Sentença de Julgado de Paz | ||
Processo: | 13/2021/JPMCV | |
Relator: | FILOMENA MATOS | |
Descritores: | USUCAPIÃO | |
Data da sentença: | 05/21/2021 | |
Julgado de Paz de : | MIRANDA DO CORVO | |
Decisão Texto Integral: | SENTENÇA Processo nº13/2021/JPMCV. Identificação das partes Demandantes: AF, cartão de cidadão n.º x, válido até 21/12/2021, identificação fiscal n.º y e mulher SF, cartão de cidadão n.º z, válido até 12/09/2022, identificação fiscal n.º w, ambos residentes em Miranda do Corvo. Demandados: MR, cartão de cidadão n.º x, válido até 23/03/2029, identificação fiscal n.º y e marido RR, cartão de cidadão n.º z, válido até 06/02/2028, identificação fiscal n.º w, ambos residentes em Miranda do Corvo. OBJETO DO LITÍGIO Os Demandantes propuseram contra os Demandados a presente ação declarativa, pedindo que se reconheça que: a) o prédio rústico sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo, inscrito na matriz sob o artigo xa e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o n.º y, atualmente tem a área de 1.940,00m2. b) o prédio rústico sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo, inscrito na matriz sob o artigo xc e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o n.º y, atualmente tem a área de 2.622,00m2. c)o prédio rústico sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo, inscrito na matriz sob o artigo xc e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o n.º y, atualmente tem a área de 2.131,00m2 e em parte deste foi construído o prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o número UX. d)o prédio urbano sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo, inscrito na matriz urbana sob o artigo UX e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o n.º Y, tem a área de 80,00m2 e está construído no prédio rústico antecedente, inscrito na matriz predial rústica sob o número xc. e)os Demandantes são donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, dos prédios rústicos e urbano identificados em a), b),c) e d), para o qual invocaram o instituto da usucapião. f)o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo xa, sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo é um prédio autónomo, independente e devidamente demarcado dos outros, é composto de mato e pinhal, a confrontar do Norte com Caminho, do Sul com o Proprietário, a Nascente com MR e do Poente com MS, e tem a área de 1.940,00m2. g)o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo xc, sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo é um prédio autónomo, independente e devidamente demarcado dos outros, e é composto de terra de semeadura com olival, a confrontar do Norte com Proprietário, do Sul com Proprietário, a Nascente com MR e do Poente com MS, e tem a área de 2.622,00m2. h)o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo xd sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo é um prédio autónomo, independente e devidamente demarcado dos outros, e é composto de terra semeadura com olival, a confrontar do Norte com o Proprietário, do Sul com Rua, a Nascente com MR e do Poente com CP, e tem a área de 2.131,00m2. i)o prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo UX, sito em G, da freguesia e Concelho de Miranda do Corvo se encontra construído no prédio xd, e confronta do Norte, do Sul, a Nascente e do Poente com o Proprietário, e tem a área de 80,00m2. j) os prédios rústicos são prédios autónomos e independentes e que por isso, devem ter descrições independentes na Conservatória do Registo Predial independentes, sendo que, o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo UX da freguesia de Miranda do Corvo está construído no prédio rústico com o n.º de matriz xd. Para tanto, sinteticamente alegaram os factos constantes do Requerimento Inicial de fls. 1 a 15, referindo serem proprietários de quatro prédios (três rústicos e um urbano) devidamente autonomizados do prédio misto descrito na C.R.P. de Miranda do Corvo, sob o nºy, da freguesia de Miranda do Corvo, para tanto invocando o instituto de usucapião e juntaram 11 documentos e procuração forense. Os Demandados foram citados e não contestaram. A fls. 46, foi proferido despacho com o objectivo dos demandantes esclarecerem lapsos e aperfeiçoarem o que tivessem por conveniente, o que fizeram, juntando novo requerimento inicial a fls. 66 a 81. O Julgado de Paz é competente para julgar a presente causa (cfr. artigo 9.º, n.º 1, alínea e) e artigo 11.º, n.º 1, ambos da LJP), fixando-se o valor da causa em € 855,90 (cfr. nº 1, do artigo 296º, nº 1 do artigo 302º e nº 1 e 2 do artigo 306º todos do Código Processo Civil) conjugado com a Portaria nº 1337/2003 de 5 de Dezembro). Não existem exceções que cumpra conhecer-se ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa. A Audiência de Julgamento realizou-se com observância das formalidades legais, na qual foi facultado o exercício do contraditório aos demandados relativamente ao novo requerimento inicial junto, o que foi admitido, conforme da respetiva ata se alcança, FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS Com base e fundamento nos Autos, julgam-se provados os seguintes factos, com interesse para o exame e decisão da causa: 1- Em 26 de dezembro de 2006 faleceu EF, no estado de viúva, cfr. documento junto a fls. 17 e 18. 2- Por testamento outorgado em 21/02/2006 instituiu como únicos e universais herdeiros seus sobrinhos, MR e AF, cfr. documento junto a fls. 19 e 20. 3- Os sobrinhos da falecida, a MR e AF, habilitaram-se à herança deixada pela identificada Emília, através da escritura de habilitação de herdeiros outorgada no dia 9 de janeiro de 2007, cfr. documento junto a fls. 21 a 24. 4- Da herança faz parte os prédios rústicos inscritos na matriz predial rústica sob os artigos xa, x, xc e xd, sitos em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo, cfr. documentos juntos a fls. 25 a 28. 5-E, o prédio urbano que se encontra inscrito na matriz predial urbana sob o artigo UX, sito, igualmente, em G, da freguesia de Miranda do Corvo, do concelho de Miranda do Corvo, cfr. documento junto a fls. 29 e 30. 6- Os prédios identificados supra encontram-se descritos na respetiva Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o n.º y, como se de um prédio se tratasse, cfr. documento junto a fls. 31 e 32. 7- Os prédios rústicos e o urbano encontram-se todos na mesma descrição no Livro n.º ##, do Livro n.º ** da Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo, sendo que, o prédio 12126 foi desanexado da referida descrição conforme resulta da análise dos documentos juntos a fls. 31, 32 e 33 e 34, respectivamente. 8-A falecida EF adquiriu os referidos prédios, conforme resulta da AP. 7 de 1988/03/17 na sequência de “Dissolução da Comunhão Conjugal e sucessão hereditária.”, por óbito do seu marido, AL, conforme resulta da certidão junta a fls. 31 e 32. 9- Da certidão da conservatória do registo predial junta, resulta que, se trata de prédio composto de “Prédio de rés-do-chão – S.C. 80 m2 e terra de cultura de seca, testada de mato e pinheiros.”, e confronta do Norte e Sul com estradas, do Nascente com MB e outros, e do Poente com herdeiros de AC e outros, conforme resulta a fls. 31 e 32. 10-O prédio urbano e os rústicos encontram-se na mesma descrição a nº y, como se um único prédio se tratasse, e sem referência à área de cada um dos rústicos, conforme resulta da certidão junta a fls. 31 e 32. 11- Na AT e Aduaneira os prédios estão descritos de forma autónoma, com área, confrontações e composição completamente distinta uns dos outros, cfr, certidões junta as fls. 25 a 30. 12- Com efeito, há mais de 40 anos que os prédios são autónomos e independentes pois, cada um está inscrito na matriz desde 1950, (á excepção do urbano/1970) como resulta das certidões juntas. 13-O registo dos mesmos na conservatória sob a mesma descrição representa uma desconformidade da realidade existente. 14-A testadora há mais de 25 anos doou verbalmente a cada um dos sobrinhos os seus prédios conforme entendeu, pois, sempre foram eles que dela cuidaram. 15- Tendo doado verbalmente ao demandante os prédios rústicos com os artigos matricial n.º xa, xc e xd e o urbano com o artigo matricial n.º UX. 16-E, à Demandada o prédio rústico com o artigo matricial n.º x. 17- Demandantes e Demandados tomaram posse imediata dos respetivos prédios exercendo todos os atos materiais sobre o/os prédio/s. 18- Colocaram marcos e desde essa data que sabem, quais os prédios que lhes pertencem, respetivas composições, confrontações e delimitações, os quais já tinham as áreas e confrontações actuais. 19- Das certidões de teor dos prédios do Demandante, constam as seguintes confrontações: -O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o n.º xa confronta do Norte com Caminho, do Sul com JP, a Nascente com MC e outro e do Poente com JL e outro; -O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o n.º xc confronta do Norte com AM, do Sul com AC a Nascente com AM e do Poente com AC; -O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o n.ºxd confronta do Norte com CF, do Sul com AM, a Nascente com JP e do Poente com AC; -O prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.ºUX confronta do Norte, do Sul, a Nascente e do Poente com o Proprietário e foi construído no artigo rústico xd. 20- Conforme resulta do levantamento topográfico os prédios do Demandante têm as seguintes áreas: - Artigo rústico xa – 1.940,00 m2 - Artigo rústico xc – 2.622,00 m2 - Artigo rústico xd – 2.131,00 m2 - Artigo urbano UX – 80,00 m2 cfr. documento junto a fls. 35. 21- Atualmente, os prédios do Demandante tem a seguinte composição, confrontações e áreas: -O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o n.º xa, é composto de pinhal e mato, e confronta do Norte com Caminho, do Sul com o Proprietário, a Nascente com MR e do Poente com MS, e tem a área de 1.940,00 m2. -O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o n.º xc, é composto de terra de semeadura com oliveiras, e confronta do Norte com Proprietário, do Sul com Proprietário, a Nascente com MR e do Poente com MS, com a área de 2.622,00 m2 -O prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o n.º xd, é composto de terra de semeadura com olival e confronta do Norte com o Proprietário, do Sul com Rua, a Nascente com MR e do Poente com CP, com a área de 2.131,00 m2, -O prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o n.º UX que confronta do Norte, do Sul, a Nascente e do Poente com o Proprietário, com a área de 80, m2, construído no artigo rústico xd. 22- Após a doação verbal, cada um dos interessados tomou conta dos seus prédios, pelo que, sobre os prédios rústico e urbano propriedade do Demandante identificados supra, vêm estes praticando todos os atos materiais de posse, cuidando, procedendo à sua limpeza, cuidando do olival, lavrando-o e semeando e praticando outros atos materiais. 23- Tais atos materiais têm vindo a ser praticados pelo casal, à vista de toda a gente. 24-O Demandante por si, há mais de 25 anos exerce todos os atos materiais e é visto por todos como único e legítimo possuidor, exercendo uma posse pública, à vista de toda a gente, pacífica e de boa-fé, exercida sem oposição de quem quer que seja, incluindo dos Demandados, sem oposição. 25- Todos os prédios têm inscrições matriciais independentes e são prédios autónomos e independentes entre si e estão devidamente delimitados entre si através de marcos, vigas e declive natural. 26-O demandante quando recebeu os prédios, já tinham a configuração actual mas, nunca tinham sido medidos com rigor, mediante levantamento topográfico o que só agora sucedeu. Factos não provados: não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a causa. Fundamentação fáctica: A convicção do Tribunal para a factualidade dada como provada foi adquirida com base na apreciação crítica e conjugada das declarações dos demandantes, acordo dos demandados que não deduziram qualquer oposição, documentos e depoimentos das testemunhas inquiridas. Assim, os factos assentes no ponto 14 a 16, consideram-se admitidos por acordo nos termos do nº 2 do artigo 574.º, do C.P.C. Os elencados sob os números, 1 a 12, 19 e 20 resultaram do teor do suporte documental mencionado nos respetivos factos. Para os restantes factos assentes a convicção do tribunal baseou-se, nos depoimentos das testemunhas, AS e AR de 61 e 48 anos respectivamente, que demonstraram nos seus depoimentos isenção, credibilidade e conhecimento direto dos factos por si relatados. Explicaram que foi a tia do demandante e demandada mulher que lhes doou os prédios há muitos anos. Conhecedores dos prédios do demandante, como sendo autónomos (do prédio no seu todo tal como descrito na C.R.P,) explicando que, os prédios são independentes, bem como os atos de posse praticados em exclusividade pelo Demandante (pese embora também la visse a mulher) cuja configuração se manteve desde sempre. Referiram ainda, as delimitações de cada um dos prédios, com marcos, vigas e o declive natural. A testemunha indicada em ultimo lugar, e que realizou o levantamento topográfico (filho dos demandados e sobrinho dos demandantes) de forma clara, explicou que os elementos naturais condicionam a delimitação de alguns prédios, atenta a topologia de cada um, certificando as respectivas áreas. Mais disse, que a casa está implantada no artigo rústico nº 12127, e que nela residia a sua tia-avó EF. O DIREITO Como sabemos, aquele que invoca um direito cabe a prova dos factos constitutivos do direito alegado, neste caso, a posse sobre a coisa – artigo 342.º nº 1 do Código Civil. Refere o artigo 1316.º que “o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei”. São pois, estes os modos de aquisição da propriedade das coisas, sejam móveis ou imóveis. Vejamos então se o (s) Demandante (s) trouxeram ao tribunal prova, e se foi suficiente para obter sucesso na sua pretensão, ou seja, na aquisição dos prédios inscritos na matriz rustica sob o art.º xa, xc, xd, e o urbano inscrito na matriz sob o art. UX, todos da freguesia de Miranda do Corvo, que fazem parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo, sob o nºy da mesma freguesia, através do instituto de usucapião. Esta forma de aquisição invocada, a usucapião é uma das formas de aquisição originária dos direitos (reais de gozo, e nomeadamente do direito propriedade), cuja verificação depende de dois elementos: a posse (corpus/animus) e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse (cfr., nomeadamente, artigos 1251.º e ss, 1256.º e ss, 1287.º e 1294.º e ss). No que concerne àquele primeiro elemento, a posse traduz-se na prática, além do mais, reiterada, de atos materiais correspondentes ao direito que se reclama ou se reivindica. Como elementos da posse fazem parte o corpus, que, como elemento externo, se identifica com o exercício de certos poderes de facto sobre o objeto, de modo contínuo e estável; e o animus, que, como elemento interno, se traduz na intenção do autor da prática de tais atos se comportar como titular ou beneficiário do direito correspondente aos atos realizados. Assim, e porque se exige a presença simultânea desses dois elementos para que a sequência da prática reiterada e contínua de atos materiais de posse leve à aquisição da propriedade por via da usucapião, é que existindo unicamente o corpus, a situação configura apenas uma mera detenção (precária), insuscetível de conduzir ao direito real de gozo que se reclama (cfr. artigo 1253.º do C.C.). Quando invocada, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art. 1288.º do CC), adquirindo-se o direito de propriedade no momento do início da mesma posse (art. 1317.º, al. c), do CC). A usucapião é uma forma de aquisição originária que surge “ex novo” na titularidade do sujeito, unicamente em função da posse exercida por certo período temporal, sendo, por isso, absolutamente autónoma e independente de eventuais vícios que afetem o ato ou negócio gerador da posse. Podem assim, adquirir por usucapião se a presunção de posse não for elidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa. Daqui decorre que, sendo necessário o “corpus” e o “animus”, o exercício daquele faz presumir a existência deste. Ora a lei, atenta a dificuldade de demonstrar a posse em nome próprio - o animus, estabeleceu uma verdadeira presunção (iuris tantum) do mesmo a favor de quem detém ou exerce os poderes de facto sobre a coisa, ou seja, presume-se que quem tem o corpus tem também o animus (cfr. artigo 1252.º, n.º 2 do C.C. e assento, hoje com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, do STJ de 14/5/96, in "DR, II S, de 24/6/96, e ainda acórdãos do STJ de 9/1/97 e de 2/5/99, respetivamente, in "CJ/STJ, T5 - 37" e "CJ/ST J, T2 -126"). Entre as razões da precedência ou, em todo o caso, da prevalência da aquisição de propriedade por usucapião sobressaem duas: a necessidade de protecção dos interesses subjacentes às normas de direito civil relativas à aquisição da propriedade por usucapião- designadamente, da confiança e da estabilidade de posições jurídicas consolidadas pelo tempo, pela posse e pela publicidade da posse, - e a desnecessidade de protecção dos interesses subjacentes às normas de direito do urbanismo relativas à divisão ou ao fracionamento da propriedade. Como se diz, p. ex., nos acórdãos do STJ de 14 de Novembro de 2013 — processo n.º 74/07.3TCGMR.G1.S1 —, de 5 de Maio de 2016 — processo n.º 5562/09.4TBVNG.P2.S1 —, de 19 de Setembro de 2017 — processo n.º 120/14.4T8EPS.G1.S1 — ou de 21 de Fevereiro de 2019 — processo n.º 423/11.0TBHRT.L2.S1 —,“[a] usucapião, de natureza substantiva, prevalece sobre o registo”— logo, “[a] aquisição por via da usucapião, porque é originária, faz ceder o registo anterior ao início da respectiva posse, ainda que o mesmo exista”. Regressando ao caso dos autos, vejamos se o direito de propriedade alegado sobre os prédios em apreço será do demandante ou do casal. Ressalva-se da factualidade alegada e assente que, os próprios demandantes dizem que a tia do demandante e demandada EF doou verbalmente aos sobrinhos, só a eles, (e não ao casal) determinados prédios, invocando com causa uma doação verbal. Tal facto foi confirmado anos mais tarde pela própria testadora que, por testamento institui como únicos e universais herdeiros os seus sobrinhos, (demandante e demandada) nada dizendo quanto aos respetivos conjugues. Aliás, no testamento refere o nome de cada um dos conjugues e regime de casamento comunhão de adquiridos mas, não os institui herdeiros. Essa foi a vontade da testadora, (doação só aos sobrinhos) sendo a doação verbal a causa do início da posse, ocorrida há mais de 25 anos. Logo, se ela tivesse doado os referidos prédios ao casal, quando os instituiu seus herdeiros por testamento (2006) confirmá-lo-ia e tal não sucedeu, sendo pois este um comportamento inequívoco da doadora, e sem dúvidas acerca do respetivo sentido. Para tanto e fazendo uso do prescrito nos art. 236.º e 237º, do CCivil, estando-se perante um negócio gratuito, o sentido a atribuir à declaração deve ser aquele que menos gravoso se revele para a disponente, e tal sentido é por excelência o que afasta a doadora de qualquer obrigação contratual perante a mulher do demandante e marido da demandada. E do que fica dito resulta também que, se impõe concluir que o art. 1729.º do CCivil não ajuda o alegado pelos demandantes. O que nessa norma (n.º 1) se estabelece, no que para o caso importa, é que os bens recebidos por doação entram na categoria de bens comuns quando forem doados conjuntamente a ambos os cônjuges (não foi essa a vontade da doadora). A norma tem unicamente em vista, portanto, regular sobre o ingresso na comunhão, de bens doados a um ou aos dois cônjuges. Ora, não é identificável nos factos provados qualquer determinação da testadora no sentido de que o que doou ao sobrinho era para entrar na comunhão. E, repetindo, não estamos perante liberalidade que possa ser interpretada como tendo sido feita em favor dos dois cônjuges conjuntamente, razão pela qual, não se formou qualquer comunhão. Por outro lado, para além de serem os próprios a alegarem que a doação foi para os sobrinhos, também as testemunhas foram peremptórias em afirmar que os demandantes sobrinhos receberam os prédios por doação da sua tia, pese embora, referindo também que viram os respectivos conjugues nos mesmos, sendo natural que estes, disfrutem e aproveitem as vantagens dos prédios. Por fim, diga-se que os conjugues dos demandantes sobrinhos, não alegaram qualquer causa válida para adquirem os prédios, dizendo tão só que exercerem actos de posse com o respectivo conjugue. Mas, isso só por si não chega, senão no caso de um casamento no regime da separação de bens, bastava o exercício de actos materiais de posse sobre o prédios, para haver aquisição por parte do conjugue sem qualquer titulo de aquisição para o efeito. Assim sendo, os prédios doados ao demandante face à doação verbal invocada, conservam a qualidade de bem próprio, e por isso, integram o acervo próprio deste e não o comum do casal. Vejamos agora da usucapião invocada, pelo demandante. Quanto ao decurso do tempo em que a posse foi exercida, ficou provado que o Demandante pacífica e publicamente, o faz há mais de 20 anos encontrando-se assim satisfeito o requisito da antiguidade máximo exigido na lei, artigo 1296.º, do Código Civil. Por outro lado, a posse conducente à usucapião tem necessariamente duas características – ser pública e pacífica – uma vez que os restantes caracteres – boa ou má-fé, justo título e registo da mera posse – apenas influem na determinação do prazo para operar a usucapião. Ora, ficou provado que a posse do prédio em causa tem sido exercida por parte do Demandante, de forma pacífica e pública nos termos dos artigos 1261.º e 1262.º, ambos do Código Civil. E que se trata de uma posse adquirida de boa-fé, por ter sido elidida a presunção do nº 2, do artigo 1260.º do Código Civil, uma vez que o possuidor, “ignorava ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem”. Quanto ao modo de aquisição, esta posse é uma posse não titulada, porquanto, o Demandante não dispõe de título relativamente ao prédio em apreço, face à doação verbal ocorrida. O objeto material da posse sobre o prédio está, há mais de vinte anos, completamente delimitado e identificado com as confrontações definidas nos factos dados como provados. Nestes termos, encontra-se amplamente preenchido o requisito temporal máximo de vinte anos para operar o efeito útil da usucapião, de acordo com o exigido pelo disposto no artigo 1296.º do Código Civil. Por consequência, e em conformidade o Demandante é titular do poder jurídico que, nestas circunstâncias, o artigo 1287.º lhe confere com os efeitos previstos no artigo 1288.º, ambos do Código Civil. Assim, e em conformidade os pedidos formulados pelo Demandante porque provados, têm de proceder, à excepção do direito invocado ser declarado também a favor da sua mulher. Decisão Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e em consequência: a)Declaro que o prédio rústico sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo, inscrito na matriz sob o artigo xa e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o n.º y, atualmente tem a área de 1.940,00m2. b) Declaro que o prédio rústico sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo, inscrito na matriz sob o artigo xc e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o n.º y, atualmente tem a área de 2.622,00m2. c) Declaro que o prédio rústico sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo, inscrito na matriz sob o artigo xc e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o n.º y, atualmente tem a área de 2.131,00m2 e em parte deste foi construído o prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o número UX. d) Declaro que o prédio urbano sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo, inscrito na matriz urbana sob o artigo UX e descrito na Conservatória do Registo Predial de Miranda do Corvo sob o n.º Y, tem a área de 80,00m2 e está construído no prédio rústico antecedente, inscrito na matriz predial rústica sob o número xc. e)Declaro que o Demandante AF, casado na comunhão de adquiridos com SF, é dono e legítimo possuidor, com exclusão de outrem, dos prédios rústicos e urbano identificados em a), b),c) e d), com as seguinte descrição: -prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo xa, sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo é um prédio autónomo, independente e devidamente demarcado dos outros, composto de mato e pinhal, a confrontar do Norte com Caminho, do Sul com o Proprietário, a Nascente com MR e do Poente com MS, com a área de 1.940,00m2. -prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo xc, sito em G, freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo é um prédio autónomo, independente e devidamente demarcado dos outros, composto de terra de semeadura com olival, a confrontar do Norte com Proprietário, do Sul com Proprietário, a Nascente com MR e do Poente com MS, e tem a área de 2.622,00m2. -prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo xd sito em G, da freguesia de Miranda do Corvo, Concelho de Miranda do Corvo é um prédio autónomo, independente e devidamente demarcado dos outros, composto de terra semeadura com olival, a confrontar do Norte com o Proprietário, do Sul com Rua, a Nascente com MR e do Poente com CP, e tem a área de 2.131,00m2. -prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo UX, sito em G, da freguesia e Concelho de Miranda do Corvo se encontra construído no prédio rústico inscrito na matriz sob o nº. xd, e confronta do Norte, do Sul, a Nascente e do Poente com o Proprietário, e tem a área de 80,00m2. Tais prédios são propriedade exclusiva do Demandante pela via de usucapião, e são autónomos, independentes e devidamente demarcados dos demais descritos na C.R.P. sob o n.º y, devendo por isso ter descrição autónoma. c) Condeno os demandados(s) no reconhecimento dos prédios supra descritos como autónomos e distintos dos descritos na C.R.P sob o nº y da freguesia de Miranda do Corvo. Custas: Atenta a natureza da presente ação, serão suportadas pelos Demandantes (artigo 535.º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil). Nos termos do disposto no nº 3, do artigo 8º-C, do Código Registo Predial os Demandante têm um mês, (sob pena de pagamento de multa de valor igual à prevista a titulo de emolumento - nº 1, do artigo 8º-D), contados do trânsito em julgado desta sentença, para registar o direito de propriedade ora atribuído. Notifique. Miranda do Corvo, em 21 de maio de 2021 A Juíza de Paz, (Filomena Matos)
SENTENÇA Depositada na secretaria em 21/05/2021---------------------------- |