Acórdão do Tribunal dos Conflitos | |
Processo: | 0987/23.5BELRA |
Data do Acordão: | 11/27/2024 |
Tribunal: | CONFLITOS |
Relator: | TERESA DE SOUSA |
Descritores: | CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO CONTRA-ORDENAÇÃO URBANISMO |
Sumário: | Compete à Jurisdição Administrativa e Fiscal conhecer de impugnação judicial respeitante a ilícito contra-ordenacional decorrente do exercício da actividade de construção sem habilitação legal que se integra no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. |
Nº Convencional: | JSTA000P32865 |
Nº do Documento: | SAC202411270987 |
Recorrente: | A... UNIPESSOAL, LDA |
Recorrido 1: | MINISTÉRIO PÚBLICO (E OUTROS) |
Votação: | UNANIMIDADE |
Área Temática 1: | * |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Tribunal dos Conflitos 1. Relatório A... Unipessoal, Lda., melhor identificada nos autos, deduziu recurso de impugnação judicial, nos termos do artigo 59º do DL nº 433/82, de 27 de Outubro, da decisão do Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção I.P. (IMPIC), de 03.03.2023, que lhe aplicou uma coima no montante de €3.750,00, acrescida de custas no valor de €102,00, pela alegada prática, a título negligente, de uma contra-ordenação prevista e punível nas disposições conjugadas dos artigos 23º e 37º, nºs 1 alínea a), 2, alínea f) e 6 da Lei nº 41/2015, de 3 de Junho, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade de construção. Remetidos os autos pelo IMPIC ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém este fez os autos presentes ao Juízo de Competência Genérica de Rio Maior, em 23.05.2023, nos termos do artigo 62º, n.º 1 do DL nº 433/82, de 27 de Outubro. Por decisão proferida por aquele Juízo de Competência Genérica de Rio Maior, em 26.06.2023, foi declarada a incompetência desse Tribunal, em razão da matéria, para apreciação do recurso interposto pela arguida por entender, em síntese, estar em causa a impugnação judicial da decisão de aplicação de uma coima pela prática da contra-ordenação p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 23º e 37º, nºs 1, alínea a), 2, alínea f), e 6, da Lei nº 41/2015, de 3 de Junho [Regime Jurídico Aplicável ao Exercício da Actividade da Construção], que se reportam ao exercício da actividade de empreiteiro de obras particulares sem a necessária habilitação com alvará ou certificado emitido pelo IMPIC, e ser inequívoco que tais normas alegadamente violadas são de direito administrativo em matéria de urbanismo, pelo que concluiu ser o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria o competente para a tramitação e julgamento do processo de contra-ordenação, face ao disposto no artigo 4º, nº 1, alínea l), do ETAF. Após trânsito, foi o processo remetido ao TAF de Leiria. O TAF de Leiria, por decisão de 16.04.2024, julgou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer do recurso de impugnação contra-ordenacional considerando, em síntese, que o exercício da actividade de empreiteiro de obras particulares sem o competente alvará não pode ser considerada a violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo por não assumir natureza idêntica às que constam do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, pelo que a competência material para conhecer do recurso de aplicação da coima pertence aos tribunais da jurisdição comum. Por despacho de 26.09.2024, o TAF de Leiria suscitou oficiosamente o conflito negativo de jurisdição, ordenando a subida dos autos a este Tribunal dos Conflitos. Neste Tribunal dos Conflitos foi dado cumprimento ao disposto no nº 3 do art. 11º da Lei nº 91/2019, de 4 de Setembro. O Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a competência material para julgar a impugnação judicial da decisão punitiva em causa deverá ser atribuída aos tribunais da jurisdição administrativa, mais precisamente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria. 2. Os Factos Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório. 3. O Direito O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Juízo de Competência Genérica de Rio Maior e o TAF de Leiria. A questão que está em causa nos autos é a de saber qual a jurisdição competente para apreciar a impugnação judicial apresentada pela arguida A... Unipessoal, Lda. e remetida pelo Ministério Público ao Tribunal, respeitante a coima no montante de €3.750,00, acrescida de custas no valor de €102,00, que o IMPIC aplicou à arguida, pela prática, a título negligente, de uma contra-ordenação prevista e punível nas disposições conjugadas dos arts. 23º e 37º, nºs 1 alínea a), 2, alínea f) e 6 da Lei nº 41/2015, de 3 de Junho, por alegada execução de obras inerentes à actividade de construção, sem que para o efeito, estivesse habilitada com alvará, ou pelo menos com Certificado, emitido pelo IMPIC. De acordo com a alínea l) do nº 1 do art. 4º do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a “Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo (…)”. A propósito da opção legislativa tomada na reforma de 2015 ao ETAF, quanto ao alargamento do âmbito da jurisdição administrativa na área do ilícito de mera ordenação social, escreveu-se no acórdão deste Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. 023/18: «Daí que a opção tenha passado, nos termos da alínea l) do n.º 1 do art. 04.º do ETAF, pela atribuição da competência aos tribunais administrativos apenas das impugnações contenciosas de decisões que hajam aplicado coimas fundadas na violação de normas de Direito Administrativo em matéria de urbanismo [aqui entendido num âmbito que não abarca as regras relativas à ocupação, uso e transformação do solo (planos/instrumentos de gestão territorial), nem as regras relativas ao direito e política de solos, mas que inclui, mormente, as regras respeitantes à disciplina do direito administrativo da construção e à dos instrumentos de execução dos planos (v.g., reparcelamento, licenciamento e autorização de operações de loteamento urbano e de obras de urbanização e edificação)], ficando excluídas, salvo expressa disposição em contrário, todas as impugnações contenciosas relativas aos demais domínios/matérias tipificados em sede de ilícito de mera ordenação social e, assim, por este abrangidos.» Em situação semelhante à dos autos [embora no domínio do DL nº 12/2004, de 9 de Janeiro, revogado pela Lei nº 41/2015 aplicada no presente caso], já se pronunciou o Tribunal dos Conflitos, no acórdão de 23.01.2020, Proc. 035/19: «(…) é de sublinhar, para efeito de resolução deste conflito, que a limitação de competência que consta da citada alínea l) a matérias de urbanismo não resulta - por parte do legislador - de uma ponderação de natureza mas antes de conveniência. 4. Sobre «contra-ordenações» estipula o artigo 98º do RJUE [DL 555/99, de 16.12], tal como vigorava à data dos ilícitos em causa - tempus regit actum - o seguinte: (…) A verdade é que nada do corpo textual deste artigo legitima a conclusão de que se trata de um elenco fechado, de modo a justificar o entendimento do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa. Aliás, nem a própria doutrina que é por ele invocada vai nesse sentido, já que a citada autora - Dra. Fernanda Paula Oliveira -, como bem sublinha o Ministério Público no seu parecer, não defende que as únicas contra-ordenações urbanísticas, ainda que concernentes aos empreiteiros, sejam as previstas no citado artigo 98º do RJUE, limitando-se a veicular o entendimento de que essas, sem dúvida, se incluem no âmbito da alínea l) do nº1 do artigo 4º do ETAF. E é a mesma autora que, num outro artigo, também publicado pelo CEJ [Contra-ordenações urbanísticas: os casos, «Regime Geral das Contra-ordenações e as Contra-ordenações Administrativas e Fiscais», CEJ, e-book de Setembro/2015, página 80], depois de elencar as contra-ordenações previstas nos artigos 98º do RJUE, diz o seguinte: «Fica, assim, feito o registo do elenco das contraordenações urbanísticas no âmbito do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, com nota de que se trata de uma pequena parte das contraordenações urbanísticas mas, também, com a consciência de que são estas as que maior relevo assumem e que ocorrerão na maior parte dos casos.» Seja como for uma coisa é certa, as contra-ordenações aqui em causa sancionam a execução de obras por empreiteiro com falta de título para as poder executar, e não há razão alguma para, após a ponderação do elenco das alíneas do artigo 98º do RJUE, devermos concluir que elas têm uma natureza diferente das que aí estão previstas. Até porque a conduta ilícita sancionada com coima não é a mera falta de alvará [artigo 4º], ou de título de registo [artigo 6º], mas antes o exercício da actividade de construção na sua falta. O que significa o exercício de «actividade urbanística», por natureza.». Assim, aderindo ao entendimento perfilhado por este Tribunal de Conflitos, consideramos que o ilícito contra-ordenacional decorrente do exercício da actividade de construção sem habilitação legal integra-se no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, pelo que a competência material no caso dos autos cabe à jurisdição administrativa. Pelo exposto, acordam em julgar competente para apreciar a referida impugnação judicial o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria. Sem custas. Lisboa, 27 de Novembro de 2024. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Nuno António Gonçalves. |