Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0129/18.9BEAVR |
Data do Acordão: | 01/13/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PAULA CADILHE RIBEIRO |
Descritores: | INDEFERIMENTO LIMINAR OBJECTO DO RECURSO ERRO NA FORMA DE PROCESSO IMPUGNAÇÃO JUDICIAL |
Sumário: | I - Os recursos jurisdicionais são meios de impugnar as decisões judiciais. II - A impugnação judicial é o meio processual adequado quando se pretende discutir a legalidade da liquidação, ainda que seja interposta na sequência do indeferimento do meio gracioso e independentemente do(s) seu(s) fundamento(s) (formais ou de mérito). |
Nº Convencional: | JSTA000P26962 |
Nº do Documento: | SA2202101130129/18 |
Data de Entrada: | 09/21/2018 |
Recorrente: | A............ |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1- RELATÓRIO 1.1. A…………, identificada nos autos, recorre da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 25 de maio de 2018, que indeferiu liminarmente a impugnação judicial que deduziu na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso: «a) Vem o presente recurso interposto da decisão do M. juiz do TAF de Aveiro que considerou inadequado o meio processual usado pela ora recorrente naquele processo. b) A petição apresentada perante aquele Tribunal de 1ª instância fundamentava-se na ilegalidade da liquidação de IRS do ano de 2015 em virtude de, naquela operação, a AT não ter em consideração a situação da então impugnante, que era portadora de deficiência documentalmente comprovada. c) A questão tinha sido suscitada em sede de reclamação administrativa que, por não ter logrado obter vencimento, determinou a apresentação da competente impugnação judicial, apresentada nos termos do disposto no artigo 102º do CPPT d) O tribunal recorrido entendeu que a apreciação judicial da questão suscitada deveria ser feita perante os tribunais administrativos, através de ação administrativa a propor neste foro; e) Porém, face ao disposto no artigo 97º nº 1 c) do CPPT e 49º nº 1 a) i) do ETAF o tribunal competente é o tribunal tributário, através do meio processual adequado, que é a impugnação judicial. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente ordenando-se em consequência a apreciação, pelo tribunal tributário de 1ª instância, da impugnação judicial já apresentada.». 1.2. O Tribunal recorrido notificou o representante da Fazenda Pública tanto para os termos do recurso como para os da causa, o qual veio aos autos manifestar a sua concordância com a decisão recorrida. 1.3. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser mantida a decisão recorrida ainda que com outra fundamentação, e negado provimento ao recurso. II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto: «1) Em 30-05-2016, a ora impugnante apresentou declaração modelo 3 de IRS, relativo ao ano de 2015, sem que tenha sido efectuada qualquer referência a incapacidade – cfr. assumido pela ora impugnante nos artigos 1.º e 2.º da petição inicial3; 2) A declaração mencionada na alínea antecedente deu origem a liquidação de imposto a pagar no montante de € 9.964,29 – cfr. resulta de fls. 8 do processo físico; 3) Em 01-08-2017, a ora impugnante apresentou reclamação ao abrigo da qual requeria a reapreciação da sua situação tributária, por, desde 2014, ter um grau de incapacidade de 80% - cfr. sobressai do artigo 31.º da PI, conjugado com os documentos de fls. 6, 6vº e 7, do processo físico; 4) Notificado em 21-08-2017, do projecto de indeferimento, veio a ora impugnante exercer o direito de audição prévia, pronunciando-se no sentido da tempestividade da reclamação e da procedência da mesma ou, a manter-se o entendimento quanto à sua intempestividade, a convolação em procedimento de revisão – cfr. resulta de fls. 16 e 16vº do processo físico; 5) Em 28-09-2017, foi proferida INFORMAÇÃO no sentido de manter a proposta de rejeição liminar da reclamação apresentada, por intempestividade e por não ser possível a convolação em procedimento de revisão oficiosa – cfr. fls. 16vº e 17 do processo físico; 6) Em 26-10-2017, foi proferido o seguinte DESPACHO: «Concordo com a informação infra. Com os fundamentos constantes da presente informação, converto em definitivo o projeto de decisão.» - cfr. resulta de fls. 15vº do processo físico; 7) Pelo Ofício n.º 200806, datado de 07-11-2017, foi a ora impugnante notificada nos seguintes termos: Fica por este meio notificado de que no procedimento de Reclamação Graciosa identificado supra, em 26-10-2017 foi proferido despacho de Rejeição, pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças, ao abrigo de Subdelegação de competências. Fica ainda notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de trinta dias nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 66.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) ou interpor impugnação de atos administrativos nos termos do art.º 50.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no prazo previsto na al. b) do nº1 do art.º 58.º, também do CPTA, a contar da data em que se concretizou a notificação nos termos do n.º3 do art.º 39.º, do CPPT. Nos termos do art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), em anexo consta a fundamentação da decisão ora notificada.» - cfr. fls. 15 do processo físico; 8) Em 30-01-2018, deu entrada neste TAF a presente impugnação judicial – cfr. resulta de fls. 1 do processo físico.». III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO O Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro indeferiu liminarmente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente com fundamento em erro na forma do processo e por não se mostrar viável a convolação para o meio processual adequado. Entendeu o Tribunal a quo que sendo a impugnação judicial deduzida na sequência da decisão da reclamação graciosa, que não conheceu da legalidade da liquidação, porque a julgou extemporânea, o meio processual adequado para discutir esta decisão seria a ação administrativa; e que a convolação não era possível por o pedido formulado pela impugnante não se adequar àquele meio processual. Analisadas as conclusões das alegações de recurso, designadamente as conclusões d) [“O tribunal recorrido entendeu que a apreciação judicial da questão suscitada deveria ser feita perante os tribunais administrativos, através de ação administrativa a propor neste foro”] e e) [“Porém, face ao disposto no artigo 97º nº 1 c) do CPPT e 49º nº 1 a) i) do ETAF o tribunal competente é o tribunal tributário, através do meio processual adequado, que é a impugnação judicial”], verifica-se que a Recorrente interpretou mal o decidido pelo Tribunal de 1.ª instância, o que a levou a pôr em causa neste recurso matéria que não consta da decisão recorrida. Induzida pela forma processual indicada pelo Tribunal a quo como a correta, a ação administrativa, entendeu que o Tribunal de 1.ª instância atribuiu a competência para o conhecimento da lide aos tribunais administrativos. Olvidou a Recorrente que a ação administrativa (antes, recurso contencioso) é um dos meios processuais do contencioso tributário - artigo 97.º, n.º 1, alínea p), do CPPT. Neste segmento o recurso não pode proceder, uma vez que, como tem sido afirmado, de forma reiterada, pelo Supremo Tribunal Administrativo, o recurso jurisdicional tem por objeto a sentença recorrida, destinando-se a anulá-la ou a alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afetá-la, não podendo obter provimento o recurso quando não é feito reparo às razões e fundamentos específicos que sustentam o decidido. Por outras palavras, constituindo o recurso jurisdicional um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça, estará votado ao insucesso o recurso que se alheia da fundamentação factual e/ou jurídica que determinou a decisão recorrida – cfr. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11/05/2011, proferido no processo 04/11; de 08/11/2017, proferido no processo 0764/17; de 17/06/2020, proferido no processo 0586/15.5BELRA. Porém, a Recorrente, para além de equivocadamente, como se disse, invocar o erro de julgamento no que tange ao foro competente para apreciar a causa, também defende nas conclusões b) e c) que, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, o meio processual que usou, a impugnação judicial, é o correto, sustentando a sua posição no facto de na petição inicial discutir a legalidade da liquidação, ao aí alegar que a AT não teve em consideração a situação da então impugnante, que era portadora de deficiência documentalmente comprovada, e que tendo a questão sido suscitada em sede de reclamação administrativa e não tendo logrado vencimento, determinou a apresentação da impugnação judicial, sustentada no disposto no artigo 102.º do CPPT. Neste segmento das suas conclusões a Recorrente ataca a decisão recorrida, pelo que importa apreciar o seu mérito. Como acima se referiu o Tribunal a quo entendeu que, não tendo sido apreciada na reclamação graciosa a legalidade da liquidação, por ter sido indeferida com fundamento na sua extemporaneidade e na impossibilidade de convolação em procedimento de revisão oficiosa, ou seja, por motivos formais, o meio processual a utilizar pelo interessado teria de ser a ação administrativa e não a impugnação judicial, a qual só seria de usar se a decisão graciosa tivesse apreciado a legalidade da liquidação. Não entendemos assim. Como este Tribunal tem decidido, o erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido, sem prejuízo de na sua interpretação, para indagação da real pretensão do autor, se poder usar a causa de pedir invocada – entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06/11/2019, proferido no processo 01300/16.3BELRS 01397/16. A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18. E visa a anulação total ou parcial do ato tributário (a liquidação). Ao invés, a ação administrativa, meio contencioso comum à jurisdição administrativa e tributária, será o meio processual a usar quando a pretensão do interessado não implique a apreciação da legalidade do ato de liquidação. Assim, se na sequência do indeferimento do meio gracioso, o interessado pedir ao tribunal que aprecie a legalidade da liquidação e que, em consequência, a anule (total ou parcialmente), o meio processual adequado é a impugnação judicial, ainda que esse conhecimento tenha de ser precedido da apreciação dos vícios imputados àquela decisão administrativa. Daí que se tenha vindo a afirmar que nestas situações, em que o meio gracioso precede o contencioso, a impugnação judicial tem um objeto imediato (a decisão administrativa) e um mediato (a legalidade da liquidação). No caso em apreço, o pedido formulado na petição inicial, que a impugnação judicial seja “julgada procedente e, [que] em consequência, [seja] ordenada a restituição das importâncias pagas em excesso”, não é exemplar de um pedido a formular numa impugnação judicial, a qual termina, naturalmente, com o pedido de anulação (total ou parcial) da liquidação impugnada. No entanto, embora não esteja expressamente formulado o pedido de anulação da liquidação, ele está subjacente ao pedido de restituição das quantias pagas em excesso, aliás como reconheceu o Tribunal recorrido quando refere, a propósito da possibilidade de convolação, que “No fundo, o pedido formulado pela ora impugnante tem implícito um pedido de anulação parcial da liquidação…”. Importa dizer que sobre esta matéria a posição deste Tribunal tem também sido uniforme no sentido de adotar, na interpretação do pedido formulado, um critério flexível com vista a alcançar uma justiça efetiva e não meramente formal, pois só assim é garantida uma tutela jurisdicional efetiva. Assente que o pedido formulado, não obstante os reparos feitos, é adequado ao meio processual utilizado pela Recorrente, a impugnação judicial, a decisão recorrida, que assim não entendeu, incorreu em erro de julgamento, merecendo o recurso provimento. IV- DECISÃO Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida e ordenar a devolução do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro para prosseguimento da tramitação da impugnação judicial, se outro motivo obstativo não se verificar. Sem custas. Lisboa, 13 de janeiro de 2021. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso. |