Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01130/19.0BEPRT
Data do Acordão:11/22/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IVA
DEDUÇÃO
FACTURAS
Sumário:I - Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência a que alude o artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que o acórdão recorrido esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outro acórdão do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo;
II - A questão de direito não é a mesma se o acórdão fundamento conheceu da questão de saber se, para os efeitos do artigo 20.º, n.º 1, do Código do IVA, confere o direito à dedução uma operação em que não vem posta em causa a materialidade da mesma e se mostra ter resultado de serviços ligados ao exercício da sua atividade económica, e o acórdão recorrido conheceu da questão de saber se a observância de certas formalidades das faturas constituía um requisito do direito à dedução para os efeitos do artigo 19.º, n.º 2, do Código do IVA.
Nº Convencional:JSTA000P31606
Nº do Documento:SAP2023112201130/19
Recorrente:Z... LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1.1. Z..., LDA., com o número de identificação fiscal e de pessoa coletiva ...14, com sede no Edifício ..., Praça ..., ..., ... Porto, tendo sido notificada do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 11 de maio de 2023, que negou provimento ao recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferida em 9 de janeiro de 2023 e que, por sua vez, tinha julgado improcedente a impugnação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e de juros compensatórios, referentes aos quatro trimestres do ano de 2014, no valor global de € 111.335,72, dele veio interpor o presente recurso para uniformização de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, invocando contradição entre aquele acórdão e o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul de 28/04/2022, tirado no processo n.º 2098/11.7BELRS.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

i. A questão decidenda é saber se, uma vez demonstrada a substância das operações tituladas pelas faturas, se poderá recusar o direito à dedução do IVA suportado nessas faturas, com fundamento na preterição das formalidades nas faturas correlacionadas com a materialidade daquelas operações;

ii. Ou seja, se as formalidades previstas no n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA consubstanciam formalidades ad probationem ou formalidades ad substantiam;

iii. O acórdão fundamento – o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul de 28 de abril de 2022, proferido no processo n.º 2098/11.7 (JORGE CORTÊS) - pronunciou-se sobre a mesma questão fundamental de Direito que o acórdão recorrido e, sem que se verifique uma identidade total da matéria de facto, verifica-se uma identidade do núcleo central da situação de facto;

iv. Este núcleo central da situação de facto consiste na recusa pela AT do direito à dedução do IVA suportado com base na preterição de formalidades nas faturas previstas no n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA;

v. Uma vez que não existe jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria, o presente recurso não se mostra prejudicado pelo n.º 3 do artigo 284º do CPPT;

vi. Deste modo, podemos concluir que estão integralmente preenchidos todos os pressupostos processuais e substanciais para o presente recurso ser admitido, nos termos do n.º 3 do artigo 284º do CPPT, porquanto a Recorrente tem legitimidade para recorrer, o recurso foi tempestivamente apresentado, entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento existe uma identidade do núcleo central da situação de facto e existe oposição na solução perfilhada nos dois acórdãos sobre a mesma questão fundamental de Direito;

vii. À fatura cabe-lhe desempenhar três funções:

a) Determinar o regime e o montante do IVA incidente sobre as operações tributáveis;

E, nomeadamente,

b) Permitir à AT o controlo do imposto;

c) Servir de suporte para os sujeitos passivos exercerem e comprovarem o direito à dedução, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 19º do Código do IVA.

viii. A interpretação que se faça dos elementos exigidos pelo n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA não pode ser de tal modo desproporcional e «desorbitada» ao ponto de impedir o exercício do direito à dedução, quando desses elementos se possibilita, igualmente, o controlo pela AT das operações, segundo o princípio da neutralidade e o princípio da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2, da CRP, e artigo 55º da LGT;

ix. As normas adotadas pelo legislador nacional sobre as formalidades exigíveis nas faturas, bem como a interpretação e aplicação que se faça desse normativo, devem observar, nomeadamente, o princípio da proporcionalidade e, consequentemente, devem mostrar-se proporcionais e razoáveis aos objetivos da norma, de modo a que a exigência da forma não impeça o exercício substancial do direito à dedução do IVA, sob pena de se ofender o princípio da neutralidade do IVA;

x. A fatura não é um elemento constitutivo do direito à dedução, mas apenas um mero requisito para se poder exercê-lo, suscetível de ser provada por outros meios de prova legalmente admitidos;

xi. As faturas constituem documentos particulares, nos termos do artigo 373º do Código Civil, pelo que a força probatória material do mesmo resulta do seu artigo 376º, n.º 2, do Código Civil;

xii. Constituindo a fatura um documento particular, a força probatória plena da mesma só vale para as partes, sendo que em relação aos terceiros valerá o princípio da livre apreciação da prova;

xiii. Por conseguinte, o julgador que aplicar as disposições normativas nesta matéria deverá admitir todos os meios de prova produzidos, sem excluir nenhum deles, pois a limitação probatória à fatura é claramente desproporcionada face aos objetivos extraprocessuais, sob pena de se afetar, de forma grave e injusta, o direito à dedução e de se violar o princípio da neutralidade do IVA;

xiv. Em matéria do direito à dedução do IVA, deve ser adotado pelos aplicadores da Lei o princípio da interpretação restrita;

xv. A propósito das menções que obrigatoriamente devem conter as faturas, as regras estabelecidas nas legislações internas do Estados Membros, na sequência da transposição da legislação comunitária do IVA, bem como a interpretação e aplicação que se faça de tais normas não podem ir mais além do estritamente necessário para permitir o controlo do imposto e o combate à fraude e evasão fiscal, de acordo com o princípio da neutralidade do IVA e o princípio da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2, da CRP, e artigo 55º da LGT);

xvi. Assim, a omissão ou incorreção de qualquer requisito na fatura não a priva dos seus efeitos fiscais, nomeadamente, do direito à dedução, se for possível suprir tal lapso por outros meios de prova;

xvii. As faturas constituem documentos particulares, nos termos do artigo 373º do Código Civil, pelo que, em relação a terceiros, vale o princípio da livre apreciação da prova que recolhe qualquer meio de prova legalmente admitido;

xviii. Deste modo, podemos concluir que as formalidades previstas no n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA consubstanciam formalidades ad probationem e, por conseguinte, demonstrando a Recorrente a substância das operações tituladas nas faturas, a preterição das formalidades nas faturas correlacionada com a materialidade das operações não prejudica o direito à dedução do IVA suportado e, por conseguinte, tal preterição não constitui uma questão (autónoma) a decidir.

xix. Caso o presente Tribunal considere que a presente questão decidida suscita dúvidas deverá acionar o mecanismo do reenvio prejudicial (artigo 264º do TFUE) e solicitar ao Tribunal de Justiça da União Europeia a questão prejudicial ao conhecimento da matéria aqui em crise, com a sugestão da seguinte questão:

À luz do princípio da neutralidade em sede de IVA definido pelo TJUE, entre outros, nos acórdãos Rompelman, Midland Bank, Securenta, Polski Trawertyn, Mahagében and Dávid, Idexx Laboratories Italia e Sveda, será conforme o Direito da União Europeia, nomeadamente, o artigo 226º da Diretiva do IVA, uma legislação nacional como a do n.º 5 do artigo 36º do Código do IVA, interpretada no sentido de recusar o direito à dedução do imposto suportado pelo facto de se verificar a preterição de algumas formalidades nas faturas relacionadas com a materialidade das operações (por exemplo, designação e quantidade da obra), apesar de o sujeito passivo ter efetuado a prova da substância das operações tituladas nessas faturas?.

Pedido:

Nestes termos e nos demais que Vs. Exas. doutamente suprirão, o presente recurso deve ser admitido (artigo 284º do CPPT) e julgado procedente, com todas as consequências legais.».

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido por douto despacho da Ex.ma Senhora Juíza Desembargadora Relatora, tendo-lhe sido atribuída subida imediata nos próprios autos e tendo-lhe sido fixado efeito devolutivo.

Recebidos os autos neste tribunal, foram os mesmos com vista ao Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto, o qual lavrou douto parecer «…no sentido de, por ausência de todos os requisitos de que depende a apreciação do recurso, não deverá ser conhecido o objecto do mesmo».

Com dispensa dos vistos legais, dada a evidente simplicidade da causa e atento o estipulado na parte final do n.º 1 do artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Dos fundamentos de facto

2.1. No acórdão recorrido foram relevados os seguintes factos, que tinham sido dados como assentes em primeira instância (e de que não transcrevemos a parte do relatório de inspeção tributária que se encontra parcialmente reproduzida no ponto 10 dos factos provados): «(...)

1. Z..., Lda., NIPC: ...14, aqui Impugnante, encontra-se coletada pela atividade principal de “Estudos de mercado e sondagens de opinião” – CAE: 73200, e enquadrada em sede de IVA no ano de 2014, no regime normal com periodicidade trimestral – facto extraído e não contestado dos capítulos II.3.1 e II.3.3 do relatório de inspeção tributária, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 116 a 187 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.

2. Em 28/03/2014, a sociedade “Y..., Unipessoal, Lda.”, contribuinte n.º ...52, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ...48, no valor de € 60.050,00, acrescida de € 13.811,50 de IVA, com o seguinte descritivo: “Reparação de estragos causados por inundação Remodelação Total da Sala de reuniões” – cfr. fatura junta como Anexo III do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 197 do ficheiro de fls. 543 a 740 do processo eletrónico e Doc. n.º ...1 da p.i., de fls. 99 do processo eletrónico.

3. Em 29/05/2014, a sociedade “X..., Lda.”, contribuinte n.º ...21, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ..., no valor de € 76.066,23, acrescida de € 17.499,95 de IVA, com o seguinte descritivo: “Vídeos Institucionais” – cfr. fatura junta como Anexo V do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 43 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.

4. Em 29/05/2014, a sociedade “W..., S.A.”, contribuinte n.º ...79, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ...38, no valor de € 154.060, acrescida de € 35.433,80 de IVA, com o seguinte descritivo: “Consultoria Especializada no Projeto Mocambique/Lagacy Construção e Montagem de infraestruturas Metálicas” – cfr. fatura junta como Anexo V do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 44 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.

5. Em 30/10/2014, a “Sociedade V..., Lda.”, contribuinte n.º ...21, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ...44, no valor de € 36.800,00, acrescida de € 8.464,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Reboco de paredes Reparação de Varandas Obras Feitas Sala 407” – cfr. fatura junta como Anexo III do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 177 do ficheiro de fls. 543 a 740 do processo eletrónico e Doc. n.º 25 da p.i., de fls. 83 do processo eletrónico.

6. Em 28/11/2014, a “Sociedade V..., Lda.”, contribuinte n.º ...21, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ...45, no valor de € 34.500,00, acrescida de € 7.935,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Levantamento e Reposição de Pavimento Obras Feitas Sala 407” – cfr. fatura junta como Anexo III do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 178 do ficheiro de fls. 543 a 740 do processo eletrónico e Doc. n.º 26 da p.i., de fls. 84 do processo eletrónico.

7. Em 30/12/2014, a “Sociedade V..., Lda.”, contribuinte n.º ...21, emitiu em nome da Impugnante, a fatura com o n.º ...47, no valor de € 33.700,00, acrescida de € 7.751,00 de IVA, com o seguinte descritivo: “Reparação de tectos Paredes Pintura Geral Obras Feitas Sala 507” – cfr. fatura junta como Anexo III do projeto de relatório, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 179 do ficheiro de fls. 543 a 740 do processo eletrónico e Doc. n.º 27 da p.i., de fls. 85 do processo eletrónico.

8. No cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI201801365/66/67, os Serviços da lnspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga, desencadearam procedimento inspetivo externo à aqui lmpugnante, de âmbito parcial (IVA e IRC) e com incidência sobre, entre outros, o ano de 2014 - cfr. relatório de inspeção tributária, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 116 a 187 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.

9. Em 07/12/2018, na sequência do procedimento inspetivo referido no ponto que antecede, foi elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária, relatório de inspeção tributária, onde foram efetuadas correções, entre outras, de natureza meramente aritmética relativas a IVA considerado como indevidamente deduzido no ano de 2014, no montante total de 90.895,25 - relatório de inspeção tributária, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 116 a 187 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.

10. As correções referidas no ponto que antecede, resultaram da seguinte fundamentação inclusa no relatório de inspeção, que dali se extrai:

[…]

- cfr. relatório de inspeção tributária, constante do Processo Administrativo ínsito no processo eletrónico, de fls. 116 a 187 do ficheiro de fls. 742 a 928 do processo eletrónico.

11. Em resultado das correções efetuadas pelos Serviços da lnspeção Tributária, entre outras, referidas em 9) e descritas em 10), foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n.ºs ...63, ...71, ...80, ...86 e ...92, referentes aos períodos de 201403T, 201406T, 201409T e 201412T, no valor a pagar de € 10.497,78, € 55.994,64, € 4.690,29 e € 24.150,00, respetivamente, aqui impugnadas - cfr. cópia das demonstrações das liquidações juntas como Docs. 1 a 18 da p.i., de fls. 57 a 78 do processo eletrónico.

12. Na sequência das mesmas correções, foram emitidas as liquidações de juros compensatórios n.ºs ...02, ...03, ...04, ...05 e ...12, relativas aos períodos de 201403T, 201406T, 201409T e 201412T, nos montantes a pagar de € 1.916,63, € 9.646,41, € 761,24 e € 3.678,73, respetivamente, aqui impugnadas - cfr. cópia das demonstrações das liquidações juntas como Docs. 1 a 18 da p.i., de fls. 57 a 78 do processo eletrónico.».

2.2. O acórdão fundamento relevou a seguinte matéria de facto (que aqui se reproduz truncada e nos exatos termos que resultam da versão publicada): «(...)

1. A Impugnante é uma sociedade comercial, que tem por objeto a produção, transporte, distribuição e comercialização de gases combustíveis e produtos derivados por meio de condutas ou quaisquer recipientes autónomos, bem como produção, transporte, distribuição e comercialização de outras formas de energia, construção de edifícios, infraestruturas e instalações, designadamente as destinadas ao transporte, depósito e distribuição de gases combustíveis e produtos derivados, encontrando-se enquadrada no CAE 35220 (Distribuição de Combustíveis Gasosos por condutas) - cfr. fls. 118 e certidão permanente de fls. 156 a 160 do processo administrativo tributário;

2. A Impugnante é sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal mensal e, desde 2010, enquadrada no regime especial aplicável às transmissões de combustíveis gasosos, previsto no artigo 32.º da Lei n.º 9/86, de 30 de abril – cfr. fls. 118 do processo administrativo tributário;

3. A E.............. emitiu, em nome da Impugnante, a fatura n.º 27/2009, com data de 31.12.2009, com a descrição “Prestação de Serviços de Gestão e Coordenação Ano 2009”, no montante global de € 6.000,00, correspondendo €5.000,00 ao preço dos serviços e €1.000,00 ao IVA liquidado – cfr. fls. 192 do processo administrativo tributário;

4. Em 01.06.2010, entre a Impugnante, na qualidade de compradora e a sociedade “G………. – Sociedade ………….. Lda., na qualidade de vendedora, foi celebrado “Contrato de compra e venda de redes de distribuição de Gás canalizado, partes componentes e integrantes” – cfr. documento n. º9, junto aos autos com a petição inicial

5. A E……… emitiu, em nome da Impugnante, a fatura n.º 4/2010, com data de 11.06.2010, no montante global de € 60.000,00, com a descrição “Prestação de Serviços de Gestão e Coordenação Ano 2010”, no montante global de € 60.000,00, correspondendo € 50.000,00 ao preço dos serviços e € 10.000,00 ao IVA liquidado – cfr. fls. 193 do processo administrativo tributário;

6. Não foi qualquer celebrado contrato escrito de prestação de serviços, entre a Impugnante e a sociedade E…………….., relativamente à prestação de serviços discriminados nas faturas referidas em 3) e 5) – confissão e prova testemunhal;

7. Foram, pela E………………, prestados serviços de consultoria e apoio à avaliação económico-financeira de redes de gás que a Impugnante pretendia adquirir, no âmbito da sua atividade económica – cfr. prova testemunhal;

8. Os resultados da avaliação efetuada no âmbito dos serviços prestados, referidos em 7), foram apresentados à Impugnante em reuniões efetuadas e ficheiros em formato “Excel”, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido - cfr. prova testemunhal e documento n.º 1 junto aos autos com a petição inicial;

9. A Impugnante requereu, na declaração periódica de IVA, relativa ao período de junho de 2010, o reembolso de imposto no valor de €34.420,70 – cfr. fls. 244 do processo administrativo tributário;

10. O IVA mencionado nas faturas referidas em 3) e 5) foi declarado, pela Impugnante, na declaração periódica referida no ponto que antecede, como IVA dedutível – cfr. fls. 244 e seguintes do processo administrativo tributário;

11. Em 15.09.2010 e 08.10.2010, a Impugnante procedeu, respetivamente, beneficiária das mesmas a E.............. – cfr. cópia dos extratos de movimentação da conta bancária da Impugnante, juntos como documento n.º 5 com a petição inicial;

12. Na sequência do pedido de reembolso de IVA, referido em 9), ao abrigo da Ordem de Serviço n.º……………., de 02.11.2010, da Direção de Serviços de Inspeção Tributária, a Impugnante foi objeto de ação inspetiva, de âmbito parcial, em matéria de IVA – cfr. fls. 126 do processo administrativo tributário;

13. Em 20.12.2010, a Impugnante foi notificada, no âmbito do procedimento inspetivo, para:

1) Apresentar cópia do contrato de prestação de serviços acordados entre o sujeito passivo e a empresa E……………. Investiments S.A, NIPC ………………, que permitam sustentar as prestações de serviços constantes da fatura n.º 27/2009 de 31.12.2009 e n.º 4/2010 de 11/06/2010, cujo IVA foi deduzido na conta 2432313 – IVA OBS taxa normal, no período 10 06;

2) Discriminar as prestações de serviços, nos termos do artigo 36.º do CIVA, que deram origem à dedução de IVA suportado, conta 2432313 – IVA OBS taxa normal, através dos lançamentos 3DV-19002766, lote de finalização 15653 e 3 DV-19002783, lote de finalização 15742 nos montantes de 10.000 euros e 1.000 euros respetivamente;

3) Se estiveram em causa estudos e avaliação de redes de gás indicar em que data foram esses estudos realizados, bem como os números de identificação fiscal de cada uma das empresas objeto de avaliação;

4) Indicar os estudos de redes realizados pela E……………. Investiments S.A. quais os que deram origem à aquisição de redes de gás por parte da G.............. S.A. e na eventualidade de alguma dessas redes não terem sido adquiridas informar o motivo e ainda, se foram adquiridas por outras empresas do grupo, indicar quais.” – cfr. fls. 195 e 196 do processo administrativo tributário;

14. Em resposta ao solicitado no ponto anterior, a Impugnante apresentou os seguintes esclarecimentos:

“1) Não foi elaborado contrato formal de prestação de serviços em causa, dado tratar-se de casos muito pontuais. Os serviços tiveram por base um acordo formal, tendo sido negociadas as taxas honorárias (valor de mercado), conforme pode ser verificado nos documentos anexos ao ponto 2);

2) a. Anexo 1- Serviços prestados em 2009 e relativos a avaliação de redes de gás, suporte do documento lançado na contabilidade com a referência 3DV 19002766, lote de finalização 15663, no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros);

b. Anexo 2 - Serviços prestados em 2010 e relativos a avaliação de redes de gás, suporte do documento lançado na contabilidade com a referência 3DV 19002783, lote de finalização 15742, no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros);

3) Efetivamente trata-se de estudos e avaliações de redes, realizados nas datas referidas nos pontos 2).
Os números de identificação da pessoa coletiva (NIPC) das empresas cujas redes foram objeto de avaliação foram os seguintes:
N………….. – …………….;
G…………. – …………..;
M……………. – ……………;
C……….. – ……………;
C............... – …………;
A ……………. – ………….;
G………… – ……….
4) Todas as redes, objeto de estudo e avaliação realizados, foram adquiridas pela G.............., S.A. conforme pode ser confirmado pelos registos contabilísticos. - cfr. fls. 198 do processo administrativo tributário;

15. Em 16.02.2011, no âmbito da inspeção tributária, foram solicitados esclarecimentos adicionais, quanto às funções e categoria dos colaboradores da E.............., que haviam prestado os serviços de gestão à Impugnante, tendo a mesma respondido ao solicitado em 22.02.2011 – cfr. documento n.º 11, junto aos autos com a petição inicial;

16. Da ação inspetiva referida em 12) resultou um relatório de inspeção tributária (RIT), datado de 24.03.2011, do qual consta designadamente, o seguinte:

«Texto no original»

- cfr. Relatório de inspeção Tributária, a fls. 122 a 144 do processo administrativo tributário, cujo teor que se dá por integralmente reproduzido;

17. Na sequência da ação inspetiva, a Autoridade Tributária determinou correções, em matéria de IVA, no valor global de € 13.789,50, que resultaram, em parte, da desconsideração das deduções relativas ao IVA suportado pela Impugnante, na aquisição de serviços à E.............., conforme faturas referidas em 3) e 5) - cfr. Relatório de inspeção Tributária, fls. 142 e 143 do processo administrativo tributário;

18. Em 25.03.2011, a Autoridade Tributária elaborou o documento de correção único (DCU) n.º 1………….., através do qual corrigiu os valores dos campos 22, 23 e 24 da Demonstração Periódica de IVA, referida em 9) – cfr. fls. 236 e 242 do processo administrativo tributário;

19. Na sequência do RIT referido em 17), foram emitidas, pela AT, em nome da Impugnante, as seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, com referência ao período 06/2010, tendo como data limite para pagamento voluntário 31.07.2011:

- Liquidação n.º ……………, no valor de € 13.789,50 (IVA);

- Liquidação n.º ……….., no valor de € 343,04 (Juros compensatórios). -

cfr. documentos n.ºs 14 e 15 juntos aos autos com a petição inicial e fls. 243 do processo administrativo tributário;

20. Em 20.06.2011, a Impugnante procedeu ao pagamento voluntário dos montantes liquidados referidos em 19) – cfr. fls. 243 do processo administrativo tributário;

21. Por despacho de 03.08.2011 foi deferido o pedido de reembolso de IVA, referido em 9) – cfr. documento n.º 17, junto aos autos com a petição inicial;

22. Em 31.10.2011 foi enviada, por correio registado, a petição inicial que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 241 do processo administrativo tributário.


***

3. Dos fundamentos de Direito

3.1. O presente recurso foi interposto ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Ou seja, o presente recurso tem por fundamento a oposição entre dois acórdãos e tem por finalidade a uniformização de jurisprudência.

Esta modalidade de recurso pressupõe, desde logo, que exista contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão indicado como fundamento quanto à «mesma questão fundamental de direito».

Para haver contradição quanto à «mesma questão fundamental de direito» é necessário, por sua vez, que sejam substancialmente idênticas as apreciadas nos dois acórdãos em confronto e contraditórias as respostas que a elas foram dadas.

E para que as questões apreciadas nos acórdãos em confronto possam ser consideradas idênticas é necessário, além do mais, que seja substancialmente idêntico o quadro normativo e a factualidade que lhe deve ser subsumida.

No caso do acórdão recorrido, foi primeiro considerada a questão de saber se as correções impugnadas deveriam ser interpretadas no sentido de que a AT tinha invocado dois motivos autónomos para as efetuar.

Tendo respondido afirmativamente a esta questão.

Foi depois considerada a questão de saber se o artigo 19.º do Código do IVA devia ser interpretado no sentido de que a inobservância dos requisitos formais das faturas e a simulação das operações subjacentes constituíam fundamentos autónomos das correções.

Tendo também respondido afirmativamente a esta questão.

No caso do acórdão fundamento, foi considerada a questão de saber se uma situação em que a materialidade das operações tituladas pelas faturas não é posta em causa e é demonstrado (ou assumido) que decorrem «da prestação de serviços ligados ao exercício da sua atividade económica» foi corretamente subsumida pela AT ao artigo 20.º, n.º 1, do Código do IVA.

Tendo respondido negativamente a esta questão.

Decorre do exposto que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento apreciaram questões completamente diferentes.

No caso do acórdão recorrido, o tribunal foi chamado a interpretar o artigo 19.º do Código do IVA e a decidir se a inobservância de alguma das situações alinhadas no seu número 2 podia constituir fundamento autónomo para considerar indevidamente deduzido o IVA.

No caso do acórdão fundamento, o tribunal foi chamado a decidir se a situação em que não é posto em causa que os serviços foram prestados e estão ligados ao exercício da atividade económica do sujeito passivo é subsumível ao artigo 20.º, n.º 1, do mesmo Código.

São diferentes as normas interpretadas e/ou aplicadas e são diferentes as situações que se lhes deveriam subsumir.

A Recorrente pretende surpreender a contradição entre os acórdãos no facto de o acórdão recorrido ter concluído que os requisitos formais das faturas são formalidades “ad substantiam”.

E no facto de o acórdão fundamento ter convocado a jurisprudência do TJUE, que transcreve no artigo 33 das suas doutas alegações e onde é referido (além do mais) que a recusa do direito à dedução é mais dependente da falta dos elementos necessários para apurar se as exigências materiais estavam cumpridas do que do não cumprimento de uma exigência formal.

Deve observar-se desde já que da citação que o acórdão fundamento faz do TJUE não deriva nenhuma tomada de posição expressa daquele tribunal quanto à questão de saber se as formalidades das faturas prescritas no artigo 36.º do Código constituem formalidades “ad substantiam” ou “ad probationem”.

Essa é uma ilação que a própria Recorrente extrai do teor do acórdão fundamento e que, por isso, considera implícita na sua fundamentação.

Sendo que, como vem sendo uniformemente entendido, só relevam para saber se há oposição de acórdãos as tomadas de posições que neles são expressamente assumidas.

De qualquer modo, o que não pode olvidar-se é que o acórdão recorrido entendeu que a observância das formalidades das faturas constituía um requisito do direito à dedução para os efeitos do artigo 19.º, n.º 2, do Código do IVA.

E essa é – como se viu já – uma questão que o acórdão fundamento não apreciou seguramente. Até porque nem estava ali em causa a interpretação e aplicação desse dispositivo legal.

De todo o exposto deriva que não estão reunidos os pressupostos substanciais de que depende o conhecimento do mérito do recurso.

Razão porque se decide não tomar conhecimento do mesmo.


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4. Conclusões

4.1. Constitui pressuposto do conhecimento do mérito do recurso para uniformização de jurisprudência a que alude o artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário que o acórdão recorrido esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outro acórdão do Tribunal Central Administrativo ou do Supremo Tribunal Administrativo;

4.2. A questão de direito não é a mesma se o acórdão fundamento conheceu da questão de saber se, para os efeitos do artigo 20.º, n.º 1, do Código do IVA, confere o direito à dedução uma operação em que não vem posta em causa a materialidade da mesma e se mostra ter resultado de serviços ligados ao exercício da sua atividade económica, e o acórdão recorrido conheceu da questão de saber se a observância de certas formalidades das faturas constituía um requisito do direito à dedução para os efeitos do artigo 19.º, n.º 2, do Código do IVA..


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela RECORRENTE.

Registe e notifique.

Lisboa, 22 de novembro de 2023. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Fernanda de Fátima Esteves - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.