Sentença de Julgado de Paz
Processo: 31/2021-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data da sentença: 08/10/2021
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:

RELATÓRIO
“A”, propôs contra “B”, a presente ação declarativa, enquadrada na alínea a) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, pedindo a sua condenação na restituição da quantia de € 816,84 (oitocentos e dezasseis euros e oitenta e quatro cêntimos), recebida indevidamente, acrescida de juros de mora vincendos. ----------------------------------------------------------------
Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 5 a 12 e juntou 9 documentos, que aqui se dão por reproduzidos. ---------------------
O demandado, regular e pessoalmente citado, não apresentou contestação, não compareceu à Audiência de julgamento e não apresentou justificação atendível para a falta. --------------------------------------------------------------
Não foi designada uma sessão para proferir sentença em Audiência, a fim de se evitar correrem os intervenientes riscos desnecessários, atendendo à situação pandémica e excecional em que estamos [COVID-19], e conforme instruções do Conselho dos Julgados de Paz. ----------------------------------------
O litígio não foi submetido a mediação. ---------------------------------------
Fixo o valor da ação em € 816,84 (oitocentos e dezasseis euros e oitenta e quatro cêntimos. -----------------------------------------------------------------
O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim: ---------------------------------------------------

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: ----------------------------
Consideram-se provados os seguintes factos: ----------------------------------
1.º- A demandante é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de transportes rodoviários de mercadorias (CAE 49410); --------------------------
2.º- Em 06/01/2020 contratou o demandado para exercer, com subordinação jurídica, as funções de Motorista de Pesados; ----------------------------------
3.º- Com efeitos a 07/04/2020 cessou o vínculo laboral existente entre as partes, por denúncia do demandado; ----------------------------------------------
4.º- E em 16/04/2020 a demandante procedeu ao pagamento ao demandado de todos os créditos salariais devidos, no valor global de € 784,93 (setecentos e oitenta e quatro euros e noventa e três cêntimos); ----------------------------
5.º- No dia 30/04/2020, por mero lapso do Departamento de Recursos Humanos da demandante foi efetuada indevidamente uma segunda transferência, de montante igual à primeira, para a conta do demandado; ------------------------------
6.º- Apercebendo-se do lapso cometido, a demandante, em 11/05/2020, contactou telefonicamente o demandado para que este procedesse à devolução do segundo valor indevidamente pago; ------------------------------------------
7.º- Apesar de reconhecer que este segundo valor lhe não era devido, o demandado não procedeu à sua devolução; ----------------------------------
8.º- Em 28/05/2020, pelas 10h32, após diversos, insistentes e malogrados contactos -chamadas telefónicas e mensagens de texto por parte da demandante, o demandado enviou uma mensagem de texto do seguinte teor: «Bom dia o que se passou foi que não reparei que tinham feito transferência e o banco tirou o dinheiro para pagar uma dívida agora não sei como ir buscar o dinheiro»; ---------------
9.º- A demandante ainda se mostrou recetiva à celebração de um acordo de pagamento faseado, mas o demandado não mais respondeu às suas mensagens e telefonemas; ---------------------------------------------------------------
10.º- Face à ausência de resposta, em 17/08/2020, foi pelo mandatário da demandante enviada carta registada com aviso de receção, através da qual mais uma vez se interpelou o demandado para a restituição do montante em causa; --
11.º- Não obstante se terem encetado conversações com vista à celebração de um acordo de pagamento faseado, a verdade é que o demandado, à semelhança do que havia feito anteriormente, acabou por não assinar o referido acordo e mais uma vez se remeteu ao silêncio; ----------------------------------------------
12.º- Em 07/12/2020, foi enviada nova carta ao demandado, num derradeiro esforço de resolver extrajudicialmente a situação; ----------------------------
13.º- Mas, não obstante, este nada mais disse; -----------------------------
14.º- Nem devolveu até ao momento qualquer importância do valor em causa. ----

Motivação dos factos provados: ------------------------------------
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos e à não oposição do demandado, consubstanciada na ausência de contestação e na falta injustificada à Audiência de Julgamento. ------------------------------------------------

fundamentação de direito: -------------------------------------
O demandado, regular e pessoalmente citado, não apresentou contestação, não compareceu à Audiência de Julgamento e não apresentou justificação atendível para a respetiva falta, pelo que, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, consideram-se confessados os factos articulados pela demandante. -------
Da factualidade provada resulta a verificação de um prejuízo para a demandante com a correspondente vantagem patrimonial para o demandado, sem motivo justo e legítimo que lhe tivesse dado causa, situação que se enquadra no instituto do enriquecimento sem causa, caracterizado no artigo 473º, nº 1 do Código Civil, que aqui se reproduz: ------------------------------------------------------
“Aquele que sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. --------------------------
De facto, a verificação deste instituto pressupõe que na situação em causa se verifique a reunião cumulativa de três requisitos: não estar subjacente negócio jurídico ou outra causa que justifique a apropriação dos valores cuja restituição é pedida, que quem se apropriou veja enriquecido o seu património com essas importâncias, à custa da desvalorização económica correspondente do património daquele que pede a restituição. -----------------------------------------
Sendo que a falta de causa justificativa tem de ser alegada, como foi, mas também provada, competindo esse ónus à demandante, de acordo com os nºs 1 e 2 do artigo 342º Código Civil. -----------------------------------------------
A restituição por força do instituto do enriquecimento sem causa não poderá exceder o valor do empobrecimento mas também o do enriquecimento (cf. artigo 479º nº 1 do Código Civil), o que se verifica na situação em apreço, dado que a demandante vem requerer a importância que, por lapso, depositou na conta bancária do demandado, que não a devolveu, antes a integrou no seu património. -
E o demandado não alegou, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pela demandante à quantia global peticionada. --------------------------------
E é responsável pela reparação dos danos causados ao credor, a ora demandante, pela mora, nos termos do artigo 798.º do Código Civil, que estabelece que “o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, presumindo-se a culpa do devedor que é apreciada nos termos da responsabilidade civil (cf. ainda artigos 804º e 806º do mesmo Código). -------------------------------------------
Tratando-se de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponderá, efetivamente, aos juros a contar do dia da constituição em mora. Nos termos do artigo 805º, n.º 1, do Código Civil, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. -----------
O demandado foi pela primeira vez interpelado extrajudicialmente a devolver a referida quantia que lhe foi indevidamente paga em 11/05/2020, pelo que tem a demandante, efetivamente, direito, a juros de mora vencidos desde esta data, calculados à taxa legal anual de 4%, que correspondem ao valor peticionado [cf. n.º 1 do art.º 559.º do Código Civil]: €31,91 (trinta e um euros e noventa e um cêntimos). -----------------------------------------------------------------
E tem esta ainda direito aos juros, que também pede, desde a citação, 15/06/2021, até efetivo e integral pagamento. ---------------------------------

Decisão: ------------------------------------------------------------------------------
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência: --
- Condeno o demandado, “B”, a pagar à demandante, “A”, a quantia de € 816,84 (oitocentos e dezasseis euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros civis, à taxa legal, desde 15 de junho de 2021 até efetivo e integral pagamento; --
- Declaro ainda o demandado parte vencida, com custas totais a seu cargo, na importância de € 70,00 (setenta euros). --------------------------------------
O pagamento deste valor deverá ser efetuado no prazo de três dias úteis a contar do conhecimento da presente Decisão, sob pena de aplicação de uma penalidade de dez euros por cada dia de atraso até atingir a importância de € 140,00 [cf. alínea b) do nº 1 do artigo 2º e nº 4 do artigo 3º da Portaria nº 342/2019, de 1 de outubro].
Emita-se o respetivo DUC, com prazo de validade alargado (16 dias) para obviar a eventual atraso na receção do correio postal, e remeta-se ao demandado. -----
Registe e notifique. ----------------------------------------------------------
Carregal do Sal, 10 de agosto de 2021
A Juíza de Paz,
(Elisa Flores),
Processado por computador (art. 131º, nº 5 do C P C)