Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02220/15.4BESNT |
Data do Acordão: | 07/03/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ARAGÃO SEIA |
Descritores: | IMPOSTO DE JOGOS INCONSTITUCIONALIDADE ILEGALIDADE |
Sumário: | I - Conforme resulta do disposto no artigo 84.º da Lei do Jogo - Decreto-Lei n° 422/89 de 2/12, alterado sucessivamente por diversos diplomas legais, cujas últimas alterações foram introduzidas pela Lei 114/2017, de 29/12 (Lei do Jogo) -, o Imposto Especial de Jogo assume-se como um imposto “substitutivo” do imposto sobre o rendimento, uma vez que os rendimentos resultantes da atividade do jogo são sujeitos ao Imposto Especial de Jogo e não sujeitos a IRC, cfr. artigo 7.º do Código do IRC, sendo os rendimentos concretamente resultantes dessa atividade que ficam sujeitos àquele imposto e, não as entidades concessionárias relativamente às demais actividades que desenvolvam. II - Os jogos de fortuna e azar são uma actividade geradora de riqueza sem comparação com as restantes actividades tradicionais que dependem do esforço físico e da inteligência dos homens, que criam empregos, ajudam ao desenvolvimento social e humano e permitem a realização pessoal, conatural à existência do homem social. III - Todo o regime fiscal que rege esta actividade não pode ser reconduzido ao regime “normal” da tributação dos rendimentos, IRS ou IRC, precisamente porque, enquanto estes visam simplesmente, como definido no art.º 103 da Constituição da República Portuguesa, a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, o Imposto sobre o Jogo tem, também, e, sobretudo, fins diferentes, extrafiscais, de que a arrecadação de receitas está secundarizada relativamente ao desiderato de controlo e contenção de uma actividade socialmente desviante – o jogo de fortuna e azar -. IV - A formulação constitucional - art.º 104.º da Constituição da República Portuguesa - de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, não impõe que deva incidir exclusivamente sobre o rendimento real destas. V - Sendo a capacidade contributiva pressuposto dos tributos – art.º 4.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária - também, essencialmente, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, aquela capacidade há-de ser, segundo as circunstâncias, articulada, nomeadamente com os princípios do bem-estar comum, da necessidade e do ganho que lhe poderão aportar condicionamentos. VI - Não se encontrando sujeita ao princípio da capacidade contributiva previsto para o IRC, a tributação em sede de Imposto Especial de Jogo encontra-se sujeita ao princípio da proporcionalidade, permitindo que a entidade concessionária tenha “economicamente” interesse em prosseguir com a sua actividade. VII - O facto tributário é o exercício da exploração do jogo, em casinos, pelas concessionárias durante o período de duração da concessão – art.º 84º, n.º 1 do DL n.º 422/89, de 02 de Dezembro. A base de incidência do imposto varia consoante o tipo de jogo – constante do elenco do art.º 4.º do DL n.º 422/89. VIII - O capital em giro inicial é o capital que a impugnante diariamente disponibiliza para a sua actividade. Se disponibilizar muito capital pode perder muito capital se os jogadores conseguirem elevados prémios. Se disponibilizar pouco capital, só poderá perder pouco capital, porque os jogadores só poderão obter prémios menores. IX - Não há qualquer discricionariedade por parte da Inspecção-Geral de Jogos que se limita a receber, anotar e ter em conta, para efeitos de cálculo do imposto, o número de bancas e de máquinas ou de grupos de máquinas a funcionar, bem como o respectivo capital inicial, nos jogos em que ele deva existir, não sendo liquidado imposto em relação às bancas ou máquinas abertas tempestivamente cujo capital em giro inicial não chegue a ser utilizado por falta de jogadores até ao termo da partida. X - Não há uma presunção grosseira e inilidível de retorno à impugnante do capital que é mobilizado por ela na abertura das salas de jogo. Não se avalia esse retorno, nem ele serve por qualquer modo para liquidar o imposto devido. XI - Não existem as presunções grosseiras e inilidíveis de rendimento da impugnante que esta invoca como fundamento da violação do princípio constitucional da proporcionalidade, por, em concreto, o imposto de jogo, tendo em conta a sua natureza extrafiscal, ser uma medida adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, sem qualquer violação do princípio constitucional da proporcionalidade. XII - O Serviço de Regulação e Inspecção de Jogos (SRIJ) não tem a possibilidade de determinar arbitrária, ou sequer discricionariamente, e sem critérios legais previamente definidos, o capital em giro inicial nas máquinas que é determinado com referência aos jogos praticados em bancas simples. XIII - Mostra-se cumprido o princípio da legalidade fiscal na vertente de reserva de lei por estarmos face a uma lei, editada pelo Governo em cumprimento de uma autorização legislativa da Assembleia da República - Lei 14/89 de 30 de Junho - Autorização ao Governo para legislar em matéria de jogos de fortuna ou azar em casinos e de exploração e prática ilícita de jogos de fortuna ou azar – que nela fez incorporar os compromissos contratuais existentes em matéria de incidência e de taxas, e demais elementos essenciais do imposto. XIV - Tendo em conta os dados disponíveis sobre o desenvolvimento turístico das áreas onde se localizam os diversos casinos, mostra-se legitimada a diferenciação de tributação que se baseia num critério material de tributação da actividade do jogo, assente num juízo de proporcionalidade em que a diferenciação das taxas está alinhada com os objectivos extrafiscais da tributação e de promoção da actividade turística. |
Nº Convencional: | JSTA000P24759 |
Nº do Documento: | SA22019070302220/15 |
Data de Entrada: | 03/15/2019 |
Recorrente: | A………. , SA. |
Recorrido 1: | TURISMO DE PORTUGAL, IP. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Recurso nº 2220/15.4BESNT Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A…………, SA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF de Sintra) datada de 5 de Dezembro de 2018, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de contrapartida anual relativa ao ano de 2014, notificada pelo TURISMO DE PORTUGAL IP, referente à concessão da zona de jogos do ………., que engloba entre outros o Imposto Especial de Jogo. Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue: 1ª) Na presente impugnação judicial, a ora recorrente contestou a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, referente à chamada "contrapartida anual" exigida às empresas concessionárias da actividade do jogo; 2ª) A referida contrapartida anual está prevista e regulada no Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10 e é constituída por 50% das receitas brutas dos jogos explorados nos Casinos; 3ª) O referido Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10, estabelece, também, que a referida contrapartida anual não pode ser inferior a um determinado montante, mesmo que o valor dos 50% das receitas brutas dos jogos não atinja esse mínimo; 4ª) Essa contrapartida anual tem a natureza de um imposto, desde logo porque, ao menos em parte, é pago através das liquidações de Imposto do Jogo e, fundamentalmente, porque se trata de uma prestação definitiva, pecuniária, unilateralmente determinada, coerciva e que não corresponde a uma contraprestação específica; 5ª) Não obstante exista um contrato de concessão celebrado entre o Estado e a recorrente para a exploração de jogos de sorte e azar, essa contrapartida anual não tem matriz contratual; 6ª) O contrato de concessão limita-se a reproduzir o conteúdo de actos legislativos anteriores - o Decreto-Regulamentar nº 29/88, de 3/8 e o Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10; 7ª) A exigência do pagamento da contrapartida anual e a sua fórmula de cálculo estão estabelecidos nos referidos instrumentos legais; 8ª) Além de que, recorde-se, o pagamento, ao menos em parte, dessa contrapartida é feita com os pagamentos do Imposto de Jogo, imposto esse previsto em acto legislativo - DL nº 422/89, de 2/12; 9ª) A circunstância de haver um contrato de concessão e de a recorrente ter "aceite" o pagamento de tributos, não sana as inconstitucionalidades e/ou ilegalidades dos tributos (Imposto do Jogo e contrapartida anual) já que o Estado e os particulares apenas podem validamente obrigar-se dentro dos limites que a Constituição lhes permite; 10ª) Aliás, o STA, a propósito da questão da competência da jurisdição fiscal, já se pronunciou no sentido de que a contrapartida é um tributo; 11ª) Não há, assim, qualquer impossibilidade de se apreciar as ilegalidades que a recorrente considera existirem na impugnada liquidação da contrapartida; 12ª) É que a referida liquidação é ilegal porque o diploma, com base na qual foi emitida tal liquidação (Decreto-Lei nº 275/2001, de 17/10) é organicamente inconstitucional por violação dos art°s 103°, nº 2 e 165°, nº 1, i), da Constituição da República Portuguesa; 13ª) É que o Decreto-Lei nº 275/2001, foi aprovado sem ser com base em qualquer autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao Governo; 14ª) Acresce que, conforme referido, uma parte da contrapartida anual é paga através de pagamentos do Imposto do Jogo; 15ª) Ora, o Imposto do Jogo está previsto no Decreto-Lei nº 422/89, de 2/12, diploma esse aprovado com base na autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei nº 14/89, de 30/6; 16ª) Porém, ao invés do decidido pela douta sentença recorrida, essa autorização legislativa é amplamente genérica, não cumprindo o requisito constitucionalmente expresso de definir com rigor e precisão, "o objecto, o sentido, a extensão e a duração da mesma" (cf., à época, o art° 168°, nº 11 e, hoje, o art° 165°, da Constituição). 17ª) Na medida em que está em causa matéria fiscal, que é da competência da Assembleia da República, o referido Decreto-Lei nº 422/89, é organicamente inconstitucional e, portanto, ilegais as liquidações de Imposto do Jogo e, deste modo, ilegal a contrapartida, na parte em que ela é constituída por tal imposto; 18ª) Por outro lado, sendo, como é, a "contrapartida anual" um imposto, a sua exigência/liquidação é inconstitucional por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real; 19ª) Na verdade, a "contrapartida anual" incide sobre as receitas brutas obtidas pela recorrente e o valor de tal contrapartida nunca pode ser inferior a um mínimo estabelecido na lei; 20ª) O que quer dizer, portanto, que a recorrente é tributada de forma completamente desligada do seu rendimento real/efectivo, podendo ocorrer, até, uma relação inversamente proporcional entre as receitas que obtém e o tributo que é forçado a suportar; 21ª) No limite, com a consagração de uma "contrapartida mínima" poderia a recorrente não ter quaisquer receitas e, não obstante, está obrigada a pagar a contrapartida; 22ª) Aliás, o próprio imposto de jogo que, conforme referido, "integra" a contrapartida anual, é também inconstitucional por violação desses princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real; 23ª) É que, como decorre do art° 85° da Lei do Jogo (Decreto-Lei nº 422/89), a tributação sobre os chamados "jogos bancados" incide sobre a receita bruta, afastando-se, assim, do lucro real e efectivo; 24ª) E, quanto à tributação sobre as máquinas automáticas, ela incide sobre um "capital" fixado administrativamente pelo Turismo de Portugal, IP, havendo, deste modo, uma tributação sobre meras presunções de rendimento; 25ª) Deste modo, a impugnada liquidação é ilegal, pelo que não pode manter-se a douta sentença recorrida. Contra-alegou o recorrido tendo concluído: 1. A natureza da contrapartida contratual tem de ser aferida considerando a sua génese e a sua integração no contrato administrativo de concessão para a exploração de jogos de fortuna nos casinos existentes na zona de jogo do …………… 2. A contrapartida é exigível à recorrente por força do disposto na cláusula 4.ª, n.º 2, do contrato de concessão do casino de …………… e da cláusula 3.ª, n.º 1 do contrato de concessão do casino de …………... 3. O contrato de concessão foi adjudicado à recorrente na sequência de concurso público, constando as obrigações e o processo do concurso de Decreto Regulamentar. 4. A recorrente adquiriu o direito exclusivo de explorar a zona de jogo do ………. por ter, no âmbito do concurso, apresentado a melhor proposta, isto é, apresentado a mais alta contrapartida inicial, obrigando-se ainda a prestar, em cada ano, uma contrapartida anual de 50% das receitas brutas, que, em caso algum, poderia ser inferior aos valores indicados no anexo ao Decreto Regulamentar n.º 56/84. 5. A contrapartida anual constitui a remuneração que o Estado entendeu dever ser-lhe atribuída (o preço), por ter atribuído à recorrente, em regime de exclusivo territorial e temporal, a exploração de jogos de fortuna ou azar na zona de jogo do ………. 6. O Decreto-Lei n.º 275/2001 estabeleceu as condições acordadas entre as concessionárias, recorrente incluída, e o Estado para a prorrogação dos contratos, prevendo expressamente que as condições da prorrogação se aplicariam se e quando as concessionárias outorgassem os aditamentos aos respetivos contratos. 7. Em 14 de dezembro de 2001 a recorrente outorgou o aditamento ao seu contrato de concessão, assumindo voluntariamente todas as obrigações previamente negociadas com o Estado, incluindo a atualização dos valores constantes da tabela anexa ao Decreto-Lei n.º 275/2001, beneficiando, assim, da prorrogação do prazo da sua concessão por mais 15 anos. 8. O artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 275/2001 e a formalização, através da assinatura do aditamento, tinham ainda a virtualidade de clarificar que se estava perante uma modificação contratual consensual e não perante um ato modificativo unilateral. 9. O Decreto-Lei n.º 422/89 não regula a contrapartida anual e o Decreto-Lei n.º 275/2001 não constitui a base que fundamenta a obrigação de pagamento dessa contrapartida. 10. A relação que se estabelece entre o imposto de jogo e a contrapartida anual, em termos de aquele poder realizar esta, decorre do específico contrato em que é prevista essa possibilidade. Que assim é o comprovam as diferentes configurações dos contratos de concessão em vigor, em que há casos em que o imposto cumula com a contrapartida, há casos em o imposto deduz à contrapartida e há casos em que não há contrapartida, mas em todos os casos é sempre aplicado imposto especial de jogo. 11. A diferença entre a contrapartida anual e um tributo resulta no facto de a primeira ser voluntária e o segundo coativamente imposto por lei. 12. A obrigação legal que é imposta sobre todos os contratos é o imposto especial de jogo, não decorrendo da lei a obrigatoriedade de existência de contrapartida anual, razão pela qual há contratos de concessão que não preveem esta última. 13. Inexiste qualquer obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares que possa ser removido através do pagamento da contrapartida anual. 14. O Decreto-Lei n.º 275/2001 não é organicamente inconstitucional, nem a matéria no mesmo estabelecida carece de autorização legislativa. 15. Em 11 de julho de 2018, a Procuradoria-Geral da República emitiu o Parecer n.º 3/18, onde, de forma inequívoca, qualifica a contrapartida anual devida nos termos dos contratos de concessão de exploração do jogo como contratual. Ainda que seja irrelevante para a discussão da matéria em causa nos presentes autos, à cautela, sempre se dirá: 16. Que o Decreto-Lei n.º 422/89, como recentemente decidiu este Colendo Tribunal, não é organicamente inconstitucional, contendo a Lei n.º 14/89, de 30 de junho, todos os elementos e a densidade necessária exigida pela Constituição da República Portuguesa para uma lei de autorização legislativa. 17. Não sendo a contrapartida anual um tributo e estando enquadrada num contrato de concessão de jogo, não lhe são aplicáveis os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real. 18. A tributação dos jogos bancados não incide sobre a receita bruta, mas outrossim sobre o capital em giro inicial fixado pela recorrente, conforme resulta do disposto nos artigos 53.º e 85.º do Decreto-Lei n.º 422/89. 19. A alínea C) do n.º 1 do artigo 87.º do Decreto-Lei n.º 422/89 não é inconstitucional, porquanto a norma impõe à Administração o dever de respeitar princípios e regras suficientemente claros e densos na determinação da matéria coletável. O Ministério Público notificado, pronunciou-se no sentido de que não se verificam a inconstitucionalidade e ilegalidades invocadas, concluindo pela improcedência do recurso e confirmação do decidido. Colhidos os vistos legais cumpre decidir. Porque não vem posta em causa a matéria de facto que se deu como assente na sentença recorrida dispensa-se a reprodução da mesma. As questões que a Recorrente coloca reconduzem-se a saber se a sentença padece de erro de julgamento em matéria de direito ao ter decidido que a liquidação não padece dos vícios que a Impugnante lhe imputara e que decorrem, essencialmente, da invocada inconstitucionalidade orgânica do Dec. Lei nº 422/89, de 2.12 (regime jurídico da exploração dos jogos de fortuna ou azar nos casinos, abreviadamente "Lei do Jogo") e do Dec. Lei nº 275/2001, de 17.10 (que autorizou a prorrogação dos prazos dos contratos de concessão das zonas de jogo do Algarve, Espinho, Estoril, Figueira da Foz e Póvoa de Varzim) e, bem assim, da invocada ilegalidade da contrapartida anual por violação dos princípios da legalidade, da capacidade contributiva, da tributação pelo rendimento real, e da igualdade. Tais questões foram já apreciadas e decididas em recente acórdão desta Secção - de 23.10.2019, no processo nº 0891/17 - proferido perante idêntico quadro factual e jurídico e perante análogas alegações e conclusões do recurso. Acórdão cuja motivação jurídica merece a nossa inteira adesão. Acresce que, ponderada a regra constante nº 3 do art.º 8º do Código Civil - que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito - e verificada a ausência de argumentos que nos levem a divergir do entendimento ali firmado, impõe-se remeter para essa motivação jurídica, inteiramente transponível para o presente caso. «3.4. Atendendo ao teor das Conclusões do recurso a primeira questão a enfrentar é, portanto, a que se prende com a natureza da "contrapartida anual″, prevista no DL nº 275/2001, de 17/10. E da resposta que a tal questão for dada, dependerá a apreciação, ou não, das demais questões suscitadas pela recorrente. Vejamos. 4.1. Considerando a evolução histórica da regulamentação jurídica das concessões do jogo e do modo como foram legal e contratualmente definidas as respectivas contrapartidas, o que se constata é que embora a exploração do jogo não se reconduza a uma actividade de interesse público, ela tem sido objecto de intervenção legislativa por parte do Estado, com vista à regulação (sobretudo através do instrumento jurídico da "concessão") dos vários sectores em que aquela se desenvolve, bem como à diminuição do interesse pelo jogo ilícito e clandestino. Por isso, como sublinha o Prof. Vieira de Andrade (no parecer junto aos autos), a concessão da exploração de jogos de fortuna e azar haveria de operar-se num contrato pré-regulado por lei «(não constituindo a prestação de um serviço público), mediante uma forte contrapartida patrimonial, dado o alto potencial lucrativo da actividade (exercida em exclusivo territorial), com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo. E, neste contexto, também a necessária tributação desta actividade concessionada, enquanto actividade económica, haveria de ser especial: opta-se, desde sempre, no que respeita à exploração do jogo, pela substituição dos impostos regulares (hoje, IRC, IVA, Imposto de selo) por um imposto de regime especial, também com receitas consignadas ao desenvolvimento do turismo.» Sendo que, no entanto, cada uma das prestações financeiras (a contrapartida patrimonial fixada no contrato de concessão do direito e o imposto estabelecido pela lei) «tem a sua estrutura específica, independentemente da finalidade comum e das suas interconexões práticas: uma, a contrapartida, tem natureza administrativa e contratual, outra, o imposto, tem natureza tributária e legal.» E neste entendimento as contrapartidas pecuniárias (quer a inicial, quando prevista, quer a anual) não terão natureza tributária mas, antes, patrimonial, reconduzindo-se à «contraprestação devida pela atribuição do direito de explorar, em exclusivo a concessão numa zona territorial pré-determinada», independentemente até de o pagamento do imposto de jogo contribuir, juntamente com outros pagamentos, para a realização e preenchimento da contrapartida anual (casos há, aliás, em que não há que pagar qualquer contrapartida anual, mas somente imposto de jogo). E nem a circunstância de no Decreto nº 14.643, de 3/12/1927 (diploma que inicialmente regulou a actividade do jogo) se considerar na epígrafe que antecede os arts. 44º e seguintes, a menção «Imposto sobre o jogo. Sua consignação», não obstante o art.º 45º se reportar ao pagamento das contrapartidas, nem a circunstância de os valores destas poderem ser consignados às mesmas entidades e finalidades do imposto de jogo, tem a virtualidade de determinar a mutação da natureza jurídica da prestação financeira patrimonial em prestação tributária. Estas obrigações financeiras (contrapartidas financeiras mínimas ou de natureza não pecuniária devidas como contraprestação pela concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar, bem como o modo de pagamento das mesmas - cfr. o art.º 11º, nº 4 e) da Lei do Jogo - e assumidas pela concessionária por efeito da concessão) têm fundamento diferente do imposto e constituem receitas de natureza patrimonial. Acresce que, como igualmente se acentua no parecer citado, a distinção entre ambas as figuras também não é afectada pelo facto de existir uma pré-fixação legal dos montantes e das formas de cálculo e de pagamento: tal prática é frequente nos contratos de concessão, «cujas bases contratuais são, em regra, estabelecidas na lei» e «a obrigação de pagamento destes montantes não nasce coactivamente da lei, mas do contrato de concessão, dado que só existe, a título de remuneração do exclusivo concedido, para as empresas que aceitam, nas condições estabelecidas na lei, ser concessionárias do Estado na exploração do jogo», sendo normal «que a contrapartida pela outorga de um direito de exclusivo para a exploração de um bem ou de um serviço seja calculada a partir de uma percentagem da receita das concessionárias», sendo que também as «receitas patrimoniais podem em regra ser consignadas a finalidades específicas de interesse público - as limitações orçamentais à consignação reportam-se, essencialmente, ao domínio dos impostos» (aliás, relativamente à contrapartida, prevêem-se casos em que o pagamento do imposto do jogo se soma integralmente ao pagamento da contrapartida anual, e casos em que o pagamento deste é deduzido no cálculo da contrapartida anual, o que bem mostra que imposto e contrapartida não são a mesma coisa e não têm, por isso, de ser da mesma natureza). E em todo o caso, dado que o modo de cálculo da contrapartida não altera a sua natureza jurídica de prestação contratual, também fica desprovida de relevância a argumentação da recorrente no que respeita à unilateralidade da própria contrapartida mínima, não relevando, igualmente, a invocação de jurisprudência do STA no sentido da ilegalidade da liquidação: com efeito, como bem realça a recorrida, em termos do que foi expressamente decidido e no que respeita a liquidações relativas a contrapartidas idênticas à ora impugnada, o STA pronunciou-se apenas quanto à competência dos tributais tributários (de acordo com os termos em que a autora configura a relação material), não se pronunciando sobre o mérito da pretensão ali formulada. E neste contexto, dando resposta àquela primeira questão suscitada no recurso, conclui-se agora que a "contrapartida anual″, prevista no DL nº 275/2001, de 17/10, se reconduz a uma prestação de natureza patrimonial. 4.2. Daí que (considerando as demais questões suscitadas no recurso), por não estarmos perante pagamento de uma qualquer quantia destinada a afastar uma proibição legal (a quantia não é paga para que a concessionária fique autorizada a explorar os jogos de fortuna ou azar, mas sim porque foi ela a adjudicatária no concurso público aberto para a concessão da respectiva zona de jogo) e por a contrapartida impugnada também não assumir natureza unilateral e/ou coactiva, então mesmo por referência ao enquadramento legal sustentado pela recorrente (que faz equivaler a contrapartida a uma taxa ou a integra no âmbito do próprio imposto de jogo), também não pudessem proceder a impugnação, e consequentemente o recurso, quer face à inexistência dos pressupostos para a qualificação como imposto e como taxa, quer face à não verificação das ilegalidades imputadas à liquidação, alegadamente decorrentes da violação dos princípios e normas constitucionais invocados [inconstitucionalidade orgânica do DL nº 275/2001, de 17/10; inconstitucionalidade orgânica do DL nº 422/89, de 2/12, por assentar numa autorização legislativa genérica que não cumpre o requisito (nº 11 do art.º 168º - actual 165º - da CRP) de definir com rigor e precisão, "o objecto, o sentido, a extensão e a duração da mesma" e inconstitucionalidade material, quer daquele mesmo diploma, por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real, quer do próprio imposto, por ter sido criada uma tributação sobre meras presunções de rendimento]. Aliás, neste âmbito, sempre o recurso teria que improceder, atendendo à jurisprudência, com a qual se concorda, firmada no acórdão deste STA, de 5/12/2018 [em julgamento ampliado com a intervenção de todos os juízes desta Secção de Contencioso Tributário, realizado ao abrigo do disposto no art.º 148º do CPTA, no processo n.º 2224/13.1BEPRT (1457/15) e para o qual se remete ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 663º do CPC], sendo que, naquela perspectiva da recorrente, as questões suscitadas no presente recurso também seriam substancialmente idênticas às que foram objecto de tal julgamento ampliado, mediante o qual se visa, precisamente, «garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (...)». Face à transcrita motivação, que aqui se acolhe e reitera, impõe-se negar provimento ao recurso. Julgamos, todavia, que se verificam, no caso vertente, os requisitos contidos no nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais para a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, tendo em conta, por um lado, que a conduta processual das partes não merece censura que obste a essa dispensa e, por outro lado, que ocorre uma menor complexidade do recurso, porquanto as questões em discussão foram já objecto de análise e decisão noutro recurso deste Supremo Tribunal. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso. Custas pelo Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça. Considerando que o texto do referenciado acórdão do STA proferido em 5.12.2018 no processo n.º 2224/13.1BEPRT se encontra disponível na base de dados da DGSI, dispensa-se a junção da respectiva cópia. D.n. Lisboa, 3 de Julho de 2019. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva. |