Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01295/14.8BEPNF 0555/18
Data do Acordão:06/26/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:EFICÁCIA
IMPUGNABILIDADE
ACTO LESIVO
Sumário:I - A ineficácia da liquidação (resultante da respectiva notificação não ter sido validamente efectuada, cfr. art. 36.º, n.º 1, da LGT), porque não contende com a validade desse acto, não constitui fundamento de impugnação judicial, podendo constituir fundamento de oposição à execução fiscal por inexigibilidade, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT.

II - Não é de proceder à convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal se na petição inicial, para além da ineficácia, se invocam outros fundamentos, susceptíveis de integrarem fundamento válido de impugnação.

III - A lei admite a reacção contenciosa contra qualquer acto lesivo (cfr. art. 268.º, n.º 4, da CRP, art. 9.º, n.º 1, da LGT e art. 99.º do CPPT), não fazendo depender a impugnabilidade da notificação ter sido validamente efectuada, circunstância que pode relevar para efeitos da fixação do termo inicial do prazo da impugnação, diferindo-o.

IV - A antecipação do prazo não tem qualquer efeito sobre o direito de impugnar.
Nº Convencional:JSTA000P24709
Nº do Documento:SA22019062601295/14
Data de Entrada:06/06/2018
Recorrente:A......,SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional de sentença proferida em processo de impugnação judicial

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que, na impugnação judicial por ela deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) que lhe foram efectuadas com referência aos anos de 2011 e 2012, julgando verificada a excepção de inimpugnabilidade daqueles actos, absolveu a Fazenda Pública da instância.

1.2 Após admissão do recurso, com subida imediata e nos próprios autos, a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I. Por falta de notificação a Mandatária legalmente constituída não atingiu os contornos e os motivos da liquidação adicional do IRC referente aos anos de 2011 e 2012 da impugnante;

II. Consagra o art. 40.º, n.º 1, do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a obrigatoriedade de a notificação dos interessados que tenham constituído mandatário ser feita na pessoa do seu mandatário, sendo que tal normativo se aplica às notificações a mandatários tanto no procedimento tributário como em processos judiciais tributários.

III. Os actos de liquidação em causa não podem produzir efeitos relativamente ao sujeito passivo, sendo, por essa razão, actos ineficazes.

IV. Assim sendo, neste segmento a sentença merece uma vénia ao decidir que a notificação “... das liquidações realizada apenas à própria impugnante é ilegal por violação do referido art. 40.º do CPPT” – Cfr. 9.º Parágrafo, página 4-7, da Sentença.

V. Porém, a sentença errou ao concluir que “..., não tendo sido validamente notificadas à impugnante não são impugnáveis à luz do art. 87.º, n.º 1, alínea c), actual n.º 4, alínea i), do CPTA” – Cfr. 2.º parágrafo, página 6-7, da Sentença.

VI. A falta de notificação do acto de liquidação, antes ou após o decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação, configura ineficácia desse acto tributário e constitui, por isso, fundamento de oposição à execução fiscal, e isto independentemente de também ser considerado fundamento de ilegalidade do acto de liquidação, e por conseguinte, pode ser invocado em impugnação judicial.

VII. O Tribunal a quo ao julgar procedente a excepção de inimpugnabilidade de um acto administrativo incorreu na violação do disposto nos artigos 51.º do CPTA.

VIII. A impugnabilidade do acto administrativo depende apenas da sua externalidade, ou seja, da susceptibilidade de produzir efeitos jurídicos que se projectem para fora do procedimento onde o acto se insere.

IX. O acto tributário de liquidação adicional de IRC dos anos de 2011 e 2012 é impugnável, ao contrário do decidido na sentença.

X. Como entendeu o Tribunal, estando “... em causa um fundamento de oposição (...) – e não de impugnação judicial” (cfr. 4.º parágrafo, página 8, da sentença), sempre teria de oficiosamente convolar o processo na forma adequada, em obediência aos comandos do artigo 98.º do CPPT.

Nestes termos e nos mais que doutamente serão supridos é razão pela qual não pode manter-se a decisão recorrida, se a tal nada mais obstar (mormente anulação das liquidações impugnadas por ineficácia), devem os autos baixar ao Tribunal a quo para prosseguimento da acção, designadamente com a apreciação e conhecimento do mérito da pretensão formulada».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em recurso hierárquico e indicou como tribunal competente o Supremo Tribunal Administrativo, ao qual os autos foram remetidos a requerimento da Recorrente.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogada a decisão recorrida e substituída por acórdão que declare a impugnabilidade dos actos impugnados e a devolução do processo ao tribunal a quo para conhecimento das questões suscitadas pela Impugnante na petição inicial, com a seguinte fundamentação: «[…]

A eficácia dos actos em matéria tributária que afectem direitos e interesses legítimos depende da sua notificação válida aos contribuintes (art. 36.º n.º 1 CPPT).
Quando os interessados tenham constituído advogado as notificações serão feitas na pessoa deste e no seu escritório (art. 40.º n.º 1 CPPT).
A omissão ou irregularidade da notificação não determina a invalidade intrínseca do acto tributário, podendo no entanto reflectir-se na caducidade do direito à liquidação (art. 45.º n.º 1 LGT).
No caso concreto a inverificação da caducidade do direito à liquidação resulta da pendência de inquérito criminal para apuramento dos factos tributários subjacentes à liquidação do imposto (art. 45.º n.º 5 LGT; factos provados als. E) e F)).
As liquidações adicionais de IRC controvertidas constituem actos tributários lesivos do rendimento/património do sujeito passivo, susceptíveis de reacção contenciosa por via da dedução de impugnação judicial (art. 95.º n.ºs 1 e 2 al. a) LGT; arts 96.º n.º 1, 97.º n.º 1 al. a) e 99.º CPPT).
A inquestionabilidade da antecedente proposição não é afectada pela invocação na sentença da norma constante do art. 87.º n.º 1 al. c) CPTA (actual art. 89.º n.º 4 al. i) CPTA) como fundamento da excepção dilatória decorrente da inimpugnabilidade do acto impugnado, mas não como fundamento (inexistente) do juízo formulado sobre a própria impugnabilidade dos actos tributários impugnados.
A convolação pretendida da petição de impugnação judicial em petição de oposição à execução, com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda (art. 204.º n.º 1 al. i) CPPT), é inviável por inexistência do processo executivo onde a recorrente tenha sido citada (factos provados)».

1.6 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel deu como assentes os seguintes factos:

«A) As liquidações impugnadas tiveram origem no relatório de inspecção tributária (RIT) que resultou do procedimento de inspecção da ordem de serviço n.º 01201400822 (fls. 22 e seguintes do PA).

B) A impugnante estava representada nesse procedimento pelas Ilustres Advogadas Dra. ……… e Dra. ……… desde 13/02/2014 (fls. 22 e seguintes do PA).

C) As liquidações impugnadas de IRC de 2011 e 2012, de fls. 131 e 135, cujo teor aqui se dá por reproduzido, foram notificadas à própria impugnante em 01/09/2014 e 07/09/2014, por transmissão electrónica de dados (fls. 130 a 138 dos autos).

D) As liquidações impugnadas de IRC de 2011 e 2012, de fls. 131 e 135, cujo teor aqui se dá por reproduzido, não foram notificadas às Ilustres Mandatárias da impugnante (fls. 130 e seguintes).

E) As liquidações impugnadas respeitam a factos relativamente aos quais foi instaurado o inquérito criminal n.º 56/14.9 IDPRT, do DIAP dos Serviços do Ministério Público de Paredes (fls. 91 a 92 verso do PA).

F) Neste inquérito não foi proferido despacho final, estando suspenso desde 23/03/2015 (fls. 91 a 92 verso do PA e fls. 56, 92 e 96 dos autos)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Na sequência de uma acção de fiscalização, a AT procedeu à correcção do lucro tributável declarado relativamente aos anos de 2011 e 2012 e às consequentes liquidações adicionais do IRC.
A sociedade sujeito passivo dessas liquidações, ora Recorrente, impugnou judicialmente esses actos, invocando como fundamentos do pedido de anulação a falta de notificação às suas Mandatárias judiciais da notificação das liquidações, a «falta do direito de audição prévia» e a «falta de fundamentação», esta última, se bem interpretamos a petição inicial, referida não só a fundamentação formal, mas também à fundamentação substancial, ou seja, constituindo a invocação de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto ( A Recorrente invoca a falta de fundamentação também enquanto vício material, decorrente da não correspondência à realidade dos motivos invocados como justificativos das correcções à matéria tributável.).
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel decidiu nos seguintes termos: «julga-se procedente a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto impugnado e, em consequência, absolve-se a Fazenda Pública da instância desta impugnação judicial das liquidações de IRC de 2011 e 2012».
Para tanto, tendo enunciado como questão prévia a apreciar e decidir a da inimpugnabilidade, começou por referir que, nos termos do n.º 1 do art. 40.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) se impunha a notificação das liquidações às Mandatárias judiciais que a Impugnante constituíra no procedimento de inspecção, não sendo bastante a notificação efectuada à própria Impugnante. Depois, considerou que a falta dessa notificação não contende com a validade desses actos, mas apenas com a sua eficácia, motivo por que nunca conduziria à anulação dos mesmos, nem poderia constituir fundamento de impugnação judicial, mas apenas de oposição à execução fiscal [cfr. art. 203.º, n.º 1, alínea e), do CPPT]. Considerou ainda a questão sob a perspectiva da caducidade do direito de liquidação, que afastou, quer porque as liquidações foram efectuadas menos de quatro anos sobre os factos tributários [cfr. art. 44.º da Lei Geral Tributária (LGT)], quer porque a pendência de inquérito criminal sobre os factos que estão na base das liquidações determina a suspensão do prazo da caducidade (cfr. n.º 5 do art. 45.º da LGT).
Concluiu, pois, que não se verificava a caducidade das liquidações e que a falta de notificação das mesmas não podia erigir-se em fundamento de impugnação judicial, mas apenas de oposição à execução fiscal, uma vez que apenas determina a ineficácia daqueles actos, e não a sua invalidade, entendeu, no entanto, que a questão devia ser apreciada à luz da inimpugnabilidade.
A esse propósito, considerou que só a partir da notificação – no caso da notificação das liquidações adicionais ao mandatário judicial – «é que as referidas liquidações constituirão um acto administrativo tributário impugnável, por ter sido validamente notificado à impugnante e ser eficaz (art. 38.º, n.º 1, do CPPT), sendo a partir daí que a impugnante pode impugnar judicialmente as liquidações validamente notificadas» e que «até à notificação legal das liquidações à impugnante, com a notificação das liquidações às suas ilustres Mandatárias nos termos legalmente previstos, e enquanto não caducar o direito à liquidação nos termos do art. 45.º da LGT, as liquidações impugnadas não são impugnáveis por falta de notificação à impugnante».
Em conformidade com esse entendimento, e considerando ainda que «a inimpugnabilidade do acto impugnado é uma excepção dilatória, que é de conhecimento oficioso, obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância», decidiu pela absolvição da Fazenda Pública da instância, após julgar verificada a excepção dilatória da inimpugnabilidade.
A Impugnante discordou da sentença e dela recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte, prosseguindo o recurso neste Supremo Tribunal Administrativo, em razão do julgamento sobre a competência em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso.
Se bem interpretamos a motivação do recurso, a Recorrente sustenta que a sentença, tendo decidido bem pela ineficácia das liquidações adicionais impugnadas, porque não notificadas na pessoa do Mandatário judicial da ora Recorrente (cfr. conclusões I a IV), errou quando considerou que essa ineficácia não constituía fundamento de impugnação judicial (cfr. conclusões V a VI) e errou também quando considerou que essa ineficácia determinava a inimpugnabilidade dos actos impugnados (cfr. conclusões VII a IX).
Em todo o caso, prosseguiu a Recorrente a título subsidiário, sempre teria de proceder à convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal (cfr. conclusão X).
Assim, devendo nós agora dar como assente a invalidade da notificação – a sentença não foi atacada no segmento em que decidiu que se impunha que as liquidações impugnadas tivessem sido notificadas às Mandatárias da ora Recorrente ( Apesar disso, não podemos deixar de chamar a atenção para o seguinte recente acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 3 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 167/18, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f2bafee6822973988025828800393473.) – e não havendo dúvida de que a falta de notificação validamente efectuada determina a ineficácia do acto notificando (cfr. art. 36.º, n.º 1, do CPPT), as questões que cumpre apreciar e decidir são as de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento
i) ao considerar que a ineficácia das liquidações não constitui fundamento de impugnação judicial; se a resposta a esta questão for negativa,
ii) ao não ter ordenado a convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal; em todo o caso,
iii) ao considerar que a invalidade da notificação das liquidações determina a inimpugnabilidade destes actos.

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2.2.2 A INEFICÁCIA DA LIQUIDAÇÃO PODE CONSTITUIR FUNDAMENTO DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL?

Na parte em que deu resposta negativa a esta questão, a sentença não merece censura.
Antes do mais, cumpre ter presente que é indisputado que as liquidações foram efectuadas dentro do prazo da caducidade.
Depois, é pacífico que a impugnação judicial se destina à apreciação de vícios que afectam a validade ou existência (cfr. art. 124.º do CPPT) do acto impugnado, podendo ter como fundamento, nos termos do art. 99.º do CPPT «qualquer ilegalidade», quer respeitem ao próprio acto, quer respeitem a actos anteriores cuja ilegalidade se repercuta naquele. Já quanto às circunstâncias ulteriores à prática do acto, que não afectem a sua validade, mas apenas a sua eficácia, em regra, apenas poderão ser fundamento de oposição à execução fiscal e já não de impugnação judicial. Assim, a falta de notificação válida da liquidação, não estando esgotado o prazo da caducidade ( Se estiver, poderá conhecer-se da questão em sede de impugnação judicial, como causa de inutilidade superveniente da lide, uma vez que não terá utilidade apreciar a validade de uma liquidação que não poderá vir a ter eficácia e, por isso, ser exigida. ) – que nem se esgotará enquanto estiver pendente o inquérito criminal (cfr. n.º 5 do art. 45.º da LGT) –, porque não constitui uma ilegalidade do acto impugnado (no caso, a liquidação), não poderá ser invocada como fundamento da impugnação judicial, antes devendo ser invocada como inexigibilidade da dívida exequenda em sede de oposição à execução fiscal, fundamento subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT ( Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotações 3 e 4 ao art. 99.º, págs. 108/109. ).
Assim, a sentença não merece censura nesta parte.

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2.2.3 DA INVIABILIDADE DA CONVOLAÇÃO DA IMPUGNAÇÃO JUDICIAL EM OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL

A Recorrente sustenta também que, a aceitar-se que a ineficácia da liquidação não constitui fundamento de impugnação judicial, mas de oposição à execução fiscal, deveria o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel ter oficiosamente ordenada a convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal.
É certo que o n.º 4 art. 98.º do CPPT impõe a correcção oficiosa do erro na forma do processo. Ou seja, se o interessado escolheu um meio processual que não é o adequado à pretensão que formulou em juízo (é em face do pedido que deve aferir-se do erro na forma do processo), deve o juiz, oficiosamente, convolar o processo para a forma adequada.
No caso, a ora Recorrente pediu a anulação das liquidações impugnadas, pedido relativamente ao qual não há dúvida quanto à adequação do meio processual escolhido. É certo que na parte final da petição inicial foi também pedido que seja «declarada a ineficácia dos actos de liquidação aqui impugnados», o que, sem grande esforço hermenêutico, poderia interpretar-se como pedido de extinção da execução fiscal, ou seja, como uma pretensão de tutela jurisdicional que teria como meio processual adequado a oposição à execução fiscal. Acontece, porém, que existe um outro motivo que obsta à pretendida convolação. Vejamos:
Como acima deixámos dito (em 2.2.1), na petição inicial, para além da factualidade com base na qual o Juiz do Tribunal a quo considerou verificada a ineficácia, foi também invocada pela Impugnante a «falta do direito de audição prévia» e a «falta de fundamentação», esta na sua dupla vertente de fundamentação formal e de fundamentação substancial, ou seja, de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
Ora, todos esses fundamentos constituem, sem margem para dúvida, fundamentos próprios da impugnação judicial (cfr. o art. 99.º do CPPT).
Assim, nunca poderia ordenar-se a convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal uma vez que, como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar, reiterada e uniformemente ( Vide, entre muitos outros, os seguintes acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 20 de Junho de 2018, proferido no processo n.º 212/18, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/91a03b0969758ee7802582b40032b8c2;
- de 3 de Abril de 2019, proferido no processo n.º 630/18.4BERS, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a79450c7151fa14e802583d3003a8531.), não é de ponderar a convolação se os diversos fundamentos invocados correspondem a diversas formas processuais, pois não compete ao tribunal escolher de entre eles qual deve prosseguir
Não pode, pois, ser provido o recurso com o fundamento de que a sentença incorreu em erro de julgamento por não ter ordenado a convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal.

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2.2.4 DA ININPUGNABILIDADE DOS ACTOS IMPUGNADOS

Considerou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que o facto de a impugnação judicial ter sido deduzida sem que exista notificação validamente efectuada das liquidações impugnadas tem como consequência a inimpugnabilidade daqueles actos.
A Recorrente discorda e nós também. Como acima deixámos dito, o facto de a notificação não ter sido validamente efectuada apenas contende com a eficácia do acto notificando, não com a validade deste. Dito de outro modo, a notificação é um acto exterior ao acto notificando: os vícios que afectam aquele acto não se repercutem na validade deste.
Será, no entanto, que enquanto a notificação não for validamente efectuada o acto notificando não pode ser impugnado?
Afigura-se-nos que não. A lei tributária admite a reacção contenciosa contra qualquer acto lesivo [cfr. art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP), arts. 9.º, n.º 1, e 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), da LGT e arts. 97.º, n.º 1, alínea a), e 99.º do CPPT], não fazendo depender a impugnabilidade da circunstância de a notificação do mesmo ter sido validamente efectuada. O facto de as liquidações não terem sido validamente notificadas – no caso, por a notificação ter sido efectuada apenas ao interessado e já não ao seu mandatário judicial – poderá relevar para efeitos da fixação do termo inicial do prazo da impugnação, que não começa a correr enquanto a notificação se não puder considerar validamente efectuada [cfr. art. 36.º, n.º 1 e 102.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, bem como o art. 59.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].
Mas a invalidade da notificação não obsta a que o interessado, se assim o entender, deduza desde logo impugnação judicial contra a liquidação. Tanto mais que nada obsta a que os prazos, que não podem ser excedidos, sejam antecipados.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel invocou o art. 89.º, n.º 4, alínea i), do CPTA para sustentar a inimpugnabilidade das liquidações. Mas, salvo o devido respeito, essa norma não suporta esse entendimento, pois se limita a dizer que a inimpugnabilidade do acto impugnado constitui uma excepção dilatória, não se podendo dela retirar a inimpugnabilidade das liquidações impugnadas. Como bem disse o Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, a «invocação na sentença da norma constante do art. 87.º n.º 1 al. c) CPTA (actual art. 89.º n.º 4 al. i) CPTA) como fundamento da excepção dilatória decorrente da inimpugnabilidade do acto impugnado, mas não como fundamento (inexistente) do juízo formulado sobre a própria impugnabilidade dos actos tributários impugnados».
É certo que se poderia ensaiar a tese da inimpugnabilidade invocando o disposto no n.º 1 do art. 54.º do CPTA, que dispõe que «[o]s actos administrativos só podem ser impugnados a partir do momento em que produzam efeitos». No entanto, logo no n.º 2 do mesmo artigo se diz que «[o] disposto no número anterior não exclui a faculdade de impugnação de actos que não tenham começado a produzir efeitos jurídicos quando: a) Tenha sido desencadeada a sua execução».
Ora, em sede tributária, findo o prazo para o pagamento voluntário, os serviços competentes da AT extraem a certidão de dívida e, com base nela, inicia-se a execução, não tendo a AT a possibilidade de agir de outro modo (cfr. arts. 88.º, n.ºs 1 e 4, e 188.º, n.º 1, do CPPT e art. 30.º, n.º 2, da LGT).
Assim, apesar de não ter sido apurado nos autos que tenha sido iniciada a execução das liquidações, o procedimento não poderá ter sido outro – uma vez que a AT considerou que a notificação das liquidações foi validamente efectuada –, nem vem alegado que tenha sido. Aliás, a convolação pretendida pela Recorrente indicia que foi esse o procedimento seguido.
O que significa que temos de concluir pela impugnabilidade das liquidações impugnadas. A sentença, na medida em que decidiu em sentido contrário, incorreu em erro de julgamento.
O recurso deverá, pois, ser provido com esse fundamento e, em consequência, o processo deverá prosseguir no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, para conhecimento das demais causas de pedir invocadas na petição inicial.

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2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A ineficácia da liquidação (resultante da respectiva notificação não ter sido validamente efectuada, cfr. art. 36.º, n.º 1, da LGT), porque não contende com a validade desse acto, não constitui fundamento de impugnação judicial, podendo constituir fundamento de oposição à execução fiscal por inexigibilidade, subsumível à alínea i) do n.º 1 do art. 203.º do CPPT.

II - Não é de proceder à convolação da impugnação judicial em oposição à execução fiscal se na petição inicial, para além da ineficácia, se invocam outros fundamentos, susceptíveis de integrarem fundamento válido de impugnação.

III - A lei admite a reacção contenciosa contra qualquer acto lesivo (cfr. art. 268.º, n.º 4, da CRP, art. 9.º, n.º 1, da LGT e art. 99.º do CPPT), não fazendo depender a impugnabilidade da notificação ter sido validamente efectuada, circunstância que pode relevar para efeitos da fixação do termo inicial do prazo da impugnação, diferindo-o.

IV - A antecipação do prazo não tem qualquer efeito sobre o direito de impugnar.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença na parte recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, a fim de aí serem conhecidas as questões suscitadas na petição inicial.


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Custas pela Recorrida, que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal porque não contra-alegou o recurso.

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Lisboa, 26 de Junho de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.