Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02259/06.0BEPRT
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:NOTIFICAÇÃO
MANDATÁRIO JUDICIAL
Sumário:Se não pode considerar-se que após 1 de Janeiro de 2018 o mandatário judicial apresentou no tribunal administrativo e fiscal onde pendia a impugnação judicial uma peça processual por transmissão electrónica de dados, não pode considerar-se justificada ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art. 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, conjugada com o n.º 1 do art. 28.º da mesma Portaria, a notificação do impugnante, na pessoa do seu mandatário, feita por transmissão electrónica de dados.
Nº Convencional:JSTA000P25243
Nº do Documento:SA22019112702259/06
Data de Entrada:12/18/2018
Recorrente:A............, SA.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do despacho que julgou deserto o recurso proferido no processo de impugnação judicial com o n.º 2259/06.0BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo do despacho por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou deserto o recurso por ela interposto da sentença proferida nos presentes autos, por intempestividade da apresentação das alegações de recurso.

1.2 A Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I. O presente recurso tem por objecto a decisão do Tribunal Recorrido de 08.06.2018, nos termos do qual foi julgado deserto o recurso inicialmente interposto pela Recorrente.

II. A decisão recorrida incorre em erro sobre os pressupostos, uma vez que assume que a notificação da decisão que admitiu o recurso inicial foi regularmente realizada na pessoa da sua mandatária.

III. Ora, pelo contrário, a notificação foi elaborada electronicamente pela Secretaria do Tribunal recorrido através da plataforma SITAF, em clara violação das alíneas a) e b) do número 2 do artigo 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro; sobretudo, quando conjugada a alínea a) do número 2 do supra citado artigo 22.º com o n.º 1 do artigo 28.º da mesma Portaria.

IV. Com efeito, nem a mandatária da Recorrente aderiu voluntariamente às notificações electrónicas através da plataforma SITAF – facto que se subsumiria à previsão da alínea b) número 2 do artigo 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro,

V. Nem a mandatária da Recorrente submeteu qualquer peça processual através da plataforma SITAF após 04.01.2018 – facto que se subsumiria à previsão da alínea a) número 2 do artigo 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, conjugado com o n.º 1 do artigo 28.º da mesma Portaria.

VI. Após 04.01.2018, a mandatária limitou-se a reiterar em requerimento autónomo a intenção da sua constituinte em recorrer, intenção já declarada em requerimento de interposição de recurso apresentado em 2017.

VII. Nos termos dos artigos 23.º e 24.º do CPTA, aplicáveis subsidiariamente ao presente processo por força da alínea c) do artigo 2.º do CPPT, a intervenção das partes no processo pode assumir uma das seguintes modalidades:
c) Actos processuais, incluindo actos que devam ser praticados por escrito – cfr. n.º 1 do artigo 24.º do CPTA;
d) Peças processuais – cfr. n.º 2 do artigo 24.º do CPTA.

VIII. Ora, considerando que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. n.º 3 do artigo 9.º do CC), terá que se admitir que actos processuais escritos praticados pelas partes e peças processuais são intervenções distintas, com relevância distinta para efeitos da supra citada alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º da citada Portaria.

IX. Em qualquer definição que se possa tentar para distinguir peça processual de acto processual, o requerimento apresentado pela Recorrente em 2018 é sempre enquadrável na definição de acto processual.

X. Assim, torna-se claro que a Secretaria não podia ter procedido à notificação electrónica da Recorrente.

XI. Ao tê-lo feito praticou um acto inválido que não produziu qualquer efeito.

XII. Devido a esse facto, a decisão que julgou o recurso deserto incorreu em erro sobre os pressupostos e é inválido, devendo ser revogado e ordenar-se a repetição de todos os actos que não possam ser aproveitados, incluindo a notificação da decisão inicial que admitiu o recurso da sentença.

XIII. Por outro lado, mais se diga que a decisão recorrida assume como válida a presunção de notificação ao terceiro dia consagrada no artigo 248.º do CPC, aplicável subsidiariamente por força do artigo 2.º do CPPT.

XIV. Ora, como será facilmente comprovável pelo registo constante do SITAF que a Secretaria do Tribunal a quo deverá juntar aos autos, a mandatária só acedeu à notificação da decisão que admitiu o recurso no dia 17.07.2018, data posterior à própria decisão que julgou deserto o recurso.

XV. Essa demora na notificação não pode ser imputada à mandatária da Recorrente, que não praticou qualquer acto de adesão à plataforma, nem submeteu qualquer peça processual que despoletasse tal notificação electrónica.

XVI. Sem prejuízo, ainda que se admitisse que o requerimento onde se reitera a intenção de recorrer constituía uma peça processual, sempre se diria que o mecanismo que determina a adesão à notificação electrónica não é proporcional nem correcto.

XVII. Por tudo, a conduta da mandatária não é passível de crítica no que toca à demora na realização da notificação, primeiro porque a notificação electrónica não deveria ter sido realizada (foi realizada em termos ilegais) e segundo, ainda que fosse válida, por que decorreu de um mecanismo pouco claro.

XVIII. Assim, tendo ficado demonstrado que a realização da notificação só ocorreu efectivamente depois do próprio despacho que declarou a deserção, terá que se concluir que a decisão de deserção recorrida é inválida, por assumir a correcção da notificação ao mandatário, e deverá ser anulada, devendo ordenar-se a repetição de todos os actos que não possam ser aproveitados, nomeadamente, a repetição da notificação que admitiu o recurso da sentença.

XIX. Por fim, mais se diga que o mecanismo que impõe a notificação electrónica no caso de submissão de peças processuais através do SITAF constitui uma violação (por erosão) do direito à tutela jurisdicional efectiva consagrada nos n.ºs 1 e 5 do artigo 20.º da CRP.

XX. A notificação assume uma função de extrema importância no âmbito do processo, ao interpelar um sujeito processual a tomar posição em relação ao processo.

XXI. Devido a esse facto, uma interpelação deficiente ou inexistente impede a parte de reagir parcial ou totalmente, tendo como possível consequência a caducidade de um direito.

XXII. Assim, não constituindo a notificação (ou os demais actos praticados na secretaria) a finalidade da Justiça, este acto é essencial para que a mesma possa ser aplicada.

XXIII. Ora, salvo melhor opinião, as recentes reformas legislativas do processo administrativo e tributário introduzidas através da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, e da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, vieram reduzir os direitos dos cidadãos à tutela jurisdicional efectiva, nomeadamente, no presente caso, a alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º da referida Portaria.

XXIV. Fruto de uma frenética revolução tecnológica, o legislador pretendeu impor aos mandatários a notificação electrónica dos processos através das plataformas (i) “CITIUS”, (ii) SITAF, (iii) Inventários, e, em breve, (iv) Portal das Finanças (cfr. artigo 38.º-A do CPPT incluído na Proposta de Lei para o Orçamento do Estado de 2019, Proposta de Lei n.º 156/XIII do Governo).

XXV. Ora, o acesso às referidas plataformas implica sempre um procedimento de autenticação complexa, motivo pelo qual a imposição de recepção de notificações através de diversas plataformas electrónicas tem vindo, de facto, a criar uma erosão progressiva do conhecimento efectivo dos actos processuais,

XXVI. Erosão que contende com o direito dos cidadãos à tutela jurisdicional efectiva.

XXVII. No caso sub judice, essa consequência foi evidente: a Mandatária da Recorrente não teve conhecimento (em tempo útil) do despacho que admitiu o recurso pelo facto de ter sido notificada electronicamente, no âmbito do SITAF.

XXVIII. Uma violação ao direito da Recorrente à tutela jurisdicional efectiva, direito consagrado pelos n.ºs 1 e 5 do artigo 20.º da CRP.

XXIX. Por tudo, torna-se claro que a secretaria esteve mal ao proceder à notificação electrónica da mandatária, sendo claro que tal notificação electrónica foi realizada em violação do direito da Recorrente à tutela jurisdicional efectiva, não tendo produzido quaisquer efeitos.

XXX. Consequentemente, a decisão de deserção recorrida é inválida, por assumir a correcção da notificação ao mandatário, e deverá ser anulada, devendo ordenar-se a repetição de todos os actos que não possam ser aproveitados, nomeadamente, a repetição da notificação que admitiu o recurso da sentença».

1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso. Isto, depois de enunciar os termos do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

2. No despacho que determinou a subida dos autos, a Mma. Juíza [do Tribunal] “a quo” limitou-se a confirmar a decisão.
Na cota de fls. 456 (fls. 381 do suporte físico) a secção informou que a notificação da admissão de recurso foi efectuada via electrónica em 12/04/2018.

3. Como decorre do preâmbulo da Portaria n.º 380/2017, este diploma «regulamenta aspectos como a prática de actos processuais por meios electrónicos por juízes, magistrados do Ministério Público e oficiais de justiça, a apresentação das peças processuais, documentos e processo instrutor por transmissão electrónica de dados por mandatário, a comprovação do prévio pagamento da taxa de justiça ou da concessão do benefício do apoio judiciário, a distribuição dos processos por meios electrónicos, as notificações por transmissão electrónica de dados, a consulta electrónica de processos ou a organização dos elementos do processo que constem do respectivo suporte físico».
Por sua vez, o artigo n.º 2 do artigo 22.º da Portaria 380/2017 dispõe o seguinte, no que respeita às notificações a mandatários ou representantes em juízo:
2- As notificações aos mandatários e representantes em juízo são realizadas por transmissão electrónica de dados:
a) Nos processos em que o mandatário ou representante em juízo tenha apresentado uma peça processual por transmissão electrónica de dados; ou
b) Quando o mandatário ou representante em juízo tenha declarado, no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais administrativos e fiscais, que pretende ser notificado apenas por transmissão electrónica de dados em todos ou em alguns dos processos a que a presente portaria se aplique e em que esteja registado no sistema informático como mandatário ou representante em juízo”.
No caso concreto resulta dos autos que após o decesso do mandatário inicialmente constituído pela Recorrente, todas as intervenções do mandatário entretanto constituído, designadamente a arguição da irregularidade do acto de notificação da sentença e a apresentação do recurso, foram efectuados através de transmissão electrónica de dados, tendo a notificação da sentença sido repetida pelo tribunal e efectuada também por transmissão electrónica de dados. E na sequência dessa notificação veio a Recorrente apresentar requerimento de recurso por transmissão electrónica de dados, situação esta subsumível na previsão da alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º da Portaria 380/2017.
Assim sendo, carece a Recorrente de razão quando alega que não foram apresentadas quaisquer peças processuais por parte do mandatário através de transmissão electrónica de dados, uma vez que tanto o requerimento de arguição de irregularidade na notificação da sentença como o requerimento de recurso configuram actos processuais praticados no processo por parte da Recorrente, tendo os mesmos sido efectuados através de transmissão electrónica de dados.
Em face do exposto, entendemos que o despacho que julgou deserto o recurso, por falta de apresentação tempestiva das alegações, não padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual se nos afigura que se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o presente recurso».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Com interesse para a decisão a proferir, cumpre ter presentes as seguinte circunstâncias processuais (Sabido que é que o Supremo Tribunal Administrativo não tem competência em matéria de facto quando intervém como tribunal de recurso das decisões dos tribunais tributários [cf. art. 38.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais], não lhe está vedado conhecer ):

1) A Impugnante, após ter sido notificada para o efeito e na sequência da apresentação da petição inicial subscrita pelo Senhor Dr. B…………, remetida a juízo por correio registado em 12 de Setembro de 2006, apresentou procuração, datada de 12 de Setembro de 2006, pela qual constituiu como seus mandatários judiciais os Senhores Drs. B…………, C…………, D…………, E…………, F………… e G…………, advogados (cfr. despacho de fls. 13 e procuração a fls. 16);

2) Em 16 de Junho de 2017, foi proferida nos presentes autos sentença, que julgou improcedente a impugnação judicial (cfr. fls. 272 a 282 do processo físico);

3) Para notificação dessa sentença, foi remetida carta ao Mandatário judicial da Impugnante em 21 de Junho de 2017 (cfr. fls. 283 do processo físico);

4) Essa carta foi devolvida ao remetente, com a menção «Não atendeu» assinalada e rubricada pelo Funcionário dos serviços postais, com data de 22 de Junho de 2017 (cfr. o sobrescrito, a fls. 286 do processo físico);

5) No dia 17 de Julho de 2017, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, via SITAF, um requerimento subscrito pelos Senhores Drs. F………… e G…………, advogados, e no qual, para além de darem conhecimento do falecimento, em Abril de 2015, do Senhor Dr. B…………, fizeram constar o seguinte pedido: «Na medida em que os ora signatários constam da procuração forense junta aos autos, vêm, pelo presente, requerer a V. Exa se digne ordenar a notificação da sentença à Impugnante na pessoa dos ora signatários, só então se podendo considerar a Impugnante devidamente notificada da mesma para todos os efeitos legais» (cfr. requerimento a fls. 295/296 do processo físico);

6) Em 7 de Setembro de 2017, a Impugnante fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, via SITAF, um requerimento, subscrito pela Senhora Dra. F…………, de interposição de recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença dita em 2) (cfr. requerimento a fls. 341 do processo electrónico, com cópia a fls. 309 do processo físico);

7) Por despacho de 24 de Outubro de 2017, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto deferiu a apreciação do requerimento referido em 6) para momento oportuno e ordenou: «notifiquem-se os requerentes para juntarem prova do alegado falecimento, em 10 dias» (cfr. despacho a fls. 347 do processo electrónico, com cópia a fls. 315 do processo físico);

8) Em 6 de Novembro de 2017, a Impugnante fez dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, via SITAF, um requerimento, subscrito pela Senhora Dra. F…………, de junção aos autos da certidão de óbito do Senhor Dr. B………… (cfr. o requerimento e a certidão de fls. 349 a 351 do processo electrónico, com cópia de fls. 318 a 320 do processo físico);

9) Em 6 de Março de 2018, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, deferindo o requerimento referido em 5) supra, ordenou a notificação da sentença na pessoa dos referidos Mandatários judiciais, nos seguintes termos: «Fls. 295: Pretende-se se proceda novamente à notificação da sentença proferida nos presentes autos para o domicílio profissional dos mandatários da Impugnante sito na Av. ………, n.º ……, ……, em Lisboa, uma vez que o Dr. B…………, entretanto falecido em Abril de 2015, há muito não tinha escritório na Rua ………, n.º ……, ……, em Lisboa.
Conforme resulta da procuração forense que se encontra a fls. 19, o domicílio profissional do ilustre mandatário da Impugnante corresponde ao utilizado na carta devolvida, a fls. 286. Assim sendo, atento o disposto no artigo 247.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a notificação foi efectuada de forma regular (Acórdão da RL de 27/6/91, CJ, T 3, p. 171; Acórdão STJ de 15/2/77, BMJ 264/194).
Todavia, considerado o falecimento do mandatário, demonstrado documentalmente a fls. 319/320, a não oposição da Fazenda Pública e do Ministério Público (fls. 325/327), e a fim de não prejudicar os direitos processuais da Impugnante, designadamente o recurso interposto a fls. 309, defere-se ao requerido e determina-se se proceda à notificação da sentença nos termos requeridos a fls. 295» (cfr. despacho proferido no SITAF, a fls. 363 do processo electrónico, com cópia a fls. 329 do processo físico);

10) Para notificação desse despacho à Impugnante, foi remetida carta registada para a sua mandatária judicial, a Senhora Dra. F…………, em 7 de Março de 2018 (cfr. fls. 364 do processo electrónico);

11) No dia 27 de Março de 2018, deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, via SITAF, um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença referida em 2) (cfr. o requerimento a fls. 372 do processo electrónico, com cópia a fls. 331 do processo físico);

12) Em 10 de Abril de 2018, foi proferido despacho de admissão do recurso (cfr. fls. 404 do processo electrónico, com cópia a fls. 356 do processo físico);

13) Para notificar esse despacho à Impugnante foi efectuada notificação electrónica à Mandatária judicial, Dra. F…………, via SITAF, em 12 de Abril de 2018 (cfr. fls. 405 do processo electrónico e a informação a fls. 381/382 do processo físico);

14) Em 8 de Junho de 2018, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu despacho do seguinte teor: «Por despacho constante de fls. 404 do SITAF foi admitido o recurso interposto pela Impugnante nos presentes autos, tendo sido devidamente notificada de tal admissão a mandatária da Impugnante (cf. fls. 405 do SITAF).
Conclusos os presentes autos, constata-se que não foram tempestivamente apresentadas alegações de recurso, pelo que se julga deserto o recurso nos termos do artigo 282.º, n.º 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário.
Notifique» (cfr. despacho a fls. 409 do processo electrónico, com cópia a fls. 357 do processo físico).

15) Essa notificação foi lida em 18 de Julho de 2018 (cfr. informação a fls. 382 do processo físico)

16) A Senhora Dra. F………… não tinha feito no SITAF a declaração de que pretende ser notificada apenas por transmissão electrónica de dados em todos ou em alguns dos processos em que estivesse registada nesse sistema informático como mandatária (cfr. declaração a fls. 455 do processo electrónico e a fls. 380 do processo físico).


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão a apreciar e decidir é a de saber se a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto andou bem ao julgar o recurso deserto por falta de alegações, o que passa por indagar se a notificação à Mandatária judicial da Impugnante do despacho que admitiu o recurso, efectuada por meios electrónicos, pode ou não considerar-se validamente efectuada. Vejamos:
Após o advento da desmaterialização dos processos da jurisdição administrativa e fiscal e do recurso às tecnologias da informação na relação dos tribunais com as partes e demais intervenientes, que teve a primeira expressão na Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro (ELI: https://data.dre.pt/eli/port/1417/2003/12/30/p/dre/pt/html.) – que veio permitir o envio e recepção de peças processuais e documentos por via electrónica, a tramitação informática dos processos e o acesso aos mesmos via Internet –, o legislador entendeu prever um regime de tramitação electrónica mais completo, aproveitando os desenvolvimentos tecnológicos ocorridos desde então e a experiência dos tribunais judiciais, o que fez através da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro (ELI: https://data.dre.pt/eli/port/380/2017/12/19/p/dre/pt/html.), que entrou em vigor em 4 de Janeiro de 2018 (cfr. art. 30.º). Assim, e no que ora nos interessa considerar, as notificações aos mandatários pelo tribunal, até então efectuadas, em regra, por via postal, passaram a ser realizadas por transmissão electrónica através do Sistema Informático dos Tribunais Administrativos e Fiscais (SITAF), tudo nos termos do disposto nos arts. 1.º, alínea i), e 22.º, daquela Portaria n.º 380/2017.
No referido art. 22.º da Portaria, depois de no n.º 1 se dizer que «[a]s notificações por transmissão electrónica de dados aos mandatários e representantes em juízo são realizadas através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais administrativos e fiscais, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta na área reservada do referido sistema disponibilizada em https://www.taf.mj.pt», no n.º 2 estabelecem-se os casos em que essas notificações são realizadas por transmissão electrónica de dados: «a) Nos processos em que o mandatário ou representante em juízo tenha apresentado uma peça processual por transmissão electrónica de dados; ou b) Quando o mandatário ou representante em juízo tenha declarado, no sistema informático de suporte à actividade dos tribunais administrativos e fiscais, que pretende ser notificado apenas por transmissão electrónica de dados em todos ou em alguns dos processos a que a presente portaria se aplique e em que esteja registado no sistema informático como mandatário ou representante em juízo».
A Impugnante sustenta que a notificação do despacho de admissão do recurso por ela interposto da sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte foi efectuada pela Secretaria do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto por meios electrónicos, «em clara violação das alíneas a) e b) do número 2 do artigo 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro; sobretudo, quando conjugada a alínea a) do número 2 do supra citado artigo 22.º com o n.º 1 do artigo 28.º da mesma Portaria». Isto, porque «nem a mandatária da Recorrente aderiu voluntariamente às notificações electrónicas através da plataforma SITAF – facto que se subsumiria à previsão da alínea b) número 2 do artigo 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro», «[n]em a mandatária da Recorrente submeteu qualquer peça processual através da plataforma SITAF após 04.01.2018 – facto que se subsumiria à previsão da alínea a) número 2 do artigo 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, conjugado com o n.º 1 do artigo 28.º da mesma Portaria».
Podendo dar-se estabelecido que a Senhora Dra. F………… não tinha efectuado a declaração a que alude a alínea b) do citado n.º 2 do art. 22.º da Portaria n.º 380/2017 [cfr. alínea 16) do ponto 2.1 supra], a questão a dirimir nos autos passa por saber se podemos ou não dar como verificada a previsão da alínea a) do mesmo normativo, ou seja, se aquela Mandatária judicial apresentou nos autos uma peça processual por transmissão electrónica de dados, através do SITAF, sendo que, de acordo com o disposto no art. 28.º, n.º 1, da mesma Portaria, para esse efeito «só são relevantes as peças processuais apresentadas pelos mandatários […] após a entrada em vigor da presente portaria», i.e., após 4 de Janeiro de 2018.
Nessa indagação, há apenas a considerar o requerimento referido na alínea 11) do ponto 2.1 supra, que foi o único documento apresentado pela Mandatária judicial da Impugnante em juízo após 4 de Janeiro de 2018 e que, indubitavelmente, foi apresentado por via electrónica e através do SITAF.
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, a Recorrente sustenta que esse requerimento não pode ser considerado como uma peça processual por duas ordens de razões: primeiro, porque constitui mero «acto processual», integrando uma categoria de actos que a Recorrente pretende poder ser praticado pelas partes e diferir das peças processuais (cfr. conclusões V e VII a IX); depois, porque o mesmo não constitui senão um requerimento atípico, em que reitera a intenção de recorrer que já formulara em juízo através do requerimento de interposição de recurso apresentado em 2017 (cfr. conclusão VI). Por isso, sustenta a ilegalidade da notificação do despacho que admitiu o recurso, na medida em que foi efectuada por via electrónica, e a impossibilidade de se fazer funcionar a presunção de notificação no terceiro dia após a sua elaboração, tanto mais que ficou comprovado que a Mandatária judicial só em 17 de Julho de 2018 acedeu àquela notificação (cfr. conclusões I a XVIII e XXX).
Para a eventualidade de assim não o entender este Supremo Tribunal, a Recorrente esgrimiu ainda com a inconstitucionalidade do regime legal que impõe a notificação electrónica no caso de submissão de peça processual pelo SITAF, por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, com consagração legal nos n.ºs 1 e 5 do art. 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), porque «as recentes reformas legislativas do processo administrativo e tributário introduzidas através da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, e da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, vieram reduzir os direitos dos cidadãos à tutela jurisdicional efectiva, nomeadamente, no presente caso, a alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º da referida Portaria», uma vez que «[f]ruto de uma frenética revolução tecnológica, o legislador pretendeu impor aos mandatários a notificação electrónica dos processos através das plataformas (i) “CITIUS”, (ii) SITAF, (iii) Inventários, e, em breve, (iv) Portal das Finanças (cfr. artigo 38.º-A do CPPT incluído na Proposta de Lei para o Orçamento do Estado de 2019, Proposta de Lei n.º 156/XIII do Governo)», sendo que «o acesso às referidas plataformas implica sempre um procedimento de autenticação complexa, motivo pelo qual a imposição de recepção de notificações através de diversas plataformas electrónicas tem vindo, de facto, a criar uma erosão progressiva do conhecimento efectivo dos actos processuais […] que contende com o direito dos cidadãos à tutela jurisdicional efectiva» (cfr. conclusões I, XIX a XXIX e XXX).
Assim, as questões a apreciar e decidir são, pela ordem que se segue, as de saber:

i) se o requerimento apresentado via SITAF em 27 de Março de 2018 releva para efeitos de permitir a notificação da Mandatária judicial por via electrónica ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 22.º da Portaria n.º 380/2017, designadamente, se pode ou não considerar-se como uma peça processual e, na afirmativa, se pode ou não considerar-se como peça processual apresentada após 4 de Janeiro de 2018; se esta questão for respondida positivamente,

ii) se o regime legal previsto naquela norma, que impõe a notificação electrónica do mandatário judicial na sequência da apresentação de peça processual por via electrónica, enferma de inconstitucionalidade por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva.

2.2.2 DA VALIDADE DA NOTIFICAÇÃO DO DESPACHO QUE ADMITIU O RECURSO

Como deixámos já dito, a notificação do despacho que admitiu o recurso interposto pela Impugnante da sentença proferida nestes autos foi efectuada por via electrónica. A secretaria do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto procedeu a essa notificação através do SITAF porque terá considerado que, após 4 de Janeiro de 2108 – data em que entrou em vigor a Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro –, a Mandatária judicial da Impugnante apresentou em juízo uma peça processual por transmissão electrónica de dados, motivo por que considerou verificada a situação prevista no art. 22.º, n.º 2, alínea a), conjugado com o art. 28.º, n.º 1, da referida Portaria. Essa peça processual seria o requerimento apresentado pela Mandatária judicial em 27 de Março de 2018, dito em 11) do ponto 2.1 supra.
Em primeira linha, a Recorrente sustenta que esse requerimento constitui, não uma peça processual, mas um mero acto processual. Invocando a aplicação subsidiária do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), defende que «a intervenção das partes no processo pode assumir uma das seguintes modalidades: a) Actos processuais, incluindo actos que devem ser praticados por escrito – cfr. n.º 1 do artigo 24.º do CPTA; b) Peças processuais – cfr. n.º 2 do artigo 24.º do CPTA», sendo que apenas estas últimas, e já não aqueles, relevariam para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 2 do art. 22.º da Portaria n.º 380/2017. Ensaiando distinguir as peças processuais dos actos processuais, alega, em síntese, que «as peças processuais são actos escritos das partes expressamente tipificados e regulamentados nos respectivos códigos. As restantes intervenções escritas subsumir-se-ão à definição mais ampla de acto processual escrito» ou que «peças processuais correspondem aos principais articulados apresentados pelas Partes na pendência do processo – petição inicial, contestação e alegações finais ou de recurso –, por oposição às demais intervenções escritas, mais sintéticas, que ficariam excluídas da definição de “peça processual” e, por consequência, caberiam na definição mais ampla de acto processual escrito». Assim, na tese que sustenta, um requerimento de interposição de recurso não se integraria na classificação peça processual, mas apenas na de acto processual escrito, pelo que não assumiria relevância para efeito de permitir que, ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art. 22.º da Portaria n.º 380/2017, a Mandatária judicial passasse a ser notificada por transmissão electrónica de dados.
Em segunda linha, a Recorrente sustenta que mesmo que um requerimento de interposição de recurso pudesse ser classificado como uma peça processual, a verdade é que, no caso, o requerimento apresentado pela Mandatária judicial em 27 de Março de 2018 nem sequer é uma verdadeira peça processual, pois mais não é que o reiterar do requerimento de interposição de recurso pela mesma já apresentado em 7 de Setembro de 2017.
Vejamos:
Salvo o devido respeito, apesar de esforço hermenêutico desenvolvido pela Recorrente, entendemos que nem o art. 24.º do CPTA dá abrigo à tese por ela sustentada, nem vislumbramos motivo para estabelecer distinção alguma entre os actos processuais que hajam de ser apresentados por escrito pelas partes, reservando a classificação de peças processuais exclusivamente para alguns deles. A nosso ver, articulados, alegações, contra-alegações, requerimentos e respostas, bem como, em geral, quaisquer outras peças escritas, deverão, na ausência de expressa previsão em contrário, ser considerados peças processuais; todos eles constituem peças escritas destinadas ao processo.
Assim, sempre que a apresentação de quaisquer dessas peças escritas seja realizada por via electrónica para o tribunal para se integrar em processo pendente, se o for após 1 de Janeiro de 2018, constituirá motivo bastante para que, a partir dessa transmissão electrónica, a secretaria do tribunal administrativo e fiscal fique autorizada a efectuar por transmissão electrónica de dados as notificações do mandatário judicial que tenha procedido àquela apresentação.
No entanto, no caso, acompanhamos a Recorrente no que se refere à irrelevância da peça processual apresentada em 27 de Março de 2018. Como bem alega a Recorrente, esse requerimento mais não é do que o reiterar do requerimento de interposição de recurso apresentado em 7 de Setembro de 2017. Ou seja, o requerimento apresentado em 27 de Março de 2018 é processualmente inócuo: ainda que não tivesse sido apresentado (e, ao que tudo indica, tê-lo-á sido por mera cautela), nada se alteraria na tramitação do processo, havendo sempre de considerar-se o requerimento de interposição do recurso apresentado em 7 de Setembro de 2017, como reconheceu o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no seu despacho de 6 de Março de 2018, que deixámos transcrito na alínea 9) do ponto 2.1 supra.
Ora, salvo melhor opinião, se o requerimento apresentado em 27 de Março de 2018 por via electrónica é inócuo em termos processuais, não pode servir para justificar que as notificações a efectuar a partir dessa data pelo Tribunal à Mandatária judicial que o apresentou sejam efectuadas por via electrónica, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do art. 22.º da Portaria n.º 380/2017.
Donde resulta que a Secretaria do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não tinha fundamento para ter procedido, como procedeu, à notificação à Impugnante do despacho que admitiu o recurso da sentença por transmissão electrónica de dados. Em face da ineficácia dessa notificação, não pode considerar-se iniciado o prazo para a apresentação das alegações e, consequentemente, também não pode julgar-se deserto o recurso por falta de alegações.
Em conclusão, diremos que se não pode considerar-se que após 1 de Janeiro de 2018 o mandatário judicial apresentou no tribunal administrativo e fiscal onde pendia a impugnação judicial uma peça processual por transmissão electrónica de dados, não pode considerar-se justificada ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art. 22.º da Portaria n.º 380/2017, de 19 de Dezembro, conjugada com o n.º 1 do art. 28.º da mesma Portaria, a ulterior notificação do mandatário por transmissão electrónica de dados.
O despacho recorrido, que entendeu diversamente, não pode manter-se, pelo que será revogado, devendo os autos regressar ao Tribunal a quo, a fim de aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar, designadamente com a notificação do despacho que admitiu o recurso da sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte (Agora a efectuar na pessoa do actual Mandatário judicial (cfr. fls. 366 do processo físico) e por transmissão electrónica de dados, uma vez que o requerimento de interposição do presente recurso e as respectivas alegações foram apresentados por transmissão electrónica de dados.).


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho recorrido e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí prosseguirem, se a tal nada mais obstar, designadamente com a notificação do despacho que admitiu o recurso da sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte.
Custas pela Recorrida, que não paga taxa de justiça neste Supremo Tribunal porque não contra-alegou o recurso.
Lisboa, 27 de Novembro de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Neves Leitão – Nuno Bastos.