Biblioteca PGR


PP289
Analítico de Periódico



MACHADO, Maria Valentina da Silveira
Sindicalismo cristão hoje / por Maria Valentina da Silveira Machado
Democracia e Liberdade, Lisboa, n.37-38 (Abr.-Set. 1986), p.157-175


SINDICATOS, SINDICALISMO CATOLICO, DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA, HISTORIA

O Sindicalismo cristão e uma exigencia que se põe aos trabalhadores cristãos nos nossos dias. E a tradução presente da Doutrina Social da Igreja no mundo laboral e e condição imprescindivel para o equilibrio das relações de trabalho e, consequentemente, do processo de desenvolvimento economico, social e cultural dos povos. Não admira pois que tenha sido no seio da propria Igreja Catolica que tenham nascido as primeiras manifestações do movimento operario contra a prepotencia do liberalismo desenfreado, nomeadamente nos paises de grande industrialização. A actuação Papal, os textos pontificios publicados desde os finais do Seculo XIX foram, sem duvida alguma, a salvaguarda dos direitos do movimento operario. A Igreja no seu conjunto foi ainda, mais uma vez, protagonista do justo equilibrio entre as doutrinas avassaladoras que por uma forma ou outra conduziam a Europa ao descalabro e remetiam o Homem para uma nova condição de escravo. E quando se refere a Igreja no seu conjunto quer exactamente evidenciar-se o papel que os cristãos, nomeadamente os catolicos, desempenhavam então, não se alheando dos problemas e das graves situações do seu tempo. Esta acção dos cristãos parte das duas forças do mundo laboral - empresarios e trabalhadores - umas vezes conjuntamente, outras vezes separadamente procurando exactamente e antes de mais criar mecanismos que atenuem a dureza das leis da concorrencia que encetem tecnicas adequadas e que se oponham a degradação humana pelas condições de trabalho. A organização de sindicatos cristãos data do inicio da segunda metade do Sec.XIX e inicialmente a sua composição era mista, isto e, constituida por trabalhadores e empresarios, a fim de se não cair na tentação da luta de classes. Porem, a breve trecho por toda a Europa e em Portugal tambem surgem um pouco por toda a parte as associações que separadamente agruparam patrões e operarios. Em Portugal tais associações que se denominavam de CIRCULOS OPERARIOS CATOLICOS desempenharam papel de larga importancia social e politica. A profusão de Sindicatos Cristãos e tal que em 1899 tem lugar a formação da União de Sindicatos Cristãos como consequencia do Congresso de Moguncia. E o movimento cresce, sem parar, de modo que em 1910 se contam por largas centenas de milhar o numero de trabalhadores inscritos nos sindicatos cristãos da Europa. Em 1920, no Congresso de Haia, cria-se a Confederação Internacional dos Sindicatos Cristãos (CISC) em substituição do Secretariado dos Sindicatos Cristãos criado em Zurique em 1908. No Congresso de Haia e não obstante os efeitos da guerra de 1914-1918 e o desenvolvimento de outras correntes sindicais a CISC tinha inscritos era de 3 milhões e meio de trabalhadores, e estavam representados sindicatos cristãos da Alemanha, Austria, Checoslovaquia, Hungria, Italia, Espanha, Suiça, Belgica, França e Holanda. Este desenvolvimento organizacional e sempre acompanhado pela produção doutrinaria da Igreja como alias ja vinha sendo desde 1878 e de que são pedras basilares a Apostolici numeris (1878) Rerum Novarum (1891) Graves de Communi (1900) esclarecendo claramente e sem ambiguidades o que deveria entender-se por acção social cristã. Em paralelo desenvolve-se a corrente do sindicalismo socialista e a fronteira entre este e o sindicalismo cristão e cada vez mais indefinida, contrariamente ao que seria de esperar, e muito contribuiram para isso os apelos da chamada Unidade de acção sindical. Alias esta falsa ideia conduziu a situação em que hoje se encontra o movimento sindical mundial e tambem na Europa e em Portugal. No mito aliciante da Unidade Sindical os cristãos deixaram-se absorver e hoje servem com a sua militancia correntes sindicais profundamente ideologicas e partidarizadas que nada tem a ver com os principios da Doutrina Social da Igreja de que o movimento sindical cristão devidamente organizado deveria ser o arauto. Com a publicação em 1931 da Enciclica Quadragesimo Anno de Pio X procura-se por um travão nos desiquilibrios que se vinham sentindo, escalpelizando erros, omissões, desvios, analisando problemas base da propriedade, das relações capital-trabalho, do salario, apontando criticas as soluções comunista e socialista e traçando as linhas mestras da resposta cristã que o movimento sindical cristão deveria dar. A criação da Acção Catolica e ainda uma tentativa de responder cabalmente ao desafio da questão social e dai o grande empenhamento da Acção Catolica Operaria na evolução do movimento sindical europeu. Com o eclodir da II Guerra Mundial todo o movimento sindical sofre um grande abalo mormente o sindicalismo cristão em consequencia das vicissitudes politicas, economicas, religiosas, sociais e filosoficas decorrentes do desenvolvimento da guerra. Assim a CISC so em 1946 vem a ser reorganizada com imensas dificuldades que ainda hoje não conseguiu superar e que tiveram a sua raiz exactamente nas influencias politicas que regem a Europa, com raizes conceptuais na União Sovietica e nos Estados Unidos. Entre ambos o sindicalismo cristão, tão cheio de valores, estiola e quase fenece. Dum lado o sindicalismo americano assente nos principios da livre empresa repudiando soluções socialistas ou socializantes. Do outro o sindicalismo sovietico assente nos principios da economia planificada e da luta de classes. A luta dos dois blocos coloca-se no movimento sindical. Em 1949 a confederação americana de sindicatos (AFL-CIO) funda a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres (CISL) apos se ter provocado a cisão na FSM. Contudo, pouco tempo depois, em 1969, a AFL-CIO abandona a CISL exactamente por causa da tibieza dos sindicatos europeus e pelo seu envolvimento em soluções de cariz socialista. Mas a CISL surge exactamente como reacção americana ao predominio do sindicalismo moscovita na FSM em consequencia da vitoria da União Sovietica na II Guerra Mundial e do imobilismo dos paises ocidentais. A FSM surge pois como primeira consequencia do desenlace da II Guerra Mundial. Actualmente encontram-se em oposição frontal FSM-CISL mas a CISL de hoje e bem diferente daquela que pretendia a AFL-CIO, pois que aquela, sob a capa da liberdade e cada vez mais a confederação do movimento sindical socialista democratico lutando essencialmente pela implantação do socialismo como objectivo primeiro. No pos-guerra 1939-1945 a CISL sofreu profundas alterações quer pelas condicionantes politico-ideologicas emanentes da guerra como se referiu quer pelas profundas alterações que se fizeram sentir no seio da propria Igreja Catolica. A CISL ate final da decada de 60 agrupava sindicatos cristãos da Europa, Canada, America Latina, Africa e Asia, num total de 18 milhões de aderentes dos quais apenas 2,5 milhões europeus, o que se mostra bastante significativo. Mas a CISC continua a perder a sua propria identidade e em 1968 quando exactamente ja se haviam deteriorado seriamente as relações no seio da CISL, no Congresso Mundial de Luxemburgo muda a sua designação passando a denominar-se inocua e ambiguamente Confederação Mundial de Trabalho (CMT). Esta mudança e o resultado dum longo caminho percorrido. Em 1968 muito pouco existia da CISC inicial no que concerne a principios, a doutrina, a objectivos. Como que envergonhada da designação de cristã abole essa designação e remete-se então, talvez em consequencia, a uma posição de subalternidade de que hoje, volvidos quase 20 anos se quer libertar mas para o que lhe vai faltando engenho e arte. Entretanto procurou posicionar-se entre a CISL e FSM mas sem exito nomeadamente quando se coloca proxima do socialismo auto-gestionario. Com este abandonar dos principios houve tambem o abandono por parte dos Sindicatos a ponto de hoje apenas congregar a nivel europeu algumas centrais sindicais belgas, holandesas e suiças. Porem, neste movimento descrescente da importancia da CMT descortina-se, apos a saida da CFDT francesa em 1979, e apesar de grandes contradições, uma certa procura a todo o transe de valores de recristianização. No seio da CMT duas correntes se debatem: - a cristã e a do socialismo auto-gestionario. A sua sobrevivencia passa pela ultrapassagem definitiva destas contradições; mas não pode esperar mais tempo para faze-lo sob pena de vir a engrossar as fileiras da CISL ou da FSM. E ja vimos e estamos a ve-lo todos os dias, mesmo em Portugal, que nem uma nem outra professam e defendem os principios da Doutrina Social da Igreja. Mais: estamos a ver o desencanto dos trabalhadores face a pratica das referidas Confederações quer a nivel mundial quer no ambito nacional. Com CMT ou sem CMT, esta na hora dos trabalhadores cristãos exigirem uma pratica sindical de acordo com os principios doutrinarios que defendem. Em Portugal havera que equacionar de novo o problema. Infelizmente o movimento sindical continua extremamente partidarizado. Os movimentos que em 1978 levaram a fundação da UGT são hoje legitimos para que se abandone a UGT. Com efeito se em 1978 a UGT surgiu porque o movimento sindical estava partidarizado e enfeudado ao Partido Comunista hoje continua este enfeudamento de parte do movimento sindical e outra parte esta enfeudada ao Partido Socialista. No entanto muitos são os sindicatos que defendendo um sindicalismo independente não estão em nenhuma das Centrais. E pois o momento de analisar a questão e tomar caminhos corajosos.