Sentença de Julgado de Paz
Processo: 392/2023-JPVNG
Relator: PAULA PORTUGAL
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data da sentença: 06/20/2024
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE GAIA
Decisão Texto Integral:
Proc. 392/2023-JPVNG

Sentença

I – Identificação das Partes
Demandante: [PES-1], residente na [...], n.º 50, [Cód. Postal-1] [...].
Demandada: [ORG-1], S.A.”, com sede na [...], n.º 242, [Cód. Postal-2] [...].

II – Objecto do Litígio
O Demandante intentou contra a Demandada a presente acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, enquadrável na alínea h) do no n.º 1 do art.º 9º da Lei 78/2001 de 13 de Julho, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31.07, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €1.777,84 (mil setecentos e setenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento, sendo €1.237,84 pela reparação do veículo e €450,00 por danos não patrimoniais, relegando para execução de sentença uma eventual diferença entre o valor ora peticionado como necessário para reparar o veículo com a matrícula [ - - 1] e o da sua efetiva reparação.

Alegou, para tanto, que, no dia 26 de Outubro de 2022, pelas 07:30 horas, ocorreu um acidente de viação na autoestrada A20, em [...], em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de marca [Marca-1] C2, com a matrícula [ - - 1], e o veículo ligeiro de passageiros, de marca [Marca-2] Megane, com a matrícula [ - - 2]; o primeiro veículo, propriedade do Demandante, era conduzido, no momento do acidente, pela sua filha [PES-2], a quem o tinha emprestado, e o segundo veículo, propriedade da empresa [ORG-2], Lda.”, era conduzido pelo seu funcionário [PES-3], por conta, no interesse e sob as ordens da sua proprietária; o referido acidente traduziu-se no embate entre as viaturas indicadas, nas seguintes circunstâncias: o HP circulava na autoestrada A20, no sentido [...]/[...]; no local do acidente, a faixa de rodagem é composta por duas hemifaixas de rodagem, em cada sentido de marcha, encontrando-se os sentidos de marcha devidamente divididos por separador; a condutora do HP seguia de forma atenta e cuidada, com a diligência e perícia médias exigíveis a qualquer condutor, cumprindo as mais elementares regras estradais, a cerca de 100km/h, pela hemi-faixa de rodagem da esquerda, em ultrapassagem a outros veículos mais lentos que circulavam na hemifaixa da direita, nomeadamente um veículo pesado de mercadorias, sendo certo que o trânsito se fazia com alguma intensidade em ambas as hemifaixas de rodagem; quando a condutora do HP assim circulava, na autoestrada A20 após o nó de saída/entrada para a EN222 – [...]/[...], depois do km5, e se aproximava, pela hemifaixa de rodagem da esquerda, da traseira do veículo ligeiro que circulava imediatamente atrás do veículo pesado de mercadorias, que circulavam pela hemifaixa de rodagem da direita, a menos de 5,00 metros daquele, a condutora do HP é surpreendida pelo veículo ligeiro a vir para cima de si, o qual, de forma súbita e inesperada, ingressa na hemifaixa de rodagem da esquerda, por onde circulava o HP, manobra que efetuou sem assinalar a sua intenção de iniciar a ultrapassagem do veículo pesado de mercadorias que seguia à sua frente, e sem tomar as cautelas necessárias de modo a evitar pôr em perigo os demais utentes da via, nomeadamente, não tendo em atenção os demais veículos que circulavam naquela via, como era o caso do HP; pelo que, o referido veículo ligeiro invade a hemifaixa de rodagem por onde circulava o HP, obstruindo a linha de trânsito deste; dada a forma brusca e repentina como o referido veículo ligeiro se coloca à frente do HP, a condutora do HP travou a fundo, de forma a evitar o embate entre os veículos; atenta a sua rápida reação e atenção ao trânsito, a condutora do HP consegue evitar o embate no veículo ligeiro que lhe cortou a sua linha de trânsito; no entanto, acto imediato, o HP é embatido/raspado na sua lateral esquerda, desde a traseira até à frente, pelo ZC, o qual circulava na autoestrada A20, pela hemifaixa de rodagem da esquerda, atrás do HP; no entanto, não mantinha a distância de segurança suficiente para o veículo que circulava à sua frente, o HP, motivo pelo qual, quando o HP trava a fundo, o condutor do ZC de forma a tentar evitar o embate na traseira do HP, desvia-se para a esquerda e, tentando aproveitar as reduzidas dimensões do HP, um Citroen C2, e a berma junto ao separador central, tenta passar entre a lateral esquerda do HP e o separador central; no entanto, uma vez que não havia espaço suficiente para o ZC passar, este embate/raspa com a sua lateral direita na lateral esquerda, desde o para-choques traseiro e até ao para-choques frontal, do HP, arrancando inclusive o espelho retrovisor esquerdo, e embate com a sua lateral esquerda no separador central; do exposto resulta que o acidente ficou, única e exclusivamente, a dever-se a culpa do condutor do veículo com a matrícula [ - - 2], culpa essa que o próprio de imediato assumiu, motivo pelo qual não foram chamadas as autoridades ao local; o condutor do ZC agiu de forma descuidada, desatenta e negligente, com imperícia, falta de cuidado e atenção; com a sua conduta, o condutor do ZC violou o disposto nos n.º 2 do art.º 3º, n.º 2 do art.º 11º, n.º 1 do art.º 17º, n.º 1 do art.º 18º, n.º 1 do art.º 24º e alínea m) do n.º 1 do art.º 25º do Código da Estrada, o que deu causa direta, necessária e imediata ao sinistro dos autos; aliás, a culpa do condutor do ZC presume-se nos termos do n.º 3 do art.º 503º do CC, pois conduzia aquele veículo por conta e no interesse da sua proprietária; circulava naquele local e àquela hora seguindo ordens e instruções da proprietária do veículo e por incumbência desta, existindo entre ambos uma relação comitente – comissário; sendo certo que, a proprietária do veículo sempre tem interesse na condução efectuada pelo condutor do ZC, quanto mais não seja, um interesse de guarda e conservação do veículo; e, pelo contrário, nenhuma culpa será de assacar à condutora do veículo com a matrícula [ - - 1] na ocorrência do acidente, pois “se é de exigir aos condutores que cumpram estritamente as disposições legais reguladoras do trânsito, já não se lhes poderá exigir que devam prever que os outros condutores infrinjam essas mesmas disposições legais”; do acidente atrás exposto resultaram danos para o Demandante; desde logo, o HP sofreu danos na sua lateral esquerda, tendo sido apurado pela Demandada que para a reparação do HP são necessárias as peças e a mão-de-obra descritas no relatório de peritagem, com o que o Demandante irá despender a quantia de €1.327,84, que reclama da Demandada, reparação essa que ainda não foi efectuada por indisponibilidade económica do Demandante, pelo que, requer que seja relegado para execução de sentença uma eventual diferença entre o valor ora peticionado como necessário para reparar o veículo com a matrícula [ - - 1] e o da sua efetiva reparação; acresce que, em consequência do sinistro, o HP ficou impedido de circular, uma vez que ficou sem espelho retrovisor esquerdo, sendo que, após a realização da peritagem, em 31.10.2022, o Demandante solicitou à oficina reparadora que substituísse o espelho retrovisor esquerdo, de forma a que o veículo pudesse voltar a circular; desta forma, o Demandante esteve privado do seu veículo entre os dias 26.10.2022 e 31.10.2022, o que lhe causou prejuízos; por outro lado, para que o HP seja reparado serão necessários três dias, período durante o qual o Demandante ficará privado do seu veículo, o que lhe causará prejuízos, uma vez que o HP é utilizado, diariamente, pelo Demandante para deslocações de casa para o trabalho, bem como para deslocações inerentes ao seu dia a dia, como sejam idas ao supermercado, médicos e farmácias, para além de visitas a amigos e familiares e demais momentos de lazer; pelo que, tem o Demandante direito a ser indemnizado pelos benefícios que deixou e deixará de obter em virtude da privação do seu veículo, que avalia numa quantia nunca inferior a €50,00 por dia, num total de €450,00, sem prejuízo do recurso à equidade por parte do Tribunal, quantia manifestamente inferior à necessária para alugar um veículo de características semelhantes ao do Demandante, pelo período de privação do mesmo; a proprietária do veículo com a matrícula [ - - 2] havia transferido a responsabilidade civil extracontratual por danos causados pelo seu veículo a terceiros para a Demandada, mediante contrato de seguro válido e eficaz à data do sinistro, titulado pela Apólice n.º[identificador 1].
Juntou documentos.

Regularmente citada, a Demandada apresentou Contestação, onde alega que, ao contrário do que é alegado pelo Demandante, o sinistro não se deveu ao condutor do [- - 2]; o sinistro ocorreu no dia 26.10.2022, pelas 07:30, na autoestrada A20, em [...]; na altura, ambos os veículos circulavam na referida autoestrada no sentido [...]; atento as vias de trânsito existentes no local, o [- - 2] circulava na via da esquerda enquanto o [- - 1] circulava na via da direita; acontece que, a dado momento, o [- - 1], ao contrário do que é alegado pelo Demandante, entrou repentinamente na via onde o [- - 2] se encontrava; executou esta manobra sem tomar as devidas precauções, e o condutor do [- - 2], confrontado por esta conduta do [- - 1, nada conseguiu fazer para evitar o embate; o [- - 2] acabou por sofrer um embate na sua lateral e, subsequentemente, foi empurrado para o separador central existente na faixa de rodagem, ali também colidindo; diversamente ao que é alegado pelo Demandante, aquando do sinistro, o [- - 1] não se encontrava já na via onde o [- - 2] circulava; no mesmo sentido, o [- - 2] também não procurou circular na berma existente entre o separador central da faixa de rodagem e a via da esquerda em que se encontrava como modo de evitar o acidente; a versão dos factos apresentada pelo Demandante não se coaduna com as características da via e, bem assim, com os danos apresentados por ambos os veículos; com efeito, caso o HP estivesse efetivamente na via da esquerda, o que não se concede, não existiria abertura suficiente entre o HP e o separador central da faixa de rodagem por onde o [- - 2] pudesse passar; se o [- - 2] tivesse procurado desviar-se do [- - 1] pela berma, acabaria inevitavelmente por embater na parte esquerda da traseira do HP, sem mais conseguir avançar por falta de espaço; contudo, os danos presentes no HP – maioritariamente na lateral – comprovam que não foi isto que aconteceu; pelo contrário, os danos presentes nos veículos demonstram que o embate se deveu a uma mudança de via por parte do HP, realizada de modo repentino e imponderado pela respectiva condutora; ainda que assim não se entenda, não pode a ora Demandada concordar igualmente com o peticionado a título de privação do uso do HP; conforme decorre do relatório de peritagem, o HP, após o sinistro e aquando da realização da peritagem, não estava impossibilitado de circular; e, de facto, mesmo que tivesse ficado impossibilitado de circular, o Demandante bem sabe que está a exigir um montante manifestamente excessivo atento as características do sinistro, o tipo de veículo em causa e ainda o número de dias de privação do uso do mesmo.
Juntou documentos.

Realizou-se a Audiência de Julgamento com obediência às formalidades legais como da Acta se infere.
Fixo o valor da acção em €1.777,84 (mil setecentos e setenta e sete euros e oitenta e quatro cêntimos).
Cumpre apreciar e decidir.

III – Fundamentação
Discutida a causa, ficaram provados os seguintes factos:
A) No dia 26 de Outubro de 2022, pelas 07:30 horas, ocorreu um acidente de viação na autoestrada A20, em [...], em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de marca [Marca-1] C2, com a matrícula [ - - 1], e o veículo ligeiro de passageiros, de marca [Marca-2] Megane, com a matrícula [ - - 2] – cfr. Declaração Amigável de Acidente Automóvel a fls. 14;
B) O primeiro veículo, propriedade do Demandante – cfr. Certificado de Matrícula a fls. 16 e 17, era conduzido, no momento do acidente, pela sua filha [PES-2], a quem o tinha emprestado, e o segundo veículo, propriedade da empresa “[ORG-3], Lda.”, era conduzido pelo seu funcionário [PES-3], por conta, no interesse e sob as ordens da sua proprietária – admitido por acordo;
C) O referido acidente traduziu-se no embate entre as viaturas indicadas, nas seguintes circunstâncias: o [- - 1] circulava na autoestrada A20, no sentido [...]/[...];
D) No local do acidente, a faixa de rodagem é composta por duas hemifaixas de rodagem em cada sentido de marcha, encontrando-se os sentidos de marcha devidamente divididos por separador;
E) A condutora do [- - 1] seguia pela hemifaixa de rodagem da esquerda, em ultrapassagem a outros veículos mais lentos que circulavam na hemifaixa da direita, nomeadamente um veículo pesado de mercadorias;
F) O trânsito fazia-se com alguma intensidade em ambas as hemifaixas de rodagem;
G) Quando a condutora do HP assim circulava, na autoestrada A20 após o nó de saída/entrada para a EN222 – [...]/[...], depois do km5, e se aproximava, pela hemifaixa de rodagem da esquerda, da traseira do veículo ligeiro que circulava imediatamente atrás do veículo pesado de mercadorias, que circulavam pela hemifaixa de rodagem da direita, a condutora do HP é surpreendida pelo veículo ligeiro a vir para cima de si, o qual, de forma súbita e inesperada, ingressa na hemifaixa de rodagem da esquerda, por onde circulava o [- - 1];
H) O referido veículo ligeiro invade a hemifaixa de rodagem por onde circulava o [- - 1], obstruindo a linha de trânsito deste;
I) A condutora do HP travou a fundo, de forma a evitar o embate entre os veículos, conseguindo evitar o embate no veículo ligeiro que lhe cortou a sua linha de trânsito;
J) Acto imediato, o [- - 1] é embatido/raspado na sua lateral esquerda, desde a traseira até à frente, pelo [- - 2], o qual circulava na autoestrada A20, pela hemifaixa de rodagem da esquerda, atrás do [- - 1];
K) Quando o HP trava a fundo, o condutor do [- - 2] de forma a tentar evitar o embate na traseira do HP, desvia-se para a esquerda;
L) O veículo HP embate/raspa com a sua lateral direita na lateral esquerda, desde o para choques traseiro e até ao para-choques frontal, do HP, arrancando inclusive o espelho retrovisor esquerdo, e embate com a sua lateral esquerda no separador central;
M) Do acidente exposto resultaram danos para o Demandante;
N) O [- - 2] sofreu danos na sua lateral esquerda, tendo sido apurado pela Demandada que para a reparação do HP são necessárias as peças e a mão-de-obra descritas no relatório de peritagem, com o que o Demandante irá despender a quantia de €1.327,84 (Iva incluído) – cfr. fotos a fls. 18 e 19, e Relatório de Peritagem a fls. 20 a 22;
O) A reparação do HP ainda não foi efectuada;
P) Em consequência do sinistro, o [- - 1] ficou impedido de circular com segurança, uma vez que ficou sem espelho retrovisor esquerdo;
Q) Para que o HP seja reparado serão necessários três dias, período durante o qual o Demandante ficará privado do seu veículo;
R) O veículo HP é utilizado, diariamente, pelo Demandante para deslocações de casa para o trabalho, bem como para deslocações inerentes ao seu dia a dia, como sejam idas ao supermercado, médicos e farmácias, para além de visitas a amigos e familiares e demais momentos de lazer;
S) A proprietária do veículo com a matrícula [- - 2] havia transferido a responsabilidade civil extracontratual por danos causados pelo seu veículo a terceiros para a Demandada, mediante contrato de seguro válido e eficaz à data do sinistro, titulado pela Apólice n.º 000512864 – cfr. Condições Particulares da Apólice a fls. 43 a 45.

Motivação da matéria de facto provada:
Para além dos supra referidos documentos, considerou-se, quanto à dinâmica do acidente, o depoimento da condutora do veículo HP, que se mostrou claro, objectivo e coerente com as declarações de parte do Demandante, o qual, não obstante não ter presenciado o acidente, acompanhou o que se lhe seguiu de imediato, tudo conjugado com a localização dos danos nas viaturas, com a configuração da via e com o depoimento das testemunhas, como segue:
Declarou o Demandante que emprestou o carro à filha; esta telefonou-lhe naquele dia de manhã, aflita, a dizer que lhe tinham embatido na viatura; foi ter com ela em frente ao [ORG-4], local onde se encontraram com o outro interveniente no acidente; a filha preencheu a Declaração Amigável com rigor; o outro condutor estava baralhado, não tinha percebido o que tinha acontecido; passado um bocado, recebeu um telefonema desse outro interveniente a dizer que tinha falado com o perito de seguros e que afinal o acidente não tinha sido bem assim; a Declaração Amigável de fls. 14 foi assinada por ambos os condutores na presença do declarante; o veículo circulava mas tinha o retrovisor partido; o veículo ainda não foi reparado; os para-choques ficaram soltos; o retrovisor desapareceu; o veículo HP foi para [...]; o veículo ZC enfaixou-se entre o separador central e o veículo HP; o ZC bateu no HP desde o para-choques de trás até à frente.
- [PES-2], médica, filha do Demandante e condutora do veículo HP à data dos factos, declarou que seguia na via da esquerda em manobra de ultrapassagem, já tinha ultrapassado outros veículos previamente; o veículo que ia à sua frente na via da direita, e que seguia atrás de um veículo pesado, passou para a faixa da esquerda; travou para não embater nele e de repente levou um embate do ZC pelo lado esquerdo; o retrovisor desapareceu; estava escuro, era noite, não se apercebeu logo dos danos na lateral, foi tudo muito rápido; o embate foi de trás para a frente; se o ZC não se tivesse desviado para a berma teria embatido por trás; o ZC é bastante maior que o HP; circulava a cerca de 80/100 Km/h; não estava a chover, ainda não tinha mudado a hora, ainda não estava dia claro; o veículo HP ficou na totalidade na via onde estava, se se tivesse desviado para a via da direita havia alguma probabilidade de ter sido atingida na parte direita do veículo; havia grande intensidade de trânsito mas era fluído, não havia resistência à passagem; ficou sem carro algum tempo, ia de autocarro para a [...]; o para-choques ficou solto, recolocaram-no com um parafuso; colocaram o retrovisor para o HP poder circular; o condutor do ZC disse-lhe que não sabia como tinha acontecido o acidente e que gostava de ter acesso às imagens pois a culpa não era de nenhum dos intervenientes mas do veículo que se tinha colocado à frente do HP; preencheram a Declaração Amigável no próprio dia; quem preencheu os danos de cada carro foram os respectivos condutores; o condutor do ZC ficou com um exemplar exatamente igual; não voltou a falar com ele; todos os danos do HP foram provocados pelo acidente em causa.
- [PES-4], empresário, proprietário de uma oficina, declarou que o Demandante é seu cliente; é o orçamentista que atende o perito e faz o enquadramento dos danos; pela sua experiência, o embate foi de trás para a frente, de maneira que o retrovisor partiu; o retrovisor ficou todo desfeito; o HP foi embatido no painel traseiro esquerdo e foi todo raspado até à frente; não viu o outro carro; são necessários três dias para reparar o HP; já colocou o retrovisor para o carro poder circular; o veículo faz muita falta, daí terem colocado o retrovisor; se não o tivessem colocado, não poderia circular e ainda estaria na oficina a pagar parqueamento; não pode precisar se o retrovisor foi colocado logo no dia do acidente, normalmente não o fazem antes da peritagem.
- [PES-5], perita averiguadora na “[ORG-5], empresa que presta serviços à Demandada, declarou que, quando viu o Renault, o mesmo já se encontrava reparado mas teve acesso a fotos; os danos no Citroën eram do lado esquerdo, os do Renault eram na lateral direita e no pneu da frente esquerda que estava rebentado e com a jante danificada; o embate pode ter ocorrido de várias formas, as duas versões são possíveis mas a que, no seu entender, é compatível com os danos é a apresentada pela Demandada já que o maior impacto do HP foi na frente lateral esquerda, bateram e depois rasparam; normalmente as autoestradas têm 6,00 metros de largura; a berma do lado esquerdo deve ter cerca de 1,00 metro, a largura do Renault é de cerca de 1,60 metros e a do Citroën um bocadinho menor.
- [PES-6], perito avaliador, declarou que presta serviços à Demandada em exclusivo; apenas viu o Citroën (HP), não viu o Megane (ZC); os danos na lateral esquerda do HP parecem-lhe ser de um único acidente, foi uma raspadela; já tinha o retrovisor novo no sítio, o danificado estava na caixa do novo.

Não ficou provado que:
I. Após a realização da peritagem, em 31.10.2022, o Demandante solicitou à oficina reparadora que substituísse o espelho retrovisor esquerdo, de forma a que o veículo pudesse voltar a circular;
II. O Demandante esteve privado do seu veículo entre os dias 26.10.2022 e 31.10.2022;
III. O ZC circulava na via da esquerda enquanto o HP circulava na via da direita;
IV. A dado momento, o HP entrou repentinamente na via onde o ZC se encontrava;
V. O ZC acabou por sofrer um embate na sua lateral e, subsequentemente, foi empurrado para o separador central existente na faixa de rodagem, ali também colidindo.

Motivação da matéria de facto não provada:
Quanto aos factos sob I. e II., por ausência de mobilização probatória credível que atestasse a sua veracidade.
De facto, não se apurou em que data foi colocado o retrovisor no veículo HP, permitindo que circulasse em segurança.
Relativamente aos demais, por estarem em contradição com os factos provados de acordo com o supra exposto, sendo certo que a versão apresentada pela Demandada e corroborada pelo condutor da viatura por si segurada, o ZC, não logrou convencer o Tribunal tendo em conta o croqui da Declaração Amigável assinada por este, a localização e tipo de danos na viatura HP, bem como a configuração da via.

IV – Do Direito
Pela presente acção, pretende o Demandante efetivar a responsabilidade civil emergente de acidente de viação ocorrido em 26.10.2022, que teve como intervenientes, o veículo ligeiro de passageiros matrícula [ - - 1], propriedade do Demandante e conduzido, na altura, pela sua filha [PES-2], e o veículo ligeiro de passageiros, matrícula [ - - 2], propriedade da empresa [ORG-2], Lda.” e conduzido por [PES-7] da Silva Oliveira, seu funcionário, cuja responsabilidade civil emergente de acidente de viação se encontrava, à data, transferida para a ora Demandada, através da Apólice n.º 000512864.
Vamos aos factos,
Atenta a complexidade da dinâmica em matéria de acidentes de viação, nem sempre nos é possível determinar com um razoável grau de certeza as circunstâncias concretas em que os eventos ocorrem, pelo que só nos resta socorrer dos elementos disponíveis no processo, com vista à prolação de uma decisão que pretendemos justa e equilibrada. Refira-se que não foi arrolada qualquer testemunha presencial para além dos condutores das viaturas intervenientes no acidente em apreço.
Assim, ficámos com a convicção de que, nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas, ocorreu um embate entre a lateral direita do veículo “ZC” e a lateral esquerda do veículo HP quando ambos circulavam na autoestrada A20, em [...], no mesmo sentido de trânsito (Sul/Norte, em direcção ao [...]).
Tal embate, de raspão, terá ocorrido após uma travagem súbita do HP quando este se deparou com um terceiro veículo que provindo da via da direita passou a ocupar a via da esquerda por onde o HP circulava.
Foi então que o veículo ZC, certamente de forma a evitar o embate na traseira do HP, tentou passar entre este e o separador central mas como não tinha espaço suficiente para o efeito, acabou por raspar de trás para a frente com a sua lateral direita na lateral esquerda do HP e embater com a roda da frente esquerda no separador central.
Ora, O princípio básico da lei estradal, aplicável à condução automóvel e aos peões, é no sentido de as pessoas se deverem abster de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias – art.º 3º, n.º 2, do Código da Estrada.
Neste caso importa atentar nas seguintes normas:
Artigo 11.º
Condução de veículos e animais
(…)
2 - Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer actos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança.

Artigo 18.º
Distância entre veículos
1 - O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis.
(…)
Artigo 24.º
Princípios gerais
1 - O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
(…)
Artigo 25.º
Velocidade moderada
1 - Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade:
(…)
m) Sempre que exista grande intensidade de trânsito.
(…)
Foi, assim, o condutor do veículo ZC, com a sua conduta violadora dos supra enunciados normativos estradais, responsável pela produção do acidente.

Determinada a responsabilidade civil da Demandada nos termos atrás expostos, importa agora valorar os danos que resultaram do acidente dos autos e computar a indemnização devida pelo seu ressarcimento.
Por imperativo legal – art.º 562º do C. Civil – sempre que alguém esteja obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não fosse a lesão.
Ao responsável incumbe reparar os danos – e em princípio todos os danos – que estejam em conexão causal com o facto gerador da responsabilidade – art.º 563º do C. Civil.
Não sendo possível a reconstituição natural, ou mostrando-se esta excessivamente onerosa para o lesado, a indemnização é fixada em dinheiro – art.º 566º, n.º 1, do C. C.. Esta terá como medida a diferença entre a situação real em que o facto lesivo deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a lesão – art.º 562º do C. C..
Assim, considerando os factos dados por provados, dúvidas não existem de que o veículo HP sofreu danos na sua lateral esquerda, cuja reparação foi orçamentada em €1.079,54, valor ao qual deverá acrescer o IVA à taxa legal contra apresentação de factura, relegando-se para incidente de liquidação uma eventual diferença entre este valor e o valor necessário à data da sua efetiva reparação (após decisão nos presentes autos).
Quanto ao dano de privação do uso da viatura…
Hoje em dia, ter automóvel, e nele ir para o trabalho, passear, deslocar-se para satisfazer quaisquer outras necessidades pessoais e/ou familiares, constitui um elemento socialmente relevante na definição de uma melhoria de qualidade de vida.
Há, por isso, prejuízos e danos, que, com razoabilidade e notoriamente, se têm de entender como indemnizáveis. O Direito destina-se às pessoas concretas, socialmente integradas, com deveres, mas também com direitos, a reparar, se violados.
Aliás, a mera privação do uso de um veículo automóvel constitui um ilícito por impedir o proprietário de gozar de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição, nos termos do artigo 1305º, do Código Civil.
A viatura em questão era utilizada pelo Demandante e seu agregado familiar para satisfazer as suas necessidades diárias de deslocação.
Ora, este quadro de factos, por si só, independentemente da comprovação de outros factos que poderiam facilitar a quantificação mais precisa dos prejuízos, permite-nos afirmar que estamos em face de um dano autónomo, por isso mesmo indemnizável: o dano da privação do uso, sendo certo que o cálculo da correspondente indemnização há-de ser efetuado com base na equidade, por não ser possível avaliar “o valor exato dos danos” (nº 3 do artigo 566º do Código Civil). Claro que a equidade tem de partir da consideração dos factos que ficaram provados (mesmo nº 3 do artigo 566º citado).
Apurou-se que, aquando da deslocação do perito avaliador à oficina onde se encontrava o veículo HP, o que ocorreu a 31.10.2022, já havia sido colocado o retrovisor no veículo em substituição do que havia sido danificado na sequência do acidente em apreço, o que é dizer que o veículo já podia circular com segurança. Desconhecemos em que data – entre os dias 26 e 31 de Outubro - foi colocado o retrovisor, sendo que o mecânico que o fez não conseguiu precisar se o teria colocado logo no dia do acidente, pelo que, à míngua de outros elementos, apenas consideraremos como tempo de paralisação o que foi determinado como necessário para reparar a viatura, a saber, três dias.
O Demandante aponta como referência para cálculo da indemnização a atribuir a este título, o valor diário de €50,00.
Ora, recorrendo aos critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser seguidos em casos como o dos autos em que a indemnização devida ao lesado pela paralisação diária de um veículo deverá ser ponderada à luz de critérios de equidade, entendemos que peca, por excesso, a indemnização a esse respeito peticionada pelo Demandante, muito superior aos parâmetros jurisprudenciais que vêm sendo seguidos para situações similares.
Entende-se por isso que tal indemnização deve ser reduzida para o montante diário de €30,00, cifrando-se o montante de tal parcela indemnizatória, tendo em conta o tempo de paralisação do veículo HP, no montante de €90,00.

Às quantias assim apuradas acrescem os juros de mora, à taxa legal vigente, contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento – cfr. art. ºs 804º e 805º, n.º 1, do C. Civil.

V – Decisão
Nestes termos, julgo parcialmente procedente a presente acção e, por via disso, condeno a Demandada [ORG-1], S.A.” a pagar ao Demandante [PES-1], as seguintes quantias:
a) €1.079,54 (mil e setenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida do valor do Iva, à taxa legal em vigor, contra apresentação de factura;
b) €90,00 (noventa euros), a título de indemnização pela privação do uso da viatura;
c) os juros de mora, à taxa legal de 4% sobre as suprarreferidas quantias, contabilizados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Custas na proporção de 80% pela Demandada e 20% pelo Demandante, devendo este pagar a quantia de €14,00 (catorze euros) e aquela a quantia de €56,00 (cinquenta e seis euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente Sentença, sob pena de incorrerem numa penalização de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder a quantia de €140,00, nos termos do n.º 4 do art. 3º da Portaria 342/2019, de 01 de Outubro.
Registe. Notifique.
[...], 20 de Junho de 2024

Paula Portugal
(Juiz de Paz)