Código de Procedimento Administrativo, 2016, Almedina, pág.337, anotação ao artigo 165º: ”…, resulta do nº 1 que a revogação é uma manifestação de administração ativa, que exprime a decisão, fundada em critérios de mérito, conveniência ou oportunidade, de que a manutenção, para o futuro, da situação constituída pelo ato administrativo sobre cujos efeitos a revogação vai atuar não se adequa às exigências que o interesse público estabelece. A revogação tem, na verdade, por fim adequar a situação existente a novas exigências, resultantes da mutabilidade do interesse público…Resulta entretanto do nº 2 que a anulação administrativa é uma manifestação de administração de controlo, que pressupõe a verificação da ilegalidade do ato sobre o qual ela vai projetar os seus efeitos e, portanto, a desconformidade da definição que aquele ato tinha introduzido com as exigências que o ordenadamente jurídico lhe impunha. Tem por fim reintegrar a legalidade, eliminando um ato anulável da ordem jurídica.” No caso em apreço, verifica-se que o ato praticado e datado de 19-05-2015, e que veio alterar o ato datado de 22/12/2014, tem como base, como refere a informação que o secundou, a análise à situação concreta elaborada após a audiência prévia feita à recorrida A.... Na informação em causa refere-se como questão prévia (ver fls. 150 do presente apenso): “A decisão final de 22/12/2014., exarada na informação nº ...14, datada de 12712/2014 sofre o vício de violação de lei, porquanto a administração não resolveu todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não foram decididas em momento anterior (…). Na realidade, a resposta à audiência de interessados da A... não foi considerada na decisão final, motivo pelo qual se encontram reunidos os pressupostos para proceder à revogação da decisão, por reclamação do interessado, nos termos do disposto nos artigos 138º e sgs do CPA”. Como vemos, a alteração ao anteriormente decidido, e datada de 22/12/2014, tem a ver com motivos de legalidade do ato, e não com questões relacionadas com razões de mérito, conveniência ou oportunidade. Assim sendo, o ato datado de 19 de Maio de 2015, procedeu à anulação do ato de 2014 e não à sua revogação. Estamos perante um ato anulatório e não revogatório. Mas a questão a decidir prende-se com a necessidade e de saber se esta anulação é total ou parcial. Ou seja, se o ato datado de 19 de Maio de 2015 veio a anular totalmente o ato praticado em 22 de Dezembro de 2014. Diga-se, desde já, que tem razão a recorrente. Para melhor analisar o que está em causa coloquemos em confronto a conclusão das duas informações que fundamentaram os dois atos, nomeadamente no que se refere aos montantes que, de acordo com o recorrente, devem ser repostos pelos recorridos. Estes dados são retirados dos ofícios remetidos à recorrida Santa Casa da Misericórdia ... a fls. 38 e sgs 155 do presente apenso. O montante a repor, nos termos do ato de 22/12/2014 ascendia a €153 799,28, assim distribuídos: - Ano de 2008 - € 10 434,52 (€ 6.805,12 – reposição a 50% + €3 629,40 – reposição a 100%); - Ano de 2009 - € 109 850,92 (€ 74.475,20 – reposição a 50%+ €35 375,72 – reposição a 100%); - Ano de 2010 - € 33 513,84 (€ 22.342,56 reposição a 50% +€ 11 171, 28 – reposição a 100%) O montante a repor nos termos do ato de 19 de Maio de 2015 será o seguinte: - Ano de 2008 - € 9.597,94 (€ 6.805,12+€ 1861,88 – reposição a 50% + € 930,94 – reposição a 100%); - Ano de 2009 - € 103.334,34 (€ 74.475,20+€ 22.342,56 – reposição a 50%+ € 6.516,58 – reposição a 100%); - Ano de 2010 - € 33.513,84 (€ 22.342,84 + € 7.447,52 – reposição a 50% + € 3.723,76 – reposição a 100%) Analisando agora os dois atos verifica-se que há uma parcela, a negrito no quadro acima referido, que se mantém igual nas duas informações. Estes montantes referem-se, como indica o recorrente no seu ofício datado de 30 de Dezembro de 2014 (fls. 38 e sgs), a duplicação, na sua ótica, de utentes nos anos referidos. Estes números mantêm-se nas duas informações prolatadas pelo recorrente e não consta qualquer referência a estes montantes na informação nº ...15 e que fundamentou o ato de 19 de Maio de 2015. Nesta informação foram analisados os montantes que na primeira versão (de 2014) vêm assinalados como sendo reposições a 100%. Apenas esta parte foi analisada na última informação (ato de 19 de Maio de 2015). Ou seja, na informação que fundamentou o ato de 2015 não foram analisados os montantes que seriam devidos pela duplicação dos utentes nos anos referidos, apenas se refere aos mesmos para apurar o montante final. Assim sendo facilmente se concluí que pelo ato de 19 de Maio de 2015 não se procedeu à anulação total do ato de 22/12/2014, mas apenas ocorreu anulação parcial do mesmo. Ou seja, a fundamentação para as parcelas referidas a negrito consta da informação nº ...14 (fls. 41 e sgs.), não tendo ocorrido qualquer alteração nesta parte na informação nº ...15 (fls. 145 e sgs). Assim sendo, têm de proceder as conclusões do recorrente, devendo a decisão recorrida ser revogada”. Desta feita, o ato impugnado não alterou a situação definida pelo ato praticado em 22.12.2014, que não foi impugnado pela Autora na presente acção. Nos termos do disposto no artº 59º, nº 4, do CPTA, a utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do ato administrativo que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugnação administrativa ou com o decurso do respetivo prazo legal. Não está em causa a apresentação tempestiva da reclamação administrativa (alínea c) do probatório), porquanto a suspensão de prazo de impugnação a que alude o citado artº 59º, nº 4, do CPTA, implica que o ato impugnado seja o mesmo que foi objeto de reclamação administrativa. Todavia a Autora veio somente impugnar o despacho de 19.05.2015, tomado em segundo grau, e nesta decisão, como foi entendido pelo Ac. do TCA Norte supra citado, não houve qualquer inovação de definição da situação jurídica, na parte relativa à reposição de 50%. Pois que, como aí se alude “ “Estes números mantêm-se nas duas informações prolatadas pelo recorrente e não consta qualquer referência a estes montantes na informação nº ...15 e que fundamentou o ato de 19 de Maio de 2015. Nesta informação foram analisados os montantes que na primeira versão (de 2014) vêm assinalados como sendo reposições a 100%. Apenas esta parte foi analisada na última informação (ato de 19 de Maio de 2015). Ou seja, na informação que fundamentou o ato de 2015 não foram analisados os montantes que seriam devidos pela duplicação dos utentes nos anos referidos, apenas se refere aos mesmos para apurar o montante final.” Donde, por não ter sido impugnada a parte do ato praticado em 22.12.2014, relativamente à reposição de 50%, o despacho ora impugnado não tem o conteúdo que lhe vem atribuído pela Autora. Pelo que, à data em que foi interposta a presente ação, em 11.10.2015, já havia sido excedido o prazo de 3 meses a que alude o art. 58º, nº 2, al. b) do CPTA, não sendo possível, por isso, o convite à correção da p.i. Sendo que sempre seria confirmativo, nessa parte do despacho de 22.12.2014 e portanto inimpugnável. Termos em que procede a questão de caducidade suscitada pela Autoridade Demandada, relativamente à reposição de 50% exigida pelo ato de 22.12.2014”». * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* 2.2. O DIREITOA presente acção administrativa vem intentada contra o Instituto da Segurança Social, peticionando a A/recorrente a anulação “do acto praticado, em 19.05.2015, pelo Sr. Director de Segurança Social do Centro Distrital de Coimbra do ISS, I.P.”, que lhe determina a reposição de comparticipações financeiras indevidamente pagas no âmbito dos acordos de cooperação para a resposta social de lar residencial, num total de €93.094, invocando-se para o efeito, a prescrição do direito, violação do princípio da boa-fé, na sua vertente da protecção da confiança e o erro sobre os pressupostos de facto. * O TAF de Coimbra julgou improcedente a acção, por entender que, no caso concreto, não era aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artº 40°, n° 1 do DL n° 155/92, de 28/7, por a quantia em causa, cuja restituição se pretende, não ter natureza de despesa de gestão corrente, nos termos do artº 4° daquele diploma, detendo, antes, aqueles incentivos financeiros, atribuídos contratualmente, a natureza de despesas de capital [conforme já entendeu este STA nos Acs. de 25.06.2003, Proc. n° 0325/03 e de 05.02.2015, Proc. n° 0770/13].Assim, concluiu que: “..., não envolvendo as importâncias que a Entidade Demandada reputa como indevidamente pagas e que, por isso, é pretendido que sejam reembolsadas, actos de gestão corrente subsumíveis à aplicação do prazo de prescrição de 5 anos referido no artigo 40°, n° 1 do Decreto-Lei n° 155/92, de 26 de Julho, às mesmas é aplicado o prazo ordinário da prescrição de 20 anos, estabelecido no artigo 309° do Código Civil, prazo esse que ainda não decorreu, atento os factos considerados assentes.” O TCAN em sede de apelação, manteve a decisão no que toca à inexistência da prescrição do direito; no entanto, considerou aplicável o prazo de prescrição contemplado no artº 40°, n° 1 do DL n° 155/92, tendo entendido que este, atento o que dispõe o artº 306°, n° 1 do Código Civil (CC) apenas começou a correr quando a Segurança Social tomou conhecimento das irregularidades verificadas com a realização da auditoria n° 3/2010, de Novembro de 2010, tendo-se interrompido, nessa altura, o decurso do prazo de prescrição. E que, reportando-se a comparticipações financeiras referentes ao período de Maio de 2009 a Maio de 2010, à data da decisão originária (de 22.12.2014) que determinou a reposição, não ocorrera a prescrição. Chamou ainda à colação em defesa da ocorrência da interrupção do prazo de prescrição o artº 60°, nºs 1 e 4 da Lei n° 4/2007, de 16/1 (Lei de Bases da Segurança Social). Em concreto, consignou-se ali: «A Segurança Social só tomou conhecimento das irregularidades verificadas, com a realização da auditoria nº 3/2010, em novembro de 2010, em face do que a restituição dos montantes indevidamente atribuídos, só poderia ser exercido a partir daquela data, por corresponder ao conhecimento dos factos que o justificarão. Em face do que precede, o prazo de prescrição constante do referido nº 1 do artigo 40° do Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de julho, só terá começado a correr após o conhecimento das irregularidades detetadas na Auditoria, por parte dos Serviços do ISS, I.P. Na realidade, resulta do nº 2 do artigo 40° do Decreto-Lei nº 155/92 de 26/07 que "O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por ação das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição." Já relativamente à interrupção e suspensão da prescrição dispõe o nº 1 do artigo 306.º do Código Civil que "O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (...)". ( ... ) Assim, o segundo ato, tratando-se de um ato mais favorável à instituição aqui Recorrente, determina que os valores a restituir referentes ao período de maio de 2009 a maio de 2010, nunca se poderiam considerar prescritos, uma vez que o prazo prescricional de 5 anos se iniciou em novembro de 2010, com o resultado da auditoria realizada, o que significa que a decisão originária de 22/12/2014 que determinou a reposição das comparticipações financeiras, não se encontraria anda prescrita. Mesmo que assim não fosse, refere o artigo 60º, nºs 1 e 4 da Lei de Bases da Segurança Social, Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro, que: "1 - As quotizações e as contribuições não pagas, bem como outros montantes devidos, são objeto de cobrança coerciva nos termos legais. (...) 4 - A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida." Acresce, e para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, que refere o Decreto-Lei nº 79/2019, de 14 de junho, que alterou o Decreto-Lei nº 133/88, de 27 de abril, no seu artigo 1º, nº 3, alínea a), que as prestações sociais e as comparticipações financeiras são equiparáveis quando devam ser restituídas. Recorda-se que a interrupção se consubstancia numa figura que inutiliza para efeitos de prescrição, todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sendo que nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva (artigo 326º do Código Civil). Aqui chegados, tendo a A... sido notificada, por ofício de 9 de maio de 2014, em sede de audiência de interessados, para repor as comparticipações financeiras indevidamente pagas referentes ao período de maio de 2009 a maio de 2010, o prazo prescricional interrompeu-se nesta data, tendo reiniciado a sua contagem em momento ulterior, o que sempre determina a inverificação da suscitada prescrição. Assim e como conclusão e síntese do que aqui se foi afirmando, importa deixar expressos os seguintes factos: i) O prazo de prescrição só se inicia quando o direito puder ser exigido, ou seja e em concreto, após o conhecimento de que aqueles valores eram indevidos; ii) Para além das causas gerais de interrupção, as dívidas à Segurança Social gozam ainda de uma outra causa de interrupção, que passa pela realização de qualquer diligência administrativa. Assim, independentemente do regime prescricional que possa ser aplicado, sempre se conclui que a mesma não terá ocorrido». * E é desta decisão e fundamentação que vem interposta pela A/recorrente a presente revista, alegando, em suma não ser aqui aplicável o artº 306º do CC, para efeitos do termo inicial do prazo de prescrição das dívidas abrangidas pelo DL n° 155/92, dado que existe neste diploma norma especial quanto à prescrição das dívidas nele contempladas - o artº 40º, nº 1 -, o qual derroga o regime geral.Alega ainda não ser aplicável ao caso o art. 60º da Lei nº 4/2007, por não se estar perante quotizações ou contribuições não pagas. E, assim, conclui que quando o acto impugnado foi praticado já havia decorrido o prazo de prescrição a que alude o nº 1, do artº 40º, do DL nº 155/92. * Vejamos, então, qual o regime da prescrição aplicável ao caso dos autos, ou seja, a uma dívida resultante de reposição de quantias alegada e indevidamente recebidas da Segurança Social por uma instituição privada de solidariedade social, no âmbito de um acordo de cooperação com um Centro Regional de Segurança Social, celebrado ao abrigo do disposto do Despacho Normativo nº 387/80 de 31/12, se o regime geral previsto nos artºs 300º e segs. do Código Civil ou algum regime especial e neste caso, qual.Da redacção do Capitulo I deste Despacho Normativo, sob a epígrafe “Fins e formas de cooperação” resulta dos pontos 1.1, 2 e 4 o seguinte: (Objectivos e forma de cooperação) 1 - A cooperação entre os centros regionais de segurança social e as instituições privadas de solidariedade social tem por objectivos fundamentais contribuir para a concessão, por estas, de prestações sociais, designadamente em serviços de acção social e familiar e em equipamento social, bem como facilitar a expressão do dever moral de solidariedade e de justiça, própria das mesmas instituições. 2 - As prestações podem abranger, de harmonia com os fins próprios de cada uma das instituições, actividades de protecção à infância e juventude, à família, comunidade e população activa, aos idosos e aos deficientes, bem como outras acções cuja inclusão seja autorizada por despacho do Ministro dos Assuntos Sociais. (…) 4 - Pela concessão de prestações de segurança social, efectuadas nos termos dos acordos celebrados, a instituição receberá mensalmente do centro regional, se diferente periodicidade não for estabelecida, uma comparticipação financeira calculada de harmonia com as regras definidas em despacho do Ministro dos Assuntos Sociais. (…)» Sub. nosso Ou seja, e para o que importa, face à factualidade dada como assente nos autos, estamos perante prestações sociais, entregues pela Segurança Social às instituições de solidariedade social, para que estas prossigam fins sociais de apoio a específicos cidadãos carenciados; assim, podemos concluir que as quantias cuja reposição foi determinada mediante o despacho impugnado, não têm a natureza de quotizações ou contribuições, nos termos em que as mesmas se mostram definidas nos artºs 50º e segs. da Lei nº 4/2007 de 16.01 [Lei de Bases da Segurança Social]. Com efeito, no artº 60º desta Lei, sob a epígrafe “Restituição e cobrança coerciva das contribuições ou prestações”, prevê-se o seguinte. «1 - As quotizações e as contribuições não pagas, bem como outros montantes devidos, são objecto de cobrança coerciva nos termos legais. 2 - As prestações pagas aos beneficiários que a elas não tinham direito devem ser restituídas nos termos previstos na lei. 3 - A obrigação do pagamento das quotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida. 4 - A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida». Ora, basta uma simples leitura desta norma, para se perceber de imediato que no nº 3, onde o legislador anteviu o regime da prescrição, apenas se englobaram as quotizações e as contribuições, ficando de fora “outros montantes devidos”, previstos no nº 1. Tal redacção, apenas pode significar que aos “outros montantes devidos”, de natureza diferente, não é aplicável o regime da prescrição, como previsto no nº 4 do artº 60º da Lei de Bases da Segurança Social, pois se outra intenção aqui estivesse subjacente, bastaria que o legislador o tivesse indicado expressamente como fez no nº 1 da norma, o que não sucedeu. E assim sendo, é manifesto que ao contrário do defendido pela A/recorrente este não será o regime prescricional aplicável ao caso sub judice. * Mas será aplicável o regime previsto no artº 40º do DL nº 155/92 de 28.07, que sob a epígrafe “Reposição de dinheiros públicos”, prevê:«A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento»? Segundo jurisprudência da Secção do Contencioso Tributário, deste Supremo Tribunal, seria este o regime aplicável, uma vez que se vem entendendo que aquele regime de prescrição se refere a qualquer reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado, e não, como aconteceu no passado, unicamente à reposição por funcionários, agentes ou credores do Estado – cfr. neste sentido o Ac. do Pleno do Contencioso Tributário deste STA de 03.07.2019, in proc. nº 01541/14.8BESNT. Não cremos, contudo, que seja este o regime aplicável, pese embora, estarmos perante “reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado”, até porque segundo jurisprudência mais recente se tem entendido dever ser afastada a aplicação do DL nº 155/92 em situações em que a dívida não seja proveniente de “despesas correntes do Estado”, concluindo-se que só estas se encontram abrangidas na previsão do referido diploma, atento o disposto nos artºs 3º e 4, nº 1. No sentido apontado, cfr. Ac. do STA, Contencioso Tributário, de 02.12.2020, proferido no Âmbito do proc. nº 775/10.9BEALM: «I - Os créditos originados pelo despacho que ordenou a devolução de apoios financeiros concedidos pelo IEFP ao abrigo do Decreto-Lei nº 189/96, de 8 de Outubro, não são créditos tributários, não são créditos em que estejam em causa interesses financeiros da União Europeia e não são créditos provenientes de despesas correntes do Estado; são créditos resultantes do acto administrativo que, verificando o incumprimento das condições acordadas, ordenou a devolução desses apoios financeiros e cuja cobrança coerciva em execução fiscal é autorizada pelo disposto no art. 148º, nº 2, alínea a), do CPPT e no art. 179º, nºs 1 e 2, do CPA, constituindo título executivo, nos termos do art. 4º, nº 1 do Decreto-Lei nº 437/78, de 28 de Dezembro, a certidão de dívida passada pelo serviço processador, acompanhada dos documentos pertinentes. II - Assim, a esses créditos não é aplicável nem o prazo de prescrição do art. 48º da LGT, nem o prazo da prescrição do Regulamento (CE Euratom) nº 2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro de 1995, nem sequer o prazo prescricional previsto no Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho, mas antes o prazo geral de prescrição, de 20 anos, previsto no art. 309º do CC.». * Porém, tal como referido no Parecer do Ministério Público proferido nos autos, também é nosso entendimento que:«Tal entendimento resulta, salvo o devido respeito, de uma interpretação muito restritiva do conceito de gestão corrente que se encontra definido no artº 4º nº 1 do DL 155/92, afirmando corresponder-lhe apenas as despesas de funcionamento administrativo, o que, a nosso ver, não tem correspondência verbal no texto da referida norma – “a gestão corrente compreende a prática de todos os actos que integram a actividade que os serviços e organismos normalmente desenvolvem para a prossecução das suas atribuições”. Cremos, contudo, em nosso modesto entendimento, que a concessão de incentivos, comparticipações, subsídios ou outras prestações, que se integrem nas atribuições normais da actividade de qualquer serviço ou organismo público, tem de considerar-se incluída na sua gestão corrente, uma vez que só estão excluídas, nos termos do no 2 do artº 4º “as opções fundamentais de enquadramento da actividade dos serviços e organismos, nomeadamente a aprovação de planos e programas e a assunção de encargos que ultrapassem a sua normal execução”. Por outro lado, nos termos do artº 52º do DL nº 155/92, “aplicam-se aos organismos autónomos, com as devidas adaptações, as normas dos artigos 7º, nº 1, 8º, 11º, 12º, 21º, 22º, 25º a 33º e 35º a 42º do presente diploma”. Assim, no caso dos autos, seríamos levados a concluir que as comparticipações que foram indevidamente recebidas pela A/Recorrente constituem actos de gestão corrente do demandado Instituto da Segurança Social, I.P., pelo que seria aplicável à respectiva reposição o prazo de prescrição previsto no artº 40º nº 1 do DL nº 155/92. 8 – Porém, usamos o condicional, porque não estamos perante uma conclusão definitiva, havendo ainda que averiguar da eventual existência de um regime de prescrição que seja ele próprio de natureza especial face ao regime “geral” constante do artº 40º do DL nº 155/92 – um regime especialmente previsto para as comparticipações realizadas por instituições da segurança social» * Na verdade, e como salientado neste Parecer, o legislador consagrou um regime especial, que regula de forma expressa a «responsabilidade emergente do pagamento indevido de prestações de segurança social» conforme resulta do DL nº 133/88 de 20.04 [diploma que não foi objecto de revogação por parte do artº 57º do DL nº 155/92, tendo, todavia, sido objecto de diversas alterações, conforme resulta dos DL’s 133/2012 de 27.06, 33/2018 de 15.05, 79/2019 de 14.06 e Lei nº 2/2020 de 01.04.Com efeito, regula-se neste diploma legal, como consta do seu preâmbulo: «Nesta conformidade, concretizando princípios estabelecidos na Lei 28/84, procede-se desde já à definição das normas jurídicas referentes a situações de concessão indevida de prestações, tanto no que respeita à responsabilidade emergente do pagamento de prestações indevidas como no que se refere à revogação dos actos de atribuição das prestações». E no artº 1º do DL nº 133/88, sob a epígrafe “Obrigação de restituir” concretiza-se o seguinte: «1 - O recebimento indevido de prestações no âmbito do sistema de segurança social dá lugar à obrigação de restituir o respetivo valor, sem prejuízo da observância do regime de anulação e revogação dos atos administrativos. (...) 3 - O regime relativo à restituição de prestações indevidamente pagas previsto no presente decreto-lei é aplicável, com as necessárias adaptações: a) À recuperação de montantes relativos a prestações ou comparticipações cuja gestão e pagamento se encontra entregue à responsabilidade das instituições de segurança social; (...)». * Encontrado o regime especial aplicável às prestações em causa nos presentes autos, ou seja, prestações recebidas no âmbito do sistema de segurança social, cuja gestão e pagamento está entregue à responsabilidade das Instituições de Segurança Social, como resulta do acordo celebrado entre a A./recorrente e o Centro Distrital de Segurança Social de Coimbra, com menção expressa ao Despacho Normativo nº 387/80 (cfr. ponto I.4 – concessão de prestações de segurança social, efectuadas nos termos dos acordos celebrados), não restam dúvidas que o prazo de prescrição era de 10 anos, a contar da data da interpelação para restituir, como previa o artº 13º do referido diploma.A esta conclusão, também já chegou a jurisprudência deste Supremo Tribunal, conforme se constata do teor do Ac. proferido em 06.10.2021, no âmbito do proc nº 0351/14.7BECBR, pela secção do Contencioso Tributário, onde se sumariou: «I - A falta de requisitos essenciais do título executivo, que, quando não puder ser suprida por prova documental, constitui nulidade insanável do processo de execução fiscal – art. 165º, nº 1, alínea b), do CPPT – não constitui fundamento de oposição, não sendo enquadrável na alínea i) do nº 1 do art. 204º do mesmo Código. II - A ilegalidade em concreto do acto que deu origem à dívida exequenda só é admitida como fundamento de oposição à execução fiscal nas raras situações em que «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação» [cf. alínea h) do art. 204º, nº 1, do CPPT], ou seja, quando a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou administrativo prévio. III - O prazo de prescrição da obrigação de restituição das quantias indevidamente recebidas a título de prestações da Segurança Social está previsto no art. 13º do Decreto-Lei nº 133/88, de 20 de Abril, e era de 10 anos até 16 de Maio de 2018, data em que passou a ser de 5 anos, por força da alteração que lhe foi introduzida pelo nº 1 do art. 149º do Decreto-Lei nº 33/2018, de 15 de Maio, contando-se o novo prazo a partir da entrada em vigor deste diploma, mas atendendo-se ao tempo até então decorrido do prazo anterior, nos termos do nº 2 do referido art. 149º ainda do mesmo diploma. IV - A contagem desse prazo inicia-se com a interpelação para restituir (cf. art. 13º do Decreto-Lei nº 133/88, de 20 de Abril) e interrompe-se, com efeitos duradouros, com a citação do devedor (cf. art. 327º, nº 1, do CC)». * Cientes que este é o prazo prescricional [5 anos] e que a contagem se inicia no dia em que a A/recorrente foi notificada para proceder à restituição do indevido – acto impugnado que foi notificado em 27.05.2015, de acordo com o fixado no ponto 13 da factualidade provada – importa proceder à contagem do mesmo.Assim, este prazo, de 5 anos [que era no início de 10 anos, de acordo com o previsto no artº 13º do DL nº 133/88 e que passou para 5 aos, em virtude da alteração da redacção operada pelo DL nº 33/2018 de 15/05] é o aplicável face à redacção do artº 149º, nº 2, onde se dispunha que a alteração do prazo se aplica aos prazos em curso, considerando-se ainda o prazo entretanto decorrido. Importa ainda, nesta contagem, convocar o disposto no artº 297º do Cód. Civil, que prevê que o novo prazo mais curto “só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”. Deste modo, o “novo” prazo de 5 anos inicia-se no dia 16.05.2018, por ser a data em que o referido diploma entrou em vigor [se não estivesse interrompido]. E porque de acordo com o disposto nos nºs 1 e 4 do artº 323º do Código Civil “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, sendo “equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”, temos que, para a aferição do tempo do prazo já decorrido ter-se-á de ter em consideração, se entretanto, ocorreu alguma causa de interrupção do prazo prescricional. E nesta análise, impõe-se ter em conta o seguinte: (i) A presente acção de impugnação do acto que determinou a restituição do indevido, deu entrada em juízo em 11.10.2015; (ii) O Réu Instituto de Segurança Social apresentou contestação em 01.12.2015, sendo que, esta posição assumida pelo demandado é equiparada à citação/notificação, dado que o credor renova a intenção de exercer o direito à restituição [que já havia manifestado aquando da notificação do acto impugnado]; (iii) Assim, o prazo prescricional interrompeu-se em 01.12.2015 com o efeito duradouro previsto no artº 327º, nº 1 do Cód. Civil, dado que não começa a correr novo prazo de prescrição “enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”; (iv) Deste modo, desde o início do prazo de prescrição, com a interpelação em 27.05.2015, até à data da interrupção com a contestação em 01.12.2015, decorreu um prazo de 6 meses e 4 dias, que só poderá ser considerado quando o prazo de prescrição voltar a correr, após o trânsito em julgado da decisão, que vier a ser proferida nos presentes autos; (v) E após este trânsito, o prazo de prescrição do direito à restituição passa a ser o prazo ordinário de 20 anos, conforme dispõe o artº 309º do Cód. Civil, por força do disposto no artº 311º do mesmo diploma legal [“o direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”]; Face ao supra exposto, importa concluir no sentido de que o prazo de prescrição, respeitante ao acto impugnado nos autos, por força do disposto no artº 13º do DL nº 133/88 de 20.04, não se mostra decorrido; ao invés, encontrava-se ainda em curso no momento da instauração da presente acção e ainda neste momento, uma vez que não se mostra esgotado, por força da interrupção, com efeito duradouro, desde a contestação – cfr. artºs 323º, nº s 1 e 4 e 327º, nº 1, ambos do Código Civil. E assim sendo, improcede o recurso intentado pela recorrente. * 3. DECISÃOFace ao exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso. Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 15 de Junho de 2023. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Cláudio Ramos Monteiro – José Francisco Fonseca da Paz. |