Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 85/2024-JPCNT |
Relator: | MARTA SANTOS |
Descritores: | INCOMPETÊNCIA MATERIAL - PRESCRIÇÃO |
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Data da sentença: | 06/24/2024 |
Julgado de Paz de : | CANTANHEDE |
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Decisão Texto Integral: | Proc. 85/2024 – JPCNT SENTENÇA I. RELATÓRIO [PES-1], casado, maior, com o NIF [NIF-1], residente na [...], n.º 5/8- [Cód. Postal-1] [...], veio intentar a presente ação declarativa, com fundamento na alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei dos Julgados de Paz, contra: [ORG-1]., sociedade anónima, portadora do NIPC [NIPC-1], com sede na [...], n.º 40 – 1069 - 300 [...], pedindo seja a demandada condenada a retirar o poste de telecomunicações que suporta a rede de serviços da propriedade do demandante; seja a demandada condenada na reparação dos danos, com os materiais iguais aos usados na construção, da mesma qualidade; ou, caso assim não entendam, aceitem o orçamento da obra, a realizar pelo demandante, com juros de mora a partir da data da citação da demandada, e atento o disposto no n.º 3, do artigo 805.º do Código Civil. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido. Para prova do por si alegado juntou 9 (nove) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos. * DA EXCEÇÃO DE ILEGITIMIDADE PROCESSUAL ATIVA DO DEMANDANTE Em sede de contestação veio a Demandada alegar a ilegitimidade ativa do demandante, alegando em síntese, que este se arroga proprietário do imóvel sito na [...], n.ºs 5/8 – [Cód. Postal-1] [...], mas que não produz prova suficiente nesse sentido (artigos 2.º a 12.º da contestação – fls. 37 a 39). Notificado o demandante da contestação apresentada e convidado a responder à matéria de exceção, nesta parte, veio o demandante juntar aos autos caderneta predial urbana, cfr. fls. 102 e 103. CUMPRE APRECIAR E DECIDIR. A legitimidade das partes constitui um pressuposto processual de regularidade e validade da instância que o Tribunal deve verificar oficiosamente. A ilegitimidade de qualquer das partes constitui exceção dilatória que impede o conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância (cfr. artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e) e 578.º, todos do Código do Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz. Nos termos do artigo 30.º do Código do Processo Civil, as partes são legítimas quando têm interesse direto em demandar (legitimidade ativa) ou interesse direto em contradizer (legitimidade passiva). São considerados titulares de tais interesses para efeitos de legitimidade, aqueles que forem sujeitos da relação material em discussão que é invocada pelo Demandante, salvo indicação da lei em contrário. Junta que foi pelo demandante caderneta predial urbana referente ao prédio sito na [...], n.º 8 – [Cód. Postal-1] [...] da qual consta que o titular é o demandante, tendo sido o Modelo 1 do IMI entregue em 2016/12/27, concluímos que o demandante [PES-3] é proprietário do imóvel, pelo que julgamos sanada a questão da ilegitimidade processual ativa do demandante, concluindo que o Demandante é parte legítima na presente ação. Assim, improcede a exceção de ilegitimidade processual ativa arguida pela Demandada. * DA INCOMPETÊNCIA DO JULGADO DE PAZ EM RAZÃO DA MATÉRIA Em sede de contestação veio também a Demandada alegar que o Julgado de Paz é incompetente em razão da matéria para conhecer do primeiro pedido do demandante que é de retirar o poste de telecomunicações que suporta a rede de serviços da propriedade do demandante, atenta a prestação de serviços públicos essenciais de telecomunicações, em matérias relativas a traçado e infraestruturas (artigos 13.º a 21.º da contestação – fls. 39 e 40). Notificado o demandante da contestação apresentada e convidado a responder à matéria de exceção, nesta parte, veio o demandante pugnar que a matéria em causa nos autos diz respeito à responsabilidade civil (fls. 99). CUMPRE APRECIAR E DECIDIR. Nos termos do artigo 6.º, n.º 1 da Lei dos Julgados de Paz, “A competência dos julgados de paz é exclusiva a ações declarativas”, sendo que o artigo 7.º da Lei dos Julgados de Paz prescreve que “A incompetência dos julgados de paz é por estes conhecida e declarada oficiosamente ou a pedido de qualquer das partes e determina a remessa do processo para o julgado de paz ou para o tribunal judicial competente.” Por sua vez e relativamente aos tribunais judiciais, determina o artigo 40.º, n.º 1 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, sob a epígrafe “Competência em razão da matéria” que: “1 - Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.”. Alega a demandada que ao abrigo do disposto no artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: “d) Fiscalização da legalidade das normas e demais atos jurídicos praticados por quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, no exercício de poderes públicos; e) Validade de atos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas coletivas de direito público ou outras entidades adjudicantes;” Ora, é a estes Tribunais que nos termos do artigo 1.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais pertence a “…competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais, nos termos compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto.” A competência do Tribunal, nesta parte, tem de se aferir pelo pedido do demandante e respetiva causa de pedir. Ora, um dos pedidos do demandante é que seja a demandada condenada a retirar o poste de telecomunicações que suporta a rede de serviços da propriedade do demandante. E in casu, o demandante alega que por altura da colocação de fibra (24/06/2020, cfr. alegado no artigo 2.º do requerimento inicial), autorizou ainda a colocação de um poste no seu terreno, para passar fios e ligações para sua casa e que à data de entrada desta ação já estão a fazer ligações para o vizinho e teme que continuem a utilizar o poste que seria de uso exclusivo do demandante, tendo, em consequência, feito várias reclamações por escrito para retirarem o poste ou não acrescentarem mais cabos. A demandada, cfr. Decreto-Lei n.º 31/2003, de 17 de fevereiro, foi até 18 de outubro de 2013, concessionária de serviço público de telecomunicações, tendo esta atribuição sido posteriormente atribuída à [ORG-2], S.A. e à [ORG-3], S.A., como prestadores de serviço de ligação a uma rede de comunicações pública num local fixo e prestação de um serviço telefónico através dessa ligação, cfr. Resolução do Conselho de Ministros n.º 66-A/2013, de 18 de outubro. Já a Lei n.º 31/2017, de 31 de maio veio no seu artigo 4.º dizer que: “1 - Com vista a assegurar os princípios de eficiência económica e de neutralidade financeira para os consumidores e para o Orçamento do Estado, os procedimentos concursais para atribuição de concessões municipais da atividade de distribuição de energia elétrica em BT no território continental português são lançados de forma sincronizada, abrangendo todos os municípios ou entidades intermunicipais que não tiverem optado pela gestão direta daquela atividade. 2 - Os procedimentos de concurso público para a atribuição das concessões são lançados em 2019, através de publicação simultânea dos respetivos anúncios e avisos nos termos do Código dos Contratos Públicos e da definição, nas peças procedimentais, de datas coincidentes para apresentação de propostas. 3 - Cada procedimento concursal tem uma área territorial, delimitada nos termos previstos na presente lei. 4 - Os municípios e entidades intermunicipais integrantes da área territorial de cada procedimento constituem um agrupamento de entidades adjudicantes, nos termos do artigo 39.º do Código dos Contratos Públicos. 5 - As decisões de contratar e de adjudicar são tomadas pelos municípios ou pelas entidades intermunicipais, simples ou agrupadas, da área territorial adstrita ao procedimento concursal específico, através dos respetivos órgãos competentes. 6 - Sem prejuízo do lançamento e tramitação sincronizados, cada procedimento concursal dá origem à celebração de tantos contratos de concessão quantos os municípios ou entidades intermunicipais, simples ou agrupadas, da área territorial adstrita ao procedimento específico.” Nos termos do artigo 6.º, n.º 1 da supra aludida Lei n.º 31/2017, de 31 de maio, “O programa de concurso tipo e o caderno de encargos tipo são aprovados por portaria do membro do Governo responsável pela área da economia, ouvida a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), a ERSE e as entidades intermunicipais.” e os n.ºs 1 e 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2018, de 11 de janeiro, dizem-nos que: “Nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 31/2017, de 31 de maio, e da alínea g) do artigo 199.º da Constituição, o Conselho de Ministros resolve: 1 — Determinar que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) torna pública a proposta de delimitação da área territorial de cada procedimento de concurso a lançar, a que se refere o artigo 5.º da Lei n.º 31/2017, de 31 de maio, até final do segundo trimestre de 2018, disponibilizando -a na sua página eletrónica juntamente com os estudos que lhe serviram de base. 2 — Estabelecer que a ERSE apresenta ao membro do Governo responsável pela área da economia, até ao final o segundo trimestre de 2018, um estudo com os aspetos e parâmetros que importa fixar no programa de concurso tipo e no caderno de encargos tipo para a atribuição de concessão da atividade de exploração das redes de distribuição de eletricidade em baixa tensão (BT), tendo em vista, entre outros aspetos, assegurar o cumprimento dos princípios gerais a que deve obedecer a concessão e o respetivo procedimento, nos termos do artigo 2.º da Lei n.º 31/2017, de 31 de maio.” Sendo que o artigo 7.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro nos diz que: “1-As atividades referidas no n.º 1 do artigo anterior são exercidas nos seguintes termos: …b) As atividades de gestão técnica global do SEN, de gestão técnica das redes de distribuição, de transporte e de distribuição de eletricidade em regime de concessão de serviço público.” e o artigo 110.º do mesmo diploma nos diz que: “1 - A exploração da RNT e da RND é exercida, respetivamente, mediante contrato de concessão, em regime de serviço público, sendo as suas atividades e as instalações que a integram consideradas, para todos os efeitos, de utilidade pública. 2 - As atividades da concessão são exercidas, nos termos do número anterior, em regime de exclusivo, sem prejuízo do exercício por terceiros do direito de acesso à rede, nos termos do Regulamento de Acesso às Redes e às Interligações. 3 - As atividades da concessão são exercidas de acordo com o disposto no presente decreto-lei, na regulamentação aplicável e nas bases da concessão que constam do anexo ii do presente decreto-lei no que se refere à RNT e do anexo iii do presente decreto-lei no que se refere à RND…” Atentemos pois a este anexo ii a que alude este n.º 3 do artigo 110.º, que no seu CAPÍTULO II, Base VII, sob as epígrafes “Bens e meios afetos à concessão” e “Bens da concessão”, respetivamente nos diz que: “1 - Consideram-se afetos à concessão os bens que constituem a rede de muito alta tensão (MAT), as interligações e as instalações do despacho nacional, designadamente: … d) Instalações de telecomunicações, telecontagem e telecomando afetas ao transporte e à coordenação do sistema eletroprodutor. ”…2 - Consideram-se ainda afetos à concessão:… b) Outros bens móveis ou imóveis necessários ao desempenho das atividades objeto da concessão;…” Aqui chegados, dúvidas não restam que embora possuindo personalidade jurídica de direito privado, os concessionários de serviço público exercem legalmente poderes públicos e, nesse âmbito, são partes em contratos administrativos que tenham por objeto a atividade concessionada, como é o caso do serviço público de telecomunicações em apreço nos autos. Veja-se, a este propósito, o ponto I do sumário do douto acórdão proferido em 09-11-2021 no âmbito do processo n.º 591/19.2T8ALQ.L1-7, do Tribunal da Relação de Lisboa: “I– Discutindo-se a legalidade da atuação dum concessionário de serviço público, o objeto da ação quanto ao pedido em causa insere-se na competência dos Tribunais administrativos.” Conclui-se, destarte, nesta parte, que o Julgado de Paz é incompetente em razão da matéria para conhecer do primeiro pedido do demandante, pelo que estamos perante uma exceção dilatória que obsta a que o Julgado de Paz conheça do mérito da causa, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, al. a) e 577.º, al. a), todos do Código do Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz, o que necessariamente dá lugar à absolvição da demandada da instância, nesta parte. A remessa para o Tribunal Administrativo e Fiscal ao abrigo do artigo 7.º da Lei dos Julgados de Paz, no entanto, não é possível, uma vez que esta categoria de Tribunais não integram a categoria de Tribunais Judiciais, como melhor se alcança do artigo 209.º da Constituição da República Portuguesa. * Fixa-se o valor da ação em €1.400,00 (mil e quatrocentos euros), cfr. artigos 296.º, n.º 1, 297.º, n.º 1, 299.º n.º 1 e 306.º, n.º 1, todos do Código do Processo Civil, ex vi do artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz. * IV. DECISÃO Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a ação, na parte que prosseguiu para conhecimento do primeiro pedido do demandante improcedente, por não provada e, por via disso: a) Declarando procedente a exceção de incompetência material dos julgados de paz, absolvo a Demandada [ORG-1], S.A. da instância relativamente ao 1.º pedido formulado pelo demandante [PES-3], tudo cfr. artigos 99.º, n.º 1, 278.º, n.º 1 e 576.º, n.º 2, todos do Código do Processo Civil. * As custas, no montante de €70,00 (setenta euros) serão a suportar pelo Demandante e Demandada, em partes iguais atento o acordo alcançado relativamente ao segundo e terceiro pedidos do demandante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono que lhe foi concedido (cfr. fls. 16 e 17 dos autos). A demandada deverá proceder ao pagamento do montante de € 35,00 (trinta e cinco euros) num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação (Artigo 537.º n.º 2 do Código do Processo Civil - aplicável ex vi do artigo 63.º da Lei dos Julgados de Paz - e artigos 2.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 e 3.º, n.º 4, ambos da Portaria n.º 342/2019, de 01 de outubro). * Registe e notifique. *** Cantanhede, 24 de junho de 2024 A Juíza de Paz, Marta Santos Processado por meios informáticos e revisto pela signatária. Verso em branco. (art. 18º da LJP) |