Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02259/06.0BEPRT |
Data do Acordão: | 11/27/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | NOTIFICAÇÃO MANDATÁRIO JUDICIAL |
Sumário: | Se não pode considerar-se que após 1 de Janeiro de 2018 o mandatário judicial apresentou no tribunal administrativo e fiscal onde pendia a impugnação judicial uma peça processual por transmissão electrónica de dados, não pode considerar-se justificada ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art. 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, conjugada com o n.º 1 do art. 28.º da mesma Portaria, a notificação do impugnante, na pessoa do seu mandatário, feita por transmissão electrónica de dados. |
Nº Convencional: | JSTA000P25243 |
Nº do Documento: | SA22019112702259/06 |
Data de Entrada: | 12/18/2018 |
Recorrente: | A............, SA. |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso jurisdicional do despacho que julgou deserto o recurso proferido no processo de impugnação judicial com o n.º 2259/06.0BEPRT
1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo do despacho por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou deserto o recurso por ela interposto da sentença proferida nos presentes autos, por intempestividade da apresentação das alegações de recurso. 1.2 A Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «I. O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal Recorrido de 08.06.2018, nos termos do qual foi julgado deserto o recurso inicialmente interposto pela Recorrente. II. A decisão recorrida incorre em erro sobre os pressupostos, uma vez que assume que a notificação da decisão que admitiu o recurso inicial foi regularmente realizada na pessoa da sua mandatária. III. Ora, pelo contrário, a notificação foi elaborada electronicamente pela Secretaria do Tribunal recorrido através da plataforma SITAF, em clara violação das alíneas a) e b) do número 2 do artigo 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro; sobretudo, quando conjugada a alínea a) do número 2 do supra citado artigo 22.º com o n.º 1 do artigo 28.º da mesma Portaria. IV. Com efeito, nem a mandatária da Recorrente aderiu voluntariamente às notificações electrónicas através da plataforma SITAF – facto que se subsumiria à previsão da alínea b) número 2 do artigo 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, V. Nem a mandatária da Recorrente submeteu qualquer peça processual através da plataforma SITAF após 04.01.2018 – facto que se subsumiria à previsão da alínea a) número 2 do artigo 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, conjugado com o n.º 1 do artigo 28.º da mesma Portaria. VI. Após 04.01.2018, a mandatária limitou-se a reiterar em requerimento autónomo a intenção da sua constituinte em recorrer, intenção já declarada em requerimento de interposição de recurso apresentado em 2017. VII. Nos termos dos artigos 23.º e 24.º do CPTA, aplicáveis subsidiariamente ao presente processo por força da alínea c) do artigo 2.º do CPPT, a intervenção das partes no processo pode assumir uma das seguintes modalidades: VIII. Ora, considerando que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. n.º 3 do artigo 9.º do CC), terá que se admitir que actos processuais escritos praticados pelas partes e peças processuais são intervenções distintas, com relevância distinta para efeitos da supra citada alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º da citada Portaria. IX. Em qualquer definição que se possa tentar para distinguir peça processual de acto processual, o requerimento apresentado pela Recorrente em 2018 é sempre enquadrável na definição de acto processual. X. Assim, torna-se claro que a Secretaria não podia ter procedido à notificação electrónica da Recorrente. XI. Ao tê-lo feito praticou um acto inválido que não produziu qualquer efeito. XII. Devido a esse facto, a decisão que julgou o recurso deserto incorreu em erro sobre os pressupostos e é inválido, devendo ser revogado e ordenar-se a repetição de todos os actos que não possam ser aproveitados, incluindo a notificação da decisão inicial que admitiu o recurso da sentença. XIII. Por outro lado, mais se diga que a decisão recorrida assume como válida a presunção de notificação ao terceiro dia consagrada no artigo 248.º do CPC, aplicável subsidiariamente por força do artigo 2.º do CPPT. XIV. Ora, como será facilmente comprovável pelo registo constante do SITAF que a Secretaria do Tribunal a quo deverá juntar aos autos, a mandatária só acedeu à notificação da decisão que admitiu o recurso no dia 17.07.2018, data posterior à própria decisão que julgou deserto o recurso. XV. Essa demora na notificação não pode ser imputada à mandatária da Recorrente, que não praticou qualquer acto de adesão à plataforma, nem submeteu qualquer peça processual que despoletasse tal notificação electrónica. XVI. Sem prejuízo, ainda que se admitisse que o requerimento onde se reitera a intenção de recorrer constituía uma peça processual, sempre se diria que o mecanismo que determina a adesão à notificação electrónica não é proporcional nem correcto. XVII. Por tudo, a conduta da mandatária não é passível de crítica no que toca à demora na realização da notificação, primeiro porque a notificação electrónica não deveria ter sido realizada (foi realizada em termos ilegais) e segundo, ainda que fosse válida, por que decorreu de um mecanismo pouco claro. XVIII. Assim, tendo ficado demonstrado que a realização da notificação só ocorreu efectivamente depois do próprio despacho que declarou a deserção, terá que se concluir que a decisão de deserção recorrida é inválida, por assumir a correcção da notificação ao mandatário, e deverá ser anulada, devendo ordenar-se a repetição de todos os actos que não possam ser aproveitados, nomeadamente, a repetição da notificação que admitiu o recurso da sentença. XIX. Por fim, mais se diga que o mecanismo que impõe a notificação electrónica no caso de submissão de peças processuais através do SITAF constitui uma violação (por erosão) do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrada nos n.ºs 1 e 5 do artigo 20.º da CRP. XX. A notificação assume uma função de extrema importância no âmbito do processo, ao interpelar um sujeito processual a tomar posição em relação ao processo. XXI. Devido a esse facto, uma interpelação deficiente ou inexistente impede a parte de reagir parcial ou totalmente, tendo como possível consequência a caducidade de um direito. XXII. Assim, não constituindo a notificação (ou os demais actos praticados na secretaria) a finalidade da Justiça, este acto é essencial para que a mesma possa ser aplicada. XXIII. Ora, salvo melhor opinião, as recentes reformas legislativas do processo administrativo e tributário introduzidas através da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, e da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, vieram reduzir os direitos dos cidadãos à tutela jurisdicional efectiva, nomeadamente, no presente caso, a alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º da referida Portaria. XXIV. Fruto de uma frenética revolução tecnológica, o legislador pretendeu impor aos mandatários a notificação electrónica dos processos através das plataformas (i) “CITIUS”, (ii) SITAF, (iii) Inventários, e, em breve, (iv) Portal das Finanças (cfr. artigo 38.º-A do CPPT incluído na Proposta de Lei para o Orçamento do Estado de 2019, Proposta de Lei n.º 156/XIII do Governo). XXV. Ora, o acesso às referidas plataformas implica sempre um procedimento de autenticação complexa, motivo pelo qual a imposição de recepção de notificações através de diversas plataformas electrónicas tem vindo, de facto, a criar uma erosão progressiva do conhecimento efectivo dos actos processuais, XXVI. Erosão que contende com o direito dos cidadãos à tutela jurisdicional efectiva. XXVII. No caso sub judice, essa consequência foi evidente: a Mandatária da Recorrente não teve conhecimento (em tempo útil) do despacho que admitiu o recurso pelo facto de ter sido notificada electronicamente, no âmbito do SITAF. XXVIII. Uma violação ao direito da Recorrente à tutela jurisdicional efectiva, direito consagrado pelos n.ºs 1 e 5 do artigo 20.º da CRP. XXIX. Por tudo, torna-se claro que a secretaria esteve mal ao proceder à notificação electrónica da mandatária, sendo claro que tal notificação electrónica foi realizada em violação do direito da Recorrente à tutela jurisdicional efectiva, não tendo produzido quaisquer efeitos. XXX. Consequentemente, a decisão de deserção recorrida é inválida, por assumir a correcção da notificação ao mandatário, e deverá ser anulada, devendo ordenar-se a repetição de todos os actos que não possam ser aproveitados, nomeadamente, a repetição da notificação que admitiu o recurso da sentença». 1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou. 1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, depois de enunciar os termos do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] 2. No despacho que determinou a subida dos autos, a Mma. Juíza [do Tribunal] “a quo” limitou-se a confirmar a decisão. 3. Como decorre do preâmbulo da Portaria n.º 380/2017, este diploma «regulamenta aspectos como a prática de actos processuais por meios electrónicos por juízes, magistrados do Ministério Público e oficiais de justiça, a apresentação das peças processuais, documentos e processo instrutor por transmissão electrónica de dados por mandatário, a comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça ou da concessão do benefício do apoio judiciário, a distribuição dos processos por meios electrónicos, as notificações por transmissão electrónica de dados, a consulta electrónica de processos ou a organização dos elementos do processo que constem do respectivo suporte físico». 1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir. * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Com interesse para a decisão a proferir, cumpre ter presentes as seguinte circunstâncias processuais (Sabido que é que o Supremo Tribunal Administrativo não tem competência em matéria de facto quando intervém como tribunal de recurso das decisões dos tribunais tributários [cf. art. 38.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais], não lhe está vedado conhecer ): 1) A Impugnante, após ter sido notificada para o efeito e na sequência da apresentação da petição inicial subscrita pelo Senhor Dr. B…………, remetida a juízo por correio registado em 12 de Setembro de 2006, apresentou procuração, datada de 12 de Setembro de 2006, pela qual constituiu como seus mandatários judiciais os Senhores Drs. B…………, C…………, D…………, E…………, F………… e G…………, advogados (cfr. despacho de fls. 13 e procuração a fls. 16); 2) Em 16 de Junho de 2017, foi proferida nos presentes autos sentença, que julgou improcedente a impugnação judicial (cfr. fls. 272 a 282 do processo físico); 3) Para notificação dessa sentença, foi remetida carta ao Mandatário judicial da Impugnante em 21 de Junho de 2017 (cfr. fls. 283 do processo físico); 4) Essa carta foi devolvida ao remetente, com a menção «Não atendeu» assinalada e rubricada pelo Funcionário dos serviços postais, com data de 22 de Junho de 2017 (cfr. o sobrescrito, a fls. 286 do processo físico); 5) No dia 17 de Julho de 2017, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, via SITAF, um requerimento subscrito pelos Senhores Drs. F………… e G…………, advogados, e no qual, para além de darem conhecimento do falecimento, em Abril de 2015, do Senhor Dr. B…………, fizeram constar o seguinte pedido: «Na medida em que os ora signatários constam da procuração forense junta aos autos, vêm, pelo presente, requerer a V. Exa se digne ordenar a notificação da sentença à Impugnante na pessoa dos ora signatários, só então se podendo considerar a Impugnante devidamente notificada da mesma para todos os efeitos legais» (cfr. requerimento a fls. 295/296 do processo físico); 6) Em 7 de Setembro de 2017, a Impugnante fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, via SITAF, um requerimento, subscrito pela Senhora Dra. F…………, de interposição de recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença dita em 2) (cfr. requerimento a fls. 341 do processo electrónico, com cópia a fls. 309 do processo físico); 7) Por despacho de 24 de Outubro de 2017, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deferiu a apreciação do requerimento referido em 6) para momento oportuno e ordenou: «notifiquem-se os requerentes para juntarem prova do alegado falecimento, em 10 dias» (cfr. despacho a fls. 347 do processo electrónico, com cópia a fls. 315 do processo físico); 8) Em 6 de Novembro de 2017, a Impugnante fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, via SITAF, um requerimento, subscrito pela Senhora Dra. F…………, de junção aos autos da certidão de óbito do Senhor Dr. B………… (cfr. o requerimento e a certidão de fls. 349 a 351 do processo electrónico, com cópia de fls. 318 a 320 do processo físico); 9) Em 6 de Março de 2018, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, deferindo o requerimento referido em 5) supra, ordenou a notificação da sentença na pessoa dos referidos Mandatários judiciais, nos seguintes termos: «Fls. 295: Pretende-se se proceda novamente à notificação da sentença proferida nos presentes autos para o domicílio profissional dos mandatários da Impugnante sito na Av. ………, n.º ……, ……, em Lisboa, uma vez que o Dr. B…………, entretanto falecido em Abril de 2015, há muito não tinha escritório na Rua ………, n.º ……, ……, em Lisboa. 10) Para notificação desse despacho à Impugnante, foi remetida carta registada para a sua mandatária judicial, a Senhora Dra. F…………, em 7 de Março de 2018 (cfr. fls. 364 do processo electrónico); 11) No dia 27 de Março de 2018, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, via SITAF, um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença referida em 2) (cfr. o requerimento a fls. 372 do processo electrónico, com cópia a fls. 331 do processo físico); 12) Em 10 de Abril de 2018, foi proferido despacho de admissão do recurso (cfr. fls. 404 do processo electrónico, com cópia a fls. 356 do processo físico); 13) Para notificar esse despacho à Impugnante foi efectuada notificação electrónica à Mandatária judicial, Dra. F…………, via SITAF, em 12 de Abril de 2018 (cfr. fls. 405 do processo electrónico e a informação a fls. 381/382 do processo físico); 14) Em 8 de Junho de 2018, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu despacho do seguinte teor: «Por despacho constante de fls. 404 do SITAF foi admitido o recurso interposto pela Impugnante nos presentes autos, tendo sido devidamente notificada de tal admissão a mandatária da Impugnante (cf. fls. 405 do SITAF). 15) Essa notificação foi lida em 18 de Julho de 2018 (cfr. informação a fls. 382 do processo físico) 16) A Senhora Dra. F………… não tinha feito no SITAF a declaração de que pretende ser notificada apenas por transmissão electrónica de dados em todos ou em alguns dos processos em que estivesse registada nesse sistema informático como mandatária (cfr. declaração a fls. 455 do processo electrónico e a fls. 380 do processo físico). * 2.2 DE DIREITO 2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR A questão a apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto andou bem ao julgar o recurso deserto por falta de alegações, o que passa por indagar se a notificação à Mandatária judicial da Impugnante do despacho que admitiu o recurso, efectuada por meios electrónicos, pode ou não considerar-se validamente efectuada. Vejamos: i) se o requerimento apresentado via SITAF em 27 de Março de 2018 releva para efeitos de permitir a notificação da Mandatária judicial por via electrónica ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 22.º da Portaria n.º 380/2017, designadamente, se pode ou não considerar-se como uma peça processual e, na afirmativa, se pode ou não considerar-se como peça processual apresentada após 4 de Janeiro de 2018; se esta questão for respondida positivamente, ii) se o regime legal previsto naquela norma, que impõe a notificação electrónica do mandatário judicial na sequência da apresentação de peça processual por via electrónica, enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva. 2.2.2 DA VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO DO DESPACHO QUE ADMITIU O RECURSO Como deixámos já dito, a notificação do despacho que admitiu o recurso interposto pela Impugnante da sentença proferida nestes autos foi efectuada por via electrónica. A secretaria do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto procedeu a essa notificação através do SITAF porque terá considerado que, após 4 de Janeiro de 2108 – data em que entrou em vigor a Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro –, a Mandatária judicial da Impugnante apresentou em juízo uma peça processual por transmissão electrónica de dados, motivo por que considerou verificada a situação prevista no art. 22.º, n.º 2, alínea a), conjugado com o art. 28.º, n.º 1, da referida Portaria. Essa peça processual seria o requerimento apresentado pela Mandatária judicial em 27 de Março de 2018, dito em 11) do ponto 2.1 supra. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar, designadamente com a notificação do despacho que admitiu o recurso da sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte. |