Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 0576/22.1BELLE-A-CP |
Data do Acordão: | 09/20/2024 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | TERESA DE SOUSA |
Descritores: | CONSULTA DE JURISDIÇÃO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO |
Sumário: | Compete aos Tribunais Judiciais conhecer de ação em que se pedem determinadas quantias a título de remuneração no âmbito de um contrato individual de trabalho e no pressuposto da aplicação do regime do contrato de trabalho. |
Nº Convencional: | JSTA000P32627 |
Nº do Documento: | SAC202409200576/22 |
Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DO ALGARVE E.P.E. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Consulta Prejudicial nº 576/22.1BELLE-A Acordam no Tribunal dos Conflitos Por despacho da Sra. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (doravante TAF de Loulé), de 16.02.2024, foi decidido suscitar a consulta prejudicial deste Tribunal dos Conflitos, ao abrigo do artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, por se haver entendido que a questão da jurisdição competente para conhecer da causa suscita fundadas dúvidas. Resulta da certidão que constitui os presentes autos que AA intentou contra CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DO ALGARVE, E.P.E., a presente acção e que formulou os seguintes pedidos: “a) Anular por vício de forma e vício de violação de lei o acto da Senhora Directora de Serviço Capital Humano do R. consubstanciado na recolocação da A. na posição remuneratória 1ª na transição para a nova carreira especial de Técnica Superior de Diagnóstico e Terapêutica; e b) Condenar o R. a atribuir à.[A.] 1,5 pontos por cada ano de serviço com menção de satisfaz, nos termos do disposto no art. 113º n.º 2 alínea d) da Lei n.º 12- A/2008, art. 20º do Decreto-lei n.º 564/99, art. 4º do Decreto-lei n.º 25/2019, na redacção dada pela Lei n.º 34/2021, por aplicação do art. 18º do Decreto-lei n.º 110/2017, na transição da A. para a nova carreira, reposicionando o A. na 3ª posição remuneratória”. Alega, em síntese, que exerce as funções de Técnico Superior de Diagnóstico, mediante contrato individual de trabalho, e que o Decreto-Lei n.º 110/2017, de 31 de Agosto, impõe a aplicação à Autora do regime que é aplicado aos seus colegas da carreira especial de Técnico Superior de Diagnóstico e Terapêutica, com contrato de trabalho em funções públicas. Acrescenta que acto impugnado é ilegal por Autora ter direito a ser reposicionada na 3.ª posição ao “abrigo do disposto no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 110/2017, que impõe que se aplique os art. 113º n.º 2 alínea d) da Lei n.º 12- A/2008, art. 20º do Decreto-lei n.º 564/99, art. 4º do Decreto-lei n.º 25/2019, na redação dada pela Lei n.º 34/2021”, pelo que o presente litígio emerge de uma relação jurídica administrativa sendo os tribunais administrativos os competentes para dirimir a questão. O Réu contestou defendendo-se por excepção, suscitando a incompetência material dos Tribunais Administrativos, e por impugnação. Em reposta, a Autora pugnou pela improcedência dessa excepção. Remetidos os autos a este Tribunal dos Conflitos, nos termos ao nº 1 do art. 15º da Lei nº 91/2019, face ao pedido de consulta prejudicial, foi dado cumprimento ao disposto no nº 3 do art. 11º daquele diploma. A Autora veio defender que com a entrada em vigor do art. 18º do DL nº 110/2017, que impõe que se aplique a Autora o mesmo regime jurídico que é aplicado aos Técnicos Superiores de Diagnóstico e Terapêutica (doravante TSDT), com contrato de trabalho em funções públicas, a jurisdição administrativa é a competente para dirimir o litígio. A Exma. Procuradora Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de dever ser emitida decisão que atribua a competência material à jurisdição comum, concretamente aos Juízos do Trabalho. Vejamos. Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas “que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” [artigos 211.º, n.º 1, da CRP; 64.º do CPC; e 40.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais” [artigos 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF]. A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no art. 4º do ETAF com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (nºs 1 e 2) e negativa (nºs 3 e 4). Importa, no caso, o nº 4 do art. 4º, cuja alínea b) excluí do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios “decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público”. Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o Autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta. Analisada a petição inicial, verifica-se que a Autora configurou a relação material controvertida como relação laboral emergente de contrato individual de trabalho, ao alegar que exerce desde ../../2007, ao serviço do Réu, as funções de Técnico Superior de Diagnóstico, anteriormente funções de dietista, com contrato individual de trabalho sem termo. Assim, não subsistem dúvidas de que a Autora caracteriza o vínculo jurídico entre si e o Réu como relação laboral de direito privado. E é com fundamento nesse contrato de trabalho que pediu ao tribunal a anulação do acto que determinou o seu posicionamento remuneratório na transição para a nova carreira especial de TSDT e a condenação do Réu a atribuir-lhe 1,5 pontos por cada ano de serviço com menção de satisfaz, reposicionando-a na 3.ª posição remuneratória. Alega que, para tal resultado, deverá ser aplicado o disposto nos “art. 113º n.º 2 alínea d) da Lei n.º 12- A/2008, art. 20º do Decreto-lei n.º 564/99, art. 4º do Decreto-lei n.º 25/2019, na redação dada pela Lei n.º 34/2021” por imposição do art. 18º do DL nº 110/2017, de 31 de Agosto. O Réu tem a natureza de entidade pública empresarial (cfr. Decreto-Lei nº 69/2013, de 17 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei nº 101/2017, de 23 de Agosto). O Decreto-Lei n.º 110/2017 veio estabelecer “o regime legal aplicável aos técnicos superiores das áreas de diagnóstico e terapêutica, doravante designada TSDT, em regime de contrato de trabalho nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integradas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) e os respetivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica”. No seu artigo 18.º prevê um regime transitório: “Sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 14.º, bem como no artigo 17.º, enquanto não forem outorgados os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho ali mencionados, os requisitos e a tramitação do procedimento concursal, bem como o sistema de avaliação do desempenho, dos trabalhadores a integrar ou integrados na carreira criada pelo presente decreto-lei, ficam sujeitos ao correspondente regime vigente para os trabalhadores em regime de contrato de trabalho em funções públicas, inseridos na carreira especial de técnico superior das áreas de diagnóstico e terapêutica”. Os pedidos formulados na acção fundam-se no contrato individual de trabalho que a Autora mantém com o Réu, sendo irrelevante para o momento da fixação da competência material saber se as normas de índole administrativa invocadas são aplicáveis ao caso, pois essa questão respeita ao mérito da causa. Com efeito, «Na realidade, uma coisa é a competência do tribunal, outra coisa, muito diferente, é o direito material ou substantivo aplicável ao litígio, direito este que cabe ao tribunal competente determinar e aplicar independentemente da sua natureza privada ou pública» (cfr. Acórdão de 04.02.2016, Proc. 041/15, disponível em www.dgsi.pi). Como se decidiu neste Tribunal dos Conflitos, Ac. de 01.10.2015, Proc. 08/14: «perante a pretensão expressa do Autor de reconhecimento da existência de um contrato individual de trabalho e não de uma relação de trabalho em funções públicas, não pode resolver-se a questão da competência em razão da matéria caracterizando tal relação como de contrato de trabalho em funções públicas em função da interpretação da evolução do regime jurídico em sentido contrário ao pretendido pelo Autor (sendo alheia ao objecto da presente decisão, repete-se, qualquer apreciação do acerto dessa solução). É certo que o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência, pelo menos numa situação como a presente em que a causa de pedir e o pedido vão dirigidos ao reconhecimento dos efeitos resultantes de uma relação laboral de direito privado. Para a apreciação desta questão o que releva é a alegação do Autor de que está ligado à Ré através do regime contrato individual de trabalho e de que é esse contrato de direito privado o fundamento da pretensão de ver reconhecidos direitos que a lei estabelece para os trabalhadores vinculados por contratos desse tipo e que não seriam, porventura, suportados pelo regime do contrato de trabalho em funções públicas. Isto é, o Autor tem direito a que seja apreciado se tem ou não o direito que se arroga, emergente do contrato individual de direito privado que defende vinculá-lo à Ré.» E reiterou este Tribunal: «saber como se qualifica a relação laboral invocada pelo autor, e se os efeitos que pretende são ou não fundamentados, são questões que respeitam ao mérito da causa e à procedência ou improcedência da acção; interpretar o contrato invocado e retirar dessa interpretação consequências quanto à identificação do tribunal competente significa inverter a relação pressupostos/questão de fundo» (cfr. Ac., de 24 de Fevereiro de 2021, Proc. 03143/19.3T8GMR.S1, disponível em www.dgsi.pt). Significa que o Tribunal dos Conflitos, em pronúncias sobre litígios decorrentes de contratos de trabalho celebrados com entidades públicas, tem de forma reiterada considerado determinante a configuração da relação material controvertida tal como definida pelos autores para atribuir a competência material (cfr., por último, o Ac. de 18.04.2023, Proc. 028/22, disponível em www.dgsi.pt). É esta jurisprudência que se reitera, pois também aqui a Autora invoca um vínculo jurídico que emerge de um contrato individual de trabalho, de direito privado, para fundamentar nesse contrato os pedidos que formula, pelo que a apreciação do presente litígio está excluída do âmbito da jurisdição administrativa, conforme decorre da alínea b), do nº 4 do art. 4º do ETAF. Deste modo, tem de concluir-se que, atendendo aos termos em que a Autora formulou a pretensão, são os tribunais comuns, pelos juízos do trabalho, os competentes para conhecer da acção (alínea b) do nº 4 do art. 4º, do ETAF, nº 1 do art. 40º e alínea b) do art. 126º da LOSJ). Pelo exposto, e nos termos do disposto no art. 17º da Lei nº 91/2019, de 4 de Setembro, acordam em emitir pronúncia no sentido de que cabe aos Tribunais Judiciais conhecer da presente acção. Lisboa, 20 de setembro de 2024. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Nuno António Gonçalves. |