Sentença de Julgado de Paz
Processo: 61/2024-JPPLM
Relator: HELENA ALÃO SOARES
Descritores: DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE VALORES EM DÍVIDA RELATIVOS A PRESTAÇÕES DE CONDOMÍNIO
Data da sentença: 06/18/2024
Julgado de Paz de : PALMELA/SETÚBAL
Decisão Texto Integral:
Sentença
(artigo 26.º, n.º 1 da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP)).
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Processo n.º 61/2024-JPPLM

Matéria: Direitos e deveres de condóminos (artigo 9.º, n.º 1, alínea c) da Lei de Organização, Funcionamento e Competência do Julgados de Paz, aprovada pela Lei n.º 78/2001, de 13-07, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP))

Objecto do litígio: Declaração de inexistência de valores em dívida relativos a prestações de condomínio

1.ª Demandante: [PES-1], cartão de cidadão n.º [Id. Civil-1 ]e contribuinte fiscal n.º [NIF-1], residente na [...], n.º 16, 3.º esquerdo, [Cód. Postal-1] [...]
2.º Demandante: [PES-2], contribuinte fiscal n.º [Id. Civil-2] e contribuinte fiscal n.º [NIF-2], ambos residentes na [...], n.º 16, 3.º esquerdo, [Cód. Postal-1] [...]
Mandatária: Dra. [PES-3], Advogada, com domicílio profissional na [...], n.º 56, [Cód. Postal-2] [...]
Demandado: Condomínio do prédio sito no [...], n.º 1 e [...], n.º 12, 14, 16 e 16-A, [Cód. Postal-1] [...], entidade equiparada a pessoa coletiva com o NIPC [NIPC-1]. ---------
Legal Representante: [...], Lda., NIPC [NIPC-2], com sede na [...], n.º 4A, [Cód. Postal-3] [...], administradora, representada por [PES-4], gerente
Mandatária: Dra. [PES-5], Advogada, com domicílio profissional na [...], n.º 38, 1.º esquerdo, [Cód. Postal-4] [...]
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I. Relatório
Em 26-02-2024, os Demandantes [PES-1] e [PES-2] intentaram a presente acção contra o condomínio representada pela sua administradora, [ORG-1], Lda., enquadrável na alínea c), do n.º 1 do artigo 9.º da Lei dos Julgados de Paz, pedindo o reconhecimento de que os Demandantes não são devedores de qualquer quota de condomínio, regular ou extra, e a falta de legitimidade do demandado para peticionar qualquer recuperação de crédito, nos termos do seu requerimento inicial, de fls. 3 a 9, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando em suma, que o condomínio aprovou em assembleias gerais diferentes quotas extra para a realização da mesma obra, com orçamentos diferentes, peticionadas por administrações diferentes, tendo pago apenas uma delas, acreditando não ser legitima a exigência de duas quotas para a mesma obra, exigidas cumulativamente, por duas administrações diferentes, tendo pago uma delas, existindo dúvidas sobre os valores em dívida, mal contabilizados com a sucessão das administrações. Juntou ao seu requerimento inicial os documentos de fls. 10 a 81.
O Demandado, citado a 28/02/2024 (cf. fls. 85), na pessoa da sua administradora, defendeu-se nos termos da sua contestação de fls. 95 a 104, que aqui se dá por integralmente reproduzida, alegando em suma que as deliberações tomadas apesar de respeitarem à mesma obra, traduzem-se em intervenções diferentes, e com entidades diferentes, deliberadas pelos condóminos, que não foram impugnadas judicialmente, sendo devidas as duas quotas deliberadas, faltando aos Demandantes pagar o valor de € 307,27, a título de quotas extraordinárias. Juntou ao seu articulado os documentos de fls. 105 a 107.
Foi realizada sessão de pré-mediação, seguida de mediação, na qual não lograram as partes chegar a acordo (cf. fls. 148 a 149), pelo que foi marcada a audiência de julgamento (cf. fls. 151).
Na data e hora designadas, a audiência de julgamento realizou-se nos termos da acta correspondente, de fls. 188 a 192.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas. Não ocorrem excepções, nulidades, ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

II. Do Valor
Nos termos do disposto nos artigos 297.º, n.ºs 1 e 2, 299.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 63.º da LJP, fixo à presente acção o valor de € 480,98 (quatrocentos e oitenta euros e noventa e oito cêntimos).

III. Fundamentação
Dispõe a al. c) do n.º 1 do artigo 60.º da LJP que da sentença proferida nos Julgados de Paz consta uma sucinta fundamentação, o que se cumpre como segue.

A) De Facto
Factos Provados
Consideram-se provados, relevantes para o exame e decisão da causa, os seguintes factos:
1 – [ORG-1], Lda., NIPC [NIPC-2], com sede na [...], n.º 4A, [Cód. Postal-3] [...], representada por [PES-4], gerente é administradora do Condomínio do prédio sito no [...] da [...], n.º 1 e [...], n.º 12, 14, 16 e 16-A, [Cód. Postal-1] [...];
2 – Os Demandantes [PES-1] e [PES-2] são condóminos e proprietários da fracção autónoma designada pelas letras AI, correspondente ao 3.º esquerdo do prédio sito na [...], n.º 16, 3.º Esq., em [Cód. Postal-1] [...];
3 – Na Assembleia de condóminos realizada no dia 17-09-2021 foi deliberada por unanimidade a criação de uma quota extra mensal de outubro de 2021 a junho de 2022, para realização de obras nos terraços do 3.º Dto. do n.º 12, do 3.º Esq. e Dto. do n.º 16 no valor de € 480,98 para a fracção AI, propriedade dos Demandantes;
4 – Na Assembleia de condóminos realizada no dia 13-05-2022 foi deliberado por unanimidade anular a deliberação tomada no dia 17-09-2021 relativa à quotização extraordinária, aprovar o orçamento do “Espanhol” para os terraços do 3.º Esq. e Dto., do n.º 12, no valor de €7.106,40, e criar uma quota extra mensal duma quotização extraordinária a pagar até 08-09-2022, no valor de € 307,27 para a fracção dos Demandantes, referente a tal obra;
5 – Na Assembleia de condóminos realizada no dia 13-12-2022 foi eleita a [ORG-1], Lda., NIPC [NIPC-2], que usa no exercício da sua actividade a designação de “[...]” como administradora do Condomínio do prédio sito no [...], n.º 1 e [...], n.º 12, 14, 16 e 16A, em [Cód. Postal-1] [...], NIPC [NIPC-1] e
6 – Os Demandantes pagaram o valor de € 480,98, em janeiro de 2023;
7 – Na Assembleia de condóminos realizada no dia 10-05-2023 foram apresentados orçamentos para a reparação do telhado, terraços e apartamentos com danos e aprovado os orçamentos apresentados pelas Cores Diagonais, no valor de € 24.759,60, e
8 – Foi deliberado e aprovado por maioria, criar novas quotas extra, no valor de €1.025,00 para a fracção dos Demandantes, a pagar até setembro de 2023;
9 – A Demandante foi convocada e esteve presente na assembleia realizada a 10-05-2023;
10 – Os Demandantes receberam as actas das assembleias de condóminos realizadas;
11 – As deliberações tomadas nas assembleias de condóminos, não foram impugnadas judicialmente;
12 – Em 31-01-2024 realizou-se uma assembleia de condóminos, na qual esteve também presente a Demandante;
13 – Em 23-02-2024, a Demandante enviou um e-mail à administradora do Condomínio, na pessoa de [PES-6], a impugnar a acta da assembleia de condóminos realizada a 30-01-2024, relativamente ao acerto a realizar a seu favor, no valor de € 173,71, uma vez que haviam pago em Janeiro de 2023, € 480,98 (valor da quota extra revogada) e não o valor de € 307,27, referente ao valor da quota deliberada em 13-05-2022;
14 – Em outubro de 2023, os Demandantes pagaram o valor de € 544,02, para perfazer (juntamente com o valor pago em janeiro de 2023 - € 480,98), o valor de €1.025,00, relativo à quota aprovada na assembleia de condóminos de 10-05-2023;
15 – Os Demandantes não pagaram o valor de € 307,27, referente à quota extra deliberada na assembleia de condóminos de 13-05-2022, a pagar até 08-09-2022, para a sua fracção;
16 – Existem acções em curso propostas pelo condomínio contra proprietários das fracções com vista ao pagamento das quotas em dívida, nomeadamente das quotas extra deliberadas;

Factos não provados
i) As quotas ordinárias de condomínio referentes à fracção dos Demandantes estão pagas até junho de 2024;

Motivação da matéria de facto
A convicção probatória do tribunal ficou a dever-se aos documentos juntos aos autos, mormente de fls. 10 a 81, 105 a 107 e 193 a 199 constando destes, nomeadamente, as actas das assembleias de condóminos com as deliberações aprovadas, às declarações dos Demandantes e do legal representante da administradora do Condomínio, assumindo particular relevância no caso, os depoimentos das testemunhas apresentadas pelas partes.
Relativamente às testemunhas, importa referir que todas elas, quer as apresentadas pelos Demandantes como pelo Demandado, prestaram o seu depoimento com isenção, imparcialidade e conhecimento directo dos factos, demonstraram ter a noção de que as duas quotas (deliberadas em 13-05-2022 e 10-05-2023) foram deliberadas para serem pagas em conjunto, tendo a maioria aceite tal situação, sendo a obra em curso de extensão muito superior à inicialmente prevista e com base na qual foi deliberada a quota inicial; A testemunha [PES-7], condómina e vizinha dos Demandantes, referiu que apesar de não ter pago logo, actualmente já tem as duas quotas pagas, assim como a testemunha [PES-8], também vizinho e condómino do prédio. A testemunha [PES-6], funcionário da sociedade administradora do condomínio, e que gere este condomínio, esclareceu a situação e permitiu um enquadramento da realidade deste condomínio e o sucedido nas suas assembleias, reiterando que foi pela vontade dos condóminos manifestada na deliberação tomada, pela maioria, na assembleia de 10-05-2023 que foi aprovada a nova quota, a acrescer à anteriormente deliberada, para fazer face às obras actualmente em curso e que mesmo assim poderá não ser suficiente o valor arrecadado. Mais disse que imputaram os valores pagos pelos Demandantes às quotas mais antigas em dívida, mas que não obstante isso, mesmo que tivessem imputado à quota extraordinária mais recente, os Demandantes continuam com valores por pagar relativo às das quotas extra deliberadas.
As testemunhas [PES-9] e [PES-10], também condóminas e vizinhas dos Demandantes confirmaram que as deliberações foram tomadas pela esmagadora maioria, senão por todos (demonstraram já não se recordar se houve alguém que não votou favoravelmente) sendo geral o entendimento dos condóminos manifestado na assembleia que as duas quotas deliberadas eram para serem pagas, mesmo que no final houvessem valores a devolver, para fazer face ao valor das obras a realizar, de muito maior vulto e âmbito relativamente às inicialmente previstas e aos valores dos condóminos devedores, com acções em curso para regularização da situação.
Da análise crítica da prova produzida resultaram os factos provados supra descriminados.
Os factos não provados resultaram de ausência de prova.

A) De Direito
No caso vertente, a questão que cumpre resolver reporta-se ao reconhecimento da existência ou inexistência do direito (ou do facto jurídico), pretendendo os Demandantes que este tribunal formule uma declaração negativa, de que o condomínio representado pela sua sociedade administradora, Demandado, não insere na sua esfera jurídica o direito a que se arroga, isto é, da inexistência de qualquer crédito relativo às quotas extraordinárias deliberadas, a cobrar pelo Demandado, peticionando por isso os Demandantes a declaração de que não são devedores de qualquer quantia ao Demandado.
Esta acção assume assim a natureza de mera apreciação e dentro destas, de tipo negativo e não de condenação.
Nos termos do n.º 1, do art.º 1424.º, do Código Civil (CC), as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos na proporção das suas fracções, estabelecendo-se no artigo 1420.º do CC, que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção e comproprietário das partes comuns, sendo ambos os direitos incindíveis.
As deliberações tomadas em assembleia de condóminos, exprime a vontade do condomínio, do colectivo dos condóminos e não dos condóminos individualmente considerados, assumindo autonomia própria, autónoma da vontade individual de cada um dos condóminos presentes na assembleia, podendo ser anulada por decisão judicial, proferida em acção própria de impugnação de deliberação social.
No caso em apreço, de harmonia com o que resultou provado nos autos, foram deliberadas duas prestações extraordinárias, em assembleia de condóminos, uma em 13-05-2022 e outra em 10-05-2023, para fazer face a obras necessárias do condomínio para resolver os mesmos problemas, todavia com área de intervenção e extensão diferente, que tiveram por base dois orçamentos distintos.
Nenhuma das deliberações supra referidas foi impugnada judicialmente e, na assembleia realizada a 10-05-2023, a nova quota foi deliberada, sem revogar a anteriormente aprovada na assembleia de 13-05-2022 (a pagar até 08-09-2022). Significa isto que ambas as quotas se afiguram exigíveis aos condóminos do Demandado.
Cabe ao administrador do condomínio, nos termos do artigo 1436.º, n.º 1, alínea f) do Código Civil (CC), exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, incluindo os juros legais devidos e as sanções pecuniárias fixadas pelo regulamento do condomínio ou por deliberação da assembleia.
Assim, os Demandados, enquanto proprietários da fracção autónoma “AI”, correspondente ao 3.º Esq. do prédio sito na [...], n.º 16 estão obrigados a comparticipar nas despesas imputáveis àquela, aprovadas nas Assembleias de Condóminos, não impugnadas, descriminadas nos factos provados, in casu, extraordinárias, referentes à conservação das partes comuns do edifício, sendo-lhes exigível o pagamento, das duas quotas extraordinárias deliberadas, pelo condomínio, na pessoa do seu administrador.
Pelo exposto, não poderá proceder a presente acção, não tendo resultado provado que os Demandantes não são devedores de qualquer quota de condomínio, regular ou extra, e a falta de legitimidade do Demandado para peticionar qualquer recuperação de crédito.

IV. Decisão
Em face do exposto, julgo integralmente improcedente, por não provada a presente acção e consequentemente absolver o Demandado do pedido.
Custas
As custas, no valor de € 70,00 (setenta euros) serão suportadas pelos Demandantes, [PES-1] e [PES-2], que declaro parte vencida, nos termos do artigo 527.º do CPC, aplicável ex vi art. 63.º da LJP e do Art.º 2.º, n.º 1, alínea b) da Portaria n.º 342/2019, de 01/10 e artigo 527.º do CPC.
Assim, os Demandantes deverão efectuar o pagamento da taxa de justiça da sua responsabilidade, no valor de € 70,00 (setenta euros), no prazo de três dias úteis, a contar da data de notificação desta sentença, mediante liquidação do respetivo Documento Único de Cobrança (DUC), a emitir pela secretaria do Julgado de Paz, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso até ao limite de € 140,00 (artigo 2.º, n.º 1, alínea b), n.º 2 e artigo 3.º, n.º 4 da Portaria n.º 342/2019, de 01/10).
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Extraia o DUC, atinente à responsabilidade tributária do processo, e notifique o mesmo aos Demandantes, juntamente com cópia da presente decisão, para liquidação das custas da sua responsabilidade.
Na notificação advirta os responsáveis pelo pagamento das custas nos termos da Deliberação n.º 33/2020, do Conselho dos Julgados de Paz, salientando desde já que, o prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente sentença, pelo que, o prazo que vai indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) é um prazo de validade desse documento, que apenas serve para acautelar eventuais atrasos nos serviços de distribuição postal.
O facto de o pagamento ser efetuado com atraso, durante o prazo de validade do DUC, não isenta a responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis.
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Verificando-se a falta de pagamento das custas, mesmo após o acréscimo da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), pelo valor das custas em dívida acrescidas da respetiva sobretaxa, com o limite previsto no art.º 3.º, n.º 4, da citada Portaria (€140,00).
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Registe e notifique.
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Palmela, 18/06/2024
A Juiz de Paz

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Helena Alão Soares
(Em auxílio)