Sentença de Julgado de Paz
Processo: 67/2023-JPCNT
Relator: JOANA SAMPAIO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Data da sentença: 06/19/2024
Julgado de Paz de : CANTANHEDE
Decisão Texto Integral: Proc. 67/2023-JPCNT
SENTENÇA
I. RELATÓRIO
XXXX, Lda., sociedade comercial com o NIPC XXXX, com sede na rua XXXX XXX, concelho de Cantanhede, veio intentar a presente ação declarativa, com fundamento na alínea i) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (LJP), contra XXXXXXX, com o NIF XXXX, portador do documento de identificação nº XXXX, residente no Lar XXXXX, sito na XXXXXX, concelho de Cantanhede, pedindo que este fosse condenado a pagar o montante de €6.740,50 (seis mil setecentos e quarenta euros e cinquenta cêntimos) acrescido de juros de mora desde a data de vencimento até efetivo e integral pagamento; bem como, que fosse resolvido o contrato de prestação de serviços, com alojamento, celebrado entre o demandante e o demandado, devendo o último deixar o seu quarto livre de pessoas e bens.
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido.
Para prova do por si alegado juntou 3 (três) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos.
O demandado foi regularmente citado cfr. fls. 23 dos autos, tendo apresentado a contestação e reconvenção de fls. 29 a 36.
Para prova do por si alegado juntou 19 (dezanove) documentos, que se dão por integralmente reproduzidos.
Realizada a sessão de mediação, as partes não lograram alcançar um acordo (fls. 28).
Por despacho de fls. 155 não foi admitida a reconvenção.
Foi agendada e realizada a Audiência de Julgamento, a qual se desenrolou por quatro sessões (a última teve lugar nas instalações da demandante) e na qual compareceram os legais representantes da demandante e o demandado que, por motivos de saúde, foi representado pela ilustre Mandatária nas primeiras três sessões; ambos apresentaram prova testemunhal, documental e prestaram declarações de parte.
*
Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância, já que:
O Tribunal é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 al. a), 10º e 12º nº 1, da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, respetivamente, e artigo 774º do Código Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem nulidades, exceções ou outras questões prévias a conhecer.
Fixa-se o valor da ação em €6.740,50 (seis mil setecentos e quarenta euros e cinquenta cêntimos), cfr. artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 do CPC, ex vi art.º 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei 54/2013, de 31 de julho.

ii. FUNDAMENTAÇÃO fáctica
Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes factos:
1. A demandante desenvolve a atividade de apoio social para pessoas idosas, com alojamento;
2. A demandante é uma estrutura Residencial para Idosos de natureza particular;
3. A 19/12/2004 entrou no estabelecimento da demandante o utente XXXXXX, pessoa dependente em virtude de um acidente de trabalho, tendo ficado, na data de admissão, num quarto duplo;
4. O demandado, desde a data da sua admissão, sempre se deslocou em cadeira de rodas, sendo uma pessoa dependente das mais básicas necessidades diárias;
5. A demandante consentiu que fosse atribuída ao demandado a mensalidade de pessoa autónoma (por ser mais económica),
6. e que podia ficar no quarto duplo sozinho;
7. Na data de admissão, o demandado foi logo advertido que quando o Lar ficasse completo e fosse necessário a restante vaga existente no seu quarto duplo, este seria ocupado por outro utente que necessitasse do alojamento;
8. No âmbito do contrato de prestação de serviços e alojamento assinado entre as partes, a mensalidade paga pelo demandado Sr. XXXXX, era de €750,00 (setecentos e cinquenta euros) mensais;
9. Nos anos seguintes, a mensalidade foi atualizada anualmente, tendo a mesma, até 2016, sido paga pelo demandado;
10. Em fevereiro de 2017, o valor da prestação do demandado foi atualizado pela demandante para €1.230,00, correspondente à tabela de utente dependente e quarto duplo;
11. Após a atualização referida no ponto anterior, o demandado recusou-se a pagar a totalidade do referido valor, liquidando apenas € 1.160,00, deixando por pagar a quantia de € 70,00, referente ao mês de fevereiro de 2017;
12. Foi dito pelo demandado que não procederia ao pagamento do valor em falta, alegando não ser dependente e que o seu Seguro da XXXX não cobria o aumento da mensalidade;
13. Desde a sua admissão no Lar, o utente/demandado sempre se deslocou em cadeira de rodas, é dependente e necessita de apoio para as mais básicas necessidades diárias;
14. Desde a sua admissão até janeiro de 2017, não obstante a sua situação dependência, a demandante consentiu que fosse atribuída ao demandado a classificação de autónomo, por forma a beneficiar de uma prestação mais baixa;
15. A demandante decidiu cobrar a prestação do utente/demandado em função da sua dependência;
16. De março a dezembro de 2017, face ao valor faturado, ficaram por pagar € 700,00, o que corresponde à quantia mensal de € 70,00;
17. De janeiro a dezembro de 2018, ficaram por pagar € 840,00, o que corresponde à quantia mensal de € 70,00;
18. De janeiro a dezembro de 2019, ficaram por pagar €840,00, o que corresponde à quantia mensal de € 70,00;
19. De janeiro a dezembro de 2020, ficaram por pagar € 840,00, o que corresponde à quantia mensal de € 70,00;
20. De janeiro a dezembro de 2021, ficaram por pagar € 840,00, o que corresponde à quantia mensal de € 70,00;
21. Em janeiro de 2022, ficaram por liquidar € 205,00;
22. Em fevereiro de 2022, ficaram por liquidar € 205,00;
23. Em março de 2022, ficaram por liquidar € 165,00;
24. Em abril de 2022, ficaram por liquidar € 85,00;
25. Em maio de 2022, ficaram por liquidar € 140,25;
26. Em junho de 2022, ficaram por liquidar € 140,25;
27. De julho a outubro de 2022, ficaram por liquidar €660,00, o que corresponde à quantia mensal de € 165,00;
28. Em novembro de 2022, ficaram por liquidar € 148,50;
29. Em dezembro de 2022, ficaram por liquidar € 165,00;
30. Em janeiro de 2023, ficaram por liquidar € 40,00;
31. Em fevereiro de 2023, ficaram por liquidar €40,00;
32. De março a abril de 2023, ficaram por liquidar € 80,00, o que corresponde à quantia mensal de € 40,00;
33. Não obstante as sucessivas interpelações, o demandado não liquidou os montantes pedidos pela demandante;
34. O Demandado é paraplégico desde 11 de novembro de 1994, após um acidente de trabalho;
35. A Demandante no exercício da sua atividade, celebrou com o Demandado um Contrato de Prestação de Servições, em 19 de dezembro de 2004, com início nesse mesmo dia, no âmbito do qual foi acordado entre as duas Partes que:
a. A prestação de serviços mensal engloba além da alimentação, alojamento, cuidados médicos primários e de enfermagem, tratamento de roupa e prevê ainda o conforto e higiene geral e pessoal;
b. Contrato outorgado por tempo indeterminado;
c. Os serviços são prestados na sede da Demandante de forma ininterrupta durante 24 horas/dia;
d. Mensalidade no valor de €750,00 que corresponde a um quarto duplo identificado pelo nº XXX e situado no XXº andar, com casa de banho privativa.
36. As atualizações anuais das mensalidades não foram fixadas de acordo com Índice de Preços no Consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
37. Nos termos da cláusula quarta a mensalidade devida pelo Demandado é atualizada anualmente pela Demandante;
38. Nos meses de março a dezembro de 2016 o valor da mensalidade aplicada e paga pelo demandado foi de €1.160,00, a qual de acordo com a tabela de mensalidades para o ano 2016 corresponde a um quarto individual, autónomo.

Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa, por falta de mobilidade probatória ou prova minimamente credível e suscetível de convencer o Tribunal da pertinente factualidade, nomeadamente que:
a) por referência ao facto provado nº 15 que a decisão foi motivada pelo aumento dos custos, ao tempo decorrido e ao maior trabalho que é necessário os funcionários despenderem com um utente dependente;
b) por referência aos factos 25 e 26 que tenha ficado por pagar €358,50 em cada mês de maio e junho de 2022;
c) por referência ao facto provado nº 30 que tenha ficado por pagar €100,00, face à mensalidade aplicada;
d) por referência ao facto provado nº 31 que tenha ficado por pagar €80,00, face à mensalidade aplicada;
e) por referência ao facto provado nº 34 que a data do acidente seja 19.11.1994.

Os factos assentes resultaram da conjugação ponderada dos factos admitidos por acordo, dos documentos juntos aos autos, da prova testemunhal e das declarações das partes, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do CPC, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho e no artigo 396º do Código Civil (CC).
Concretizando, os factos nº 1, 2, 3, 4 e 8 resultaram do acordo das partes.
Os factos provados nº 5, 6, 7 e 14 resultaram das declarações do legal representante da demandante, XXXXXXX: referiu que quando o demandado entrou, que coincidiu com o ano de abertura da instituição, deram-lhe “algumas facilidades” porque o lar não estava cheio, tendo ficado num quarto sozinho, mas pagava como se fosse um quarto duplo, tendo sido “tudo apalavrado”; mais referiu que o demandado quando entrou já se encontrava na cadeira de rodas e não registou melhorias desde aí, não o considerando uma pessoa autónoma; disse que lhe propuseram um advogado para o ajudar a resolver o problema que dizia ter com o seguro (o seguro não cobrir as despesas do lar, nomeadamente a mensalidade como dependente), mas desconfia que seja como o demandado refere pois o seguro tem-lhe dado o que pede (cadeiras elétricas, cama, etc.); resultaram ainda das declarações do demandado: referiu que, aquando da sua admissão, combinaram ficar sozinho no quarto até ao lar encher e com a tabela de autónomo (tendo sido fixada a mensalidade de €750,00), tendo sido advertido que se o Lar enchesse e quisesse continuar no quarto sozinho teria de pagar um adicional, o que ocorreu em 2007 ou 2008, disse; aí, passou a pagar o equivalente a um quarto individual e a demandante retirou a segunda cama que tinha no seu quarto.
O facto nº 9 resultou das declarações do legal representante que referiu que o demandado sempre pagou, mas em 2017 deixou de pagar; as testemunhas XXXXXX e XXXXXX reportaram os incumprimentos do demandado, no que respeita a pagamento das mensalidades fixadas, a 2017 e anos seguintes; o demandado, em declarações, também referiu que até janeiro de 2017 não discordou das mensalidades fixadas e pagou em conformidade;
O facto nº 10 resultou da prova documental conjugada com a testemunhal: tabela de mensalidades referente ao ano de 2017 de fls. 189, da qual consta o valor de €1.230,00 associado ao regime permanente, quarto duplo, dependente (sendo para quarto individual autónomo, €1.170,00); fatura de fls. 249 referente ao mês de fevereiro de 2017, no valor de €1.230,00. A testemunha XXXX, contabilista da demandante, confrontada com os documentos referidos explicou que em fevereiro de 2017 foi aplicada e faturada uma mensalidade no valor de €1.230,00, a qual corresponde a um quarto duplo, dependente. O legal representante corroborou esta alteração, tal como o demandado, que referiu que em 2017 a mensalidade foi alterada para dependente.
O facto provado nº 11 resultou da prova documental: resultou dos extratos bancários juntos pelo demandado, nomeadamente de fls. 91 verso a 96, que o demandado no ano de 2017 efetuou doze transferências para a demandante, no valor de €1.160,00 cada uma.
O facto provado nº 12 resultou das declarações do demandado, o qual referiu que desde 2017 nunca pagou o valor que lhe foi estabelecido como mensalidade pela demandante, não considerando justo que lhe tivessem aumentado mais do que a outros utentes; questionado sobre a explicação para lhe terem aumentado mais a ele, referiu que o valor a mais era para passar ao valor de dependente, o que não aceitou já que encontrava-se precisamente na mesma situação de quando entrou na instituição; mais referiu que não tinha dinheiro para pagar a mensalidade referente a um quarto individual e dependente, a sua pensão não lhe cobre esse valor.
O legal representante da demandante e a testemunha XXXX referiram, de igual modo, que o demandado justificou a falta de pagamento com o facto de o seguro não lhe pagar o suficiente para cobrir a despesa do lar.
O facto nº 13 resultou desde logo, das declarações do demandado, que referiu ter sofrido um acidente em 1994 que o deixou paraplégico, com 80 e tal% de incapacidade; descrevendo o seu dia-a-dia antes do problema (escaras) que o deixou acamado (temporária e previsivelmente), disse que precisa de ajuda para o tirarem da cama, fazer a higiene, e depois de estar na cadeira já consegue fazer algumas tarefas (como a barba, comer sozinho, com exceção de alimentos que precisam de corte, deslocar-se para o exterior da instituição, a cafés, restaurantes, banco…); o demandado, quando relatava que tinha estado em sua casa com uma senhora que cuidava dele, declarou que não consegue viver sozinho, precisa que lhe dêem banho, que o vistam, façam as refeições, e auxílio nas necessidades do dia a dia, não se considerando autónomo.
A testemunha XXXXXX, enfermeiro a prestar serviços na demandante desde 2012, prestou um depoimento bastante claro e elucidativo do estado do demandado, explicando que o mesmo se desloca numa cadeira de rodas, é dependente em grau elevado em vários domínios, pois tem uma lesão vertebral modular cerebral e precisa de apoio nas necessidades do dia a dia (comer, vestir, sair da cama, duche, para as necessidades fisiológicas); a testemunha referiu que o demandado colabora em algumas tarefas (como por exemplo, vestir uma camisola, na transferência da cadeira para a cama e vice-versa, no duche) e tem autonomia na cadeira elétrica que consegue conduzir e tem alguma força de braços, mas que tais capacidades, a seu ver, não lhe retiram a caracterização como uma pessoa totalmente dependente.
A este respeito, há que referir que as testemunhas do demandado XXXXX e XXXXX prestaram um depoimento pouco isento, parcial, que não mereceu credibilidade porque, ou quiseram transmitir a ideia de que o demandado é uma pessoa autónoma (testemunha XXXX), ou desvalorizaram o apoio de que precisa (XXXX – “agora está a dar um pouco mais de trabalho”, referindo-se ao facto de estar acamado por causa da úlcera nadegueira).
O facto nº 15 resultou da prova documental, nomeadamente das faturas referentes ao período de fevereiro de 2017 até dezembro de 2021 e janeiro e seguintes de 2023, e das tabelas de mensalidades dos anos de 2016, 2017 e seguintes (documentação que iremos discriminar nos factos provados posteriores), das quais é possível verificar que em 2016 o demandado pagava uma mensalidade equivalente a quarto individual, autónomo e no período seguinte referido a equivalente a um quarto duplo, dependente.
A este respeito, foram consideradas as declarações do legal representante da demandante, o qual referiu que em 2017 o demandado passou para a mensalidade de €1.230,00 – quarto duplo dependente - por acordo, entre ele e o demandado, acordo que, disse, o último não chegou a cumprir; o demandado, por sua vez, declarou que em 2017 subiram-lhe a prestação em montante superior ao dos outros utentes, pelo facto de ter sido aplicada a tabela de dependente, situação com a qual não anuiu.
O facto nº 16 – ver fundamentação do facto nº 11.
O facto nº 17: da análise conjugada da tabela de mensalidades referente ao ano de 2018 (fls. 188) e das faturas de fls. 304 a 327 resulta que a demandante no mês de janeiro de 2018 aplicou a mesma mensalidade de 2017 (€1.230,00) e nos meses de fevereiro a dezembro de 2018, a mensalidade de €1.240,00, as quais são referentes a um quarto duplo e dependente (sendo para quarto individual autónomo, €1.180,00). Dos recibos de fls. 332 a 337 e 340 a 355 conjugados com o extrato bancário junto pelo demandado (fls. 96 verso a 100), resulta que o demandado efetuou em janeiro de 2018 o pagamento no montante de €1.160,00 e em fevereiro até dezembro, €1.170,00, ou seja, menos €70,00 face ao valor da mensalidade (€1230-€1.160 (janeiro), €1.240-€1170 (fevereiro e seguintes)).
O facto nº 18: da análise conjugada da tabela de mensalidades referente ao ano de 2019 (fls. 187) e das faturas de fls. 328, 359 a 380 resulta que a demandante nos meses de janeiro a dezembro de 2019 aplicou a mensalidade de €1.255,00, as quais são referentes a um quarto duplo e dependente (sendo para quarto individual autónomo, €1.205,00). Dos recibos de fls. 356, 383 a 404 conjugados com o extrato bancário junto pelo demandado (fls. 100 verso a 104 verso), resulta que o demandado efetuou nos meses de janeiro a dezembro o pagamento no montante de €1.185,00, ou seja, menos €70,00 face ao valor da mensalidade fixada (€1.255-€1.185).
O facto nº 19: da análise conjugada da tabela de mensalidades referente ao ano de 2020 (fls. 186) e das faturas de fls. 381, 408 a 429 resulta que a demandante no mês de janeiro de 2020 aplicou a mesma mensalidade de 2019 (€1.255,00) e nos meses de fevereiro a dezembro de 2020, a mensalidade de €1.275,00, as quais são referentes a um quarto duplo e dependente (sendo para quarto individual autónomo, €1.225,00). Dos recibos de fls. 775 a 787 conjugados com o extrato bancário junto pelo demandado (fls. 104 verso a 107 verso), resulta que o demandado efetuou nos meses de janeiro o pagamento no montante de €1.185,00, em fevereiro a dezembro €1.205,00, ou seja, menos €70,00 face ao valor da mensalidade fixada.
O facto nº 20: da análise conjugada da tabela de mensalidades referente ao ano de 2021 (fls. 185) e das faturas de fls. 451 a 474 resulta que a demandante nos meses de janeiro a dezembro de 2021 aplicou a mensalidade de €1.320,00, a qual é referente a um quarto duplo e dependente (sendo para quarto individual autónomo, €1.270,00). Dos recibos de fls. 477 a 500 conjugados com o extrato bancário junto pelo demandado (fls. 108 verso a 111 verso), resulta que o demandado efetuou nos meses de janeiro a dezembro o pagamento no montante de €1.250,00, ou seja, menos €70,00 face ao valor da mensalidade fixada. O extrato bancário, na parte que respeita aos meses de setembro a dezembro de 2021, contém um valor de transferência superior aos €1250,00 referidos (€1295,90 em setembro, €1295,90 em outubro, €1479,50 em novembro e €1341,80 em dezembro); a testemunha da demandante XXXX explicou que quando o valor transferido pelo demandado superava o valor da fatura emitida pelo lar (fatura da mensalidade) era pelo facto de existirem despesas extra com bombeiros, transportes, que o Lar adiantava o pagamento e depois recebia do demandado juntamente com a mensalidade; uma vez que não eram serviços prestados pelo Lar, não podiam ser faturados pelo Lar – as faturas eram emitidas pelos prestadores do serviço diretamente ao demandado e ficavam anexadas cópias no processo do demandado e os originais a ele entregues. O demandado, nas suas declarações, confirmou este procedimento e quando confrontado com os valores das transferências do extrato bancário que superavam as faturas, declarou espontaneamente que se referiam a despesas extra; igualmente disse que os recibos lhe eram entregues quando pagava a mensalidade e nunca reclamou de qualquer divergência, com exceção dos valores das mensalidades com os quais não concordava.
Os documentos de fls. 709 a 711 retratam o pagamento de uma fatura dos bombeiros emitida ao demandado no valor de €45,90 e com data de vencimento de 05.09.2021 que, a somar aos €1250,00 que o demandado pagou de mensalidade totalizam a quantia de €1.295,90 paga em setembro de 2021; os documentos de fls. 713 e 714 explicam o mesmo procedimento para o mês de outubro de 2021; os documentos de fls. 715 a 721 explicam o mesmo procedimento para o mês de novembro de 2021; os documentos de fls. 722 a 725 explicam o mesmo procedimento para o mês de dezembro de 2021.
O facto nº 21: analisada a tabela de mensalidades referente ao ano de 2022 (fls. 184), verifica-se que o valor estabelecido para um quarto individual, autónomo é de €1310 e dependente €1465, ao passo que para o quarto duplo autónomo é €1035 e dependente €1350.
Da análise da fatura de fls. 475 resulta que a demandante no mês de janeiro de 2021 aplicou a mensalidade de €1.455,00, a qual não tem correspondência na tabela aludida.
Do extrato bancário junto pelo demandado (fls. 112), resulta que o demandado efetuou no mês de janeiro o pagamento no montante de €1.250,00, ou seja, menos €205,00 face ao valor da mensalidade fixada e faturada pela demandante.
O facto nº 22: da análise da fatura de fls. 504 resulta que a demandante no mês de fevereiro de 2022 aplicou a mensalidade de €1.455,00, a qual, como já referimos, não tem correspondência na tabela aludida.
Do extrato bancário junto pelo demandado (fls. 112), resulta que o demandado efetuou no mês de fevereiro o pagamento no montante de €1.250,00, ou seja, menos €205,00 face ao valor da mensalidade fixada e faturada pela demandante.
O facto nº 23: da análise da fatura de fls. 506 resulta que a demandante no mês de março de 2022 aplicou a já referida mensalidade de €1.455,00; do extrato bancário junto pelo demandado (fls. 112 verso), resulta que o demandado efetuou no mês de março o pagamento no montante de €1.290,00, ou seja, menos €165,00 face ao valor da mensalidade fixada e faturada pela demandante.
O facto nº 24: da análise da fatura de fls. 508 resulta que a demandante no mês de abril de 2022 aplicou a já referida mensalidade de €1.455,00; do extrato bancário junto pelo demandado (fls. 112 verso), resulta que o demandado efetuou no mês de abril o pagamento no montante de €1.370,00, ou seja, menos €85,00 face ao valor da mensalidade fixada e faturada pela demandante.
Os factos nº 25 e 26: da análise da fatura de fls. 510 e 512 resulta que a demandante nos meses de maio e junho de 2022 aplicou a já referida mensalidade de €1.455,00; do extrato bancário junto pelo demandado (fls. 113 verso), resulta que o demandado efetuou no mês de junho o pagamento no montante de €2.211,11;
Os documentos de fls. 728 a 730 retratam o pagamento de despesas extra no valor de €16,11 e €2,00 e a anotação de que o demandado teve um desconto de 15% (€218,25) na mensalidade por internamento (situação corroborada pelo demandado e pela testemunha XXXXX que explicou que, em caso de internamento, pode haver lugar a desconto na mensalidade), o que resulta no valor de €1.236,75 (mensalidade). A este propósito, foi tido em consideração os documentos de fls. 578 a 581 (notas de crédito no montante de €218,25, com a designação – desconto internamento - referentes às faturas FT U/5384 e FT U/5429 dos meses de maio e junho), os quais têm data de emissão 18.09.2023.
Ou seja, nos meses de maio e junho de 2022 o valor cobrado pela demandada a título de mensalidades foi €2.473,50 (€1236,75*2), mais €18,11 (€16,11 + €2,00) de despesas extra, no total de €2.491,61;
Se ao valor pago pelo demandado (€2.211,11) subtrairmos o valor das despesas extra (€18,11), resulta que o demandado pagou €2.193,00 a título de mensalidades de maio e junho de 2022 (€1.096,50 por mês); atendendo ao valor da mensalidade com o desconto de 15% (€1455-15%= €1.236,75) e ao valor pago pelo demandado, €1.096,50, resulta que ficou por pagar €140,25 nos meses de maio e junho de 2022.
O facto nº 27: da análise da fatura de fls. 514 a 521 resulta que a demandante nos meses de julho a outubro de 2022 aplicou a já referida mensalidade de €1.455,00; do extrato bancário junto pelo demandado (fls. 113 verso a 114 verso), resulta que o demandado efetuou um pagamento de €1.293,80 em julho, €1.290 em agosto, €3.370 em outubro.
Relativamente a julho, o documento de fls. 731 retrata uma despesa extra com material de enfermagem de €3,80, que a somar aos €1.290,00 que o demandado pagou de mensalidade (recibo de fls. 542) totalizam a quantia de €1.293,80 paga em julho de 2022; tendo em conta que o valor fixado pela demandante de mensalidade foi de €1455, ficou por pagar a quantia de €165,00.
Relativamente a agosto, o recibo de fls. 544 corrobora o pagamento de €1290 referido no extrato de fls. 114; tendo em conta que o valor fixado pela demandante de mensalidade foi de €1455, ficou por pagar a quantia de €165,00.
No que respeita ao mês de setembro, do recibo de fls. 546 consta o pagamento do montante de €1290; tendo em conta que o valor fixado pela demandante de mensalidade foi de €1455, ficou por pagar a quantia de €165,00.
Os documentos de fls. 732 a 735 retratam despesa extra com material de enfermagem de €23,56 e transportes - €165 +€130 +€165; no que respeita ao mês de outubro, do recibo de fls. 548 consta o pagamento do montante de €1290; os documentos de fls. 736 a 739 retratam despesas extra com transportes - €165 + €165; ou seja, o total de despesas extra é €813,56; que a somar aos €2.580,00 que o demandado pagou de mensalidade (€1290 setembro e €1290 outubro) totalizam a quantia de €3.393,56; do extrato bancário consta que o demandado pagou €3.370 em outubro de 2022;
A demandante não só não vem pedir a diferença, €23,56 (equivalente ao valor da despesa extra com material de enfermagem – fls. 732), como de fls. 732 consta como paga (o valor de €1773,56 abarca os €1290 e as despesas extra ali elencadas).
O facto nº 28: da análise da fatura de fls. 592 resulta que a demandante no mês de novembro de 2022 aplicou a já referida mensalidade de €1.455,00; do extrato bancário junto pelo demandado (fls. 115), resulta que o demandado efetuou no mês de novembro o pagamento no montante de €1.161,00, tal como mencionado no recibo de fls. 592; este recibo menciona um “valor em débito” de €294; de fls. 576 consta nota de crédito no valor de €145,50 referente à fatura FT U/5666, valor que, descontado ao montante de €1455 resulta em €1.309,50; uma vez que o demandado pagou €1.161, ficam por pagar €148,50.
O facto nº 29: da análise da fatura de fls. 524 resulta que a demandante no mês de dezembro de 2022 aplicou a já referida mensalidade de €1.455,00; dos recibos de fls. 550, 801 consta o pagamento pelo demandado de €1.290,00, ficando por pagar €165,00.
O facto nº 30: da análise conjugada da tabela de mensalidades referente ao ano de 2023 (fls. 183) e das faturas de fls. 554 resulta que a demandante no mês de janeiro aplicou a mensalidade de €1.500,00; da conta corrente de fls. 552 constata-se que, tal como declarado pela testemunha XXXX, foi emitida nota de crédito (fls. 574) no montante de €1.500 e emitida em fevereiro a fatura de fls. 558, no montante de €1.395,00 referente a janeiro de 2023.
De acordo com a tabela supramencionada, a mensalidade de €1.395,00, é referente a um quarto duplo e dependente (sendo para quarto individual autónomo, €1.355,00).
Do recibo de fls. 586 consta que o demandado efetuou no mês de janeiro o pagamento no montante de €1.355,00 (extrato bancário junto pelo demandado - fls. 116), ou seja, menos €40,00 face ao valor da mensalidade fixada.
O facto nº 31: da análise da fatura de fls. 556 resulta que a demandante no mês de fevereiro de 2023 aplicou a mensalidade de €1.395,00; do extrato bancário junto pelo demandado (fls. 117), resulta que o demandado efetuou no mês de fevereiro o pagamento no montante de €1.355,00, tal como mencionado no recibo de fls. 588, ficando por pagar €40,00 face à mensalidade aplicada pela demandante;
O facto nº 32: da análise das faturas de fls. 560 e 562 resulta que a demandante nos meses de março e abril de 2023 aplicou a mensalidade de €1.395,00; do extrato bancário junto pelo demandado (fls. 117 verso e 118), resulta que o demandado efetuou nos meses de março e abril o pagamento no montante de €1.355,00, tal como mencionado nos recibos de fls. 590 e 594, ficando por pagar €40,00 face à mensalidade aplicada pela demandante.
O facto nº 33 resultou da prova testemunhal apresentada pela demandante e das declarações do demandado, o qual referiu que não pagou a totalidade do que lhe era faturado pela demandante, isto em 2017, porque lhe aumentaram mais do que aos outros; mais disse que, desde 2017 nunca pagou o que está nas faturas; foi igualmente tido em consideração o documento de fls. 11 e 12 (missiva dirigida ao demandado com data de 02.09.2022 e talão de aceitação postal.
O facto nº 34 resultou das declarações das partes, prova testemunhal e documento de fls. 606 a 612 referente à sentença do Tribunal do Trabalho da XXXXXX.
O facto nº 35 al. a) resultou da prova documental - documento de fls. 7 e 8, cláusula segunda; al. b) resulta da prova documental - documento de fls. 8, cláusula quinta; al. c) resultou da prova documental - documento de fls. 8, cláusula terceira; al. d) resultou da prova documental - documento de fls. 8, cláusula quarta.
O facto nº 36 resultou das declarações do legal representante da demandante e prova documental de fls. 119 a 136 - simulações de atualização da prestação mensal com base no Índice de Preços no Consumidor.
O facto nº 37 resultou da prova documental - documento de fls. 8, cláusula quarta.
O facto nº 38 resultou da instrução da causa e da conjugação da prova documental de fls. 235 – conta corrente do ano de 2016, faturas dos meses de novembro e dezembro de 2016 e respetivos recibos – fls. 236 a 243, tabela de mensalidades de 2016, da qual consta o valor de €1.160,00 para um quarto individual e autónomo – fls. 666, extrato bancário junto pelo demandado de fls. 87 verso a 91, de onde constam dez pagamentos no montante de €1.160,00 cada, com as declarações do demandado, o qual confrontado com o extrato bancário declarou que, de março de 2016 a janeiro de 2017, pagou €1.160,00 de mensalidade.

Relativamente aos factos não provados:
Alínea a): por ausência de prova - a demandante não apresentou prova que corroborasse tal matéria.
A testemunha XXXXXX, contabilista, esclareceu que não participa na fixação de mensalidades aos utentes, nem nas decisões a tal associadas, limitando-se a gerar os documentos contabilísticos de acordo com as listagens que lhe são apresentadas pela diretora técnica; A testemunha XXXXXXX, diretora técnica da demandante desde 2014, referiu que o demandado está num quarto duplo, sozinho e recusa-se a receber outro utente, sendo uma pessoa um pouco difícil, com ideias fixas, recusa-se a receber as ideias dos outros; em 2017 propuseram-lhe que ele aceitasse pagar quarto individual ou outra pessoa no quarto, ao que ele respondeu para colocar outra pessoa, mas depois não aceitava; nessa altura, referiu, pediu para falar com o Sr. XXXX ou o Sr. XXXX e, após, atualizaram a mensalidade para quarto individual, com o seu acordo, mas depois não cumpriu. A testemunha explicou que têm a instituição cheia e o demandado não aceita outra pessoa no quarto. O depoimento desta testemunha não teve correspondência nos documentos apresentados e referidos a propósito do facto provado nº 15, já que, em 2017, a alteração da mensalidade foi para dependente e não para quarto individual, pois individual já o demandado em 2016 pagava.
O legal representante da demandante, tampouco conseguiu explicar os motivos que levaram a que em 2017 alterassem a mensalidade de individual, autónomo, para duplo, dependente. Explicou que, os tempos foram passando desde a admissão do demandado, e o Lar começou a encher, não concordando o demandado em partilhar quarto com outro utente; “como o demandado estava individual, tinha “mau-feitio” ao ponto de recusar o serviço de algumas funcionárias” e o Lar ter de enviar outras para cuidarem dele, “concluímos que ele deveria pagar de acordo com quarto individual e dependente, porque ele precisa de ajuda”; questionado sobre a data em que foi esta decisão, o legal representante respondeu que foi em 2022.
O legal representante ainda declarou que, “até compreendo o mau-feitio por causa de ter tido o acidente novo (…) passou-se anos com o XXXX a queixar-se que o seguro não lhe pagava o suficiente para pagar o lar, tentamos favorecer o que podíamos, ele tem XXX filhos; há lares mais baratos, ele pode sair e ir para outro que possa pagar.”
Das declarações do legal representante e da testemunha XXXX, foi possível ao Tribunal formar a convicção de que são, principalmente, as dificuldades no trato com o demandado aliadas ao facto de o Lar estar completo, com lista de espera como foi dito, que motivaram a decisão de retirar as “facilidades” (termo usado pelo legal representante) que foram atribuídas ao demandado na data da sua admissão (que interessaram a ambos, pois o Lar também precisava de encher) e, consequentemente, de cobrar o preço correspondente ao seu real grau de dependência.
Alínea b): o montante de €358,50 em cada mês de maio e junho de 2022 seria o resultado de €1455 - €1096,50, acontece que, apesar das faturas de fls. 538 e 540 constar o valor da mensalidade €1455 e o valor em débito de €358,50 (€1455 - €1096,50), estas faturas não contemplam o desconto de 15% por causa do internamento que constam das conta correntes de fls. 728 e 729 e das notas de crédito de fls. 578 a 581.
Alíneas c) e d): ver fundamentação dos factos provados nº 30 e 31.
Alínea e): no documento de fls. 606 é referido 11.11.1994.

III. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
As questões a decidir por este Tribunal circunscrevem-se à caracterização do contrato celebrado entre a demandante e o demandado, às obrigações e direitos daí decorrentes bem como às consequências de um eventual incumprimento dessas obrigações.
Resultou da matéria provada que a demandante se obrigou perante o demandado a proporcionar-lhe serviços de alimentação, alojamento, cuidados médicos primários e de enfermagem, tratamento de roupa e conforto e higiene geral e pessoal, mediante o pagamento de uma mensalidade.
Estamos perante um contrato complexo, que envolve elementos próprios de várias figuras contratuais, constituindo as normas do contrato de prestação de serviços, que o artigo 1154º do Código Civil define “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” o seu núcleo principal a atender para determinar a disciplina aplicável. Trata-se, com efeito, de um contrato misto, muito semelhante ao contrato de hospedagem, em que coexistem elementos do contrato de locação e do contrato de prestação de serviços. (Ac. Rel. Porto de 14.07.2020, disponível em www.dgsi.pt)
Conforme resulta do n.º 1 do artigo 405º do Código Civil (adiante designado CC), dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver. Segundo o artigo 406.º, n.º 1, do referido CC, o contrato apenas pode modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei, devendo ser pontualmente cumprido (art.º 762, nº 1 do CC).
Em causa está, entre outros, apurar se a Demandante alterou o contrato de prestação de serviços, nomeadamente a mensalidade cobrada ao demandado, e, em caso afirmativo, apurar se a alteração foi unilateral, motivada por alteração das circunstâncias que presidiram a formação do contrato, ou se obteve o acordo do demandado.
Analisado o contrato de fls. 7 a 9, não existe qualquer especificidade no mesmo que permita a uma das partes, unilateralmente, proceder à alteração do contrato.
Por força do art.º 217º e segs. e 437º e segs. do CC, o contrato apenas pode ser alterado pela vontade de ambas as partes ou através da modificação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.
Vejamos o que resultou da matéria provada:
Resultou da matéria provada que, aquando da admissão do demandado foi-lhe aplicada a mensalidade de €750 e permitido ficar sozinho num quarto duplo; mais se provou que a mensalidade lhe foi aplicada como pessoa autónoma, apesar de o demandado, por força da infelicidade que o vitimou, ser uma pessoa paraplégica e dependente das mais básicas necessidades diárias.
Resultou das declarações das partes que o acordo que presidiu a celebração do contrato foi o de o demandado ficar no quarto sozinho enquanto o Lar não ficasse completo; assim que estivesse cheio outro utente seria colocado no quarto do demandado (facto provado nº 7). Situação que veio a ocorrer e, em 2016, o demandado continuava sozinho no quarto, mas pagava a mensalidade equivalente a um quarto individual e de pessoa autónoma (facto provado nº 38).
Tendo-se provado a condição que motivava a alteração da mensalidade em função do quarto (duplo/individual) e o acordo do demandado, foi lícito à demandante alterar a mensalidade de quarto duplo para quarto individual (mensalidade que, como já referimos, foi paga pelo demandado até 2016 (inclusive) sem qualquer oposição – facto provado nº 9).
Em causa está a alteração ocorrida em 2017, quando a demandante alterou a mensalidade para a tabela de utente dependente.
Como resultou provado, em fevereiro de 2017 o valor da mensalidade passou para €1.230,00, correspondente à tabela de utente dependente em quarto duplo (facto provado nº 10).
Permitam-nos a este respeito o parêntese de que mal se compreende esta alteração da demandante pois, se haviam acordado que o demandado ficava num quarto duplo sozinho e teria de pagar como se fosse quarto individual, o que fizeram até 2016, por que razão voltaram à tabela de quarto duplo?
A demandante não alegou, nem tampouco se apurou, as condições que terão acordado para a alteração da mensalidade do demandado em função do seu estado de autonomia/dependência; ou seja, em que medida a fixação da mensalidade, desajustada ao estado do demandado, era temporária, e em que condições podia ser alterada. Dizemos desajustada porque ficou claro que o demandado, desde que entrou na instituição da demandante, nunca foi uma pessoa autónoma, apesar da alguma autonomia que a sua dependência ainda lhe permitia e permite (como a deslocação na cadeira elétrica, comer as refeições preparadas e partidas por outrem, fazer a barba, escovar os dentes, auxiliar no vestir, etc.); ao demandado, em rigor, não deveria ter sido aplicada a mensalidade de uma pessoa autónoma.
A demandante alegou de que a atualização foi em cumprimento com a atualização anual da mensalidade e em cumprimento com o contrato de prestação de serviços e alojamento.
Analisado o contrato, nada consta sobre o grau de autonomia/dependência que foi considerado na fixação da mensalidade ao demandado; de igual modo, o contrato nada prevê sobre a alteração da mensalidade, esclarecendo somente que a mensalidade é anualmente atualizada pela demandante (facto provado nº 37).
A primeira questão é saber se a atualização, incumbência da demandante, comporta a possibilidade de alterar o regime da mensalidade aplicável, isto é, se permite alterar a mensalidade de um quarto individual, pessoa autónoma, para a mensalidade de quarto duplo dependente, como ocorreu em 2017. No nosso entender, e com o devido respeito por opinião contrária, não.
Atualizar, nos termos que o contrato de prestação de serviços prevê, é manter o regime da mensalidade (a tipologia de quarto, o grau de dependência) mas acompanhar a subida de preços de um ano para o outro (por exemplo, seguindo de perto as tabelas de 2016 e 2017, a mensalidade de um quarto individual, autónomo - €1.160,00, passaria em 2017 para €1.170,00.
Por conseguinte, não resultando do contrato a possibilidade de a demandante, unilateralmente, alterar a mensalidade aplicada ao demandado, vejamos se se verificam as condições supramencionadas, desde logo, o acordo das partes.
Apesar de o legal representante da demandante ter declarado que o demandado aceitou, na conversa que teve com ele a propósito da mensalidade, pagar o correspondente a um utente dependente, não foi produzida prova que corroborasse as suas declarações; o demandado, por sua vez, declarou que rejeitou que tivesse aceitado a alteração e não pagou o montante pedido e faturado pela demandante, desde fevereiro de 2017.
A aceitação, pelo demandado, da modificação efetuada pela demandante, poderia ser expressa ou tácita (art.º 217º do CC); não tendo o demandado emitido ou formalizado qualquer declaração de vontade de aceitação, a aceitação tácita dependia de uma manifestação de vontade do demandado decorrente de factos que, com toda a probabilidade a revelasse (art.º 217º, 224º e 232º do CC). Resultou, tanto da prova testemunhal como da extensa prova documental que o demandado rejeitou a alteração da mensalidade para o regime de dependente, recusando-se a pagar o valor da mensalidade faturada pela demandante desde fevereiro de 2017.
Portanto, não se provou o acordo das partes.
Vejamos agora se se verifica a outra condição elencada no artigo 437º do CC, nomeadamente, a modificação do contrato por alteração das circunstâncias que fundaram a vontade das partes.
Conforme já referimos, resultou que o demandado quando foi admitido na instituição da demandante já se encontrava numa situação de dependência; desde 2004 para cá (com exceção da situação ocorrida na pendência dos autos (escaras ou úlcera nadegueira que impedem a posição sentada) não foi alegada, nem provada, qualquer ocorrência que agravasse o estado de saúde e dependência do demandado (e, consequentemente, exigisse mais trabalhos, cuidados e serviços do pessoal da demandante). Assim, por não verificação de uma alteração das circunstâncias não poderá considerar-se válida a alteração da mensalidade para o regime de dependente, promovida pela demandante.
Desta forma, não pode proceder o pedido da demandante de condenação do demandado no pagamento do montante referente à diferença entre a mensalidade de quarto individual, autónomo para quarto duplo, dependente.
Tal não significa, por si só, que o demandado não seja devedor à demandante.
Não se verificando a legalidade da alteração da mensalidade para quarto duplo, dependente, há que considerar a última mensalidade aplicada anteriormente à alteração, ou seja, a de janeiro de 2017 - €1.160,00 – quarto individual e autónomo.
Vejamos se os valores pagos pelo demandado no período de fevereiro de 2017 até maio de 2023 correspondem àquele regime.
Adiantamos, desde já, que não existe correspondência, o que, na verdade, mal se compreende, pois, tendo o demandado conhecimento das tabelas aplicáveis na instituição (o próprio declarou que tinha conhecimento das tabelas pois pedia às diretoras técnicas que lhas mostrassem), e tendo concordado com o pagamento do equivalente a quarto individual, só não aceitando o regime dependente, seria expectável que continuasse a pagar segundo a tabela quarto individual, autónomo (como fez até janeiro de 2017 e depois em 2023). O demandado e a demandante, nesta parte, tiveram o mesmo comportamento: a demandante oscilou a mensalidade entre quarto individual/ duplo, autónomo/dependente, e até aplicou, em 2022, um valor sem correspondência nas tabelas; o demandado (com exceção de 2023), pagou um valor sem correspondência nas tabelas, definindo ele próprio o aumento em cada ano. Neste contexto, o Tribunal tentou, por diversas vezes, conciliar as partes, convidando-os a encontrar uma solução equilibrada e minimamente satisfatória para ambos, mas não se concretizou…
Ora, seguindo de perto o que escrevemos na fundamentação da matéria provada sob os números 10, 11, 16 a 32, temos que:
- no ano de 2017, nos meses de fevereiro a dezembro, e janeiro de 2018 a mensalidade para um quarto individual, autónomo, seguindo a tabela daquele ano é de €1.170,00; tendo em conta que o demandado pagou €1.160,00, regista-se a diferença de €120,00 ( 12 meses *10€);
- no ano de 2018, nos meses de fevereiro a dezembro, e janeiro de 2019 a mensalidade para um quarto individual, autónomo, seguindo a tabela daquele ano é de €1.180,00; tendo em conta que o demandado pagou €1.170,00, regista-se a diferença de €120,00 (12 meses *10€);
- no ano de 2019, nos meses de fevereiro a dezembro, e janeiro de 2020, a mensalidade para um quarto individual, autónomo, seguindo a tabela daquele ano é de €1.205,00; tendo em conta que o demandado pagou €1.185,00, regista-se a diferença de €240,00 (12 meses *20€);
- no ano de 2020, nos meses de fevereiro a dezembro, a mensalidade para um quarto individual, autónomo, seguindo a tabela daquele ano é de €1.225,00; tendo em conta que o demandado pagou €1.205,00, regista-se a diferença de €220,00 (11 meses *20€);
- no ano de 2021, nos meses de janeiro a dezembro, a mensalidade para um quarto individual, autónomo, seguindo a tabela daquele ano é de €1.270,00; tendo em conta que o demandado pagou €1.250,00, regista-se a diferença de €240,00 (12 meses *20€);
- no ano de 2022, nos meses de janeiro a dezembro, a mensalidade para um quarto individual, autónomo, seguindo a tabela daquele ano é de €1.310,00; tendo em conta que o demandado pagou nos meses de janeiro e fevereiro €1.250,00, março, abril, julho, agosto, setembro, outubro e dezembro €1.290,00, novembro €1.161,00, maio e junho €1.096,50 (mas nestes meses o demandado teve 15% de desconto na mensalidade devido a internamento (€1.310,00 – 15%= €1.113,50), regista-se a diferença de €443,00 (€60+€60+(7meses *20€)+€149+€17+€17);
- no ano de 2023, nos meses de janeiro a dezembro, a mensalidade para um quarto individual, autónomo, seguindo a tabela daquele ano é de €1.355,00; tendo em conta que o demandado pagou naquele ano €1.355,00 por mês, não existe diferença a registar.
No total, atento o exposto, regista-se uma diferença de €1.383,00 entre o valor pago pelo demandado a título de mensalidades no período entre fevereiro de 2017 e maio de 2023, e a mensalidade correspondente a um quarto individual e autónomo, valor no qual vai o demandado condenado a pagar à demandante.
De referir que o Demandado alegou que a atualização das mensalidades pela demandante não respeitou o indexante da inflação anual (taxa de variação do índice total de preços no consumidor), aferido pelo INE.
O Índice de Preços do Consumidor (IPC) tem como objetivo medir as alterações no tempo dos preços de um conjunto de bens e serviços considerados representativos da estrutura de despesa das famílias residentes em Portugal.
No âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre a demandante e o demandado, cláusula quarta, ficou estabelecido que incumbia à demandante atualizar anualmente a prestação a pagar pelo utente, sem que fosse determinado o critério a presidir a tal fixação; nomeadamente, não foi estipulado que esse critério fosse a taxa de inflação. Acresce que, a demandante é uma sociedade comercial por quotas, de natureza particular, não estando balizada, na sua atuação, pelo índice referido. Razão pela qual não assiste razão ao demandado.
*
Peticiona ainda a demandante a condenação do demandado no pagamento dos juros à taxa legal.
Verificando-se um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados ao credor, ora demandante (art.º 804º do CC).
Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá aos juros a contar do dia de constituição em mora (art.º 806º do CC).
No caso concreto, a demandante apresentou ao demandado as faturas que constam dos autos e são referentes ao período em discussão (fevereiro 2017 – maio de 2023); o demandado não aceitou pagar o valor constante das mesmas. Já vimos que as faturas contemplam um valor de mensalidade que a demandante não podia, unilateralmente, aplicar e, apesar da reclamação do demandado, tais faturas não foram corrigidas. Ou seja, verificou-se um atraso, no cumprimento da obrigação, bilateral (a demandante, na emissão da fatura com os valores equivalentes a um quarto individual/autónomo; o demandado, no pagamento da mensalidade equivalente àquele regime).
Nos termos do disposto no artigo 813º 2ª parte e 814º nº 2 do CC, havendo mora do credor, a dívida, durante a mora, deixa de vencer juros, quer legais, quer convencionais. Aplicando ao caso concreto, o demandado só fica obrigado no pagamento de juros, à taxa legal de 4%, a partir da correção (eventualmente através da emissão das respetivas Notas de Crédito), pela demandante, das faturas referentes às mensalidades de fevereiro de 2017 e seguintes.
*
Pede ainda a demandante que seja resolvido o contrato de prestação de serviços com alojamento celebrado entre as partes, devendo em consequência o demandado deixar o quarto livre de pessoas e bens.
A respeito, alega a demandante que o demandado, apesar de interpelado não liquidou os montantes em dívida referentes às mensalidades, pelo que se verificou o incumprimento definitivo do contrato (art.º 15º do RI).
O artigo 406º do CC já citado, estabelece que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, só podendo modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento ou nos casos admitidos na lei.
A resolução do contrato por uma das partes não é livre, antes tem de ser fundamentada, exigindo uma situação de incumprimento da parte contrária que seja de tal modo grave que determina uma rutura contratual. A mesma tem de ter na sua origem factos que se integrem na convenção das partes que contemple a possibilidade de resolução do contrato, ou na lei, designadamente que caibam na previsão do art.º 801.º e 802.º do CC, factos que, pela sua importância ou gravidade, justificam que, unilateralmente, uma das partes ponha fim ao contrato (Acórdão Rel. Lisboa de 24.02.2022).
O direito à resolução do contrato está previsto no artigo 432º do CC e depende, entre outros, do incumprimento definitivo.
O devedor, segundo o art.º 804.º, n.º 2 do CC, considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido. Verifica-se incumprimento definitivo na hipótese de o credor perder o interesse na prestação, em consequência da mora, ou se a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado por aquele - cfr. 808.º, n.º 1 do CC.
No caso concreto, o pedido de resolução não é fundamentado já que, como referimos supra, verificou-se um incumprimento de ambas as partes e, no caso do demandado, o facto de não ter pago o montante global de €1.383,00 em 6 anos (2017-2023) não se pode, a nosso ver, considerar bastante para fundamentar o pedido de resolução, não sendo, aquele incumprimento do demandado, proporcional à prestação que a demandante pretende resolver.
Improcede, por conseguinte, o pedido de resolução do contrato de prestação de serviços celebrado entre a demandante e o demandado.

IV. DECISÃO
Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a ação parcialmente procedente e provada e, por via disso:
a) condeno o demandado a pagar à demandante a quantia de €1.383,00 (mil trezentos e oitenta e três euros), acrescida dos juros de mora à taxa legal de 4%, que se vençam a partir da correção (eventualmente através da emissão das respetivas Notas de Crédito), pela demandante, das faturas referentes às mensalidades de fevereiro de 2017 e seguintes.
b) no mais, absolve-se o demandado.
As custas, no montante de €70 (setenta euros), serão a suportar pela demandante e demandado, na proporção do decaimento que se fixa em 79% e 21%, respetivamente (Artigos 527.º, do Código de Processo Civil - aplicáveis ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, com a redação da Lei 54/2013 de 31 de julho -- e artigo 2º nº 1 al. b) e nº 3 e 3º nº 3 da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro).
A demandante e o demandado deverão efetuar o pagamento das custas de sua responsabilidade num dos 3 dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena de incorrer numa sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação.
*
Registe e notifique.
***
Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária. Verso em branco.
(art.º 18º da LJP)
Cantanhede, 19 de junho de 2024
A Juíza de Paz