Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:03907/23.3T8BRG.G1.S1
Data do Acordão:12/11/2024
Tribunal:CONFLITOS
Relator:NUNO GONÇALVES
Descritores:RECURSO
Sumário:I - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa conhecer da causa em vem pedida a resolução do contrato de cedência de parcela de terreno a Município para a concessão de alvará de loteamento do terreno, alegando-se incumprimento da obrigação assumida de construir aí uma escola pré-primária.
II - O contrato em causa não pode ser considerado um acordo de natureza privada, desde logo por não estar na disponibilidade de particulares conceder alvarás de loteamento, isentar do pagamento de taxas urbanísticas e dispensar a execução de infraestruturas.
Nº Convencional:JSTA000P32995
Nº do Documento:SAC2024121103907
Recorrente:CORIMAR – CONSTRUÇÃO, COMPRAS E VENDA DE PROPRIEDADES, LDA
Recorrido 1:CÂMARA MUNICIPAL DE ESPOSENDE
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: *

recurso


Acórdão:


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O Tribunal dos Conflitos acorda: ----------------------


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a. Relatório:


CORIMAR – Construção, Compra e Venda de Propriedades, Lda. intentou em 21/06/2023, no Juízo Central Cível de Braga, ação declarativa sob a forma de processo comum contra: ---------


- Câmara Municipal de Esposende, -----


peticionando que: ----

(i) Se[ja] declarada a resolução do Contrato, em virtude do incumprimento definitivo da Ré e da impossibilidade de verificação da condição resolutiva a que o Contrato estava sujeito, com as respetivas consequências legais, designadamente com a restituição do terreno à Autora, o que deverá ser decretado em sede de Despacho Saneador, nos termos do disposto no artigo 595.º, n.º 1, alínea b) do CPC, atenta a desnecessidade de produção de prova adicional;

(ii) Subsidiariamente, se[ja] declarada a resolução do Contrato em virtude da alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;

(iii) Em qualquer caso, e em consequência da resolução operada, se[ja] declarado o cancelamento do registo da parcela cedida a favor da Ré e ser esta condenada na entrega do terreno à Autora;

(iv) E, também em qualquer caso, deve a Ré ser condenada no pagamento de, pelo menos, EUR 473.400,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela Autora, deduzido do valor que deverá restituir à Ré a título de taxas urbanísticas e da execução de infraestruturas (cfr. artigo 273.º supra).

(v) Caso por algum motivo não equacionável pela Autora, mas que por extrema cautela de patrocínio se equaciona, não seja possível a restituição do terreno, deve, subsidiariamente ao pedido de condenação na sua entrega e de cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré (identificado em (iii)), ser a Autora indemnizada pelos danos emergentes e lucros cessantes que, de forma ilícita e culposa, lhe foram causados pela Ré, no montante global de EUR 1.805.025,00 (cfr. artigo 275.º supra).”.

Fundamenta a sua pretensão, em síntese, no incumprimento por parte do Município réu da obrigação assumida naquele contrato de construir uma escola pré-primária na parcela do terreno que a autora lhe havia cedido para esse efeito.


O réu Município de Esposende contestou, excecionando: ----

i. a incompetência do Tribunal em razão da matéria, sustentando estar em causa uma relação jurídica administrativa a ser dirimida pelos Tribunais Administrativos e Fiscais,

ii. a caducidade do direito de reversão da autora,

iii. a prescrição do direito de reversão da autora,

iv. a prescrição do alegado direito da autora à resolução/alteração do contrato (1 ano), e

v. a prescrição do alegado direito da autora à resolução/alteração do contrato (20 anos).

Defendeu-se, ainda, por impugnação.

E deduziu pedido reconvencional.

A autora, notificada, replicou, pronunciando-se, além do mais, pela competência dos tribunais cíveis para a apreciação do presente litígio.


O Juízo Central Cível de Braga – Juiz …, por despacho saneador-sentença de 29/11/2023, proferido em sede de audiência prévia, julgou-se materialmente incompetente em razão da matéria para conhecer da presente causa, absolvendo o réu da instância.


Para tanto, entendeu, em suma, que a relação material em que se fundam os pedidos constantes do articulado inicial da autora é uma relação jurídica administrativa. E que, por isso, o seu conhecimento cabe aos tribunais administrativos, nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. o), do ETAF.


A autora, inconformada, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.


O réu contra-alegou, pugnando pele confirmação da decisão recorrida e a atribuição da competência material aos tribunais administrativos e fiscais para conhecer da causa.


O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 12/04/2024, julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida, considerando, igualmente, que a apreciação da ação compete aos tribunais administrativos, por estar em causa um contrato de natureza administrativa.


A autora, não se conformando, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.


O réu contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.


No Supremo Tribunal de Justiça, o Conselheiro relator, por despacho de 11/09/2024, determinou a convolação da revista em recurso para o Tribunal dos Conflitos.

b. parecer do Ministério Público:


Neste Tribunal, o Digno Procurador-Geral Adjunto, na vista a que alude o art. 11.º, n.º 4, da Lei n.º 91/2019, de 4 de setembro, emitiu parecer, pronunciando-se pela improcedência do recurso e no sentido de ser atribuída competência para conhecer da presente ação aos tribunais da jurisdição administrativa.


c. exame preliminar:


O recurso é o próprio - art. 101.º n.º 2 do CPC.


Está admitido.


Este Tribunal dos Conflitos é o competente para julgar o recurso no que respeita à questionada incompetência jurisdicional material do tribunal cível para conhecer da causa – art. 3.º alínea c) da Lei n.º 91/2019 de 4 de setembro.


Não existem questões processuais que devam conhecer-se previamente à apreciação do mérito e que pudessem impedir o prosseguimento do recurso para julgamento.

d. objeto do recurso:


Consiste em definir se a competência em razão da matéria para conhecer da do presente litígio que a autora intentou contra aquela autarquia peticionando a anulação do “contrato de cedência de terreno para concessão de alvará de loteamento” celebrado entre ambas as partes alegando incumprimento do condicionamento da cedência e a efetivação da responsabilidade da ré dai emergente.

e. fundamentação:

1. o direito:

i. pressuposto:

Nos termos da lei - art. 38.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013 -, “a competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei” (no mesmo sentido veja-se o art. 5.º do ETAF).


Está pacificamente assente na doutrina e na jurisprudência1 que “a competência dos tribunais em razão da matéria afere-se em função da configuração da relação jurídica controvertida, isto é, em função dos termos em que é deduzida a pretensão do autor na petição inicial, incluindo os seus fundamentos (…)


A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável …»].2.


E, em determinadas causas, afere-se ainda em função da natureza dos sujeitos processuais.

ii. da competência material das jurisdições:

Da arquitetura constitucional e do quadro legal orgânico, estatutário e adjetivo que a desenvolve, resulta que aos tribunais judiciais comuns está atribuída a denominada competência material residual. Que, na expressão do legislador, se traduz no poder-dever de conhecer das “causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.


Resulta ainda que, na ordem dos tribunais judiciais comuns, aos juízos cíveis compete conhecer das causas que não estejam atribuídas a tribunais ou juízos “dotados de competência especializada”.


Assim, não cabendo uma causa na competência material, legalmente atribuída a outro tribunal, será a mesma da competência residual do tribunal comum. E nesta jurisdição se não estiver especificadamente atribuída a outra área, competirá aos tribunais cíveis.


Estabelece a Constituição da República - art. 212.º, n.º 3 – e regulamenta a Lei de Organização do Setor Judiciário/LOSJ – art. 144.º, n.º 1 que aos tribunais administrativos e fiscais compete “o julgamento das ações e recursos contenciosos” “emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”, nos termos concretizados pelo ETAF, tendo, nessas matérias, «reserva de jurisdição» “excepto nos casos em que, pontualmente, a lei atribua competência a outra jurisdição”.


Competência em razão da matéria que o artigo 4.º enuncia, dispondo (no que para aqui releva): ----------------


1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:

a) Tutela de (…) direitos e interesses legalmente protegidos, no âmbito de relações jurídicas administrativas e fiscais;

e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público (…);

o) Relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.”

O legislador, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 93/VIII que esteve na base do ETAF aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, - que, com várias alterações (16), está a vigorar -, expressando o seu pensamento, afirmou que com o (então) novo estatuto optou “por ampliar o âmbito da jurisdição dos tribunais administrativos em domínios em que, tradicionalmente, se colocavam maiores dificuldades no traçar da fronteira com o âmbito da jurisdição dos tribunais comuns.


A jurisdição administrativa passa, assim, a ser competente para a apreciação de todas as questões de responsabilidade civil que envolvam pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais questões se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado.


Já em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, como a sua actividade se rege fundamentalmente pelo direito privado, entendeu-se dever manter a dicotomia tradicional e apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios aos quais, de acordo com a lei substantiva, seja aplicável o regime da responsabilidade das pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função administrativa.


A jurisdição administrativa passa, também, a ser competente para a apreciação de todas as questões relativas a contratos celebrados por pessoas colectivas de direito público, independentemente da questão de saber se tais contratos se regem por um regime de direito público ou por um regime de direito privado; também neste domínio se optou, em relação às pessoas colectivas de direito privado, ainda que detidas pelo Estado ou por outras entidades públicas, por apenas submeter à jurisdição administrativa os litígios respeitantes a contratos administrativos ou a contratos cujo procedimento de formação se encontre submetido, nos termos da lei, a um regime específico de direito público. A competência dos tribunais administrativos estende-se, nestes casos, à apreciação da validade dos próprios actos jurídicos de preparação e adjudicação do contrato («actos précontratuais»), praticados por estas entidades.


iii. relação jurídica administrativa:


Pelo que é à luz deste regime que se impõe julgar o vertente recurso e, consequentemente, decidir qual é a jurisdição competente para conhecer a ação para efetivação da responsabilidade contratual que a autora intentou nestes autos contra a autarquia ré e, designadamente, se em causa estão questões jurídicas com contornos que lhe conferem natureza administrativa.


Considerando-se “relação jurídica administrativa” a “relação jurídica de direito administrativo”, com exclusão, nomeadamente, das relações de direito privado em que intervém a administração”.


Relação jurídica de direito administrativo “é aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”3.


Destarte, “a determinação do domínio material da justiça administrativa continua, assim, a passar pela distinção material entre o direito público e o direito privado”.


Considerando-se “relações jurídicas públicas (seguindo um critério estatutário, que combina sujeitos, fins e meios) aquelas em que um dos sujeitos, pelo menos, seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido” 4.


O Código de Procedimento Administrativo no art.º 200.º, estatui que “os órgãos da Administração Pública podem celebrar contratos administrativos, sujeitos a um regime substantivo de direito administrativo, ou contratos submetidos a um regime de direito privado.”


Definindo como “contratos administrativos os que como tal são classificados no Código dos Contratos Públicos ou em legislação especial.”


Estabelecendo no art. 202.º que “as relações contratuais administrativas são regidas pelo Código dos Contratos Públicos ou por lei especial, sem prejuízo da aplicação subsidiária daquele quando os tipos dos contratos não afastem as razões justificativas da disciplina em causa.”


O Tribunal dos Conflitos, no acórdão de 08-11-2018, tirado no processo n.º 58/17 sintetizou: “serão, assim, administrativos os contratos em que o interesse público, visado pela Administração Pública, prevaleça sobre os interesses privados ou que visem necessidades predominantemente públicas.”


iv. RJUEU


O regime jurídico da urbanização e edificação urbana consta do DL. n.º 555/99 de 16 de dezembro concentrou em si os anteriores regimes jurídicos do licenciamento municipal de loteamentos urbanos e obras de urbanização e de obras particulares sem, contudo, pôr em causa um nível adequado de controlo público, contendo um conjunto de regras que acompanham todas as fases da execução de uma operação urbanística e de procedimentos de controlo administrativo. Incumbindo-se aos órgãos administrativos, nomeadamente aos municípios, o poder-dever de fiscalizar a atividade dos particulares e garantir que esta se desenvolve no estrito cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis.


Diploma que conferiu particular atenção às normas de procedimento administrativo atinentes ao regime substantivo daquelas operações urbanísticas, como também à atividade desenvolvida por entidades públicas ou privadas em todas as fases do processo urbano, desde a efetiva afetação dos solos, à construção urbana, até à utilização das edificações nele implantadas.


As cedências de parcelas do terreno a lotear são reguladas no art. 44.º que estipula a sua gratuitidade quando se destina à implantação de espaços verdes públicos, habitação pública a custos controlados ou para arrendamento acessível e equipamentos de utilização coletiva e para as infraestruturas. Estabelecendo que “as parcelas de terreno cedidas ao município integram-se no domínio municipal (…).


A reversão está prevista e regulada no art. 45.º. Constituindo o direito conferido ao cedente sempre que as parcelas sejam afetas a fins diversos daqueles para que hajam sido cedidas, contanto não sejam afetas a outra ou outras das finalidades que podem fundamentar a cedência, “independentemente das especificações eventualmente constantes do documento que titula a transmissão” ou as operações não tenham sido “alteradas por iniciativa da câmara municipal desde que tal alteração se mostre necessária à execução de plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do território ou área de reabilitação urbana.”


Norma que no n.º 3 estatui que “ao exercício do direito de reversão previsto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código das Expropriações”.


Justificando o legislador no preambulo do diploma que, “em matéria de operações de loteamento urbano, e no que se refere a cedências gratuitas ao município de parcelas para implantação de espaços verdes públicos, equipamentos de utilização colectiva e infra-estruturas urbanísticas, estabelece-se, para além do direito de reversão sobre as parcelas cedidas quando as mesmas não sejam afectas pelo município aos fins para as quais hajam sido cedidas, que o cedente tem a possibilidade de, em alternativa, exigir o pagamento de uma indemnização, nos termos estabelecidos para a expropriação por utilidade pública.” - vd. preambulo do DL citado.


Quaisquer atos praticados e/ou pareceres emitidos nos termos do referido diploma podem ser objeto de impugnação administrativa - art. 114.º n.º 2.


Estabelece o Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro que a reversão é requerida à entidade que houver declarado a utilidade pública da expropriação. E que “se não for notificado de decisão favorável no prazo de 90 dias a contar da data do requerimento, o interessado pode fazer valer o direito de reversão no prazo de um ano, mediante acção administrativa comum a propor no tribunal administrativo de círculo da situação do prédio ou da sua maior extensão” – art. 74.º


2. apreciação:


Dito isto, vejamos então o que resulta dos termos como a causa vem configurada.


A autora alega, em síntese, que: ----

- Em 21/04/1986, submeteu à ré um requerimento de licenciamento de obras com vista ao loteamento de um terreno urbanizável de que era proprietária.

- Por despacho de 07/08/1986, foi autorizado o loteamento daquele terreno, tendo a ré determinado que, em contrapartida do licenciamento, teria a autora de lhe ceder uma parcela de 1.500m2 daquele terreno, onde o município réu se vinculou a construir uma escola pré-primária.

- Em contrapartida, a autora ficava isenta do pagamento das taxas urbanísticas devidas pela operação de loteamento e da execução de infraestruturas, que ficariam a cargo da ré.

- Neste contexto, em 13/11/1986, através de escritura pública de cedência de terreno para concessão de alvará de loteamento, autora e ré celebraram um contrato, nos termos do qual a autora cedeu ao município réu a já referida parcela de terreno, para construção da escola pré-primária prevista no Plano de Pormenor da Zona Norte, ficando, ainda, a autora isenta do pagamento de taxa de urbanização e da execução de infraestruturas.

- Porém, o réu não só não construiu a referida escola, como iniciou um processo de loteamento tendente à construção de moradias unifamiliares nesse mesmo terreno, inviabilizando o cumprimento da obrigação a que se havia vinculado.

Está, assim, em causa um “contrato de cedência de terreno para concessão de alvará de loteamento”, celebrado entre a autora (entidade privada) e o réu município de Esposende (pessoa coletiva de direito público), através de escritura pública outorgada no Cartório Notarial Privativo da Câmara Municipal de Esposende.


Percorrida a causa de pedir, verifica-se que o contrato em causa não pode ser considerado como um acordo de natureza privada, desde logo por não estar na disponibilidade de particulares conceder alvarás de loteamento.


Acresce que foi, ainda, concedida à autora a isenção do pagamento de taxas urbanísticas e a dispensa da execução de infraestruturas, a serem executadas a expensas da Câmara Municipal.


E, note-se que a cedência da parcela do terreno se destinava à construção da escola pré-primária prevista no Plano de Pormenor da Zona Norte.


Estamos, assim, perante atos próprios dos Municípios, arredados das mãos dos particulares, que consubstanciam uma relação jurídica administrativa.


Sem olvidar que através da cedência aquela parcela de terreno passou a integrar o domínio público municipal.


O Tribunal dos Conflitos, no acórdão de 14/07/2022, tirado no processo n.º 016/225, na qual os aí AA. alegavam “que entre estes e o R. foi celebrado um acordo pelo qual cederam àquele a parcela de terreno em causa nos autos, mediante determinadas contrapartidas. Acordo de cedência esse destinado a servir o interesse público prosseguido pelo Município de “construção de uma rotunda no âmbito da reabilitação da EM 595 no cruzamento de …… com ……”. Evitando assim “o R. o dispendioso processo de expropriação e como contrapartida obrigou-se a realizar determinadas obras de urbanização”, tendo aquando dos preliminares que antecederam o acordo e na celebração deste proposto aos AA., em troca da cedência do terreno, a garantia de um loteamento no local, sem quaisquer custos ou encargos para estes”, entendeu que “tal acordo não tem, pois, uma natureza jurídico-privada mas, antes, consubstancia uma relação jurídica administrativa. (…)”.


Aresto sumariado assim: -------


I - Compete aos Tribunais Administrativos apreciar acção sobre um contrato de cedência da parcela de terreno, o qual funcionou verdadeiramente como uma alternativa a um processo de expropriação visando um fim de interesse público prosseguido pelo R. Município.


II - Através de tal contrato o dito prédio passou a pertencer ao domínio público municipal, pretendendo agora os AA., com a resolução do contrato, por alegado incumprimento do R., ver “revertida” a situação do referido bem (como pedido principal), sendo a situação reconduzível ao disposto no art. 4º, nº 1, alínea o), do ETAF.”


Pelo exposto e em linha com a jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos, conclui-se que a relação controvertida, balizada pelo pedido e pela causa de pedir definidos pelos autores, é uma relação jurídica regulada pelo direito administrativo.

f. Dispositivo:


Assim, o Tribunal dos Conflitos acorda em julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, decidindo-se que materialmente competente para a ação intentada nos autos são, nos termos do no n.º 1 do artigo 1.º e al.ª o) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF, os tribunais da jurisdição administrativa, concretamente o Tribunal administrativo e fiscal de Braga.

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Sem custas por não serem devidas – art. 5.º n.º 2, da Lei n.º 91/2019, de 04 de setembro.


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Lisboa, 11 de dezembro de 2024. - Nuno António Gonçalves (relator) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.


1. Acórdão do Tribunal dos Conflitos, de 08/11/2018, processo n.º 20/18

2. http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/00026a026bf60a4e802583440035ed00

3. Diogo Freitas do Amaral “Direito Administrativo”, volume III, Lisboa, 1989, pág. 439.

4. José Carlos Vieira de Andrade “A Justiça Administrativa” 17.ª Edição, Almedina, 2019, pág. 49.

5. https://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e85605da7e82d42e8025888500718103