Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01053/19.3BEPRT
Data do Acordão:12/17/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
SUSPENSÃO
Sumário:I - A interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (nº 1 do art. 49º da LGT) inutiliza para a prescrição o tempo decorrido até à data em que se verificou esse facto interruptivo (nº 1 do art. 326º do CCivil) e obsta ao início da contagem do novo prazo de prescrição enquanto o processo não findar (nº 1 do art. 327º do CCivil).
II - No acórdão n.º557/2018 o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 100º do CIRE quando interpretado no sentido de que a declaração de insolvência determina a suspensão da prescrição das dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário (e não ao devedor insolvente) no âmbito do processo tributário.
III - A simples instauração do processo executivo visando a cobrança coerciva da coima não reveste virtualidade, por si só, para constituir uma causa de suspensão da prescrição, dado não constar do elenco das medidas suspensivas previstas no artº.30º, do R.G.C.O.
IV - As dívidas provenientes de coimas não estariam prescritas dada a suspensão instituída pelo artº 30º, al. a) do RGCO apoiada no artº100º do CIRE por força do qual a execução não podia começar ou não podia continuar a ter lugar.
V - Sucede que o Tribunal Constitucional, por acórdão de 4/12/2019, no Processo nº112/2019-3ª Secção, veio a decidir não julgar inconstitucional o artigo 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente.
VI - Assim, a prescrição não se verifica, dado que também a suspensão ocorrida com a insolvência entre 12.01.2005 e 21.09.2018, por aplicação do artigo 100º do CIRE, abrangendo as dívidas provenientes de coimas, impediria o seu decurso.
Nº Convencional:JSTA000P25359
Nº do Documento:SA22019121701053/19
Data de Entrada:11/13/2019
Recorrente:A.........
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A……………, sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 30-10-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a reclamação que deduzira do acto do órgão de execução fiscal, que declarou a não prescrição das dívidas exequendas de IMI, IRS, IVA e coimas, no valor total de € 64.297,76, no entendimento segundo o qual ainda não se teriam completado os prazos de prescrição dos créditos tributários.

Irresignado, nas suas alegações, formulou o recorrente A………………, as seguintes conclusões:

“1.ª
A douta sentença sob recurso julgou improcedente a reclamação deduzida pelo Recorrente por, no entendimento do Meritíssimo Juiz “a quo” ainda não se terem completado os prazos de prescrição dos créditos tributários, no entanto, o Recorrente entende que foi feita uma errada interpretação e aplicação da lei, além da violação de princípios que conformam o instituto da prescrição, encontrando-se aqueles créditos prescritos.
2.ª
O decurso do tempo é factor produtor de efeitos jurídicos, podendo ser determinante na criação, modificação e extinção de direitos e encontra o seu fundamento, no caso dos créditos tributários, nos princípios da certeza e da segurança jurídica, uma vez que se trata de créditos irrenunciáveis e indisponíveis, é com base nestes princípios que se justifica a aplicação a estes créditos do instituto da prescrição.
3.ª
Enquanto que no direito privado o instituto da prescrição funda-se na negligência do credor, sendo esta entendida como desinteresse do credor e, por isso renuncia tácita ao seu direito de crédito, no direito fiscal o instituto da prescrição encontra o seu fundamento nos princípios da certeza e da segurança jurídica uma vez que a certeza e estabilidade das relações sociais não se compadece com a cobrança de impostos cujos pressupostos ou cujo vencimento tenham ocorrido em momento anterior àquele que o legislador entendeu como razoável para que se mantivesse o direito da Administração Tributária cobrar os impostos, que é o que fixou como prazo de prescrição dessas dívidas.
4:ª
O regime da prescrição em matéria tributária tem também algumas especificidades em relação ao regime civil que são as seguintes:
- ao contrário do que que acontece no regime civil, a prescrição da obrigação tributária é de conhecimento oficioso, devendo ser declarada “pelo juiz se o órgão de execução fiscal que anteriormente tenha intervido o não tiver feito” (art.º 175.º dop CPPT).
- o decurso do prazo de prescrição dos créditos tributários tem ainda uma outra especificidade em relação ao regime da prescrição em matéria civil, pois produz também efeitos no direito à prestação, que se extingue juntamente com o direito de acção.
5.ª
Com base nos factos julgados provados, o Tribunal, com referência à dívida mais antiga, IRS de 2000, julgou não prescritos os créditos tributários, em dois factos que, no entender do Tribunal recorrido, obstaram ao decurso do prazo de prescrição e que são:
- a suspensão do prazo de prescrição, provocada pela citação do Recorrente, até ao processo até ao trânsito da decisão que puser fim ao processo de execução fiscal.
- a suspensão do prazo de prescrição, causada pela declaração de insolvência do Recorrente, até ao encerramento do processo de insolvência.
6.ª
Nos processos de execução fiscal que correm termos no Serviço de Finanças de Vila do Conde em que o Recorrente é executado, estão em causa dívidas tributárias de IRS dos anos de 2000, 2002, 2003 e 2004, IVA dos anos 2004 e 2005, IMI do ano de 2005 e coimas do ano de 2008.
7.ª
A obrigação de pagamento das dívidas tributárias prescreve no prazo de 8 anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e os impostos de obrigação única a partir da data em que ocorreu o facto tributário - artigo 48.º, n.º 1 da LGT e as coimas prescrevem no prazo de cinco anos contados da data da sua aplicação – artigo 34.º do RGIT.
8.ª
A contagem do prazo de prescrição pode sofrer interrupções ou suspensões por força de processos, procedimento e factos que são os que estão identificados no artigo 49.º da lei Geral Tributária.
As causas de interrupção do prazo de prescrição estão enunciadas no n.º 1 do artigo 49.º da LGT e são os processos/procedimentos seguintes:
- reclamação
- recurso hierárquico
- impugnação
- pedido de revisão oficiosa
e ainda um facto que é:
- a citação
As causas suspensivas do prazo de prescrição são as que se encontram referidas no n.º 4 do citado artigo 49.º da LGT e são as seguintes:
- pagamento em prestações
- reclamação
- impugnação, recurso e oposição apenas quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.
9.ª
A interrupção do prazo de prescrição ocorre pela verificação de uma das causas enunciadas no n.º 1 do artigo 49.º que são, por natureza, eventos instantâneos que têm como efeito a paragem, naquele momento, do prazo de prescrição e a inutilização de todo o tempo decorrido até essa data (a inutilização do prazo já decorrido tem a natureza de penalização para o contribuinte e de salvaguarda do interesse da Administração Tributária na cobrança da dívida tributária) e o início da contagem de novo prazo de prescrição.
10.ª
Já as causas suspensão da prescrição são as que são “provocadas” pelo sujeito passivo e têm um efeito prolongado no tempo e, por esse motivo, admitem o aproveitamento do prazo de prescrição decorrido antes da verificação dessa causa, retomando a sua contagem após a cessação do efeito suspensivo.
11.ª
A citação não figura no elenco das causas suspensivas do prazo de prescrição pelo que não lhe pode ser atribuído tal efeito, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, seguindo a tese agora defendida por Jorge Lopes de Sousa, considerou que a citação tem um efeito interruptivo “duradouro”, perdurando no tempo até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo executivo.
12.ª
A tese defendida por Jorge Lopes de Sousa merece, salvo melhor opinião, alguns reparos que põem em causa a sua aplicação.
Desde logo, o próprio autor da tese parece ter alterado a sua posição sobre este assunto sem qualquer justificação.
13.ª
Na obra “Código de Procedimento e Processo Tributário, anotado e comentado”, Vol. II, Áreas Editora, Lisboa, 2007, p. 197.º e seguintes, anotação ao artigo 175.º. e na pág. 198, nota de rodapé (2) a posição defendida por Jorge Lopes de Sousa no regime anterior à Lei n.º 53-A/2006, era a de que as causas interruptivas produziam o seu efeito próprio, provocando apenas o reinício do prazo de prescrição, prazo esse que seria apenas afectado se a interrupção se convolasse em suspensão por efeito da paragem do processo por motivo não imputável ao contribuinte e por período superior a um ano.
14:ª
Já na obra “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas”, Áreas Editora, Lisboa, 2.ª edição, 2010, altera a posição anteriormente assumida, apesar de não ter havido nenhuma alteração legislativa, onde vem considerar que as mesmas causas interruptivas produzem efeito diferente – efeito interruptivo duradouro – sem qualquer justificação para a alteração de entendimento, defendendo para o efeito a aplicação do artigo 327.º do Código Civil para preenchimento de alegada lacuna da lei tributária.
15.ª
O que parece ter levado a esta alteração de posição terá sido uma interpretação errada da norma revogada do n.º 2 do artigo 49.º da LGT, a qual previa a degradação do facto interruptivo em facto suspensivo.
Importa perceber em que consistia esta degradação.
O citado n.º 2 do artigo 49.º dizia:
“A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
16.ª
O único efeito que a paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao sujeito passivo produzia era o de o tempo anteriormente decorrido, inutilizado por força da interrupção, passar a ser novamente considerado para efeitos de cômputo do prazo de prescrição (desta forma ia buscar o efeito da suspensão de aproveitamento do prazo decorrido antes do facto que originou a paragem do prazo de prescrição).
17.ª
O efeito da revogação daquela norma, alteração da lei em prejuízo do contribuinte foi o de, nos casos do processo de execução estar parado por mais de um ano por facto que não lhe seja imputável, já não poder aproveitar o tempo decorrido antes da interrupção da prescrição, como acontecia antes da revogação.
Por isso não se pode agora querer penalizar ainda mais o contribuinte, somando à perda do benefício de poder aproveitar o tempo anterior à interrupção, a desvantagem de ainda ver suspenso o prazo de prescrição até à extinção da execução.
18.ª
A tese em causa também não encontra acolhimento na lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, que aprova uma norma transitória, o artigo 91.º, com o seguinte teor:
“A revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo”.
19.ª
A revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se apenas aos prazos em curso em que tenha ocorrido uma causa interruptiva ainda não degenerada em suspensiva, pelo que, estando o prazo suspenso até à decisão que puser termo ao processo executivo por força da interrupção, não podia, ao mesmo tempo, estar em curso.
20.ª
A tese defendida pelo Tribunal recorrido, além dos problemas já alegados, também não encontra acolhimento no artigo 49.º da LGT.
O n.º 1 do artigo 49.º enuncia os processos e procedimentos cuja instauração conduz à interrupção do prazo de prescrição – reclamação, recurso hierárquico, impugnação e pedido de revisão oficiosa – que são todos da iniciativa do contribuinte.
A citação não tem qualquer intervenção do sujeito passivo, uma vez que é da competência da Administração Tributária.
21.ª
A suspensão do prazo de prescrição funciona como uma salvaguarda da Administração Tributária na cobrança dos créditos tributários, quando impede que o sujeito passivo use processos ou procedimentos com o intuito de conseguir a prescrição desses créditos.
22.ª
Como há efeitos da interrupção do prazo de prescrição que não estão determinados na legislação tributária, estamos perante uma lacuna da lei que importa integrar, a qual, por força do disposto na al. d) do n.º 2 da LGT deve ser feita pela aplicação das normas do Código Civil sobre esta matéria, tendo em conta a matéria em causa.
23.ª
A integração de lacunas da lei com recurso a legislação complementar deve fazer-se no estrito limite da lacuna em causa, indo buscar à legislação complementar apenas aquilo que a lei tributária não regula.
24.ª
A norma que no código civil regula a lacuna a preencher – efeitos da interrupção da prescrição – é a do artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil que estabelece os efeitos da interrupção da prescrição, fixando como consequência da interrupção da prescrição a inutilização de todo o tempo decorrido antes, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.
25.ª
O n.º 4 do artigo 49.º, definiu os casos em que se suspende a prescrição, sem fazer qualquer menção ou remissão para as situações em que no direito civil se suspende o prazo de prescrição pelo que fica afastada a aplicação à prescrição tributária a norma do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil, uma vez que não há lacuna que seja necessário preencher com esta norma.
26.ª
A suspensão do prazo de prescrição pressupõe sempre um acto do sujeito passivo – a instauração de processo ou procedimento dos previstos no n.º 4 do artigo 49-.º da LGT – que limite a actividade da Administração Tributária na prossecução do objectivo que lhe compete de cobrar os créditos tributários.
27.ª
A citação em execução fiscal, por si só, não dá origem a um processo.
A existência de um processo depende da vontade do sujeito passivo que é quem decide se deduz ou não oposição à execução.
28.ª
Só nos caso em que o sujeito passivo deduz oposição à execução está preenchido o pressupostos da existência de um acto do sujeito passivo, mas ainda assim este processo da iniciativa do sujeito passivo pode não ter efeito suspensivo da execução fiscal.
29.ª
As coisas serão diferentes se o contribuinte deduzir oposição à execução e prestar garantia com vista à suspensão da execução até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo, que só pode ser o de oposição à execução (e não a execução fiscal), uma vez que é o que impede que a execução prossiga para a cobrança do crédito.
30.ª
Resumindo, a suspensão da prescrição só acontece por facto imputável ao sujeito passivo que são: o pagamento em prestações e os processos da iniciativa do contribuinte - reclamação, recurso hierárquico, impugnação, pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo e oposição à execução – e apenas quando estes determinem a suspensão da cobrança da dívida, impedindo a Administração Tributária de praticar actos destinados à cobrança da dívida.
31.ª
O caso em que a execução fiscal se pode suspender está previsto na lei (artº.169, do C.P.P.T. e artº.52, da L.G.T.), e é apenas aquele em que o executado oferece uma garantia idónea susceptível de assegurar os créditos tributários, a qual deve abranger a dívida exequenda, juros de mora computados até cinco anos e custas, tudo acrescido de 25% e conforme dispõe o artº.199, nº.5, do C.P.P.Tributário.
32.ª
Embora a Administração Tributária fique impedida de cobrar o crédito, porque a execução fica suspensa, a cobrança efectiva do crédito fica assegurada através da garantia prestada pelo sujeito passivo e da suspensão do prazo de prescrição até à decisão do processo de oposição à execução (é a este processo que a lei se refere quando diz que o prazo de prescrição se suspende “enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo”).
33.ª
A atribuição à citação de efeito suspensivo será permitir que a prescrição passe a depender da vontade da Administração Tributária que pode manter a execução durante os anos que entender até à declaração em falhas, pondo em causa os princípios que conformam o regime da prescrição fiscal que são os da certeza e da segurança jurídica, premiando desta forma a inércia da Administração Tributária na cobrança do crédito.
34.ª
O Tribunal recorrido entende ainda que o processo de execução fiscal esteve suspenso até ao encerramento do processo de insolvência em que o Recorrente foi declarado insolvente que correu termos no Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 1, sob o n.º 1439/04.8TYLSB, e foi encerrado no dia 21 de Setembro de 2018.
35.ª
O Recorrente entende que este facto – declaração de insolvência – não é impeditivo da prescrição, uma vez que, o artigo 100º do CIRE que determina a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade foi declarado inconstitucional pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 557/2018, publicado o Diário da República de 14 de Novembro de 2018, o qual apesar de referir apenas o responsável subsidiário é de aplicação em todos os casos, inclusivé o responsável originário.
36.ª
O acórdão referido tem o seu fundamento no facto do Tribunal Constitucional considerar que as causas de suspensão da prescrição das obrigações tributárias são matéria de garantia dos contribuinte.
37.ª
Sendo matéria de garantia dos contribuintes incluem-se no domínio da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia de República (artigo 165.º, n.º 1, al. i) da Constituição da República Portuguesa), sobre a qual o Governo só pode legislar quando autorizado para tal.
38.ª
A Lei de autorização legislativa, Lei n.º 39/2003, de 29.12, que autoriza o Governo a legislar sobre a insolvência de pessoas singulares e colectivas, não contém qualquer autorização para que o Governo legisle sobre matéria relativa à prescrição das dívidas tributárias.
39.ª
O Tribunal Constitucional decidiu julgar inconstitucional a norma do artigo 100.º do CIRE por violação do artigo 165.º, n.º 1, al. i) da Constituição da República Portuguesa, por o governo não ter legislado ao abrigo de autorização legislativa e ser inovadora a causa de suspensão ali prevista em matéria de dívidas tributárias.
40.ª
Os fundamentos que estão na base da declaração de inconstitucionalidade da norma do artigo 100.º do CIRE, abrangem toda a matéria referente à prescrição das dívidas tributárias, uma vez que estamos perante uma inconstitucionalidade orgânica, a qual é por isso transponível para o caso do devedor originário.
41.ª
A declaração de insolvência do Recorrente não teve o efeito que o Tribunal Recorrido lhe atribuiu, ou seja, a suspensão do prazo de prescrição daquelas dívidas, pelo que, o prazo que decorreu entre a data da declaração de insolvência do Reclamante, em 12 de Janeiro de 2005 e a data de encerramento do processo de insolvência em 21 de Setembro de 2018, deve ser considerado para cômputo do cálculo do prazo de prescrição.
42.ª
Como o prazo de prescrição não esteve parado por nenhuma das causas a que o Tribunal recorrido atribuiu efeitos suspensivos, as dívidas estão prescritas.
Como a douta sentença recorrida violou as normas invocadas nestas conclusões, deverá por isso ser revogada.
JUSTIÇA!”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 289.º, n.º 1, do CPPT, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso por entender que a decisão recorrida fez correcta análise e interpretação dos factos e correcta se mostra a sua subsunção jurídica, mostrando-se ancorada em pertinente jurisprudência do T. C. e deste STA, bem como de doutrina pertinente que a propósito cita, não sendo passível de quaisquer censuras.
*
Os autos vêm à conferência com dispensa de vistos dada a natureza urgente do processo.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:
2.1. - Dos Factos:
Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Corre termos no Serviço de Finanças de Vila do Conde, o processo de execução fiscal (PEF) n.º 1902200601075233 e apensos instaurados contra o executado, aqui Reclamante, A………………, contribuinte fiscal n.º …………….., para cobrança de dívidas de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), ano de 2005, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), anos de 2000, 2002, 2003 e 2004, Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), ano de 2004 e 2005 e coimas, ano de 2008, no montante global de € 64.297,76 (sessenta e quatro mil duzentos e noventa e sete euros e setenta e seis cêntimos).
- Cfr. quadro elaborado na informação subjacente ao ato reclamado a fls. 14 dos autos e certidões de dívidas a fls. 59, 140 a 150 dos presentes autos;
2. O executado originário, ora Reclamante, tomou conhecimento da instauração dos processos de execução fiscal n.º 1902200601075233 e apensos nas seguintes datas:




- Cfr. informação a fls. 14 dos autos;
3. Em 12.01.2005, no âmbito do processo de insolvência n.º 1439/04.8TYLSB, que correu termos no 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, foi proferida sentença que declarou a insolvência do executado Reclamante.
- Cfr. informação a fls. 14 dos autos e sentença de declaração de insolvência a fls. 77 a 81 dos autos;
4. O processo de insolvência a que se alude em 3) encerrou em 21 de setembro de 2018.
- Cfr. informação oficial a fls. 14 dos autos;
5. Em 07.01.2019, o Reclamante apresentou requerimento a solicitar o reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas e a extinção das execuções, nos termos e com os fundamentos que, em parte, ora se transcrevem:
“(…)
2
Os processos de execução que têm por base impostos não pagos pelo Requerente (IVA e IRS), foram instaurados há mais de 10 anos.
(…)
6
O requerente foi declarado insolvente no processo de insolvência que correu termos no Juízo de Comércio de Lisboa – Juiz 1, sob o nº 1439/04.8TYLSB.
7
No entanto, este facto não é impeditivo da prescrição, uma vez que, o artigo 100º do CIRE que determina a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade foi declarado inconstitucional (…)”.
8
Embora este acórdão se refira apenas ao responsável subsidiário, é entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que os fundamentos da inconstitucionalidade da norma referida são transponíveis para o caso do devedor originário (…)”.
(…)
11
A norma do artigo 100.º do CIRE enferma por isso de inconstitucionalidade orgânica quer no que respeita ao responsável ao responsável subsidiário quer quanto ao devedor originário.
12
As dívidas tributárias cujo pagamento é reclamado nos processos de execução fiscal que correm termos nesse Serviço de Finanças em que o Requerente é executado estão por isso prescritas.
(…)
- Cfr. documento 2 junto à petição inicial a fls. 23 e 24 dos autos;
6. Em 20.02.2019, foi elaborada pelo Serviço de Finanças de Vila do Conde, em resposta ao requerimento identificado em 5), a seguinte informação que aqui, em parte, se transcreve:
“(…)
4. Por sentença proferida nos autos de insolvência n.º 1439/04.8TYLSB do 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, em 12 de Janeiro de 2005, o executado A…………… foi declarado insolvente.
O processo de insolvência terminou em 21 de Setembro de 2018.
Durante o período em que decorreu o processo de insolvência, os processos de execução fiscal estiveram suspensos ao abrigo do disposto no artigo 180º do Código de procedimento e de Processo Tributário.
5. Assim é de concluir que os processos de execução fiscal não se encontram prescritos em virtude da suspensão ocorrida em consequência da insolvência decretada em 12 de Janeiro de 2005 e encerrada em 21 de Setembro de 2018
As dívidas foram instauradas em nome do executado, não havendo no caso distinção entre responsáveis subsidiários, não se aplica o determinado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no Processo n.º 0694/17.8BEALM0789/18.
(…)”.
- Cfr. informação a fls. 12 dos autos;
7. Na informação referida em 6) foi exarado o despacho reclamado com o seguinte teor:

DESPACHO
Concordo.
Considero, assim, que as dívidas não se encontram prescritas.
(…)”.
- Cfr. informação e despacho a fls. 12 dos autos;
8. Por ofício n.º GPS2019S47985, de 20.02.2019, remetido através de carta registada – registo dos CTT n.º RH295835958PT – foi endereçada ao Reclamante a resposta de que os processos de execução fiscal não se encontravam prescritos.
- Cfr. ofício a fls. 13 dos autos;
9. Em 05.03.2019, o Reclamante deduziu a presente Reclamação do Ato do Órgão de Execução Fiscal.
- Cfr. fls. 17 dos autos;
10. Em 06.12.2012, foi proferida no âmbito dos processos de execução fiscal em causa, declaração em falhas.
- Cfr. auto de diligências a fls. 126 dos autos;
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (aprovado pela Lei n.º 41/013, de 26 de Junho).
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente improcedente a reclamação, padece de erro de julgamento por ter ocorrido a prescrição das dívidas e se se verificou alguma causa de interrupção ou suspensão daquela, sendo certo que o processo de insolvência decorreu entre 12/01/2005 e 21/09/2018.
Mais concretamente e em primeiro lugar, tendo em conta as causas de pedir inicialmente invocadas e tratadas na sentença recorrida, importa determinar se a declaração de insolvência do executado originário tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição em obediência ao artigo 100º do CIRE ou se este normativo não pode ser aplicado por haver sido declarada a sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral e os fundamentos subjacentes a esse juízo de inconstitucionalidade serem transponíveis para o devedor originário.
Enfrentando tal questão, no proémio à mesma feito pelo julgador, evoca este a doutrina plasmada no acórdão do STA-SCT de 11.10.2006, processo n.º 0713/05 que aponta para que, para se verificar a prescrição da obrigação tributária é necessária a verificação cumulativa de duas condições, a saber: (i) escoamento do prazo legal de prescrição e (ii) a inexistência de interrupção ou suspensão da prescrição durante esse prazo.
Ainda com acerto e quanto ao prazo prescricional aplicável, em louvação do acórdão do STA-SCT, de 06.10.1999, tirado no processo n.º 23.736, dá-se nota na sentença que é o de 8 anos (artigo 48º da LGT) o prazo a ter em conta nos presentes autos, por a LGT já vigorar à data da constituição das dívidas tributárias em causa.
Após, o Mº juiz a quo fixou como sendo o regime legal dentro do qual se deve solver a controvérsia suscitada nos autos, a normação integrada pelos artigos 48º e 49º da LGT, artigo 34º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), artigo 100º do CIRE e artigo 321º do Código Civil.
Assim, nos termos do artigo 48º da LGT:
“1- As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
2- As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.”
Dispondo sobre as causas interruptivas e suspensivas da prescrição determina o artº 49º da LGT que a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
(…) 3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
(…)”
No que tange ao prazo prescricional das sanções por contra-ordenação institui o artigo 34º do RGIT o prazo de cinco anos a contar da sua aplicação.
Por fim, o artigo 100º do CIRE, estabelece que a sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.
Arrimado a essa normatividade, o julgador adoptou o seguinte discurso jurídico em vista da solução do caso concreto:
“(…)
Em causa nos autos, estão os seguintes tributos: Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), ano de 2005, Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), anos de 2000, 2002, 2003 e 2004, Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), ano de 2004 e 2005 e coimas, ano de 2008, no montante global de € 64.297,76 (sessenta e quatro mil duzentos e noventa e sete euros e setenta e seis cêntimos) – cfr. ponto 1 do probatório.
Na situação em apreço, a prescrição, se nenhuma causa de interrupção ou suspensão existir, considerando a quantia exequenda mais antiga – respeitante a IRS de 2000 – iniciando-se o termo inicial de prescrição em 01.01.2001 (artigo 48º, nº 1 do CPPT), o prazo de prescrição completar-se-ia em 31.12.2008.
Os autos dão notícia que o Reclamante/executado foi citado no processo de execução fiscal apenso n.º 1902200601093398, respeitante à dívida de IRS, anos de 2000, 2003 e 2004, em 18.12.2006 (cfr. ponto 2 dos factos provados).
Ora, a citação ocorrida em 18.12.2006 impediu a prescrição, interrompendo o seu curso, que se completaria, como avançamos, em 31.12.2008, quanto ao IRS mais antigo do ano de 2000.
A citação tem a virtualidade de interromper o prazo prescricional, eliminando-se, quanto à dívida de IRS, ano de 2000, o tempo decorrido desde 01.01.2001 e obstando ao decurso do prazo da prescrição até ao “trânsito” da decisão que vier a pôr fim ao processo de execução fiscal, data a partir do qual se começa a contar novo prazo de prescrição de 8 anos – neste sentido, vide Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, páginas 55 e 61, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa.
Espelha o probatório que, em 06.12.2018, foi declarada em falhas as dívidas em cobrança nestes autos.
Relativamente a esta declaração, a jurisprudência tem sufragado o entendimento de que a mesma possui a virtualidade de pôr fim ao efeito interruptivo da prescrição decorrente da citação.
Neste sentido, acórdão do STA de 31.01.2018, proferido no processo n.º 021/18 em cuja fundamentação se explana:
“(…)
Noutras situações, o processo de execução fiscal poderá terminar em declaração em falhas nas situações previstas, actualmente, no art. 272.º do CPPT. Embora esta declaração não obste ao prosseguimento do processo, que é renovado se se encontrarem bens penhoráveis (art. 274.º do CPPT), deverá ser equiparada a decisão que põe termo ao processo, como, aliás, decorre do facto de a norma ser inserida na Secção X, do Título IV, do CPPT que tem a epígrafe «Da extinção da execução». De resto, não se compreenderia que o processo pudesse aguardar eternamente pela descoberta de novos bens, pois tal é incompaginável com as razões de segurança jurídica ínsitas no instituto da prescrição extintiva.
Ou seja: quando a interrupção da prescrição deriva de facto associado a um processo de execução fiscal (o novo prazo da prescrição) deve contar-se a partir da decisão que lhe puser termo, considerando-se como tal também a declaração em falhas” (cfr. “Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas”, a págs. 61 e 62). E, sendo certo que a execução por dívida declarada em falhas poderá prosseguir nos termos do art. 274.º do CPPT, sem necessidade de nova citação e a todo o tempo, logo que haja conhecimento de que o executado, seus sucessores ou outros responsáveis possuem bens penhoráveis, tal só será viável se a dívida não se encontrar prescrita, prescrição que, em princípio, nunca estaria em causa se o efeito interruptivo duradouro decorrente da citação não cessasse com o termo, ainda que provisório, do processo de execução fiscal, por declaração em falhas.(…)”.
Assim, na situação vertente temos que, em todas as dívidas em cobrança nestes autos, a citação do Reclamante, na qualidade de executado originário, ocorreu antes de se ter completado o prazo prescricional, fosse ele o prazo de oito anos quanto às dívidas de IMI, IRS e IVA ou cinco anos quanto às dívidas relativas a coimas – cfr. ponto 2 do probatório – razão pela qual, mesmo desconsiderando outras eventuais causas suspensivas daquele prazo prescricional, o certo é que, a citação do Reclamante dentro do prazo prescricional, impede a ocorrência da prescrição que só inicia a sua contagem após a declaração em falhas que ocorreu em 06.12.2018.
É este o sentido afirmado pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: “a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único efeito próprio da interrupção, presente em todas as situações (artigo 326.°, n.º 1, do CC). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.°, n.º 1, do CC). Resultam, assim, destes artigos 326.° e 327.º dois conceitos de interrupção da prescrição ou interrupções de dois tipos: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição)”. – in, Notas práticas sobre a prescrição da obrigação tributária, Áreas Editora, página 51.
A citação do Reclamante, executado originário, é, assim, bastante para obstaculizar a verificação da prescrição.
Além da citação, dão os autos conta de que o executado/Reclamante foi declarado insolvente em 12.01.2005 e que o processo de insolvência apenas encerrou em 21.09.2018 (cfr. pontos 3 e 4 do probatório) período durante o qual o curso da prescrição não correu, consoante estabelece o artigo 100º do CIRE.
A discórdia dos presentes autos localiza-se, exatamente, nos efeitos que este facto – declaração de insolvência do executado originário – tem na contagem do prazo de prescrição.
O Reclamante defende a não aplicação do artigo 100º do CIRE por os fundamentos subjacentes à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 557/2018 serem transponíveis também para o caso do devedor originário.
Contrapõe a Fazenda Pública o argumento de que o descrito fundamento apenas é aplicável ao devedor subsidiário o que não se verifica nos presentes autos na medida e que o Reclamante é o devedor originário.
Vejamos.
Como supra se destacou, decorre do artigo 100º do CIRE que “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo”.
É verdade que o Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão n.º 362/2015 de 09.07.2015, depois de chamado a aferir da conformidade constitucional do artigo 100º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, (CIRE), quando interpretado no sentido de determinar a suspensão dos prazos prescricionais no âmbito do processo tributário quando estava em causa o devedor subsidiário, decidiu julgar organicamente inconstitucional aquele normativo.
E depois de outra decisão, por acórdão do Tribunal Constitucional n.º 557/2018, publicado no Diário da República de 14 de novembro de 2018, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
Porém, sublinhe-se, tal acontece relativamente ao devedor subsidiário e não já quanto ao Reclamante que é executado principal, sendo de aplicar, contrariamente ao por si defendido, o estabelecido no artigo 100º do CIRE, por não se estar a responsabilizar alguém pelo pagamento de uma dívida de outrem, mas sim, se estar a efetivar a responsabilização do devedor originário.
A questão colocava-se, ao TC, em saber se a declaração de insolvência de uma empresa – devedor originário – podia determinar a suspensão do prazo de prescrição das dívidas tributárias de um gerente – devedor subsidiário –, entretanto revertidas, tendo aquele alto Tribunal declarado que a norma constante do artigo 100º do CIRE vale apenas e na medida em que os efeitos da suspensão dos prazos não irradiem para fora do processo de insolvência tendo em conta o carácter universal da execução, considerando que, a situação do responsável subsidiário em face da Administração Fiscal não é idêntica, uma vez que, mediante a reversão, a Administração tributária continua a poder exigir o crédito tributário, podendo efetivar a responsabilidade subsidiária por reversão do processo de execução fiscal, com fundamento na “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal” (artigo 23.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).
Assim sendo, entendeu o TC julgar a referida norma, inconstitucional com força obrigatória geral, por violação do artigo 165º, n.º 1, alínea i) da Constituição, quando interpretada no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
Mas, em causa está, como se vê, a responsabilidade por dívidas tributárias do executado principal e não já do(s) devedor(es) subsidiário(s)/revertido(s), donde, não se vislumbram razões para a não aplicação do artigo 100º do CIRE, enquanto causa suspensiva da prescrição.
Ademais, como se disse no último acórdão do Tribunal Constitucional n.º 557/2018 que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do artigo 100º do CIRE, cujos ensinamentos colhemos e acompanhamos:
“(…)
Com efeito, nos três julgamentos de inconstitucionalidade que deram origem aos presentes autos apenas esteve em causa um específico sentido do citado preceito: somente foi julgada inconstitucional a interpretação normativa segundo a qual a declaração de insolvência determina a suspensão da prescrição das dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário (e não ao devedor insolvente) no âmbito do processo tributário.
Quer isto dizer que não se questionou a suspensão da prescrição das dívidas tributárias exigidas ao insolvente, mas apenas a interpretação segundo a qual a mesma regra é também aplicável a quem não é o insolvente - e, por isso, não intervindo no respetivo processo -, exigindo-se-lhe o tributo como responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
(…)
Nos presentes autos, como referido, não se questiona a aplicação da suspensão do prazo de prescrição às dívidas tributárias do devedor principal insolvente. Discute-se tão-somente a constitucionalidade do artigo 100.º do CIRE, na interpretação que aplica a suspensão prescricional aí prevista também ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
(…)”
Aqui volvidos, é evidente que na situação que nos é colocada a prescrição não se verifica, pois que, além da causa interruptiva referente à citação, também a suspensão ocorrida com a insolvência entre 12.01.2005 e 21.09.2018, por aplicação do artigo 100º do CIRE, impediria o seu decurso.”
O assim fundamentado e decidido não é digno das censuras que lhes são dirigidas pelo recorrente porquanto, para além de não ser questionável a aplicação da suspensão do prazo de prescrição às dívidas tributárias do devedor principal insolvente, como é o caso do reclamante, também não o é, como enfatiza a EPGA, que, tendo ocorrido, em todos os casos submetidos a juízo, a citação do executado originário, como assente no probatório, não questionado, tal facto é suficiente para que não ocorra a prescrição.
Nesse sentido se pronunciaram vários acórdãos deste STA-SCT, pesquisáveis em www.dgsi.pt, em que pontifica o de 17.01.2018, da 2ª sec., no processo nº 01463/17 em cujo sumário se modelou:
“I – A interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (nº 1 do art. 49º da LGT) inutiliza para a prescrição o tempo decorrido até à data em que se verificou esse facto interruptivo (nº 1 do art. 326º do CCivil) e obsta ao início da contagem do novo prazo de prescrição enquanto o processo não findar (nº 1 do art. 327º do CCivil).”
No mesmo sentido cfr. acórdãos de 19-10-2016, recurso nº01060/16 e de 26-08-2015, no Processo nº01012/15.
Todavia, subsistem algumas questões que carecem de melhor explicitação. Uma, conexa com a norma extraída do artigo 100º do CIRE, segundo a qual a declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente (originário) e que consiste em saber se, face à jurisprudência constitucional sucessivamente produzida sobre a matéria, enferma (ou não) de inconstitucionalidade orgânica, consoante se considere que a sua edição foi (ou não) previamente autorizada por lei parlamentar; a outra, ligada com a aplicabilidade, ou não, do regime da interrupção do prazo prescricional normal, nos apontados termos e por referência aos acórdãos supra citados, às dívidas provenientes de coimas e se a estas é adequável o regime de suspensão do mesmo prazo nos termos que brotam da mesma jurisprudência constitucional.
Aquilatemos.
Começando por escalpelizar a segunda questão, diremos que vale aqui a jurisprudência pelo TCAS extraída sobre a matéria, de que é representativo o Acórdão daquele Tribunal Superior de 2/10/2012, no Recurso nº05436/12, disponível em www.dgsi.pt, e de que foi relator o Exmº Juiz Conselheiro Joaquim Condesso, 1º adjunto da presente formação.
Versando sobre o regime de prescrição das coimas e respectivos fundamentos, mostra que existe um termo absoluto do prazo daquela prescrição e define a regra do cômputo do mesmo.
Nesse sentido, consagra-se no aludido aresto que existe, quanto às contra-ordenações fiscais, norma específica regulamentadora do prazo da prescrição das respectivas coimas (cfr. artº.36, do C.P.T.; artº.120, da L.G.T.; artº.34, do R.G.I.T.), sendo essa a norma aplicável e não a do regime geral das contra-ordenações, constante do artº.29, do mesmo diploma, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10.
Mais dimana do sumário do douto acórdão que vimos citando que “5. O prazo de prescrição da coima previsto no artº.34º, do R.I.G.T., é de cinco anos, sendo o termo inicial do mesmo a data do trânsito em julgado da decisão administrativa/judicial que aplicou a coima, apesar do legislador fazer referência à data da sua aplicação, sendo esta interpretação que se deve ter como a mais acertada e que melhor se coaduna com a unidade do sistema jurídico, atentos os ditames consagrados no artº.9, do C.Civil.
6. Determina o legislador, no preceito sob exame, a aplicação ao regime de prescrição da coima das causas de suspensão e de interrupção previstas na lei geral, mais exactamente nos artºs.30 e 30-A, do Regime Geral das Contra-Ordenações (R.G.C.O.) aprovado pelo Dec.Lei 433/82, de 27/10.
7. No nº.2, do artº.30-A, do R.G.C.O., consagra-se um termo absoluto para a prescrição da coima, determinando-se que a mesma ocorre sempre que, ressalvado o período de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, à semelhança do que se estabelece no artº.126, nº.3, do C. Penal, para a prescrição da pena. Assim, descontado o período de suspensão da prescrição que eventualmente se tiver verificado, a prescrição ocorrerá sempre que tiverem decorrido sete anos e meio sobre a data do trânsito em julgado da decisão de aplicação da coima.
8. A simples instauração do processo executivo visando a cobrança coerciva da coima não reveste virtualidade, por si só, para constituir uma causa de suspensão da prescrição, dado não constar do elenco das medidas suspensivas previstas no citado artº.30, do R.G.C.O.”
Decorre então do doutrinado no aludido acórdão que a citação não tem virtualidade interruptiva do prazo prescricional relativo às coimas, sendo de 7 anos e meio o termo desse prazo por força do artº 34º do RGIT em conjugação com o artº 30º-A, nº2 do RGCO.
A essa luz e perante a factualidade apurada, operaria a prescrição da dívida proveniente de coimas referentes a infracções cometidas em 2008 e relativamente às quais a citação foi efectuada em 07/07/2008 (vide ponto 2 do probatório).
Portanto, a resposta à questão em apreço é outra, sobre se é aplicável, ou não, o regime da interrupção do prazo prescricional normal, nos apontados termos e por referência aos acórdãos supra citados, só pode ser negativa.
Mas já será se sentido oposto no que tange a saber se às dívidas em apreço é adequável o regime de suspensão do mesmo prazo nos termos que provêm da jurisprudência constitucional.
Trata-se, pois, de aferir se o artº 100º do CIRE encerra um vector suspensivo do prazo de prescrição da coima.
Pontifica a respeito o disposto na al. a) do artigo 30.º do regime Geral das Contra Ordenações (DL n.º 433/82, de 27 de Outubro) que, sob a epígrafe “Suspensão da prescrição da coima”, institui:
“A prescrição da coima suspende-se durante o tempo em que:
a) Por força da lei a execução não pode começar ou não pode continuar a ter lugar;
(…).”
Aplicando esse regime ao caso posto, impõe-se concluir que por força do artº 100º do CIRE ocorre um vector suspensivo do prazo de prescrição da coima.
Todavia, como vimos, na tese da sentença e sufragando a solução ditada no acórdão do TC em que a mesma se arrima, não se questiona a aplicação da suspensão do prazo de prescrição às dívidas tributárias do devedor principal insolvente, mas tão-somente a constitucionalidade do artigo 100.º do CIRE, na interpretação que aplica a suspensão prescricional aí prevista também ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário.
A ser assim, já as dívidas provenientes de coimas não estariam prescritas como se dita na sentença embora sem referir a suspensão instituída pelo artº 30º, al. a) do RGCO fundada no artº100º do CIRE por força do qual a execução não podia começar ou não podia continuar a ter lugar.
Neste conspecto cabe referir as variações da jurisprudência constitucional e do próprio STA gerada em redor do artº 100º do CIRE.
Assim, no Acórdão do STA de 03-10-2018, no Recurso nº 0694/17.8BEALM (0789/18) ditou-se uma jurisprudência oposta à que dimana do Acórdão do TC em que se louvou a sentença recorrida como se capta do respectivo sumário que a seguir se excerta:
“I - As causas de suspensão da prescrição das dívidas fiscais são matéria de garantias dos contribuintes, abrangidas no âmbito da reserva de lei parlamentar (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i)), quer as respeitantes aos responsáveis subsidiários, quer as respeitantes aos originários devedores, sendo que umas e outras são, nos termos da lei tributária, as mesmas (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 48.º da LGT), daí que o Governo só possa sobre elas legislar munido de válida autorização legislativa para o efeito, que o Acórdão do Tribunal Constitucional já por duas vezes reconheceu inexistir no que às dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário no processo tributário respeita (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 362/2015, de 9/07/2015 e n.º 270/2017, de 31/05/2017).
II - Perante os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, que, na verdade, em rigor, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais, entende-se que os mesmos e, bem assim, o aludido juízo de inconstitucionalidade que daí deriva, são transponíveis também para o caso do devedor originário.”
Para melhor compreensão das razões que presidiram à fixação desse entendimento, transcreve-se a o bloco fundamentador que se reputa mais significativo:
“(…)
O recorr(ente)ido pugna pela manutenção do julgado recorrido, não apenas pela fundamentação aduzida na sentença como também em razão de inconstitucionalidade material do artigo 100.º do CIRE interpretado no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias quando o credor não reclame essas dívidas no processo de insolvência.
Vejamos, pois.
Não é sindicado pelas partes e afigura-se-nos correcto o entendimento adoptado na sentença recorrida quanto ao prazo de prescrição aplicável, quanto ao seu termo inicial de (re)contagem após a interrupção derivada da citação do executado e bem assim quanto à irrelevância para efeitos de suspensão do referido do prazo do deferimento do pedido de pagamento em prestações, porquanto não determinou a suspensão do processo executivo.
Daí que possamos assentar que, no caso dos autos, a dívida exequenda – IRS de 2004 – prescreveu a 22 de Janeiro de 2017, oito anos após a declaração em falhas do processo executivo, a menos que se reconheça, como pretendido pela recorrente AT, que o prazo de prescrição se suspendeu entre a data da declaração de insolvência (18/12/2009) e a data do trânsito em julgado da decisão judicial de encerramento do processo de insolvência, mercê do disposto no artigo 100.º do CIRE.

A sentença recorrida inaplicou ao caso dos autos a suspensão do prazo de prescrição prevista naquela disposição legal, fundamentando o decidido nos seguintes termos:
«(…) a 18.12.2009, foi proferida sentença de declaração de insolvência do Reclamante, verificando-se o seu encerramento em 16.06.2010 (cfr. alínea D) do probatório).
Ora, dispõe o artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, que “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo”.
No entanto, a este propósito, como aponta a DMMP, importa considerar o entendimento do Tribunal Constitucional no acórdão n.º 362/2015, de 9 de Julho de 2015, que decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do CIRE, quando interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário, com os seguintes fundamentos que, para o que ao caso interessa, a seguir se transcrevem:
“(…) Com efeito, como decorre do disposto no n.º 2, do artigo 165.º da Constituição, as leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido e a extensão da autorização. Torna-se a todos os títulos claro que o sentido e extensão significam a «predefinição parlamentar da orientação política da medida legislativa a adotar» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 337). Não sendo obrigatório que «a autorização contenha um projeto do futuro decreto-lei [...], [ela] não pode ser, seguramente, um cheque em branco» (v. idem, ibidem).
Ora, do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea a), da Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, na parte referente às consequências para o Estado da declaração de insolvência, não decorre a concessão de autorização para legislar em matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais. Assim, e uma vez que aquela expressão se encontra, na economia do diploma autorizativo, desligada de qualquer especificação quanto ao seu conteúdo, da mesma não é extraível qualquer sentido útil, face às exigências do disposto no artigo 165.º, n.º 2, da Constituição, para efeitos de credencial parlamentar bastante. Do mesmo modo, também no resto do diploma não se encontra nada que pudesse agora conferir uma fonte útil de credencial legiferante para matérias relacionadas com a prescrição de dívidas tributárias, designadamente do responsável subsidiário.
Neste contexto, o artigo 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário no âmbito do processo tributário, ao ser editado pelo Governo a descoberto de credencial parlamentar e tendo em conta a matéria que regula, enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica.
II. Decisão
Pelo exposto, decide-se: [j]ulgar inconstitucional, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a norma do artigo 100.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário” [sublinhado e destaque nossos].
E se é certo que tal aresto incide sobre um caso em que foi discutida a situação de dívidas tributárias revertidas contra o devedor subsidiário, certo é também que, de acordo com tal juízo de inconstitucionalidade, o artigo 100.º do CIRE, enferma de inconstitucionalidade, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP, por o governo não ter legislado ao abrigo de autorização legislativa e ser inovadora a causa de suspensão ali prevista em matéria das dívidas tributárias.
Assim, perante os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, que, na verdade, em rigor, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais, entende-se que os mesmos e, bem assim, o aludido juízo de inconstitucionalidade que daí deriva, são transponíveis também para o caso do devedor originário.
O que significa que a declaração de insolvência do Executado não tem a virtualidade de suspender o prazo de prescrição, pelo que este período que decorreu entre a declaração de insolvência e a declaração judicial do seu encerramento não deve entrar para o cômputo do cálculo do prazo prescricional, verificando-se, antes, que nesta altura o mesmo se encontrava a correr ininterruptamente.». (fim de citação)
O juízo formulado pelo Tribunal “a quo” afigura-se-nos correcto, embora a última palavra sobre a questão seja necessariamente do Tribunal Constitucional, para o qual será obrigatória a interposição de recurso pelo Ministério Público caso este STA confirme o juízo de inaplicabilidade da norma com fundamento em inconstitucionalidade.
Ora, é para nós pacífico que as causas de suspensão da prescrição das dívidas fiscais são matéria de garantias dos contribuintes, abrangidas no âmbito da reserva de lei parlamentar (artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º 1, alínea i)), quer as respeitantes aos responsáveis subsidiários, quer as respeitantes aos originários devedores, sendo que umas e outras são, nos termos da lei tributária, as mesmas (sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 48.º da LGT), daí que o Governo só possa sobre elas legislar munido de válida autorização legislativa para o efeito, que o Acórdão do Tribunal Constitucional já por duas vezes reconheceu inexistir no que às dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário no processo tributário respeita (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 362/2015, de 9/07/2015 e n.º 270/2017, de 31/05/2017)
Como pacífico é, na jurisprudência deste STA, que o artigo 100.º do CIRE, interpretado no sentido da sua aplicabilidade às dívidas tributárias, introduziu uma causa de suspensão da prescrição inovadora, sem antecedente na precedente legislação falimentar, nem sendo lícito buscar no direito comum causas de suspensão da prescrição de dívidas fiscais não especialmente previstas na legislação tributária. Como se consignou no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA de 15 de Outubro de 2014, rec. n.º 0431/14, e aqui se reitera, os prazos de prescrição, como os de caducidade, por contenderem com garantias dos contribuintes, estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária (cfr. o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição e o artigo 8.º, n.º 2, alínea a) da Lei Geral Tributária), encontrando-se abrangidos no âmbito da reserva de lei não apenas a definição dos prazos gerais de prescrição e de caducidade, como também os respectivos factos interruptivos e suspensivos, que os condicionam inelutavelmente. / Daí que (…), na ausência de norma legal no CPEREF que previsse a suspensão do prazo de prescrição em virtude da avocação dos processos executivos ao processo de falência, a conclusão a tirar, necessariamente, era a de que tal facto não tinha efeitos suspensivos do prazo de prescrição./ E nem se argumente – (…) –, com a aplicação subsidiária do disposto no n.º 1 do artigo 321.º do Código Civil (suspensão por motivo de força maior) pois que esta causa de suspensão prevista na lei comum, se aplicável, apenas determinaria a suspensão da prescrição nos últimos três meses do prazo, e, em qualquer caso, não há que buscar no direito civil causas de suspensão ou interrupção da prescrição não especialmente previstas nas leis tributárias. É que, se o legislador tributário entendeu prever factos especiais a que atribui efeito suspensivo (ou interruptivo), é a esses, apenas, que haverá que reconhecer tal efeito, não sendo lícita a integração de supostas lacunas por via da aplicação subsidiária das normas de direito civil.
É verdade que, secundando a lição de JORGE LOPES DE SOUSA, este STA chegou a entender que o artigo 100.º do CIRE era aplicável à prescrição das dívidas tributárias – cfr., entre outros, os Acórdãos de 5 de Dezembro de 2012, rec. n.º 1225/12, de 14/5/2014, rec. n.º 115/14 e de 18/6/2014, rec. n.º 119/14 -, entendimento esse que abandonou após pronúncia do Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 362/2015 e que conduziu, nuns casos, à reformulação da decisão por imposição da declaração de inconstitucionalidade – cfr., por todos, o Acórdão de 7 de Outubro de 2015, proferido no recurso n.º 0115/14 –, quer a adopção do entendimento do Tribunal Constitucional em casos similares - cfr., por todos, o Acórdão de 6 de Dezembro de 2017, rec. n.º 0115/16.
Não pode deixar de reconhecer-se, como aliás bem faz o recorrido, que o caso dos autos tem contornos diversos daqueles sobre os quais o Tribunal Constitucional se pronunciou expressamente, pois que em causa estão, não dívidas tributárias imputadas a um responsável subsidiário, mas ao seu originário devedor. E que decorre da fundamentação do referido Acórdão do Tribunal Constitucional que a situação específica do responsável subsidiário foi tida em consideração pelo Tribunal Constitucional, designadamente para rebater os argumentos da anterior jurisprudência do STA no sentido da não inconstitucionalidade do artigo 100.º do CIRE quando interpretada no sentido da sua aplicabilidade ao responsável subsidiário.
Parece-nos, contudo, que não obstante a especificidade da situação dos autos – que a sentença também reconhece -, não merece censura a sentença recorrida que decidiu que perante os fundamentos que estão na base do juízo de inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 100.º do CIRE, formulado pelo Tribunal Constitucional, que, na verdade, em rigor, abrangem toda matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais, entende-se que os mesmos e, bem assim, o aludido juízo de inconstitucionalidade que daí deriva, são transponíveis também para o caso do devedor originário.”
Sucede que no recentíssimo acórdão do Tribunal Constitucional de 4/12/2019, no Processo nº112/2019-3ª Secção, a jurisprudência fixada no aresto do STA que acabámos de sinalizar, foi frontalmente derrogada ao decidir “[não] julgar inconstitucional o artigo 100.º do CIRE, interpretado no sentido de que a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente”.
Trasladam-se os fundamentos em que se apoia essa solução:
“9. Para concluir pela inconstitucional orgânica da norma cuja aplicação foi efetivamente recusada no caso dos autos — de acordo com a qual, repete-se, a declaração de insolvência suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente —, o Tribunal recorrido, vimo-lo já, socorreu-se do julgamento realizado através do Acórdão Tribunal Constitucional n.º 557/2018 que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da interpretação do artigo 100.º do CIRE, «interpretada no sentido de que a declaração de insolvência aí prevista suspende o prazo prescricional das dívidas tributárias imputáveis ao responsável subsidiário no âmbito do processo tributário», por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP.

Apesar de se inscrever no mesmo âmbito problemático, a dimensão interpretativa declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 557/2018 não coincide, porém, nem no plano formal, nem no plano substantivo, com aquela que está em causa no âmbito do presente recurso.

O Acórdão n.º 557/2018, citado e acompanhado pelo Tribunal recorrido, incidiu sobre a possibilidade, «fundada numa interpretação normativa do citado artigo 100.º do CIRE, de, no âmbito do processo tributário, opor ao responsável subsidiário uma causa de suspensão da prescrição — a declaração de insolvência do devedor principal — adicional relativamente às previstas na LGT» (itálico aditado). Conforme ali se esclareceu, «é somente com este sentido interpretativo — o da aplicação da regra de suspensão prescricional a dívidas tributárias imputadas ao responsável subsidiário, no âmbito do processo tributário — que se coloca o problema da eventual invasão pelo Governo, da competência da Assembleia da República em matéria de legalidade fiscal (alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição), e não nas demais vertentes normativas daquela disposição».

A deliberada exclusão de outras vertentes normativas do artigo 100.º do CIRE, em particular daquela que está em causa no âmbito dos presentes autos, foi, de resto, expressamente assumida no trecho do mencionado acórdão dedicado à análise dos argumentos invocados em favor da suficiência da autorização legislativa contida na Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, para a edição da solução contida no referido preceito legal. Segundo ali se escreveu, «[i]ndependentemente da bondade d[e] [tal] argumentação no tocante às dívidas exigidas ao devedor insolvente no âmbito do processo de insolvência, o raciocínio não colhe quando em causa está a interpretação normativa que aplica a suspensão prescricional, no processo tributário, ao responsável subsidiário do devedor principal insolvente».

Autonomizando claramente a situação processual do devedor subsidiário revertido relativamente à posição do devedor principal insolvente (sujeito passivo direto), o Tribunal concluiu, no referido aresto, que «a tese segundo a qual a autorização para atuar no domínio do direito falimentar», conferida ao Governo pela Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, ao abrigo da qual foi aprovado o CIRE, «implica o poder de legislar sobre a prescrição de todas as dívidas do insolvente (e, por isso, também tributárias) não tem fundamento quando», como se verificava no caso, «o responsável tributário não é o insolvente e está fora do processo de insolvência».

Ora, conforme assinalado já, a interpretação do artigo 100.º do CIRE cuja aplicação foi efetivamente recusada pelo Tribunal recorrido assenta justamente no pressuposto inverso: ao invés do que sucede na hipótese apreciada no Acórdão n.º 557/2018, a norma em causa nos presentes autos leva em consideração o facto de o responsável tributário revertido coincidir com o próprio devedor insolvente, encontrando-se, por isso, dentro do processo de insolvência.

Saber se, designadamente em face da reserva de competência da Assembleia da República em matéria fiscal (alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição), a Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, constitui base suficiente para conferir ao Governo legitimidade para a edição da referida norma é o que se procurará determinar nos pontos seguintes.

10. Para responder a esta questão há um enquadramento geral a que é conveniente proceder-se.

Segundo decorre do artigo 1.º do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal, que tem como finalidade a satisfação de todos os credores do devedor insolvente, pela forma prevista num plano de insolvência ou através da liquidação do património do devedor e repartição do respetivo produto obtido pelos credores. Em consequência do carácter universal do processo de insolvência, impende sobre todos os credores do insolvente, independentemente da natureza e fundamento do respetivo crédito, o ónus de o reclamarem naquele processo, o que vale também para a Administração Tributária (artigo 180.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, doravante designado pela sigla CPPT).

Declarada a insolvência, é neste processo que todos os credores do insolvente, incluindo aqueles que hajam instaurado já ações com vista ao reconhecimento dos seus créditos ou execuções que visem cobrá-los coercivamente, terão de reclamar os seus créditos, a fim de nesse processo serem reconhecidos, graduados e pagos a final, no todo ou em parte, através do produto da liquidação do património do devedor.

O caráter universal ou coletivo do processo de insolvência funda-se não apenas na intervenção de todos os credores do insolvente, mas ainda no facto de nela se atingir, em princípio, todo o património deste devedor. Uma vez que todo o património do devedor responde pelas suas dívidas, procura-se acautelar desta forma uma eventual insuficiência de meios para satisfação da totalidade dos créditos, assegurando-se ao mesmo tempo que o produto da liquidação será repartido por todos os credores de modo proporcional e segundo a graduação respetiva (cf. artigos 47.º e 173.º e ss. do CIRE) de acordo com o princípio par conditio creditorum. Assim se percebe que, para além dos efeitos que produz em ações de outra natureza, a declaração de insolvência paralise todas as ações executivas pendentes contra o devedor insolvente (artigo 86.º do CIRE), incluindo as de natureza fiscal (artigo 180.º, n.º 1, do CPPT), ainda que sem prejuízo do seu prosseguimento contra outros eventuais executados (artigo 88.º do CIRE).

Na medida em que lhe está associado um vasto conjunto de efeitos de natureza diversa, a sentença de declaração de insolvência assume uma importância crucial na definição do estatuto jurídico do devedor. A par dos efeitos de natureza pessoal — isto é, daqueles que incidem sobre a pessoa do insolvente —, a declaração de insolvência produz um conjunto de efeitos patrimoniais de vária ordem (cf. ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, 1.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2015, p. 107), entre os quais se destaca a estabilização do passivo, com o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva (artigo 91.º, n.º 1, do CIRE), bem como a garantia da sua exigibilidade durante o decurso do processo de insolvência.

A solução constante do artigo 100.º do CIRE visou, precisamente, assegurar este último efeito.

Como referem ANA PRATA, JORGE MORAIS CARVALHO e RUI SIMÕES, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2013, p. 288, o escopo do regime constante do referido preceito é «uniformizar a situação dos credores no decurso do processo de insolvência. Na verdade, se não houvesse suspensão, alguns credores veriam os seus direitos postos em causa, por não poderem exercê-los senão no quadro do processo de insolvência». Tal regime aplica-se, por isso, a todos os créditos que devam ser reclamados no processo de insolvência, e, consequentemente, também aos créditos de natureza tributária pelos quais responda, originária ou subsidiariamente, o devedor insolvente.

A única especificidade respeitante aos créditos tributários reclamados no processo de insolvência é a de que os mesmos se encontram excluídos da exoneração do passivo restante (artigo 245.º, n.º 2, alínea d) do CIRE). Isto é, mesmo na hipótese de, decorrido o prazo de cinco anos sobre a prolação do despacho inicial a que alude o artigo 239.º do CIRE, o juiz vir a conceder a exoneração do passivo restante do devedor nos termos previstos no artigo 244.º do referido Código, tal exoneração, na medida em que não é extensível aos créditos tributários, nunca poderá determinar a respetiva extinção na parte em que ainda subsistam na data em que aquela é concedida. Daí que, cessada a sustação, se o insolvente vier a adquirir bens em qualquer altura, o processo de execução fiscal possa prosseguir para cobrança do que se mostre em dívida à Fazenda Pública, sem prejuízo do que se dispõe sobre a prescrição das dívidas tributárias (artigo 180.º, n.º 5, do CPPT).

11. Em face do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, não subsistem dúvidas de que a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República compreende o regime legal da prescrição das dívidas tributárias, incluindo as causas de suspensão e de interrupção dos prazos respetivos. Trata-se, portanto, de matéria sobre a qual o Governo apenas pode dispor se prévia e devidamente autorizado por lei parlamentar.

Conforme se escreveu no Acórdão n.º 557/2018:

«[…] constituindo a prescrição das dívidas tributárias uma proteção dos sujeitos passivos para com a Administração fiscal, protegendo-os contra pretensões de cobrança de impostos, está a sua disciplina inelutavelmente abrangida pela reserva de lei da Assembleia da República (reserva de lei formal), com natural relevância para as suas causas de suspensão: “Deste modo, elementos como a fixação do prazo, a definição do dies a quo em função do tipo de imposto periódico ou de obrigação única, a enunciação das suas causas de interrupção ou suspensão, a relevância ou irrelevância da citação para quaisquer destes efeitos têm de constar de lei com tal valor” (BENJAMIM SILVA RODRIGUES cit., p. 266).

A integração da prescrição tributária na reserva de lei formal tem respaldo jurisprudencial, quer na jurisdição infraconstitucional (cfr., entre muitos, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de novembro de 2009, Processo n.º 629/2009), quer na jurisprudência do Tribunal Constitucional: “Partindo da ideia de que a prescrição extingue o direito de exigir o pagamento da dívida e faz nascer para o contribuinte o direito de recusar a correspondente prestação, e incide, portanto, sobre um aspeto essencial da relação jurídica tributária, consubstanciando uma garantia material ou não meramente procedimental, poderá entender-se, como vem sendo aceite pela doutrina, que integra uma garantia dos contribuintes” (Acórdão n.º 280/2010).

Aliás, foi esta argumentação que levou o Tribunal Constitucional a considerar também inclusa nas garantias dos contribuintes (e, por isso, na reserva de lei formal) o instituto da caducidade da liquidação dos impostos, uma vez que se trata de figura que faz nascer o direito de o contribuinte recusar o tributo que lhe venha a ser exigido, nos termos do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição – cfr. o Acórdão n.º 168/2002».

Enquanto garantia dos contribuintes, o regime da prescrição das dívidas tributárias integra, assim, a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, o que significa que o Governo apenas pode dispor sobre tal matéria — estabelecendo, designadamente, causas suspensivas ou interruptivas do prazo de prescrição —, se devidamente autorizado para esse efeito.

Assim sendo, o que importa determinar aqui é se o Governo carecia de uma outra autorização, porventura mais específica do que a concedida pela Lei n.º 39/2003, de 22 de agosto, para aprovar a norma, extraída do artigo 100.º do mesmo Código, que torna oponível ao responsável tributário a suspensão do prazo prescricional das dívidas fiscais por efeito da declaração da sua insolvência.

12. No artigo 1.º, a Lei n.º 39/2003 dispõe o seguinte:

«Artigo 1.º

Objeto

1 - Fica o Governo autorizado a aprovar o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, revogando o Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.

2 - O Código da Insolvência e Recuperação de Empresas regulará um processo de execução universal que terá como finalidade a liquidação do património de devedores insolventes e a repartição do produto obtido pelos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.

3 - No Código da Insolvência e Recuperação de Empresas fica o Governo autorizado a legislar sobre as seguintes matérias:

a) As consequências decorrentes do processo especial de insolvência para o Estado e a capacidade do insolvente ou seus administradores;

[…]

5 - O sentido e a extensão das alterações a introduzir resultam dos artigos subsequentes».

Conforme notado no Acórdão n.º 557/2018 — e já antes sublinhado nos Acórdãos n.º 362/2015 e 270/2017 —, é inegável que, na parte referente às consequências para o Estado da declaração de insolvência, não decorre da alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º da Lei n.º 39/2003 a concessão ao Governo de qualquer autorização para legislar em matéria relativa à prescrição das dívidas fiscais.

Assim, estando em causa a oponibilidade da suspensão prescricional prevista no artigo 100.º do CIRE ao responsável subsidiário do devedor principal insolvente, a conclusão não pode ser outra se não aquela que foi alcançada nos mencionados arestos: interpretado no sentido de que declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor subsidiário não insolvente, o artigo 100.º do CIRE enferma de inconstitucionalidade orgânica, na medida em que, dispondo sobre matéria de reserva relativa da Assembleia da República nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição, a sua edição não se encontra abrangida pela autorização concedida pela Lei n.º 39/2003.

A questão que a partir daqui se coloca é a de saber se tal conclusão é igualmente válida para a variante normativa do artigo 100.º do CIRE sindicada nos presentes autos. Isto é, se a autorização concedida ao Governo para a aprovação o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, com o sentido e alcance que constam da referida Lei, contempla ou não a possibilidade de edição de uma norma que torne oponível ao responsável tributário insolvente a suspensão da prescrição tributária por efeito da sentença que declara a insolvência.

13. No n.º 2 do seu artigo 1.º, a Lei n.º 39/2003 habilitou o Governo a regular um processo de execução universal, tendo como finalidade a tomada das decisões de recuperação da empresa ou, não sendo esse o caso, a liquidação do património do devedor insolvente, seguida da repartição do produto obtido pelos respetivos credores ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência.

Ora, na autorização concedida ao Governo para estabelecer um “processo de execução universal” com tal finalidade não pode deixar de ir implicada a faculdade de dispor sobre todas as matérias necessárias à definição da totalidade dos créditos do insolvente, incluindo os termos e pressupostos da respetiva exigibilidade.

Conforme se escreveu no Acórdão n.º 557/2018:

«[…] a autorização ao Governo para estabelecer um “processo de execução universal”, em que se possa apurar a totalidade dos créditos, envolve necessariamente a adoção de regras atinentes ao constrangimento de todos os credores à reclamação dos seus direitos em tal processo (artigo 90.º do CIRE), que se pretende ficarem estabilizados até ao respetivo encerramento. Isso justifica, aliás, os efeitos processuais sobre outras ações (artigos 88.º e 89.º do CIRE), designadamente a suspensão dos processos de execução fiscal que corram contra o insolvente (artigo 88.º do CIRE e artigo 180.º do Código de Procedimento e Processo Tributário; cfr. Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 6.ª Edição, Almedina, 2018, p. 402). A regra da suspensão da prescrição é, assim, assumida como garantia de operacionalidade do processo de insolvência – para cuja disciplina estava o Governo autorizado –, remetendo todos os credores para o único e universal processo falimentar, quer essas dívidas sejam exigidas ao devedor originário, quer aos demais responsáveis tributários».

Pode, assim, afirmar-se com segurança que tanto o vencimento imediato de todas as dívidas do insolvente em consequência da declaração de insolvência, como a suspensão do respetivo prazo prescricional, como ainda a sustação de quaisquer outras ações executivas e o impedimento à propositura de novas ações contra o sujeito declarado insolvente, constituem os mais relevantes aspetos do regime no CIRE em que se consubstancia o carácter universal da ação falimentar.

Apresentando-se como uma condição essencial ao desenvolvimento do próprio processo insolvência, o regime que resulta da convergência de tais elementos encontra a sua razão de ser na natureza unitária do processo falimentar, mais concretamente no facto de nele obrigatoriamente se concentrarem as operações de apuramento dos créditos do insolvente, tendo em vista a tomada das decisões respeitantes à recuperação da empresa ou à liquidação do seu património, bem como, neste último caso, à definição do modo de repartição do respetivo produto pelos credores (cf. Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, cit., p. 288; Maria do Rosário Epifânio, cit., p. 174; Alexandre Soveral Martins, cit., pp. 162 e 170).

A solução constante do artigo 100.º do CIRE só pode ser racionalmente compreendida à luz da teleologia própria do processo de insolvência: considerado o carácter universal deste último, tal solução «visa um “congelamento da massa, gerando uma“ paralisação que a ordem jurídica impõe às vicissitudes jurídicas em curso”(v. Oliveira Ascensão, “Insolvência: efeitos sobre os negócios em curso”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, 2005, p. 284)».

Pode, por isso, concluir-se, tal como o fez o Acórdão n.º 362/2015, que a disciplina do artigo 100.º do CIRE visa, não direta e imediatamente os créditos tributários, mas «a generalidade dos créditos sobre a massa insolvente, apresentando-se como uma solução imposta pelo caráter universal da execução em que se tende a traduzir o processo de insolvência e pela necessidade de assegurar no âmbito do mesmo a igualdade entre os credores da insolvência, sem prejuízo do valor e da hierarquia dos respetivos créditos». E que, «[n]essa medida, “a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor” surge como uma condição de operacionalidade do próprio regime do processo de insolvência tal como conformado pelo legislador», sendo «inerente às soluções normativas conformadoras do processo de insolvência», e não «introduzindo, por isso, qualquer alteração no regime geral dos impostos (incluindo em matéria de prescrição e de caducidade). E, bem assim, que «a contraprova da racionalidade sistémica da inclusão dos créditos tributários titulados pela Administração fiscal no âmbito de aplicação do artigo 100.º do CIRE é a de que uma sua eventual exclusão redundaria num injustificável benefício para os demais credores da insolvência e num não menos injustificável prejuízo para o interesse público».

14. Tratando-se de um efeito produzido no âmbito do processo de insolvência, tanto necessário como instrumental da possibilidade de obterem aí o pagamento devido todos os credores do insolvente, na proporção e de acordo com a graduação que lhes corresponda, a suspensão prescricional das dívidas — de todas as dívidas — do devedor insolvente por efeito da declaração da insolvência liga-se, assim, à natureza de processo de execução universal que, através da Lei n.º 39/2003, o Governo foi autorizado a disciplinar.

O que através dela se pretende impedir é «que os credores possam ver extintos créditos que estão legalmente impedidos de exigir de outro modo» - isto é, fora do processo de insolvência -, sem criar com isso qualquer tipo de prejuízo ao próprio contribuinte devedor, «que não pode ser surpreendido pela impossibilidade de opor prazos de prescrição ou de caducidade aos mesmos credores» (Acórdão n.º 362/2015).

Assim compreendida a suspensão prescricional das dívidas do insolvente, estalecida no artigo 100.º do CIRE, não há como não concluir que a mesma se encontra compreendida no âmbito material da autorização legislativa concedida ao Governo pela Lei n.º 39/2003, que, no n.º 2 do seu artigo 1.º, habilitou o Governo a conformar, em toda a sua extensão, a posição jurídica do devedor insolvente, através da definição da totalidade dos créditos da sua responsabilidade, incluindo, portanto, os de natureza tributária. O que há é apenas que sublinhar uma vez mais a ideia de que, tratando-se de dívida tributária do próprio insolvente, a natureza originária ou subsidiária da respetiva responsabilidade não assume, ao contrário do que sucedeu na hipótese apreciada no Acórdão n.º 557/2018, qualquer relevância. Do ponto de vista do conteúdo e limites da autorização contida na Lei n.º 39/2003, determinante é sim o facto de se tratar aqui de dívida tributária cobrada ao próprio devedor insolvente, e não, como se verificou, a um outro responsável tributário, estranho ao processo de insolvência que desencadeou a causa de suspensão do prazo prescricional.

Assim, a norma extraída do artigo 100.º do CIRE, segundo a qual a declaração de insolvência suspende o prazo de prescrição das dívidas tributárias imputáveis ao devedor insolvente, não enferma de inconstitucionalidade orgânica, uma vez que a sua edição foi previamente autorizada por lei parlamentar.”

A expressa visão do Tribunal Constitucional também se aplica, pois, às dívidas exequendas de coimas nos termos dos artºs 30º e 30º-A, nº2, do R.G.C.O..
Por assim ser, é de negar provimento ao recurso e de confirmar a sentença recorrida que julgou não estar prescrita a dívida, embora com a presente fundamentação.


*
3. Decisão:

Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida com a fundamentação supra exarada.

Custas pelo recorrente.
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Lisboa, 17 de Dezembro de 2019. - José Gomes Correia (relator) - Joaquim Condesso – Paulo Antunes.