Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0558/10.6BEAVR
Data do Acordão:10/02/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32715
Nº do Documento:SA2202410020558/10
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

AA, com os demais sinais dos supra epigrafados autos onde figura na veste processual de Recorrente, notificada que foi, do, aliás, douto Acórdão proferido nos autos e não se conformando com o sentido decisório do mesmo, vem, por estar em tempo, ter legitimidade e a causa o admitir, dele INTERPOR RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL (artigo 285.º, n.º 1, do CPPT) para o COLENDO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Alegou, tendo concluído:
i. O presente recurso é interposto do douto Acórdão proferido nos autos aos 11.04.2024, pelo TCAN, compilado a fls... dos autos, que, julgou improcedente o recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo TAF de Aveiro, aos 30.04.2018, que julgou a oposição à execução improcedente e absolveu a Fazendo Pública do pedido, por nele se ter entendido que não era de convolar a oposição à execução fiscal em impugnação judicial, por mor de ter sido indicado como fundamento da oposição o artigo 204.º, n.º 1, al. e) do CPPT. Sendo certo que, o entendimento sufragado quer quanto à tempestividade quer quanto ao pedido, fazendo uma interpretação do pedido deduzido, permitiria, segundo o Douto Acórdão, a convolação.
ii. As questões que se colocam em apreciação neste Recurso são: a) Invocando a Recorrente na oposição à execução fiscal que a mesma é deduzida ao abrigo de uma concreta alínea do artigo 204.º, do CPPT, fica impedida a convolação, como é entendimento sufragado pela Douta Decisão Recorrida em relação a alguma das alíneas do ante mencionado artigo (mormente à al. e))? b) A convolação da oposição à execução fiscal em impugnação judicial está dependente apenas do pedido e da tempestividade deste meio de reacção quando da dedução da oposição, ou outrossim da concreta causa de pedir? c) A invocação de que a oposição à execução é deduzida ao abrigo da alínea e), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, impede a convolação. d) A Decisão de não convolação proferida nos autos é violadora do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva?
iii. Verificam-se, in casu, os pressupostos de admissibilidade do recurso de revisão excepcional, porquanto, a questão tem relevância jurídica e social e a admissão do recurso conduzirá, claramente, a uma melhor aplicação do direito.
iv. Estamos, in casu, perante interesses de particular relevância social, principalmente, quando a questão à primeira vista seria pacifica, por jurisprudencialmente estar dependente apenas da tempestividade e do pedido, mas, nestes autos, se ter decido criar um novo pressuposto, relacionado com a causa de pedir, decidindo-se não proceder à convolação por se ter indicado na oposição à execução uma concreta alínea do artigo 204.º, 1.º do CPPT (in casu a alínea e)).
v. A apreciação da questão tem interesse para todos os casos semelhantes, onde esta questão é aflorada, estando, assim, coenvolvido um interesse comunitário significativo, que ultrapassa essa dimensão inter partes. A relevância social da questão decorre, ademais, de estar em causa o instituto da tutela jurisdicional efectiva, com dignidade constitucional reconhecida, e logo ao nível dos direitos, liberdades e garantias pessoais (artigo 268.º da Constituição), sendo que, não se confinando a questão nos estreitos limites do caso concreto dos autos, essa relevância social surge, no caso, por ser extensível a todos os caos semelhantes (que surgem todos os dias nos nossos tribunais tributários) e, por isso, é muitíssimo grande a probabilidade de repetição de questões idênticas à que constitui objecto do presente recurso.
vi. No caso que é objecto dos presentes autos, discute-se uma questão de evidente e notória complexidade. Parecendo-nos que tal questão se trata de questão nova, que, à partida poderá ser apta a provocar decisões contraditórias. Não temos, pois, dúvidas em asseverar que se trata de questão de especial relevo jurídico, que requer um estudo aprofundado e um especial esforço interpretativo, cuja apreciação pelo Supremo se mostra necessária para uma melhor aplicação do direito.
vii. O erro na forma do processo afere-se pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado, importando atentar no pedido que foi formulado.
viii. A Douta Decisão recorrida entendeu que do pedido deduzido, ainda que não deduzido com inteira precisão, era apto à convolação, por inculcar a ideia de obstar ao prosseguimento da execução (destruição do acto tributário). Assim, dando aplicação à Jurisprudência que vem entendendo que deve flexibilizar-se a interpretação do pedido final da petição, de modo a apreender-se a verdadeira pretensão jurídica e conferir a maior tutela à parte. E dos factos provados da Douta Sentença resulta que na data em que foi deduzida a oposição à execução fiscal, ainda era tempestiva a dedução de impugnação judicial.
ix. Todavia, entendeu-se não determinar a convolação porquanto se entendeu que a causa de pedir foi, juridicamente fundamentada na al. e), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, e que, por se ter indicado tal alínea, não era passível de convolação.
x. Salvo o devido respeito, estando o pedido apto a produzir efeitos como impugnação judicial (interpretado como de anulação do acto de liquidação) e sendo tempestiva a impugnação judicial quando deduzida a oposição à execução fiscal, devia ter sido convolada a oposição à execução fiscal em impugnação judicial.
xi. A justificação de que a convolação não é permitida por a Recorrente ter sustentado a oposição na al. e), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, não pode colher, por não ser de atender, no momento da decisão da convolação, a questão da fundamentação jurídica esgrimida.
xii. A causa de pedir, como o faz o Douto Acórdão recorrido, não deve ser apreciado no momento da decisão da convolação, por mor de tal contender com a apreciação do mérito da concreta questão levada a sufrágio do Tribunal.
xiii. Invocando a Recorrente na oposição à execução fiscal que a mesma é deduzida ao abrigo de uma concreta alínea do artigo 204.º, do CPPT, não pode ficar impedida a convolação, como é entendimento sufragado pela Douta Decisão Recorrida em relação a alguma das alíneas do ante mencionado artigo (mormente à al. e)).
xiv. A convolação da oposição à execução fiscal em impugnação judicial está dependente apenas do pedido e da tempestividade deste meio de reacção quando da dedução da oposição, mas não da concreta causa de pedir nem da fundamentação jurídica feita quanto a esta.
xv. A invocação de que a oposição à execução é deduzida ao abrigo da alínea e), do n.º 1, do artigo 204.º do CPPT, não pode impedir a convolação, por contender com a apreciação do mérito da questão.
xvi. A não ser de decretar a convolação nos presentes autos, a decisão é violadora do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva.
xvii. A Douta Decisão ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 98.º, n.º 4 do CPPT, 97.º, n.º 3 da LGT e a interpretação feita daquelas disposições in casu é violadora do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP), o que aqui se argui.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, que V.ªs Ex.ªs mui doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, determinar-se a revogação da Douta Decisão recorrida, com a inerentes repercussões jurídico-processuais.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.
Igualmente não pode servir o recurso de revista para apreciar estritas questões de inconstitucionalidade normativa, que podem discutir-se em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Pretende, no essencial, a recorrente que as instâncias além de terem conhecido nos presentes autos de oposição a questão que processualmente se adequava a esta forma de processo deveriam ainda ter ordenado a convolação das restantes questões para a forma de processo adequada, a da impugnação judicial.
Esta questão já não é nova e este Supremo Tribunal tem dito de modo uniforme e reiterado que tal não é possível, como bem assinalaram as instâncias.
Assim, não se vislumbra nas decisões em crise que ocorra qualquer erro de julgamento evidente ou notório que exija a intervenção deste Supremo Tribunal para melhor aplicação do direito.
Por outro lado, também não se vislumbra que a questão colocada, de natureza processual e delimitada pelos contornos processuais do caso, se assuma como questão de relevância fundamental que imponha a admissão do presente recurso para o seu conhecimento.
Não está, assim, este recurso em condições de ser admitido.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, Secção do Contencioso Tributário, que compõem a formação a que alude o artigo 285º, n.º 6 do CPPT, em não admitir o presente recurso de revista.
Custas do incidente pela recorrente, com t.j. em 5 Ucs.
D.n.

Lisboa, 2 de Outubro de 2024. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.