Sentença de Julgado de Paz
Processo: 386/2023-JPVNG
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUA
Data da sentença: 06/21/2024
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 386/2023-JPVNG
SENTENÇA

I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: [PES-1], residente na [...], n.º 80, [Cód. Postal-1] [...].
Demandada: [ORG-1], Lda.”, com sede na [...], n.º 174, [...], [Cód. Postal-2] [...], [...].

II - OBJECTO DO LITÍGIO
O Demandante veio propor contra a Demandada a presente acção declarativa respeitante a responsabilidade civil contratual, enquadrada na al. h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho (LJP), alterada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de Julho, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €1.656,99 (mil seiscentos e cinquenta e seis euros e noventa e nove cêntimos), acrescida dos correspondentes juros de mora, à taxa legal, desde a citação até ao integral pagamento, e demais consequências legais.

Alegou, para tanto e em síntese, que a Demandada é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social consiste na prestação de serviços a terceiros no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens ou mercadorias; o Demandante foi funcionário da Comissão Europeia (CE) até 31.03.2021, em [...] – Bélgica, data em que, por reforma, terminou o seu vínculo laboral; um dos direitos que assiste aos funcionários da CE aquando da cessação do vínculo laboral é a mudança de todos os seus bens e pertences (mobiliário, peças de decoração, eletrodomésticos, equipamentos, bens pessoais, etc.) desde o país onde trabalham (neste caso, [...]) para o seu novo domicílio (neste caso, [...]); os custos de tais serviços de mudança resultante de mudança de domicílio por cessação de vínculo laboral - incluindo materiais necessários, embalamento, carregamento, expedição, transporte, mão-de-obra, guindastes, descarregamento, IVA, seguro, etc. - são suportados pelo funcionário em causa, o qual posteriormente é reembolsado pela CE mediante proposta apresentada por uma empresa para tal efeito designada pelo próprio funcionário; nessas circunstâncias, em 26.04.2022, a empresa aqui Demandada aceitou e subscreveu a proposta (Removal Quotation) da sua designação para efectuar o serviço de mudança dos bens do aqui Demandante e seu agregado familiar, desde [...] – [...] para V. Nova de Gaia – [...]; o custo de tal serviço – incluindo materiais necessários, embalamento, carregamento, mão-de-obra, transporte, guindastes, descarregamento, IVA, seguro, etc. – ascendeu ao montante de €14.080,47; tal proposta foi aceite pela CE e nessa sequência foram contratados pelo Demandante os serviços da Demandada supra referidos, a realizar entre 22.06.2022 e 06.07.2022; na data prevista iniciaram-se os serviços de embalamento, acondicionamento e carregamento destinados à expedição dos bens pertencentes ao aqui Demandante; para os serviços de embalamento, acondicionamento e carregamento dos referidos bens, a aqui Demandada contratou – por sua exclusiva iniciativa, conta e risco – os serviços da empresa belga [ORG-2] NV”, sedeada em [...] – Bélgica; e para o serviço de expedição e transporte da [...] até [...], a Demandada contratou os serviços da empresa portuguesa “[ORG-10], Sociedade Unipessoal, Lda.”, sedeada em [...] – Portugal; a operação teve início na morada do aqui Demandante, [...], 186, 1932 ST [...], [...], em 21 de Junho de 2022, ficando concluída no dia 24 do mesmo mês, tendo os bens em causa - num total de 597 volumes (itens) - sido distribuídos por três contentores; a partir do dia 24 de Junho os bens ficaram à guarda da já referida empresa [ORG-5] NV”, depois de descarregar, com os seus próprios meios e sem qualquer tipo de intervenção do Demandante, todos os itens dos três contentores (como atrás foi referido) para armazenamento nas suas instalações em [...], [...], enquanto era aguardada a chegada do meio de transporte (supra identificado) contratado pela Demandada; após novo carregamento no armazém da empresa [ORG-5], NV” (sublinha-se, sem qualquer tipo de intervenção ou supervisão do aqui Demandante), esta empresa articulou a restante parte da operação com a Demandada “[ORG-1]” tendo em vista a expedição e transporte até ao local de destino: [...]; de tal forma que, em 07.07.2022, os referidos bens do Demandante - depois de embalados, acondicionados e novamente carregados pela referida empresa belga “[ORG-7] NV” - foram expedidos a partir da [...] e entregues nas instalações da aqui Demandada em 12.07.2022; os bens foram rececionados pelo Demandante e sua esposa no local de armazém da Demandada “[ORG-1]”, em [...], [...], no dia 28 de Julho de 2022; ficou acordado com a Demandada “[ORG-1]” que o essencial dos bens envolvidos nesta operação seria entregue na sua residência em [...] e outra parte dos bens seguiria para [...], segunda residência dos proprietários, o que, efetivamente, veio a acontecer em 23 de Agosto de 2022; após a finalização dos serviços de mudanças contratados entre Demandada e Demandante, aquela emitiu a correspondente factura, no montante de €14.080,47, datada de 31.08.2022 (com o descritivo dos serviços realizados de “Removal of goods from Belgium to Portugal – goods insurance included”), factura essa que o Demandante pagou mediante transferência bancária efectuada em 06.09.2022; atendendo ao elevado volume e quantidade de itens incluídos nesta mudança (597 itens, em três contentores, conforme já referido) - correspondente a todo o recheio de uma casa familiar acumulado ao longo de mais de 30 anos de vida profissional na [...] - a verificação do estado em que se encontravam os bens após a operação de mudança foi necessariamente demorada, o que sempre teve o conhecimento, acordo, compreensão e aceitação da Demandada; só passadas algumas semanas, ou meses, com a abertura das inúmeras embalagens, foi possível constatar que, entre os diversos itens, alguns tinham sofrido danos importantes; à medida que o Demandante procedeu à abertura das embalagens, com a constatação de bens danificados, foram sendo fornecidas, regularmente, mas informalmente, informações relevantes sobre o assunto à empresa [ORG-1] e comunicada a esta a existência de diversos bens danificados com danos irreparáveis e respectivo valor; de tal forma que, nessa sequência, durante o mês de Dezembro de 2022 e finalmente no dia 05 Janeiro de 2023 (por correio eletrónico), o Demandante comunicou à Demandada a relação completa dos diversos bens danificados e respectivo valor; os bens danificados e respectivos danos foram os seguintes: escrivaninha estilo “vintage” (paredes e gavetas danificadas), um candeeiro de secretária (abajur de vidro partido), serviço de jantar inglês para 12 pessoas (10 pratos partidos), um guarda jóias madeira exótica (partido), um candeeiro de mesa (conjunto de dois) partido; seis molduras com protecção de vidro (vidros partidos), bomba de jardim ferro fundido (partida) e pratos de decoração (partidos); a Demandada aceitou as reclamações de danos apresentados pelo Demandante, nunca tendo quanto às mesmas apresentado qualquer oposição ou reserva; de tal forma que a Demandada apresentou a relação dos danos à Seguradora por si contratada para segurar os riscos resultantes da sua actividade contratada com o aqui Demandante; foi, aliás, com base nesta lista e na declaração do sinistro por parte da Demandada “[ORG-1]” que a [ORG-9] encarregou a empresa de peritagem “Real Peritos” de proceder à respectiva peritagem, o que veio a acontecer no dia 13 de Março de 2023, cujo resultado (datado de 28.04.2023) foi transmitido pela Demandada ao Demandante apenas em 13.07.2023; no caso presente existe claramente, sem necessidade de mais demonstrações, um nexo de causalidade evidente entre a acção (operações diversas ligadas a toda a operação de mudança, como embalagem, acondicionamento, transportes intermédios, expedição, etc., como foi já longamente explanado) e o dano sofrido, ou seja, os objetos danificados que fazem parte da lista enviada à Demandada “[ORG-1]”, por email, em 05 de Janeiro de 2023; não obstante as reclamações do Demandante, as reuniões mantidas entre as partes e a comunicação enviada por aquele em 28.07.2023 (à qual a Demandada respondeu mediante carta datada de 02.08.2023), a Demandada nada pagou; os danos e respectivo valor são os seguintes: escrivaninha estilo “vintage” (€463,30), candeeiro de secretária (€65,49), serviço de jantar inglês para 12 pessoas (€356,00), guarda jóias madeira exótica (€49,20), candeeiro de mesa (€300,00); molduras com protecção de vidro (€150,00), bomba de jardim ferro fundido (€250,00) e pratos de decoração (€50,00), tudo no montante de €1.656,99; o valor dos danos verificados foi encontrado da seguinte forma: escrivaninha (orçamento de especialista em restauro de móveis); serviço de jantar inglês (dado não ser possível encontrar igual por ser produto descontinuado e por conseguinte considerado achado raro, o preço encontrado foi de €89,00 por cada três pratos ([Nº Identificador-1],. Resultado = €356.00); guarda jóias (orçamento de especialista em restauro de móveis); para os restantes items e atendendo à especificidade dos mesmos e não sendo possível obter orçamento para a respectiva reparação, o respectivo valor é considerado razoável e equitativo e indicado por semelhança com produtos similares.
Juntou documentos.

Regularmente citada, a Demandada apresentou Contestação onde alega que a presente acção carece de todo e qualquer fundamento fáctico e de direito quanto à ora Demandada; invoca a caducidade do direito de acção, porquanto, resulta do teor do Requerimento Inicial apresentado pelo Demandante, que as partes celebraram entre si um contrato mediante o qual a Demandada, licenciada como agente transitário, se obrigou a prestar ao Demandante “serviços de natureza logística relativos à circulação de coisas ou mercadorias, incluindo a celebração, em nome próprio e por conta da outra parte, de contratos de transporte”; ou seja, a prestar-lhe serviços de actividade transitária; no âmbito dessa actividade, convencionou-se, em 26.04.2022, que a Demandada fizesse transportar, por via terrestre, os bens do Demandante e do seu agregado familiar, desde [...] – Bélgica para [...] – [...]; os serviços de embalamento, acondicionamento, carregamento e transporte dos aludidos bens foram assegurados na fase inicial pela empresa belga [ORG-5] NV” e na fase final pela empresa portuguesa [ORG-10], Sociedade Unipessoal, Lda.”, sendo que os bens foram descarregados e entregues ao Demandante nas suas duas residências em [...] e [...], em 23 de Agosto de 2022, tendo o serviço da Demandada sido concluído neste dia; tendo em conta a data de conclusão do serviço prestado pela Demandada, 23.08.2022, a indemnização formulada nos presentes autos foi pedida em tempo?; é seguro que, a ser aplicável o regime definido para a actividade transitária, se encontra prescrito o direito à indemnização, nos termos do artigo 16º do Decreto-Lei nº 255/99 – o serviço ficou concluído em Agosto de 2022 e nos dez meses seguintes não foi praticado pela Demandada nenhum acto susceptível de interromper a prescrição, como se exige no nº 1 do artigo 323º do Código Civil; mas é igualmente seguro que os danos invocados pelo Demandante para fundamentar o pedido de indemnização se baseiam no incumprimento parcial ou, dizendo melhor, no cumprimento defeituoso do serviço de transporte, diretamente realizado pela empresa belga “[ORG-11]” e pela empresa portuguesa “[ORG-10]”, e não pela Demandada; esta responde, nos termos do disposto no artigo 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 255/9, “pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso”, valendo eventuais limites de responsabilidade que se apliquem ao transportador material; como o Supremo Tribunal de Justiça repetidamente tem observado, e resulta da forma como o citado artigo 15º faz recair sobre o agente transitário a garantia do pagamento da indemnização que, a final, poderá recair sobre o encarregado de executar o transporte, por via do direito de regresso, há que determinar a responsabilidade deste último para se saber qual a medida da responsabilidade do primeiro; cumpre assim aplicar as regras do contrato de transporte; quanto à modalidade de contrato de transporte internacional de mercadorias, por estrada, o mesmo tem sido definido pela doutrina e a jurisprudência como sendo “a convenção, consensual, através da qual uma pessoa se obriga perante outra, mediante o preço denominado “frete” a realizar, por si ou por terceiros, a deslocação de uma determinada mercadoria desde um ponto de partida, situado num dado país, até um outro de destino, situado num outro país”; e neste conceito lato de contrato de transporte é de abarcar todas as operações ou actos materiais complementares da transferência de uma coisa material de um local para o outro, desde que se mostrem necessários à consecução de tal transferência, caso em que tais operações ou actos mais não são do que meros componentes da obrigação global assumida pelo transportador de transferir a coisa de um local para outro; do mesmo modo, nada prejudica a esta qualificação negocial, o facto de o transportador poder efectuar o transporte diretamente ou através de empresa, companhia ou pessoas diversas, pois que isso mesmo é permitido pelo art.º 367º do C. Comercial; daqui resulta que “o essencial é que o transportador se obrigue a realizar o transporte, seja por si mesmo, seja valendo-se de auxiliares”; mas, porque no contrato de transporte internacional de mercadorias pode ocorrer também a intervenção do transitário e porque não está afastada a possibilidade de, em concreto, ocorrerem casos em que os transitários celebrem contratos de transporte de mercadorias com os interessados, a realizar diretamente ou com recurso a terceiros, importa estabelecer uma nítida distinção entre a actividade de transitário, a actividade de comissário de transporte e a de transitário e transportador; a actividade transitária vem definida no art.º 1º, nº 2 do DL n.º 255/99, de 07 de Julho, como sendo aquela que “consiste na prestação de serviços de natureza logística e operacional que inclui o planeamento, o controlo, a coordenação e a direcção das operações relacionadas com a expedição, recepção, armazenamento e circulação de bens ou mercadorias, desenvolvendo-se nos seguintes domínios de intervenção: a) Gestão dos fluxos de bens ou mercadorias; b) Mediação entre expedidores e destinatários, nomeadamente através de transportadores com quem celebre os respectivos contratos de transporte; c) Execução dos trâmites ou formalidades legalmente exigidos, inclusive no que se refere à emissão do documento de transporte unimodal ou multimodal”; os transitários são intermediários que actuam entre os transportadores, entre si, ou representam os destinatários ou carregadores; agem por conta do expedidor das mercadorias, obrigando-se à recepção e expedição de mercadorias, cobrando uma comissão e despesas; assim, os transitários são mandatários quando se limitam a cumprir funções que lhes foram previamente indicadas pelo expedidor das mercadorias, o que acontece, nomeadamente, quando são incumbidos por este de apenas arquitetar o transporte (sem serem livres na sua organização) e concluir os actos jurídicos tendentes a assegurar o trânsito das mercadorias; são comissários de transporte, quando, por incumbência do expedidor (comitente), por conta e em nome deste, praticam os actos jurídicos necessários à deslocação de certa mercadoria de um lugar para outro, assumindo o dever de contratação do transporte; são transitários e transportadores, quando, exorbitando embora os limites da actividade específica que lhes é atribuída pelo art.º 1º, n.º 2 do citado DL n.º255/99, ajustam contratos de transporte de mercadorias com os interessados, diretamente ou com recurso a terceiros, isto é, quando são incumbidos pelo expedidor das mercadorias e aceitam a missão de proceder ao transporte destas, mediante preço ajustado para esse fim, que é o caso dos presentes autos; e a este respeito, diremos que este contrato está sujeito a regime próprio – a Convenção CMR, assinada em [...], em 19 de Maio de 1956, aprovada pelo Decreto-Lei n° 46.235, de 18 de Março de 1965; e verificando-se consubstanciarem os factos alegados pelo Demandante uma situação de cumprimento defeituoso do contrato celebrado por parte da Demandada, sendo que, neste caso, o art.º 798º do C. Civil faz recair sobre o devedor a obrigação de indemnizar os prejuízos causados ao credor; sendo esta a causa de pedir invocada pelo Demandante, daí decorre que o prazo de prescrição para o autor exercer tal direito é o prazo previsto estabelecido no art.º 32º da Convenção CMR, posto que este reporta-se ao transporte propriamente dito designadamente às perdas e danos da mercadoria transportada; assim, tendo em conta a data da entrega da mercadoria em causa - Agosto 2022 - e a data da propositura da presente acção - em 08.09.2023 – é bom de ver que inequivocamente ocorreu a prescrição do invocado direito do autor; como a presente acção de indemnização foi proposta para além do prazo de um ano a contar da entrega da mercadoria, caducou assim o direito do Demandante para instaurar o presente acção (art. 32º da Convenção CMR), caducidade essa que, desde já, se invoca. Mais alega que os alegados danos na mercadoria não se deveram a qualquer deficiente acondicionamento da mercadoria; a mercadoria foi completamente adornada, chegou em boas condições às residências do Demandante, em [...] e [...], e sem quaisquer danos nas embalagens; as embalagens foram colocadas nas mesmas condições que chegaram às aludidas residências do Demandante; no transporte das mercadorias foram colocadas barras de travamento na frente e nas traseiras do camião, tendo a mercadoria sido devidamente acondicionada; por isso, a origem dos danos nas mercadorias reclamados pelo Demandante não surgiu no seu carregamento, no seu acondicionamento, no seu descarregamento e no seu transporte; os bens foram embalados na [...] na presença do Demandante e da sua esposa, pela [ORG-11], sem que nada de anormal tenha sido reportado pelos mesmos à Demandada; os bens foram transportados para o armazém da [ORG-11], onde poucos dias depois a “[ORG-1]” os recuperou e os levou para o seu armazém, onde foram descarregados; o Demandante e a sua esposa tiveram acesso a todas as embalagens com os bens que se encontravam no armazém da Demandada; a entrega dos bens, quase a totalidade, foi efectuada nos dias seguintes na residência do Demandante na [...] em [...], em início de Agosto de 2023; o Demandante e a sua esposa receberam os bens, e puderam reparar que as embalagens estavam intactas, nada tendo assinalado e reclamado; os restantes bens, uma pequena parte, foram entregues ao Demandante, após o regresso das suas férias, na sua residência em [...], também na sua presença e da sua esposa, com as embalagens intactas, e ainda em Agosto de 2022; foi efectuada uma peritagem no âmbito da apresentação da reclamação do Demandante à [ORG-14] que declinou qualquer responsabilidade por se ter concluído que não ficou provado a ocorrência de qualquer dano durante os diversos transportes das mercadorias do Demandante; e ainda refere que o CMR não apresenta qualquer reserva, assim como não já registo de qualquer anomalia nos diversos transportes utilizados, conforme se comprova pelo documento da Seguradora que ora se junta; refere ainda o aludido relatório que as chamadas reservas aparentes, pois as embalagens estavam em bom estado, intactas, deviam ser reclamadas até ao sétimo dia após a descarga, e o prazo para reclamar tais reservas não aparentes estava também largamente ultrapassado, dado que o Demandante só veio reclamar dos danos das mercadorias entre finais de Dezembro de 2022 e inícios de Janeiro de 2023; perante o exposto acima, a dar-se os danos nos bens da Demandante não terão sido provocados no âmbito dos serviços prestados pela Demandada; assim, nos termos expostos, a Demandada cumpriu integral e escrupulosamente o acordado com o Demandante, pelo que não é responsável por quaisquer danos na mercadoria, nos bens do Demandante; o Demandante sabe muito bem da inutilidade da presente acção e bem assim que nunca houve nem haveria necessidade de lançar mão de tais meios legais.
Juntou documento.

Em resposta à excepção, veio o Demandante alegar que a Demandada na sua douta Contestação, ao invocar os regimes jurídicos do contrato de transporte internacional (CMR) e o regime jurídico aplicável à actividade transitária (DL. 255/99), tenta baralhar e complicar o que é simples e claro: o pactuado entre as partes foi um contrato para efectuar o serviço integral de mudança de todos os bens e pertences (Removal) do aqui Demandante, de [...] para [...], resultante de mudança de domicílio por cessação de vínculo laboral, do qual resultou para a Demandada, entre o mais, a obrigação de proceder a tal mudança com todos os actos materiais necessários e adequados para tal efeito; contrariamente ao referido pela Demandada, as partes não celebraram contrato pelo qual esta se obrigou a prestar serviços de natureza logística relativos à circulação de coisas ou mercadorias, ou seja, serviços inerentes à actividade transitária, nem celebraram contrato de transporte de mercadorias; o contrato efetivamente celebrado entre as partes não foi um mero contrato de transporte nem um contrato de actividade transitária, mas sim um contrato para efectuar o serviço de mudança dos bens (Removal) do aqui Demandante e seu agregado familiar de [...] para [...], com obrigações bem mais abrangentes e alargadas para a Demandada, tais como as de proceder ao embalamento, acondicionamento, carregamento, transporte e descarregamento dos bens, incluindo mão-de-obra e materiais e equipamentos necessários para tais efeitos, sendo o respectivo transporte - pelo(s) meio(s) escolhido(s) pela Demandada - um acto meramente acessório das demais obrigações que do dito contrato para ela resultaram; e tanto assim é que, a factura emitida pela Demandada refere expressamente “Removal of goods from Belgium to Portugal – goods insurance included” (“Remoção de bens da [...] para [...] – seguro de bens incluído); e a [ORG-15] (Cotação de Remoção) aceite e subscrita pela aqui Demandada, também refere expressamente: “Este valor é o custo total incluindo materiais, embalagem, desembalagem, transporte, mão-de-obra, guinchos, autorizações de estacionamento, IVA, seguro, etc.. O abaixo assinado, representante legal da empresa de mudanças, declara que este orçamento diz respeito apenas à remoção de móveis e objetos pessoais do local de partida até ao local de chegada. O abaixo-assinado está ciente de que quaisquer custos adicionais, tais como custos de armazenamento, limpeza, etc., serão cobrados separadamente ao contratante e não serão suportados pelo PMO PENSÕES.” (“This amont is the total cost inclusive of materials, packing, unpacking, transport, labour, hoists, parking authorizations, vat, insurance, etc. The undersigned, the legal representative of the removal firm, declares that this estimate only concerns the removal of furniture and personal effects from the place of de parture to the place of arrival. The undersigned is aware that any aditional costs, such as costs for storage, cleaning, etc., are to be charged separately to the contracting party and are not borne by the PMO PENSIONS.”); a Demandada não atuou no caso concreto dos autos como empresa transitária; a Demandada não atuou como intermediária, nem como mandatária do aqui Demandante; a Demandada sempre exerceu as suas funções e actividade como parte principal do contrato celebrado com o Demandante e no cumprimento das obrigações que diretamente para ela resultaram do mesmo, atuando com total autonomia e independência, com vista ao cumprimento das obrigações que contratualmente assumiu para com o Demandante; e foi no cumprimento da globalidade dessas obrigações assumidas pela Demandada – desde o embalamento dos bens em [...] até à sua entrega em [...] – que ocorreram os danos cuja reparação o Demandante dela peticiona nestes autos; as empresas [ORG-11] e [ORG-10]” foram subcontratadas diretamente pela Demandada e por seu exclusivo interesse e iniciativa, sem qualquer intervenção do Demandante, a fim de as mesmas praticarem os actos que, nos termos contratados, competiam em exclusivo à Demandada realizar; e o mesmo se dirá no que se refere ao contrato de seguro celebrado com a [ORG-16]”, o qual foi celebrado diretamente pela Demandada e sem qualquer intervenção do Demandante; não é aplicável ao caso dos autos o regime do DL. 255/99 (regime jurídico aplicável ao acesso e exercício da actividade transitária), nem é aplicável o regime do contrato de transporte internacional (CMR) já que a al. c) do nº 4 do artigo 1º da correspondente Convenção internacional expressamente exclui a sua aplicação aos transportes de mobiliário por mudança de domicílio; não se encontra prescrito o direito a indemnização nem caducou o direito de acção exercido pelo Demandante, pelo que deve ser julgada improcedente a excepção invocada pela Demandada; o Demandante desconhecia - sem qualquer obrigação de conhecer - que a Demandada tem por objeto social o exercício da actividade de transitária, já que sempre reconheceu a Demandada como empresa especializada em mudanças e foi assim que a mesma se apresentou; aliás, já no ano de 2019, a Demandada prestou serviços de mudanças ao Demandante - nos mesmos precisos moldes, termos e condições - quando este efetuou a mudança dos seus pertences desde as [...] (local onde então se encontrava a exercer a sua actividade profissional enquanto funcionário da UE) para o seu domicílio; certo é também que, não obstante a circunstância de a Demandada ser uma empresa que tem por objecto social o exercício da actividade de transitária – consistente na prestação de serviços a terceiros no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens ou mercadorias - tal não a impede de assumir outras obrigações nas relações jurídicas que estabeleça em concreto com os seus clientes, não lhe estando vedado por lei exercer principal e ou acessoriamente qualquer outra actividade; o transitário, em rigor, celebra com o expedidor um contrato de prestação de serviços, na modalidade de contrato de mandato, funcionando como intermediário entre o expedidor e o transportador; o contrato de expedição, em sentido estrito, é um mandato pelo qual o transitário se obriga a celebrar um contrato de transporte por conta do expedidor-mandante; não foi celebrado entre as partes qualquer contrato de trânsito/expedição, nem contrato de transporte; foi, isso sim, contratado um serviço de mudança dos bens, com todos os actos materiais necessários e adequados para tal efeito; tal como previsto na Removal Quotation, foi a própria Demandada - tudo e sempre sem qualquer intervenção do aqui Demandante - quem escolheu a Seguradora e o tipo de seguro que abrangeria esta mudança de bens, bem como foi ela quem efetuou a participação do sinistro e dos danos àquela Seguradora, na sequência da qual esta procedeu à competente peritagem; porém, a referida Seguradora, em 28.04.2023, recusou a assunção dos prejuízos reclamados, alegando não ter ficado provado qualquer dano durante o transporte; só que, não estamos perante um contrato de transporte, muito menos abrangido pela Convenção CMR; a actividade contratada entre Demandante e Demandada não se resumia ao transporte; o seguro contratado pela Demandada apenas cobria (erradamente, dizemos nós) os danos resultantes do transporte e não de qualquer outra das obrigações da Demandada; não é possível determinar em que momento da actividade da Demandada no âmbito do serviço de mudança de bens contratado - desde o embalamento e acondicionamento dos bens em [...] até à sua entrega em [...], incluindo os diversos carregamentos e descarregamentos - ocorreram os danos invocados pelo Demandante; se a acção foi instaurada já depois do decurso de 10/12 meses após a data da conclusão da prestação de serviços contratada na qual o Demandante radica a sua pretensão indemnizatória, tal circunstância, porém, ao invés do que sustenta a Demandada, não implica a prescrição do seu direito, na medida em que, por um lado, não é aplicável o regime constante do DL. 255/99 (exercício da actividade transitária) e, por outro, o artigo 1º, nº 4, alínea c) da CMR expressamente exclui do seu âmbito de aplicação os transportes de mobiliário por mudança de domicílio, normalmente qualificado como “contrato de mudanças”; sendo inaplicáveis ao caso vertente aquela Convenção CMR bem como o regime do DL. nº 255/99, é evidente que não se verifica a prescrição invocada pela Demandada, não tendo igualmente ainda decorrido, longe disso, o prazo previsto no artigo 309º do Código Civil; acresce à inaplicabilidade da prescrição resultante dos regimes jurídicos supra referidos que - tal como se refere no Requerimento Inicial - atendendo ao elevado volume e quantidade de itens incluídos nesta mudança (correspondente a todo o recheio de uma casa familiar acumulado ao longo de mais de 30 anos de vida pessoal e profissional na [...]), a verificação do estado em que se encontravam os bens após a operação de mudança foi necessariamente demorada, circunstâncias essas que sempre foram do conhecimento, acordo, compreensão e aceitação por parte da Demandada, que concedeu ao Demandante a possibilidade de verificar o estado dos bens em período de tempo bem mais alargado após a sua entrega; veja-se, a esse título, que a Demandada nunca excluiu ou recusou qualquer responsabilidade nem invocou qualquer prescrição do direito do Demandante, tendo inclusive em Dezembro/2022 e Janeiro/2023 aceitado as reclamações de danos por este apresentadas, sem que quanto às mesmas tenha deduzido qualquer oposição ou reserva; improcedem, assim, as excepções invocadas pela Demandada no que toca à prescrição - que, na realidade, não ocorreu - e à caducidade do direito de acção nela invocada.

As partes participaram na sessão de Pré-Mediação, seguida de Mediação, da qual não resultou acordo, pelo que se procedeu ao agendamento da Audiência de Julgamento, a qual se realizou com obediência às formalidades legais como da Acta se infere.
Fixo o valor da acção em €1.656,99 (mil seiscentos e cinquenta e seis euros e noventa e nove cêntimos).

Cumpre apreciar e decidir.
III - FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Da prova carreada para os autos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A Demandada é uma sociedade comercial por quotas cujo objecto social consiste na prestação de serviços a terceiros no âmbito da planificação, controlo, coordenação e direcção das operações necessárias à execução das formalidades e trâmites exigidos na expedição, recepção e circulação de bens ou mercadorias – cfr. certidão permanente a fls. 91 a 97;
B) O Demandante foi funcionário da [ORG-17] (CE) até 31.03.2021, em [...] – Bélgica, data em que, por reforma, terminou o seu vínculo laboral;
C) Um dos direitos que assiste aos funcionários da CE, aquando da cessação do vínculo laboral, é a mudança de todos os seus bens e pertences (mobiliário, peças de decoração, eletrodomésticos, equipamentos, bens pessoais, etc.) desde o país onde trabalham (neste caso, [...]) para o seu novo domicílio (neste caso, [...]);
D) Os custos de tais serviços de mudança resultante de mudança de domicílio por cessação de vínculo laboral - incluindo materiais necessários, embalamento, carregamento, expedição, transporte, mão-de-obra, guindastes, descarregamento, IVA, seguro, etc. - são suportados pelo funcionário em causa, o qual posteriormente é reembolsado pela CE mediante proposta apresentada por uma empresa para tal efeito designada pelo próprio funcionário;
E) Nessas circunstâncias, em 26.04.2022, a empresa aqui demandada aceitou e subscreveu a proposta (Removal Quotation) da sua designação para efectuar o serviço de mudança dos bens do aqui Demandante e seu agregado familiar, desde [...] – [...] para [...] – [...] - cfr. orçamento (Removal Quotation) da Demandada e respectiva tradução a fls. 98 e 99;
F) O custo de tal serviço – incluindo materiais necessários, embalamento, carregamento, mão-de-obra, transporte, guindastes, descarregamento, IVA, seguro, etc. – ascendeu ao montante de €14.080,47;
G) Tal proposta foi aceite pela CE e nessa sequência foram contratados pelo Demandante os serviços da Demandada suprarreferidos, a realizar entre 22.06.2022 e 06.07.2022 – cfr. comunicação da CE ao Demandante e respectiva tradução a fls. 102 a 104;
H) Na data prevista iniciaram-se os serviços de embalamento, acondicionamento e carregamento destinados à expedição dos bens pertencentes ao aqui Demandante;
I) Para os serviços de embalamento, acondicionamento e carregamento dos referidos bens, a aqui Demandada contratou os serviços da empresa belga [ORG-5] NV”, sedeada em [...] – [...] – cfr. CMR a fls. 108;
J) E para o serviço de expedição e transporte da [...] até [...], a Demandada contratou os serviços da empresa portuguesa [ORG-10], Sociedade Unipessoal, Lda.”, sedeada em [...] – [...] – cfr. idem;
K) A operação teve início na morada do aqui Demandante, Leuvensesteenweg, 186, 1932 ST Stevens [...], [...], em 21 de junho de 2022, ficando concluída no dia 24 do mesmo mês, tendo os bens em causa - num total de 597 volumes (itens) - sido distribuídos por três contentores;
L) A partir do dia 24 de junho os bens ficaram à guarda da já referida empresa [ORG-5] NV”, depois de descarregar, com os seus próprios meios e sem qualquer tipo de intervenção do Demandante, todos os itens dos três contentores para armazenamento nas suas instalações em [...], [...], enquanto era aguardada a chegada do meio de transporte (supra identificado) contratado pela Demandada;
M) Após novo carregamento no armazém da empresa [ORG-5], NV” (sem qualquer tipo de intervenção ou supervisão do aqui Demandante), esta empresa articulou a restante parte da operação com a Demandada “[ORG-1]” tendo em vista a expedição e transporte até ao local de destino: [...];
N) Em 07.07.2022, os referidos bens do Demandante - depois de embalados, acondicionados e novamente carregados pela referida empresa belga “[ORG-7] NV” - foram expedidos a partir da [...] e entregues nas instalações da aqui Demandada em 12.07.2022 – cfr. idem;
O) Os bens foram rececionados pelo Demandante e sua esposa no local de armazém da Demandada “[ORG-1]”, em [...], [...], no dia 28 de julho de 2022;
P) Ficou acordado com a Demandada “[ORG-1]” que o essencial dos bens envolvidos nesta operação seria entregue na residência do Demandante em [...] e outra parte dos bens seguiria para [...], segunda residência dos proprietários, o que, efetivamente, veio a acontecer em 23 de agosto de 2022;
Q) Após a finalização dos serviços de mudanças contratados entre Demandada e Demandante, aquela emitiu a correspondente factura, no montante de €14.080,47, datada de 31.08.2022 (com o descritivo dos serviços realizados de “Removal of goods from Belgium to Portugal – goods insurance included”) – cfr. factura a fls. 109, factura essa que o Demandante pagou mediante transferência bancária efectuada em 06.09.2022 – cfr. comprovativo de pagamento a fls. 110;
R) Atendendo ao elevado volume e quantidade de itens incluídos nesta mudança, correspondente a todo o recheio de uma casa familiar acumulado ao longo de mais de 30 anos de vida profissional na [...] - a verificação do estado em que se encontravam os bens após a operação de mudança foi demorada (mas não se apurou que tal delonga sempre teve o conhecimento, acordo, compreensão e aceitação da Demandada);
S) Em dezembro de 2022 e janeiro de 2023, o Demandante comunicou à Demandada, via email, a existência de diversos bens danificados com danos irreparáveis e respectivo valor – cfr. emails a fls. 111 a 113;
T) A Demandada apresentou a relação dos danos à Seguradora por si contratada para segurar os riscos resultantes da sua actividade contratada com o aqui Demandante;
U) Foi com base na listagem e na declaração do sinistro por parte da Demandada “[ORG-1]” que a [ORG-18]” encarregou a empresa de peritagem “Real Peritos” de proceder à respectiva peritagem, o que veio a acontecer no dia 13 de Março de 2023, cujo resultado (datado de 28.04.2023) foi transmitido pela Demandada ao Demandante em 13.07.2023 – cfr. confirmação de peritagem a fls. 121, e emails a fls. 122, 123, 131 e 132;
V) Não obstante as reclamações do Demandante, as reuniões mantidas entre as partes e a comunicação enviada pelo Demandante em 28.07.2023 – cfr. missiva a fls. 133 e respectivo comprovativo de envio e de recepção a fls. 133 a 135 (à qual a Demandada respondeu mediante carta datada de 02.08.2023 – cfr. missiva a fls. 136), a Demandada nada pagou;
W) Convencionou-se, em 26.04.2022, que a Demandada fizesse transportar, por via terrestre, os bens do Demandante e do seu agregado familiar, desde [...] – Bélgica para [...] – Portugal;
X) Os serviços de embalamento, acondicionamento, carregamento e transportes dos aludidos bens foram assegurados na fase inicial pela empresa belga [ORG-5] NV” e na fase final pela empresa portuguesa [ORG-10], Sociedade Unipessoal, Lda.”, sendo que os bens foram descarregados e concluída a sua entrega ao Demandante nas suas duas residências em [...] e [...], na casa da filha do Demandante e na casa do Senhor [PES-2], em 23 de Agosto de 2022;
Y) A mercadoria foi completamente adornada e chegou aos locais indicados sem quaisquer danos nas embalagens (à excepção de uma embalagem que continha garrafas de vinho, a qual caiu e partiu no armazém da Demandada em [...], cujo dano não é aqui peticionado);
Z) No transporte das mercadorias foram colocadas barras de travamento na frente e nas traseiras do camião, tendo a mercadoria sido devidamente acondicionada;
AA) Os bens foram embalados na [...] na presença do Demandante e da sua esposa, pela [ORG-11], sem que nada de anormal tenha sido reportado pelos mesmos à Demandada;
BB) Os bens foram transportados para o armazém da “[ORG-11]”, onde poucos dias depois a “[ORG-1]” os recuperou e os levou para o seu armazém, onde foram descarregados;
CC) O Demandante e a sua esposa tiveram acesso a todas as embalagens com os bens que se encontravam no armazém da Demandada;
DD) O Demandante e a sua esposa receberam os bens e puderam reparar que as embalagens estavam intactas, nada tendo assinalado e reclamado;
EE) Uma parte dos bens foi entregue ao Demandante, após o regresso das suas férias, na sua residência em [...];
FF) Foi efectuada uma peritagem no âmbito da apresentação da reclamação do Demandante participada pela Demandada à sua Companhia de Seguros, que declinou qualquer responsabilidade por se ter concluído que não ficou provado a ocorrência de qualquer dano durante os diversos transportes das mercadorias do Demandante – cfr. comunicação da Seguradora à Demandada a fls. 59;
GG) O CMR não apresenta qualquer reserva, assim como não há registo de qualquer anomalia nos diversos transportes utilizados;
HH) O Demandante só veio reclamar dos danos das mercadorias entre finais de dezembro de 2022 e inícios de janeiro de 2023;
II) A factura emitida pela Demandada refere “Removal of goods from Belgium to Portugal – goods insurance included” (“Remoção de bens da [...] para [...] – seguro de bens incluído);
JJ) E a Removal Quotation (Cotação de Remoção) aceite e subscrita pela aqui Demandada, refere “Este valor é o custo total incluindo materiais, embalagem, desembalagem, transporte, mão-de-obra, guinchos, autorizações de estacionamento, IVA, seguro, etc... O abaixo assinado, representante legal da empresa de mudanças, declara que este orçamento diz respeito apenas à remoção de móveis e objetos pessoais do local de partida até ao local de chegada. O abaixo-assinado está ciente de que quaisquer custos adicionais, tais como custos de armazenamento, limpeza, etc., serão cobrados separadamente ao contratante e não serão suportados pelo PMO Pensões.” (“This amont is the total cost inclusive of materials, packing, unpacking, transport, labour, hoists, parking authorizations, vat, insurance, etc. The undersigned, the legal representative of the removal firm, declares that this estimate only concerns the removal of furniture and personal effects from the place of departure to the place of arrival. The undersigned is aware that any aditional costs, such as costs for storage, cleaning, etc., are to be charged separately to the contracting party and are not borne by the PMO Pensions.”);
KK) As empresas [ORG-11] e [ORG-10]” foram subcontratadas diretamente pela Demandada, sem qualquer intervenção do Demandante, a fim de as mesmas praticarem os actos que, nos termos contratados, competiam à Demandada realizar;
LL) E o mesmo se dirá no que se refere ao Contrato de Seguro celebrado com a [ORG-16]”, o qual foi celebrado diretamente pela Demandada e sem qualquer intervenção do Demandante;
MM) Já no ano de 2019, a Demandada prestou serviços de mudanças ao Demandante - nos mesmos precisos moldes, termos e condições - quando este efetuou a mudança dos seus pertences desde as [...] (local onde então se encontrava a exercer a sua actividade profissional enquanto funcionário da UE) para o seu domicílio.

Motivação da matéria de facto provada:
Nos termos do artigo 396º do Código Civil e do artigo 607º, n.º 5, do Código de Processo Civil, o Tribunal formou a sua prudente convicção, apreciando livremente, e à luz das regras da experiência comum, o conjunto da prova produzida nos autos, com referência às declarações de parte do Demandante e do representante legal da Demandada, bem como ao depoimento de parte deste, à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, recorrendo ainda ao exame dos documentos juntos aos autos e à consideração de factos instrumentais que resultaram da instrução e discussão da causa (art.º 5º, n.º 2, alínea a), do CPC).
- Declarou o Demandante que foi funcionário da [ORG-17], em [...], de 01.06.1994 a 31.03.2021; vivia com o seu agregado familiar (mulher e três filhos) numa casa de amplas dimensões; com a cessação do vínculo à CE tem direito a transporte de mudanças; é livre de escolher a empresa que quer, apresenta orçamento e a partir do momento que tem autorização contrata a empresa; já havia contratado a Demandada anteriormente quando esteve destacado como diplomata nas [...]; o recheio a transferir tinha cerca de 100 m3 de volume, ocupando dois contentores e meio; os serviços de mudanças incluíam uma equipa que vai a casa e embala todos os bens, peça por peça; antes disso é feita uma avaliação da volumetria, da quantidade e especificidade dos bens, e apresentado um orçamento; a casa tinha quatro andares, levaram um elevador plataforma exterior para levar os bens até ao nível do camião; foram descarregar os bens a 50 Km de distância, em [...], num armazém da empresa, à espera que o camião da Demandada os fosse buscar; não houve qualquer intervenção por parte do Demandante; quando o camião chegou a [...], às instalações da Demandada, foi lá vê-lo a chegar e a descarregar algumas coisas; não analisou caixote por caixote, era impossível, são muitos; não constatou qualquer anomalia no embalamento; os caixotes ficaram nesse armazém em [...] até combinarem a data para serem entregues em casa do Demandante em camiões mais pequenos; houve um caixote que caiu e desfez-se, o qual continha garrafas de vinho, cujo dano não é aqui peticionado; a factura foi emitida posteriormente, o reembolso só é feito pela CE depois da confirmação pelo Demandante que os bens foram entregues, a CE reembolsa mediante apresentação do recibo; o orçamento era de 07.05.2022, a mudança fez-se entre os dias 21 e 24 de Junho, tratando-se de 597 volumes/98,53 m3/três contentores; algures em Agosto os bens chegaram; conferiu os volumes, pediu o reembolso à CE e foi pago; não foi definido qualquer prazo entre as partes para conferir as mercadorias; o Senhor [PES-3], colaborador da Demandada, que era o seu contacto, dizia que face ao volume das coisas compreendia que a conferência fosse mais demorada, até que, no final de 2022 disse que estava na hora de ver como estava a mercadoria; foi então que, no dia 05.01.2023, apresentou à Demandada a lista dos bens danificados; a Demandada recebeu esta lista e nunca indicou qualquer obstáculo relacionado com o decurso do prazo, nunca disse que a reclamação era extemporânea, nunca houve qualquer tipo de reação; em Março de 2023, o Demandante foi visitado por um perito da Seguradora [ORG-19]”, o qual recomendou que apresentasse alguns dados para justificar o preço que tinha apontado; em Abril de 2023, a Seguradora contactou a Demandada por carta a dizer que tinham sido ultrapassados os prazos; o Senhor [PES-3] disse que essa carta andou perdida quase dois meses na empresa, por isso é que só dois meses depois é que deram conhecimento daquela posição da Seguradora ao Demandante; a Seguradora declinou a responsabilidade não só por causa dos prazos; não é segurado da “[ORG-19]”; o seguro que consta do orçamento é obrigatório para que a CE aceitasse o orçamento como válido; foi enviada uma primeira relação de bens à Seguradora, depois houve uma reformulação do valor pelo Demandante, após ter efetuado algumas pesquisas e recorrido a reparadores, reduziu o valor dos danos para cerca de €1.600,00, os bens são os mesmos mas por boa-fé procedeu à redução dos valores; detetou, posteriormente, a existência de outros bens danificados; os que aqui discrimina reportam-se ao mínimo que conseguiu listar dentro do tempo que estabeleceu com a Demandada; reparou alguns bens que pagou (escrivaninha, caixa de madeira); o que contratou com a Demandada é inquestionável, até pelo título do orçamento baseado num formulário da CE, que se trata de um orçamento para mudanças de bens pessoais; inicialmente falou com o Senhor [PES-2] que era sócio da Demandada (já não é) e depois passou a falar com o Senhor [PES-3] que era o diretor das operações; o contrato em questão incluiu mobilização de equipa a casa do Demandante, fazer o embalamento, desmontar o que é de desmontar, colocar nos caixotes, empilhar,…; não conhece as outras empresas que tiveram intervenção na mudança nem a Seguradora; houve vários serviços prestados mas tudo foi contratado pela Demandada (“[ORG-23]”); os bens foram entregues em Agosto de 2023 na moradia do Demandante na [...]; a Demandada acordou entregar alguns bens ainda embalados na casa do Demandante em [...], sem alteração do preço; a factura fala em 40 m3 mas foram cerca de 98 m3 pois, estatutariamente, a CE dá-lhe direito a fazer uma mudança de 40 m3 mas a Demandada aceitou ir até 100 m3.
- [PES-4], gerente da Demandada, declarou que é sócio desta desde 2011, tendo a empresa sido construída pelo próprio e pelo antigo sócio [PES-2]; têm cerca de quarenta funcionários; já tinham prestado anteriormente um serviço ao Demandante e a um amigo deste; assistiu à descarga dos bens; combinou com o Demandante ficar a mercadoria gratuitamente no armazém da Demandada enquanto aquele ia de férias para a [...]; nunca diz ao cliente que tem x dias para verificar a mercadoria; há regras nos transitários; as embalagens estavam todas intactas; a dimensão dos volumes depende do que estiver dentro; regra geral as caixas são em madeira, têm plástico bolha, é impossível ver o interior; não teve intervenção no contrato inicial com o Demandante; é conhecedor da intervenção de outras empresas e dos orçamentos; o que foi contratado foi trazer as mercadorias de [...] para a [...]; a “[ORG-11]” faz a embalagem das mercadorias de todos os membros da CE, nunca houve problemas; o camião internacional também foi contratado pela Demandada, é um transportador que trabalha exclusivamente para esta; a Demandada é um transitário, não é um transportador; foi a Demandada que contratou a Seguradora; dão por concluído o serviço depois das mercadorias entregues e denunciados os danos dentro dos prazos; há prazos que são de lei; das condições gerais da CMR resulta que o cliente tem sete dias para reclamar dos bens; sete dias após a última entrega acabou a responsabilidade da Demandada; não houve qualquer acordo para estar por tempo indeterminado à espera que o Demandante conferisse a mercadoria; a mercadoria foi entregue em Julho e o Demandante comunicou os danos em Dezembro/Janeiro; entregaram a mercadoria em quatro sítios distintos: na casa de [...], na casa da [...], na casa da filha do Demandante e na casa do Senhor [PES-2], ex-sócio da Demandada; o Demandante é que indicava quais eram as caixas que iam para um lado ou para o outro; não sabe para que casa foram os bens reclamados; o serviço da Demandada enquanto transitário consistiu numa primeira fase em organizar toda a logística, pedir à empresa de mudanças para avaliar e apresentar orçamento; feita a mudança, são carregados os camiões subcontratados para descarregarem no armazém da Demandada; grande parte da mercadoria ficou para cima de um mês neste armazém em [...]; por fim, entregaram a mercadoria nos locais indicados pelo Demandante quando este assim o quis; quando recebeu o email do Demandante a reclamar dos objetos, disse-lhe que os prazos tinham sido largamente ultrapassados mas como tinham grande peso na Seguradora pois têm muitos seguros, ia tentar que a Seguradora assumisse; a convenção CMR prevê dois tipos de reservas (anomalias): reservas não aparentes (quando se abre a embalagem que está intacta verifica-se que está danificada ou falta mercadoria); reservas aparentes (quando se vê a olho nu que a embalagem está danificada); as mercadorias vêm sobrepostas no camião, as mais pesadas por baixo, as mais leves por cima, ocupam-se todos os espaços vazios tipo puzzle para não baloiçar; não houve qualquer anomalia transmitida pelos intervenientes; não sabe se o Demandante foi comunicando os alegados danos conforme foi abrindo as caixas ou se foi apenas no fim.
- [PES-5], ex-sócio da Demandada (foi manifesto que se encontra incompatibilizado com o gerente da mesma), declarou que tem conhecimento do contrato, na altura era dono da empresa, era o sócio maioritário da Demandada; fez dois transportes para o Demandante e um para um amigo deste da CE; faziam transporte de materiais especiais, tinham experiência; passou depois as operações para o Senhor [PES-3]; trata-se de um contrato de mudanças, inclui o serviço porta a porta; englobava transporte nacional na [Pais-1] com embalamento, transporte internacional e transporte em [Pais-2] para casa do cliente; inclui seguro que cobre todo os movimentos; têm subcontratados, contrataram a “[ORG-11]”, empresa belga especialista em mudanças, que prestou serviços à Demandada; sabe que eram muitos os bens a transportar, não sabe que bens foram danificados nem se foi dada liberdade ao Demandante para conferir os bens no tempo que entendesse; fazem sempre um contrato de seguro especial para o efeito; saiu da empresa em 30.11.2022, após essa data nada mais sabe; é amigo do Demandante; a Demandada é uma empresa de trânsitos, tem um leque imenso de serviços, faz transportes aéreos e não tem aviões, transportes marítimos e não tem barcos, é responsável pelo transporte; não tem conhecimento que algum dos intervenientes tenha anotado alguma reserva/anomalia; nenhum dos bens foi descarregado em casa da testemunha, tem é uma garagem em casa, que cede ao Demandante, que tem a respectiva chave, e faz uso conforme lhe apetece, não faz ideia se ali foram colocados alguns dos bens transportados.
- [PES-6], diretor de operações na Demandada, declarou que tem funções de direcção, supervisão, controlo de operações e comercial na empresa; acompanhou o assunto em apreço, que lhe foi feito chegar pelo Senhor [PES-2], do início ao fim; já haviam prestado outro serviço ao Demandante; foi estabelecido um orçamento para proceder à mudança de bens pessoais deste da [...] para diversos sítios em [...]; atuavam como transitários no transporte; contrataram uma empresa bastante conceituada no mercado, a [ORG-11]; quando os bens chegaram a [...], o exterior das embalagens estava impecável; não foram reclamados danos pelo Demandante até ao fim do serviço – entrega dos bens nos diversos locais; em finais de Dezembro de 2022/inícios de Janeiro de 2023, o Demandante ligou-lhe a dizer que tinha detetado danos, disseram-lhe que fizesse um relatório exaustivo com fotos que iam tentar junto da Seguradora; foi o Demandante que exigiu um seguro, disse que era obrigatório; foi a Demandada que contratou o seguro; foi o Demandante que fez o relatório para apresentar à Seguradora; não houve qualquer acordo para prorrogação do prazo para verificação da mercadoria; a Demandada é uma empresa de transitários há mais de 40 anos; quem preenche o CMR são as transportadoras; entregaram os bens em casa do Demandante em [...], na sua casa em [...], na casa da sua filha e na casa do Senhor [PES-2]; não sabe quem recebeu as mercadorias nesses locais; foi o Demandante que deu instruções para serem entregues nesses quatro locais; o Demandante telefonou-lhe dois ou três dias antes do email de 05.01.2023; não lhes foi reportada qualquer anomalia pelos vários intervenientes; normalmente quando há danos no interior, a embalagem apresenta sempre algum tipo de dano; as embalagens que viu eram em cartão, viu cerca de cinquenta embalagens que estavam bem.
- [PES-7], funcionário da Demandada onde é responsável por operações de carga e descarga, declarou que procedeu à descarga da mercadoria em causa com um colega no armazém da Demandada em [...]; tinha embalagens de cartão e de madeira, havia um piano; as embalagens estavam intactas, não abriu nenhuma; o transporte para casa do Demandante foi feito em carrinha da Demandada; o Demandante a a sua mulher foram ao armazém ver o que queriam primeiro; levaram pouca coisa para casa da filha do Demandante; transportou mercadoria para a [...], para a casa da filha do Demandante e para casa do Senhor [PES-2]; não sabe como foi feito o transporte para [...]; quando entregou mercadoria na casa do Senhor [PES-2], estava o Demandante e mulher, não se lembra se o Sr. Luís estava; na casa da filha do Demandante pensa que só estava este; as caixas não passaram todas pela mão da testemunha, vinha tudo bem estivado.

Não foi provado que:
I. Passadas algumas semanas, ou meses, com a abertura das inúmeras embalagens, foi possível constatar que, entre os diversos itens, alguns tinham sofrido danos importantes (durante a execução do contrato pela Demandada);
II. Os bens danificados na sequência do contrato de transporte a cargo da Demandada e respectivos danos foram os seguintes: escrivaninha estilo “vintage” (paredes e gavetas danificadas), um candeeiro de secretária (abajur de vidro partido), serviço de jantar inglês para 12 pessoas (10 pratos partidos), um guarda jóias madeira exótica (partido), um candeeiro de mesa (conjunto de dois) partido; seis molduras com protecção de vidro (vidros partidos), bomba de jardim ferro fundido (partida) e pratos de decoração (partidos);
III. A Demandada aceitou as reclamações de danos apresentados pelo Demandante;
IV. A verificação do estado em que se encontravam os bens após a operação de mudança foi necessariamente demorada, circunstâncias essas que sempre foram do conhecimento, acordo, compreensão e aceitação por parte da Demandada, que concedeu ao Demandante a possibilidade de verificar o estado dos bens em período de tempo bem mais alargado após a sua entrega.

Motivação da matéria de facto não provada:
Por ausência de mobilização probatória credível que atestasse a veracidade dos factos.
Refira-se que relativamente aos factos sob I. e II, o Demandante limitou-se a juntar fotos de objetos danificados, não arrolando sequer qualquer testemunha que tivesse presenciado a abertura das embalagens e confirmado o local onde a mesma tenha sido realizada, tendo em conta que as mesmas não apresentavam qualquer dano exterior aparente.

IV - O DIREITO
Da prescrição
Foi celebrado entre as partes um contrato misto de prestação de serviços de embalamento, acondicionamento, carregamento, transporte internacional e descarregamento de bens móveis, desde a [Pais-1] para [Pais-2], incluindo mão-de-obra, materiais e equipamentos necessários para o efeito, contrato esse ao qual não se aplica a chamada Convenção Internacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias (CMR), dado o disposto na al. c) do nº 4 do art.º 1º dessa CMR, que exclui do seu âmbito de aplicação os transportes de mobiliário por mudança de domicílio.
Ora, sendo inaplicável aquela Convenção ao caso vertente, é óbvio que não se verifica a prescrição invocada, pois não decorreu, longe disso, o prazo previsto no art.º 309º do Código Civil.
Por outro lado, entendemos também não ser aplicável o regime definido para a actividade transitária previsto no D.L. n.º 255/1999, porquanto a Demandada não atuou como empresa transitária.
É que, no contrato de trânsito, o transitário assume a obrigação de celebrar um contrato de transporte – é o intermediário entre o expedidor e transportador.
O transitário tem assim fundamentalmente a seu cargo uma obrigação de meios. É um um mero prestador de serviços, tendo por base um contrato de mandato, que define a arquitectura dos transportes necessários à operação de colocação dos bens no destinatário (sem ser livre na sua organização), executando os actos e diligências que se imponham, com vista à satisfação do interesse dos seus clientes.
Será em função do que as partes concretamente acordaram que se tem de distinguir se o transitário ou a empresa transitária assumiu ou não a obrigação de transporte de mercadorias entregues pelo seu cliente ou simplesmente se quedou a promover o transporte, celebrando em seu nome o contrato respectivo.
No caso, a Demandada obrigou-se para com o Demandante a efectuar os serviços de mudança de todo o recheio da casa deste e do seu agregado familiar em [...] para [...], o chamado serviço “porta a porta”, tendo sido a Demandada quem definiu os passos a seguir nessa mudança e quem contratou, com plena autonomia, por sua exclusiva iniciativa, conta e risco, sem qualquer interferência do Demandante, as empresas a intervir em cada uma das fases, até ao destino final.
Note-se que a circunstância de a Demandada ser uma empresa que tem por objecto o exercício da actividade de transitária, só por si, não a impede, nas relações jurídicas que estabeleça em concreto com os seus clientes, de vir a assumir as obrigações próprias do transportador, nos termos supra considerados. A assunção de obrigações típicas do contrato de transporte não é proibida às empresas que exercem a actividade comercial do transitário.
Improcede assim, a alegada excepção.

Da responsabilidade pela danificação dos bens transportados
O contrato de transporte, definido pela doutrina e jurisprudência, constitui um contrato pelo qual uma das partes, o transportador, se obriga perante outrem a deslocar pessoas ou coisas de um local para o outro mediante retribuição.
Por norma, o contrato de transporte apresenta estrutura triangular, constituindo o carregador, o transportador e o destinatário, todos diferentemente interessados no contrato, os vértices desse triângulo. Fica, todavia, postergada essa trialidade, se a pessoa do carregador coincidir no destinatário. É isso precisamente o que acontece, neste caso, pois o Demandante é simultaneamente carregador, na medida em que foi ele que encarregou a Demandada, a transportadora, de efectuar a deslocação dos seus pertences, e destinatário, já que estes provindos da [...] deviam ser-lhe entregues, em [...].
Em tais casos, tudo funciona entre os dois intervenientes principais: o carregador e o transportador. Este cumpre o que lhe impõe o contrato de transporte quando entrega as coisas transportadas ao destinatário, ou seja quando as faz chegar ao seu destino, depois de as deslocar de um local para outro, sendo certo que o transportador pode utilizar outros intervenientes para cumprir essa obrigação de transporte, quer sejam seus empregados, quer sejam outras empresas contratadas com esse mesmo fim. Só que pelo contrato ele não se obriga apenas a fazer chegar as coisas ao seu destino, pois tem também o dever de custódia das mesmas, no sentido de que tem que fazê-las chegar intactas ou incólumes. É uma obrigação de resultado.
Por isso, há incumprimento contratual da sua parte não só em caso de perda total ou parcial das coisas, que não chegam ao destino acordado, mas igualmente no caso de avaria das coisas.
Por outro lado, a recepção das coisas a transportar constitui o primeiro acto de execução do contrato de transporte, para o qual concorre igualmente o carregador ao entregar as coisas a deslocar.
O transportador deve receber as coisas se estas estiverem de acordo com o estabelecido e se não estiverem conformes, deve formular as respectivas reservas, sob pena de ser responsabilizado pelos defeitos que aquelas vierem a apresentar.
Retornando ao caso em apreço e ponderando que a Demandada, a transportadora, recebeu os bens sem quaisquer reservas, é de presumir que os mesmos não apresentavam vícios aparentes no momento da expedição.
Aliás, foi a empresa belga [ORG-11], contratada pela Demandada, que procedeu ao embalamento, acondicionamento, carregamento dos bens na casa do Demandante, na [...], e ao transporte dos mesmos para o seu armazém naquele país, local onde, alguns dias depois, uma transportadora (“[ORG-10]…”), também contratada pela Demandada, procedeu à deslocação dos bens para [...], mais precisamente para o armazém da Demandada sito em [...], [...], a partir do qual, já em veículos da própria, os mesmos foram distribuídos e entregues em quatro locais diferentes segundo indicações do Demandante.
Acontece que,
não se apurou que os danos nos bens documentados nas fotografias juntas tenham ocorrido durante a execução do serviço “porta a porta”, que englobava os serviços descritos e transporte dos bens, contratado com a Demandada.
Desde logo,
as embalagens encontravam-se aparentemente intactas,
a carga bem estivada,
não foi anotada qualquer reserva nem registada qualquer anomalia nos diversos transportes utilizados,
e, mais que tudo,
o Demandante não provou que tais danos tivessem sido verificados aquando da abertura das embalagens transportadas (não arrolou qualquer testemunha que o comprovasse),
desconhecemos até onde se encontravam as embalagens com os bens alegadamente danificados,
se nas casas do Demandante (em [...] e em [...]),
se num outro lugar qualquer para onde possam ter sido deslocadas.
Refira-se que,
apenas 4/5 meses (!!!) depois de concluído o serviço pela Demandada,
o que aconteceu em 23.08.2022,
é que o Demandante lhe comunicou a existência de objetos danificados.
Está bem que se tratava de um vasto espólio,
difícil de verificar de um dia para o outro,
e até nos sete dias preconizados na CMR que, como viemos de dizer, não é aqui aplicável,
mas quase cinco meses!?
nesses cinco meses fora do âmbito do controlo da Demandada muita coisa pode ter acontecido…,
não se afigurando razoável tamanha delonga para conferência das mercadorias,
sendo certo que não se apurou que a Demandada tenha aceite esta delonga.
Sem prova não há verdade que resista.
Assim, pairando a dúvida, o non liquet vai contra a parte a quem incumbe o ónus da prova do facto, in casu, o Demandante.

V – DISPOSITIVO
Face a quanto antecede, julgo improcedente a presente acção, e, por consequência, absolvo do pedido a Demandada [ORG-1], Lda.”.

Custas pelo Demandante, o qual deverá pagar a quantia de €70,00 (setenta euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente Sentença, sob pena de incorrer numa penalização de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder a quantia de €140,00 (cento e quarenta euros) nos termos do n.º 4 do art. 3º da Portaria 342/2019, de 01 de Outubro.

Registe e notifique.

Vila Nova de Gaia, 21 de junho de 2024
A Juiz de Paz

(Paula Portugal)