Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01853/13 |
Data do Acordão: | 04/02/2014 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL NÃO ADMISSÃO DO RECURSO |
Sumário: | I – O recurso de revista excepcional previsto no artigo 150º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas “como uma válvula de segurança do sistema”, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. II – À luz da apontada disposição legal, no recurso de revista excepcional está excluído o controlo do erro na apreciação das provas e na fixação dos factos. III – Além de que nas questões decididas pelo TCA com fundamento em matéria de facto que compromete inexoravelmente a análise das questões de direito e o sentido da decisão, está ultrapassado o interesse na discussão das questões jurídicas intrinsecamente ligadas àquela matéria de facto. IV – E também não se justifica a admissão de revista excepcional para reapreciação da questão de saber quais são as consequências jurídicas do prolongamento das inspecções externas para além dos prazos fixados no artigo 36º do RCPIT. |
Nº Convencional: | JSTA000P17304 |
Nº do Documento: | SA22014040201853 |
Data de Entrada: | 12/05/2013 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A………………., com os demais sinais dos autos, interpôs recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença de improcedência da impugnação judicial que deduzira contra os actos de liquidação adicional de IRS dos anos de 2002, 2003 e 2004. As alegações mostram-se rematadas com o seguinte quadro conclusivo: A- Foi ultrapassado o prazo máximo, peremptório, de seis meses do procedimento inspectivo. B- Não se apresentam as prorrogações da acção inspectiva fundamentadas, o que é reconhecido expressamente pelo douto Acórdão recorrido; B- Admitindo por hipótese que entenda a douta decisão que o fundamento para as prorrogações da acção são suficientes, o que não se admite, ainda assim foi ultrapassado o prazo de máximo, peremptório, de um ano do procedimento. C- O prazo do procedimento não é meramente ordenador sendo a consequência a nulidade do procedimento, com os necessários reflexos no acto de liquidação, sob pena de se apresentar este sustentado em acção inspectiva inexistente. D- Não foram notificados todos os elementos ao inspeccionado que deram causa às correcções levadas a efeito sendo certo que por isso foram preteridas formalidades legais essenciais que inquinam o procedimento, sendo a consequência a sua invalidade. E- Por tudo o que se motiva, foi violada lei substantiva e processual, revestindo as questões aqui suscitadas relevância jurídica a merecer a consideração do Tribunal, sob pena da displicência da administração tributária, passar a ter cobertura dos tribunais, desvirtuando-se assim o que foi a intenção do legislador, quanto à tramitação de um procedimento inspectivo.
1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso não devia ser admitido por não terem sido invocados os fundamentos a que alude o art. 150º do CPTA.
1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.
«(…) não obstante os vícios do procedimento inspectivo nem sempre se projectem para a liquidação, passar-se-á a conhecer das suas alegadas ilegalidades. E a primeira questão diz respeito à prorrogação do prazo da inspecção externa e a falta de fundamentação do correspondente despacho. O recorrente concorda que os efeitos suspensivos da inspecção se verificam apenas nos seis primeiros meses desta, nos termos do art. 46º, nº 1, da LGT, mas entende que o acto que autoriza o seu prolongamento carece de ser fundamentado. (…) Ora, o acto que autoriza a prorrogação do prazo da inspecção é potencialmente lesivo dos direitos ou interesses legítimos do sujeito passivo, pelo que bem se compreende que o legislador tenha consagrado no art. 36º, nº 3, do RCIPIT, especiais condições para que essa prorrogação possa ter lugar, obrigando à exteriorização das razões que justificam a prorrogação. Contudo, há que ter presente que a fundamentação é um conceito relativo, que não carece de ser exaustiva, bastando-se que seja suficiente para que o destinatário do acto apreender as motivações, o iter cognoscitivo e valorativo do seu autor, de modo que possa aperceber-se das razões da decisão, ficando habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos. No caso em concreto é o próprio recorrente que concede que foram invocados os normativos legais pertinentes (cfr. art. 30º da p.i), o que tanto basta para se considerar que o dever de fundamentação de direito está preenchido (neste sentido, ac. do STA de 08-06-2011, rec. nº 068/11). Quanto à fundamentação de facto, foi lavrada informação pelo inspector, de 26-10-2006, segundo a qual a prorrogação se justifica pela “complexidade da acção de inspecção que impôs a necessidades de pedido de informações a outros contribuintes e entidades”, transcrevendo-se ainda al. b) do nº 3 do art. 36º do RCPIT. Como esta informação mereceu a concordância superior, os fundamentos vertidos na informação consideram-se acolhidos no despacho (fundamentação per relationem). Ora, embora não apresentem grande desenvolvimento são os suficientes para se perceber com clareza o que justifica a prorrogação, pelo que o despacho correspondente não sofre de falta de fundamentação. O mesmo se diga, mutatis mutandis, com o despacho que autorizou a segunda prorrogação, e aqui até por maioria de razão, face à sua mais desenvolvida fundamentação. Por outro lado, não é confundível a falta de fundamentação com a falta ou insuficiência da notificação, visto que esta não é parte integrante do acto mas mero requisito de eficácia deste, devendo ser feita uma distinção entre o conteúdo da notificação e o teor do acto, em que apenas este releva para a aferição do vício de forma por falta ou insuficiência de fundamentação. Concluiu-se, assim, se bem que a empregue não seja um modelo de exaustiva densificação das razões de facto e de direito que justificaram a decisão, que os despachos em causa não sofrem de falta de fundamentação, sendo a mesma suficiente para se perceber o percurso cognoscitivo do seu autor, percepção que de resto se patenteia pelos termos em que a questão é colocada pelo recorrente. No que concerne ao alegado decurso do prazo de um ano do procedimento inspectivo: Conforme resulta do art. 36º, nº 2, do RCPIT, o procedimento de inspecção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início, podendo ser ampliado por mais dois períodos de três meses nas circunstâncias previstas no nº 3. Dispõe, por seu turno, o art. 46, 1, da Lei Geral Tributária (LGT): “O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação. Face a este regime tem-se que a violação desse prazo de seis meses apenas acarreta, como consequência, que cesse a suspensão do prazo de caducidade, contando-se tal prazo desde o seu início. E mesmo a autorização de prorrogação não impede esse efeito. Donde se extrai a conclusão que a única consequência para a violação do prazo global de um ano seja a mesma e não outra, como pretende o recorrente. O recorrente, entende, no entanto, que se o prazo de um ano for considerado meramente ordenador, como o caracterizou a sentença, a AT estaria a “usar de um poder completamente desproporcionado”, pelo que essa interpretação de ser repudiada por gerar efeitos “indesejados e anticonstitucionais”, devendo considerar-se tal prazo como peremptório. Estes argumentos não são de sufragar. No que se refere à desproporcionalidade, concede-se que não obstante o prazo para conclusão da inspecção ser meramente ordenador, uma eternização do respectivo procedimento não deixaria de ser desproporcional pelo estado de incerteza a que sujeitaria o contribuinte; mas não é o que se passa no caso em apreço, em que a ultrapassagem de tal prazo se resume a pouco mais de um mês, sendo certo que a data de 19/06/2007, dada como sendo a data do termo do procedimento de inspecção, é necessariamente posterior ao fim da acção de inspecção propriamente dita. Aliás, o que nos parece manifestamente desproporcionado é que se entenda que o decurso do prazo impede a liquidação dos tributos incluídos no âmbito da inspecção, ainda que aquela possa ser praticada com observância do prazo geral de caducidade. Não há por isso qualquer inconstitucionalidade decorrente da violação do prazo global de um ano fixado no art. 36º, ns. 2 e 3 do RCPIT, que na vertente assinalada, quer no contexto da segurança e protecção jurídica, que não se concebe que possam sequer ter sido postas em causa no caso sub judice. Quanto à audição prévia sobre o relatório final, contrariamente ao que o recorrente parece fazer crer, a segunda notificação apenas se destinou a completar elementos de prova, sendo de realçar que na informação prestada pelo inspector tributário é realçado que foram juntos todos os documentos, excepto quanto à fotocópia de um cheque, que foi enviado no segundo momento. Por conseguinte, não tendo a AT outros documentos em seu dispor mostra-se cumprido o dever de notificação integral de todos os elementos que suportam os factos referenciados no relatório, não se verificando preterição de qualquer formalidade essencial, pelo que neste aspecto nenhuma censura pode ser dirigida à sentença, quando julgou não haver lugar a nova audição antes da liquidação. Para terminar resta dizer que o procedimento de inspecção e o procedimento de liquidação, embora interligados, são independentes entre si, tendo o primeiro carácter ou natureza preparatória do segundo, pelo que quaisquer ilegalidades que nele sejam praticadas não se projectam necessariamente na liquidação, ou seja, não determinam por si só a ilegalidade desta.».
Questão de facto que exorbita dos poderes de cognição desse STA, como tribunal de revista, conforme decorre expressamente do disposto no art. 150.º, n.ºs 3 e 4 do CPTA, nos termos do qual «Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado» e «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova». Além de que nas questões decididas pelo TCA com fundamento em matéria de facto que compromete inexoravelmente a análise das questões de direito e o sentido da decisão, está ultrapassado o interesse na discussão das questões jurídicas intrinsecamente ligadas a essa matéria de facto. A existir erro de julgamento, tal erro não se reporta ao quadro legal que disciplina a inspecção tributária, designadamente no que se refere à obrigação de fundamentar a prorrogação do prazo da inspecção ou às formalidades essenciais do procedimento da inspecção, mas à constatação do seu cumprimento no caso em concreto, pelo que não se trata de questão de direito com relevância que ultrapasse a fronteira da controvérsia particular destes autos. |