Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01460/10.7BELRA
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26171
Nº do Documento:SA22020070101460/10
Data de Entrada:06/01/2020
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:



B……….., S.A., [anteriormente A…………, S.A., sociedade incorporada, por fusão], inconformada, recorre ao abrigo do artigo 150.º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Sul, datado de 28/11/2019, que julgou improcedente o recurso interposto da sentença de 1ª instância que por sua vez julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida na sequência do indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao ano de 2008, no valor total de € 12.928,45.

Alegou tendo concluído:
1. A presente Revista tem como fundamento a violação de lei substantiva, uma vez que o Acórdão Recorrido, na decisão que encerra, viola o disposto no º 23.º do Código do IRC, fazendo errada interpretação e aplicação do mesmo ao caso sub judice.
2. A violação do regime jurídico que tange à dedutibilidade dos custos e perdas consagrada no citado dispositivo legal constitui questão que, pela sua relevância jurídica e social, designadamente para a confiança e segurança jurídicas nas atividades das empresas, reveste importância fundamental, sendo a admissão do presente recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.
3. E a violação de lei que se invoca, resulta inegável se analisarmos a decisão recorrida à luz daquela que tem vindo a ser jurisprudência pacífica e uniforme quer do próprio Tribunal Recorrido, quer do Tribunal “ad quem”, quer ainda do Centro de Arbitragem Administrativa.
4. A evolução sofrida pelo referido preceito legal revela também o sentido em que o legislador pretendeu fosse o mesmo interpretado, ou seja, de forma contrária à seguida pelo Acórdão Recorrido.
5. Em bom rigor, o Acórdão sindicado quase decide por remissão, limitando-se a reproduzir Acórdão proferido noutro processo.
6. E, salvo o devido respeito e melhor entendimento, é o mesmo omisso quanto a questões às quais se impunham ter dado pronúncia.
7. Relativamente à questão da errada apreciação da prova carreada para os autos, suscitada pela Recorrente relativamente à sentença proferida em 1.ª instância, nas suas alegações de Recurso, não tomou o Tribunal ora Recorrido qualquer posição.
8. Padece pois, no nosso entender, aquele Acórdão, de omissão de pronúncia, quanto à valoração da prova produzida em audiência de Julgamento e, consequentemente, sobre a errada apreciação.
9. O Acórdão Recorrido viola o disposto no art.º 23.º do CIRC, à luz da Doutrina e jurisprudência dominantes:
10. É, nesta matéria, um instrumento importante, o Acórdão do Tribunal Central do Sul, de 13 de Julho de 2016, disponível em www.dgsi.pt, que decidiu:
(…) 3. O requisito da indispensabilidade de um custo tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
11. “(…). Quanto ao enquadramento no aludido artº.23, do C.I.R.C., deve fazer-se menção a três subsídios jurisprudenciais relativos à aplicação de tal normativo:
12. É entendimento da jurisprudência que a A. Fiscal não pode avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a oportunidade e mérito da despesa de cariz subjetivista.
13. Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica; - sublinhado nosso.
14. Um custo indispensável não tem de ser um custo que diretamente implique a obtenção de proveitos.
15. Há vários custos que só mediatamente cumprem essa função e que nem por isso deixam de ser considerados indispensáveis, nos termos do artº.23º, do C.I.R.C.
16. A indispensabilidade a que se refere o artº.23º, do C.I.R.C., como condição para que um custo seja dedutível não se refere à necessidade (a despesa como uma condição "sine qua non" dos proveitos), nem sequer à conveniência (a despesa como conveniente para a organização empresarial), sob pena de intolerável intromissão da A. Fiscal na autonomia e na liberdade de gestão do contribuinte, mas exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros.
17. Também o Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente em Acórdão de 24- 09-2014, decidira I - No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adotar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redação em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.
18 Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da atividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).
19. E no mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 28-06-2017, disponível em www.dgsi.pt.
20. O artigo 23.º do CIRC foi alterado em 2014, precisamente no seguimento das decisões dos tribunais contrárias à AT que já na altura eram conhecidas, e para tentar diminuir a conflitualidade entre AT e contribuintes, decorrente da prolação pelos Tribunais, de decisões como as que os presentes autos mereceram até agora.
21. Aliás, no próprio relatório da comissão de reforma do IRC pôde ler-se:
“É hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos.” (p. 128)
22. Tendo mesmo sido proposta uma “evolução normativa quanto ao princípio geral da aceitação dos gastos”, procurando acolher o entendimento da doutrina e da jurisprudência.”
23. Neste sentido, o art.º 23.º do CIRC passou a consagrar a dedutibilidade dos gastos desde que relacionados com a atividade do sujeito passivo, por este incorridos ou suportados, como princípio geral para a determinação do lucro tributável.
24. No caso sub judice, resulta inequívoco da matéria dada como provada no Tribunal de 1.ª instância que, no âmbito da organização empresarial do grupo, a Requerente celebrou com a C……….., SA, em 01/01/2007, contrato de prestação de serviços, tal como o fizeram as demais empresas do grupo.
25. Os termos principais do contrato são o elenco dos diversos serviços especificamente prestados e a repartição dos custos dos mesmos por todas as empresas.
26. Foram emitidas as devidas faturas pelo pagamento de tais serviços, numa base de imputação e repartição dos custos incorridos pela prestação de serviços da C………… com cada outra sociedade do grupo para as quais esta laborava.
27. Todas as faturas continham os elementos de identificação do prestador de serviços, a C……….., os elementos de identificação do adquirente dos serviços, a A………., bem como, os correspondentes números de identificação fiscal de ambas as entidades.
28. Ora, uma vez que, desde que os gastos resultem de atos de gestão que, com base na informação conhecida aquando da sua execução, pudessem ter como objetivo a obtenção esperada de rendimentos ou a manutenção da fonte produtora (física, intangível, financeira ou outra) tal deverá conduzir à aceitação da sua dedutibilidade.
29. Conforme resulta da exposição factual exposta é inequívoca a relação empresarial no seio do mesmo grupo societário entre a Recorrente e a C………..,
30. Numa ótica de especialização e otimização da divisão do trabalho no seio do grupo societário, em especial no que tange à centralização dos serviços administrativos e de marketing, a C……….., era a sociedade incumbida de prestar esses serviços para as restantes unidades do grupo.
31. Ora, não é aceitável que se coloque em crise a questão da necessidade que a ora Recorrente tinha na prestação de serviços auxiliares de apoio à sua atividade.
32. Não tem a AT, no cenário em apreço, qualquer motivo ou indício para considerar que os custos deduzidos pela impugnante Recorrente, são estranhos à atividade da empresa.
33. Assim como não pode, sob qualquer pretexto, invocar a impossibilidade de descortinar qualquer nexo causal dos mesmos com os proveitos ou ganhos da empresa.
34. Estes seriam os únicos motivos que, á luz do que se deixou demonstrado, justificariam a não aceitação das deduções em causa.
35. E para atingir tal conclusão não carecia a Recorrente de ter feito qualquer prova daquela que efetivamente fez.
36. Dito de outra maneira, a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da atividade do contribuinte e forem contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objetivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).
37. Os custos deduzidos pela impugnante relativamente ao período fiscal em causa e aqui trazidos à colação, não têm como ter-se como contraídos para a prossecução de interesses alheios.
38. Ou sequer como realizados fora do âmbito da atividade da empresa.
39. Reitera-se que aqueles custos correspondem ao pagamento de serviços sem os quais a empresa não poderia sequer laborar, alguns deles, ou potenciar a sua atividade, outros.
40. O artigo 23.º do CIRC exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros.
41. O que dos encargos em apreço resulta manifesto.
42. Como se deixou sobejamente demonstrado, o juízo sobre a oportunidade e conveniência dos gastos é matéria do foro exclusivo da gestão do grupo societário como um todo, pelo que é absolutamente injustificada a decidida necessidade da impugnante fazer prova maior, apta apenas ao apuramento da referida oportunidade ou conveniência, como insistem as decisões transatas.
43. Com o devido respeito mas não cabe à AT fazer qualquer tipo de juízo sobre a organização societária do grupo, nem o modo como as várias sociedades do grupo colaboravam umas com as outras na prossecução dos seus fins.
44. Numa perspetiva econômico-empresarial, os serviços que a C………. prestava eram necessários e essenciais no apoio à atividade principal do grupo societário, em especial, à atividade comercial exportadora da ora Recorrente.
45. Sem prescindir, e para reforçar a necessidade de reparação da decisão recorrida, sempre o Tribunal a quo deveria ter assentido na correção da matéria dada como provada pela 1.ª instância.
46. Considerando a matéria dada como provada pelo Tribunal de primeira instância, assim como os depoimentos das testemunhas arroladas pela impugnante e até pela impugnada, não podia pois o Tribunal ter deixado de ter como cumprido o disposto no art.º 23.º do CIRC.
47. Não o tendo feito, o Acórdão Recorrido decidiu em manifesta violação daquele preceito, da sua letra e espírito, em contradição com a orientação doutrinária geral e com a jurisprudência pacífica.
48. Decisões como a proferida pelo Tribunal a quo, põem em causa a confiança e segurança jurídicas dos agentes económicos, com relevantes e negativas consequências sociais
49. Também quanto à questão da falta de fundamentação do ato de liquidação invocada pela Recorrente, igualmente desatendida pelo Acórdão Recorrido reitera-se o já alegado a esse propósito, uma vez.
50. Por fim, atentando na fundamentação da sentença da 1.ª instância, é inequívoca a falta de fundamentação da liquidação adicional.
51. A liquidação padece de falta de fundamentação que permita, quer à impugnante, quer ao próprio Tribunal “apreender o iter cognoscitivo seguido” pela mesma.
52. Ao não ter assentido naquela razão, sem necessidade de mais considerações, não pode deixar de concluir-se que também quanto a este ponto, mal andou o Tribunal Recorrido.
Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve ser admitido o presente Recurso de Revista;
Em consequência deve o Acórdão Recorrido ser substituído por outro que considere verificados os requisitos previstos no art.º 23º do CIRC, relativamente aos custos deduzidos pela Recorrente e determine a anulação da liquidação adicional de IRC feita pela AT em causa nestes autos como é de Direito e de JUSTIÇA.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da não admissão do recurso.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

O presente recurso vem interposto ao abrigo do artigo 150º do CPTA, do acórdão do TCA Sul, datado de 28/11/2019, que julgou improcedente o recurso interposto da sentença de 1ª instância que por sua vez julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IRC apresentada pela aqui Recorrente, relativo ao ano de 2008, no valor total de € 12.928,45.
Alega a Recorrente que «a violação do regime jurídico que tange à dedutibilidade dos custos e perdas consagrada no citado dispositivo legal [art.23º do CIRC] constitui questão que, pela sua relevância jurídica e social, designadamente para a confiança e segurança jurídicas nas atividades das empresas, reveste importância fundamental, sendo a admissão do presente recurso claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito».
Acrescenta ainda que «relativamente à questão da errada apreciação da prova carreada para os autos, suscitada pela Recorrente relativamente à sentença proferida em 1.ª instância, nas suas alegações de Recurso, não tomou o Tribunal ora Recorrido qualquer posição. Padece pois, aquele Acórdão, de omissão de pronúncia, quanto à valoração da prova produzida em audiência de Julgamento e, consequentemente, sobre a errada apreciação».
Para o efeito alega que os custos desconsiderados pela Administração Tributária «correspondem ao pagamento de serviços sem os quais a empresa não poderia sequer laborar, alguns deles, ou potenciar a sua atividade, outros». E que «o artigo 23º do CIRC exige, tão-só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros».
Conclui, assim, que «o acórdão recorrido decidiu em manifesta violação daquele preceito, da sua letra e espírito, em contradição com a orientação doutrinária geral e com a jurisprudência pacífica».
Entende, igualmente, que mal andou o tribunal recorrido ao não dar como verificada a falta de fundamentação do ato de liquidação.
E termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e que o mesmo seja substituído por acórdão que julgue verificados os requisitos previstos no artigo 23º do CIRC relativamente aos custos deduzidos pela Recorrente e determine a anulação da liquidação adicional de IRC.

Há, então, que apreciar se o recurso dos autos é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos naquele art. 150º do CPTA, ao abrigo do qual foi interposto, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».
Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar (e disso, aliás, dão conta os recorrentes) a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo que cabe ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

Vejamos, então.
Das alegações de recurso depreende-se com manifesta evidência que a Recorrente se limita a invocar os mesmos fundamentos que dirigiu ao TCA, ou seja, limita-se a insurgir-se contra o acórdão recorrido por alegado erro de julgamento na apreciação que fez da matéria de facto e na sua subsunção ao disposto no artigo 23º do CIRC e da questão de falta de fundamentação do ato tributário, assim como a invocar a nulidade do acórdão por omissão de pronuncia.
Desde logo constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o caráter extraordinário do recurso de revista não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, mas antes que essa nulidade deva ser arguida perante o tribunal recorrido – cfr. entre outros os acórdãos de 26/05/2010, proc. 097/10, de 12/01/2012, proc. 0899/11, de 08/01/2014, proc. 01522/13, de 29/04/2015, proc. 01363/14, e de 07/03/2018, proc. 055/18.
Por outro lado e como se deixou supra enunciado a propósito dos requisitos do recurso de revista, este recurso não configura um terceiro grau de recurso, mas antes uma válvula de escape para situações especiais em que a questão a apreciar assuma relevância jurídica e social fundamental ou quando a admissão do recurso se revele necessária para uma melhor aplicação do direito.
Sucede que estes requisitos não estão presentes no caso concreto, uma vez que a Recorrente se limita a esgrimir mesma fundamentação que dirigiu ao TCA e a contrapor à argumentação invocada pelas instâncias a sua própria argumentação sobre o conceito de indispensabilidade dos custos ao abrigo do disposto no artigo 23º do CIRC.
Por outro lado é por demais evidente que a apreciação do recurso requer que se elabore juízo de valor sobre a forma como o TCA apreciou a matéria de facto (repartição de custos entre as empresas do grupo decorrentes da prestação de serviços de contabilidade, financeiros e outros contratualizados com outra sociedade), o que está vedado ao STA como tribunal de revista.
Decorre do nº4 do artigo 150º do CPTA que «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova», o que não ocorre no caso dos autos. E como se deixou igualmente exarado no acórdão do STA de 28/05/2014 (recurso nº 067/14), «…nas questões decididas pelo TCA com fundamento em matéria de facto que compromete inexoravelmente a análise das questões de direito e o sentido da decisão, está ultrapassado o interesse na discussão das questões jurídicas intrinsecamente ligadas àquela matéria de facto» (no mesmo sentido o acórdão do STA de 04/09/2013, recurso nº 0995/13).
Não se admitirá, assim, o presente recurso.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.
Custas do incidente pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 1 de Julho de 2020. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.