Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:039/11.0BEALM
Data do Acordão:02/16/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28995
Nº do Documento:SA220220216039/11
Data de Entrada:12/21/2021
Recorrente:A……………
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – A………….., com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto nos artigos 140º, 143º, 144º e 150º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 29 de abril de 2021, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgara improcedente a impugnação judicial por si deduzida do indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2006.

O recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A - O ora recorrente não concorda com o acórdão que recusou a apelação, decidindo manter a decisão recorrida.

B O acórdão entende que a questão controvertida nos presentes autos, prende-se exclusivamente com a interpretação do artigo 10º do CIRS.

C - Mas interpretou tal artigo de forma impossível de entender, tornando a decisão ininteligível e violadora da Lei

D – O acórdão proferido é nulo nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea a) do CPC, pela obscuridade da decisão que torna a mesma ininteligível, para qualquer homem médio. O que se argui.

E O acórdão violou a alínea b) do nº 6, do artigo 10º do CIRS e artigo 9º, nº 2 e 3 do Código Civil e o artigo 20º da CRP.

F – A letra da Lei (artigo 9º, nº2 e nº 3 do Código Civil), é o ponto de partida do processo de interpretação da mesma, e o intérprete deve partir do princípio que o legislador soube exprimir o seu pensamento, em termos adequados, não podendo considerar o pensamento legislativo que não tenha na Lei um mínimo de correspondência verbal.

F O elemento literal do artigo 10º, nº 6, alínea b) do CIRS é claro - temos duas orações coordenadas disjuntivas (ligadas pela única conjunção disjuntiva existente, o “ou” , e não lhe pode ser dado outro sentido, senão o que resulta da sua interpretação gramatical, sendo o sentido alternativo e nenhum outro,

G - É ininteligível que na fundamentação da decisão (fls. 21) de afirme que o artigo 10º, nº 6, alínea b), do CIRS, se encontra ligado pela conjunção coordenativa “ou”, mas a verdade é que a aludida conjunção pode, do ponto de vista linguístico. E que, em termos linguísticos, a função “e” e a função “ou” podem ser equivalentes, porque a função “ou”, pode ter um sentido inclusivo e outro exclusivo.

H - Uma e outra conjunção, não podem ter o mesmo significado, com funções gramaticais distintas na ligação das orações.

I - A expressão “em qualquer caso”, constante no final da alínea b) do nº 6, do artigo 10º do CIRS, é apenas um complemento que em nada retira a alternativa de requisitos a observar pelo contribuinte.

J - O acórdão é também crise é violador do artigo 20º na medida em que a alínea b) do nº 6, do artigo 10º do CIRS e artigo 9º, nº 2 e 3 do Código Civil são considerados inconstitucionais quando interpretados como o foram, negando o acesso a uma Justiça equitativa e equilibrada.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão proferido,

Com o que se fará a costumada JUSTIÇA

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Ministério Público não emitiu parecer sobre a admissão da revista.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido e respectiva motivação (fls. 4 a 10 da respectiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Embora o recorrente tenha interposto recurso ao abrigo das disposições do CPTA, atenta a data do acórdão e ao facto deste ter sido proferido em recurso de meio processual especificamente tributário – impugnação judicial -, é à luz do disposto no artigo 285.º do CPPT que deve ser apreciado.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Constitui igualmente jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que atento o carácter extraordinário do recurso excepcional de revista não cabem no seu âmbito a apreciação de alegadas nulidades da decisão recorrida, devendo estas, ao invés, ser arguidas em reclamação para o Tribunal recorrido, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil.

Vejamos.

O recorrente interpõe recurso de revista ignorando in totum a respectiva natureza e regime e, como tal, demitindo-se de identificar qualquer questão justificativa da admissão da revista e de demonstrar a verificação in casu dos pressupostos de que depende a respectiva admissão.

Ora, constitui jurisprudência pacífica deste STA, que cabe ao recorrente alegar e demonstrar que in casu se verificam os pressupostos de que depende a admissão do recurso, pois que não é evidente a respectiva necessidade, antes pelo contrário.

A questão da interpretação do disposto na alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, na redacção então vigente, não oferece complexidade de maior, tanto mais que foi já objecto de interpretação jurisprudencial por este STA e encontra-se tratada na melhor doutrina, como bem dá conta o acórdão recorrido, que segue essa mesma interpretação. Não há, antes pelo contrário, necessidade da admissão da revista “para melhor aplicação do direito”, nem a natureza da questão justifica tal admissão.

Também a existência de um voto de vencido não é fundamento de recurso de revista, tanto mais que a decisão que fez vencimento é conforme à jurisprudência deste STA.

Finalmente, a alegada nulidade do acórdão (conclusão D das alegações de recurso), também não constitui fundamento próprio do presente recurso, porquanto atento o carácter extraordinário do recurso excepcional de revista não cabem no seu âmbito a apreciação de alegadas nulidades da decisão recorrida, devendo estas, ao invés, ser arguidas em reclamação para o Tribunal recorrido, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil.


Não se vê, pois, razão que fundamente ou justifique a admissão da revista, nem o recorrente a alega e fundamenta, pelo que esta não será admitida.


- Decisão -


6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.


Custas do incidente pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2022. - Isabel Marques da Silva (Relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.