Acórdão do Tribunal Constitucional | |
Nº Convencional: | ACTC00003350 |
Acordão: | 92-285-P |
Processo: | 92-0383 |
Relator: | ANTONIO VITORINO |
Descritores: | PROCESSO CONSTITUCIONAL FISCALIZAÇÃO PREVENTIVA DA CONSTITUCIONALIDADE PRAZO CONSTITUCIONAL TEMPESTIVIDADE OBJECTO DO PEDIDO PRINCIPIO DO PEDIDO FUNDAMENTAÇÃO DO PEDIDO COMPETENCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS DOS TRABALHADORES DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS SEGURANÇA NO EMPREGO RESTRIÇÃO DE DIREITO FUNDAMENTAL PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE PRINCIPIO DA NECESSIDADE PRINCIPIO DA ADEQUAÇÃO ADMINISTRACÇÃO PUBLICA TRABALHADOR DA ADMINISTRACÇÃO PUBLICA DIREITOS DOS ADMINISTRADOS DISCRICIONARIEDADE DESCRICIONARIEDADE LEGISLATIVA PRINCIPIO DA CONFIANÇA ESTADO DE DIREITO DEMOCRATICO DISPONIBILIDADE APOSENTAÇÃO AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA INCONSTITUCIONALIDADE CONSEQUENTE INCONSTITUCIONALIDADE ORGANICA ASSEMBLEIA DA REPUBLICA COMPETENCIA LEGISLATIVA GOVERNO RESERVA RELATIVA DE COMPETENCIA LEGISLATIVA RESERVA DE LEI BASES FUNÇÃO PUBLICA BASES DO REGIME DA FUNÇÃO PUBLICA PRINCIPIO DA PRECISÃO DAS LEIS |
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Nº do Documento: | TPV1992072292285P |
Data do Acordão: | 07/22/1992 |
Espécie: | PREVENTIVA C |
Requerente: | PRESIDENTE DA REPUBLICA |
Requerido: | GOVERNO |
Nº do Diário da República: | 188 |
Série do Diário da República: | IA |
Data do Diário da República: | 08/17/1992 |
Página do Diário da República: | 3962 |
Votação: | MAIORIA COM 6 VOT VENC |
Privacidade: | 01 |
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Voto Vencido: | VITOR NUNES DE ALMEIDA. BRAVO SERRA. MESSIAS BENTO. ALVES CORREIA. CARDOSO DA COSTA. ASSUNÇÃO ESTEVES. |
Constituição: | 1989 ART2 ART18 N2 ART18 N3 ART53 ART54 N5 D ART56 N2 A ART168 N1 V ART185 ART269 ART278 N3 ART279 N1 ART279 N2 ART279 N3. |
Normas Apreciadas: | DL REGISTADO PCM N172/92 ART2 ART3 ART5 ART6 ART8 ART11 ART13 ART21 ART28 N3. |
Legislação Nacional: | LTC82 ART57 N1. L 14/83 DE 1983/08/25. L 2-B/85 DE 1985/02/28. L 9/86 DE 1986/04/30. L 49/86 DE 1986/12/31. L 2/88 DE 1988/01/26. L 114/88 DE 1988/12/30. L 101/89 DE 1989/12/29. L 65/90 DE 1990/12/28. L 2/92 DE 1992/03/09 ART5 N1 A B ART7. DL 167/82 DE 1982/05/10. DL 41/84 DE 1984/02/03 ART34 N1. DL 42/84 DE 1984/02/03. DL 43/84 DE 1984/02/03 ART16 N2. DL 497/88 DE 1988/12/30. DL 427/89 DE 1989/12/07. |
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Jurisprudência Constitucional: | ![]() |
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Área Temática 1: | PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS. PRINCIPIOS GERAIS DOS DIREITOS E DEVERESFUNDAMENTAIS. DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS DOS TRABALHADORES. ASSEMBLEIA DA REPUBLICA. GOVERNO. ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. FISCALIZAÇÃO DA CONSTITUCIONALIDADE. |
Área Temática 2: | ADM PUBL / FUNC PUBL. |
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Decisão: | A) - Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma que se extrai da conjugação do artigo 3, n. 1, parte final, com o n. 2 do mesmo artigo e o n. 6 do artigo 2 do Decreto-Lei registado na Presidencia do Conselho de Ministros sob o n. 171/92, relativo a "Racionalização do emprego dos recursos humanos na Administracção Publica". B) - Pronuncia-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 21 do mesmo decreto. C) - Não se pronuncia pela inconstitucionalidade das restantes normas do diploma. |
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Sumário: | I - Verificando-se uma discrepancia entre a data que o Primeiro-Ministro invoca como sendo a da entrega na Presidencia da Republica do diploma em apreço (11.6.92) e a data que consta do registo de entrada e que vem aposta no proprio projecto de diploma que acompanha o pedido (12.6.92), torna-se relevante a questão de saber qual das datas a ter em consideração para efeitos de se dever, ou não, ter como tempestivo o pedido do Presidente da Republica. II - Face aos elementos disponiveis pelo Tribunal, constata-se que a fotocopia do livro de "Protocolo", junta pelo Primeiro-Ministro na sua resposta, não contem indicação do registo nem da data nem da hora do recebimento na Presidencia da Republica do oficio da Presidencia do Conselho de Ministros que acompanhava o Decreto ora em apreço, pelo que dela não resulta que tal oficio tenha efectivamente dado entrada no dia 11 de Junho. III - Tendo o pedido dado entrada no Tribunal Constitucional no dia 22 de Junho, segunda-feira, e sendo o prazo para o Presidente da Republica requerer a apreciação preventiva da constitucionalidade de oito dias, deve o mesmo ter-se, pois, por tempestivo. V - O referido pedido não sofre de indefinição ou indeterminação, uma vez que da sua formulação, analisada e entendida de forma conjugada e numa leitura sistematica, resulta que, se o Presidente da Republica pretende ver apreciada a constitucionalidade de todas as normas do diploma em analise, fa-lo de forma directa e imediata quanto ao conjunto de normas que identifica e pelas razões em cada caso expressamente referidas, mas dele emerge, igualmente de forma explicita, a pretensão de, a luz da conformidade constitucional da lei de autorização legislativa habilitadora do Decreto em apreço, e perante a sua alegada inconstitucionalidade formal, ver apreciada a inconstitucionalidade (organica) de todas as normas do projecto de decreto-lei em apreço, que daquela outra atinente a lei de autorização resultaria de forma derivada ou reflexa. VI - Do facto de as normas do diploma que o Presidente da Republica designa como "assentes numa base contratual" não serem abrangidos pela eventual inconstitucionalidade consequencial, referenciada nos termos do pedido, não resulta, so por si, qualquer vicio de que este padeça. VII - Com efeito, resulta do mesmo pedido que o Presidente da Republica requer expressamente a apreciação preventiva da constitucionalidade dos artigos 2, 3, 5, 6, 7, 8, 11, 13, 21 e 28 n. 3, do Decreto em apreço e, consequencialmente, a eventual pronuncia pela inconstitucionalidade de todas as demais normas do diploma, exceptuadas as que "assentam numa base contratual". VIII - Quanto a estas, e considerando que se trata dum diploma que consagra opções voluntarias dos trabalhadores no referente as medidas de descongestionamento da Função Publica, havera de entender-se que aquela expressão generica utilizada pelo Presidente da Republica se refere aos preceitos que se reportam a tais opções e na medida em que, por serem voluntarias, podem subsumir-se ao aludido criterio geral de "base contratual" adoptado pelo Presidente da Republica. IX - Assim, ha-de concluir-se que o Tribunal e solicitado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional de todas as normas do Decreto sobre "Racionalização do emprego dos recursos humanos da Administração Publica", pelas razões e com o alcance decorrentes do pedido. X - Ao Tribunal Constitucional não cabe, no ambito da fiscalização preventiva da constitucionalidade do Decreto-Lei em causa, pronunciar-se sobre a questão da validade constitucional da norma do artigo 5 da Lei n. 2/92 (que aprovou o Orçamento do Estado para 1992), enquanto objecto de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatoria geral, mas cabe-lhe, isso sim, tomar conhecimento da referida questão em virtude da projecção de que a mesma se reveste para efeitos da apreciação do pedido, enquanto pressuposto habilitador e fundamento do juizo de constitucionalidade sobre as normas objecto do pedido (as normas do Decreto emitido no uso de uma invocada autorização legislativa concedida por aquele preceito). XI - Da inserção sistematica do artigo 53 da Lei Fundamental, que expressamente consagra o principio da segurança no emprego, no capitulo III (Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores), Titulo II (Direitos, Liberdades e Garantias), da Parte I (Direitos e Deveres Fundamentais) da Constituição, resulta, desde logo, que se esta perante um direito, liberdade e garantia sujeito ao regime juridico constante do artigo 18 daquele diploma. XII - Do percurso efectuado no sentido de uma progressiva sedimentação quanto ao ambito e alcance normativos do referido preceito, quer por parte do legislador, quer pela justiça constitucional, resulta que no seu ambito de previsão normativa devem ter-se por incluidos os trabalhadores da Administração Publica, que, assim, no plano da segurança do emprego, beneficiam do mesmo tipo de garantia constitucional de que usufruem os trabalhadores submetidos a contrato individual de trabalho. XIII - Não obsta a uma tal conclusão a especial relação estatuaria que envolve os trabalhadores da Administração Publica. XIV - Na realidade, não se pode ignorar que a relação de emprego publica se reveste de especificidades e comporta, por isso, diversas projecções no plano subjectivo, decorrentes da natureza da actividade e das finalidades a prosseguir pela Administração. O estatuto funcional destes trabalhadores compreende, pois, um conjunto proprio de direitos, regalias e deveres e responsabilidades que lhe emprestam um figurino especial face a relação laboral de matriz jusprivatista. XV - Mas esse estatuto, concebido em função da isenção e imparcialidade da administração e da exclusiva subordinação dos funcionarios ao interesse geral por ela prosseguido, não legitima, no plano constitucional, a compressão do nucleo essencial dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente reconhecidos à generalidade dos trabalhadores, os quais, nessa medida, se aplicam tambem aos funcionarios publicos. XVI - A especial relação estatutaria em causa antes exige uma permanente procura da concordancia pratica entre as restrições de direitos decorrentes dos especiais ditames das finalidades especificas da Administração e a salvaguarda dos direitos fundamentais dos funcionarios publicos. XVII - Neste contexto, a garantia constitucional da segurança no emprego abrange, tambem, os funionarios publicos, pelo que o Estado não pode dispensar livremente os seus funcionarios, tal como a extinção ou reformulação dos seus serviços ou organismos não pode constituir, por si so, razão suficiente que leve a livre e total disponibilidade dos funcionarios em causa. Pelo que a reorganização da Administração sempre tera que atender aos principios e regras constitucionais que consagram e garantem os direitos dos funcionarios publicos. XVIII- Não e pelo facto de as soluções juridicas previstas para os funcionarios dos serviços ou organismos que venham a ser extintos ou reorganizados, nos termos do n. 2 do Decreto em apreço, não se traduzirem num "despedimento", que o principio da segurança no emprego se podera ter por insusceptivel de operar na analise da legitimidade constitucional das alterações do ordenamento constante de tal Decreto. XIX - Com efeito, não se tratando da cessação do vinculo à função publica, esta em causa, no entanto, a subsistencia (ou insubsistencia) da relação laboral efectiva dos funcionarios que venham a ser considerados disponiveis. XX - A progressiva alteração registada ao longo do tempo no que respeita aos principios enformadores do exercicio da função publica, de par com o reconhecimento aos trabalhadores da Administração Publica de direitos laborais proprios e, mais recentemente, de uma reavaliação salarial introduzida pelo denominado Novo Sistema Remuneratorio, legitima, do ponto de vista constitucional, que o Governo proceda a introdução de modificações estruturais na Administração que determinem consequencias no plano da relação laboral efectiva dos funcionarios dos serviços e organismos abrangidos por tais medidas de reorganização e reestruturação. XXI - Tais consequencias devem subordinar-se aos limites da garantia da segurança no emprego constante do referido artigo 53 e, porque comportam compressão ou mesmo restrições a direitos, liberdades e garantias dos funcionarios publicos, ha-de essa compressão, em obediencia as imposições do artigo 18, ser necessaria, adequada e proporcional e respeitar o nucleo essencial daquele direito constitucional. XXII - Embora o principio da determinabilidade ou precisão das leis não constitua um paramentro constitucional "a se", a sua relevancia, como imperativo constitucional, prende-se com a natureza das materias em causa ou com a conjugação daquele principio com outros principios constitucionais. XXIII- O referido principio associado ao principio da reserva de lei postula que o ambito normativo da lei preencha requisitos tidos por indispensaveis para se poder afirmar que o seu conteudo não consente a atribuição a Administração, enquanto executora da lei, de uma esfera de decisão onde se compreendem elementos essenciais da propria previsão legal. XXIV - Atento o especial regime a que se encontram sujeitas as restrições aos direitos, liberdades e garantias e em articulação com o principio da segurança juridica inerente a um Estado de direito democratico, forçoso se torna reconhecer que, em função do referido criterio da proporcionalidade, o grau de exigencia de determinabilidade e precisão da lei ha-de ser tal que garanta aos destinatarios da normação um conhecimento preciso, exacto e atempado dos criterios legais que a Administração ha-de usar, diminuindo desta forma os riscos excessivos que, para esses destinatarios, resultariam de uma normação indeterminada quanto aos proprios pressupostos de actuação da Administração. XXV - Por outro lado, ha-de fornecer a Administração regras de conduta dotadas de criterios que, sem jugularem a sua liberdade de escolha, salvaguardem o "nucleo essencial" da garantia dos direitos e interesses dos particulares constitucionalmente protegidos em sede de definição do ambito de previsão normativa do preceito. XXVI - Finalmente, hão-de tais regras permitir aos tribunais um controlo objectivo efectivo da adequação das concretas actuações da Administração face ao conteudo da norma legal que esteve na sua base e origem. XXVII- Ora, a esta luz, resulta que a norma contida no n. 1 do artigo 2 do Decreto em apreço referente a definição das situações que podem dar origem a identificação de pessoal disponivel, não padece do alegado vicio de indeterminabilidade. XXVIII-Com efeito, as situações ai previstas, atinentes a estruturação dos serviços e organismos e a nacionalização dos respectivos quadros, por definição, terão que ter sempre no plano da sua execução, um especifico suporte normativo (Decreto- -Lei ou Regulamento), correspondendo a identificação de tais situações ao exercicio das livres escolhas de ordem politica que o Governo faça enquanto orgão de condução da politica geral do pais e orgão superior da Administração Publica. XXIX - De igual forma, os numeros 2 e 5 do artigo 2 do mesmo diploma não são tambem censuraveis a esta luz, porquanto constituem regras de especificação e regulamentação das aludidas opcões constantes do n. 1 do mesmo artigo. XXX - Padecem, porem, do vicio de indeterminabilidade as normas do artigo 2, n. 6, artigo 3, n. 1, parte final, e do n. 2 deste artigo, porquanto do sistema por elas instituido resulta uma lata indeterminação da definição legal dos criterios a observar pela Administração na identificação do pessoal considerado disponivel. XXXI - Tal indeterminabilidade representa em si uma solução desproporcionada face aos direitos e interesses legalmente protegidos que estão em causa, porquanto o legislador, ao quedar-se pelo enunciado de conceitos tão indeterminados quanto vagos (os utilizados na norma do n. 6 do artigo 2), acaba por reenviar para a Administração a função essencial de preenchimento do ambito de previsão dos preceitos em causa, dai resultando que a Administração acabara por ficar investida de poderes de volição primaria quanto a aludida disciplina que, por definição, apenas podem caber ao legislador. XXXII- Acresce que os elementos constantes do Decreto, nas normas em apreço, não se poderão ter por suficientes quando vistas as coisas a luz da necessidade de o quadro normativo fornecer elementos de suporte de um juizo de controlo da acção da Administração por parte dos tribunais. Com efeito, em função dos criterios adiantados, sera sempre muito dificil, se não mesmo impossivel, que os tribunais possam sindicar de forma cabal os criterios que a Administração venha a adoptar na determinação do pessoal disponivel. XXXIII-O facto de estarem em causa medidas ablativas ou restritivas de direitos, liberdades e garantias não significa que se deva ter por constitucionalmente excluido o recurso a conceitos juridicos indeterminados, pois que, na determinação, pela Administração, do pessoal disponivel, não deixam de ser compativeis com as garantias constitucionais soluções que lhe confiram uma certa margem de discricionariedade e de livre apreciação, designadamente quando o recurso, na lei, a tais conceitos não pressuponha uma rotura face ao que, pelo lastro legislativo e jurisprudencial antecedente, possa com segurança ser entendido como sendo a sua densificação normativa determinada. XXXIV- O artigo 5 do Decreto em apreço não viola nem o principio da precisão ou determinação das leis, ja que a transferencia do pessoal disponivel, ali regulada, obedece as regras que se devem ter como tributarias do regime geral de transferencias de funcionarios, nem o principio da segurança no emprego (pois do que se trata, precisamente, e da reafectação do pessoal considerado disponivel para prosseguir a sua actividade profissonal). XXXV - A este juizo não obsta a circunstancia de o mesmo se aplicar ao pessoal considerado como disponivel em função das normas em relação as quais o Tribunal antecedentemente emitiu uma pronuncia num sentido de inconstitucionalidade, pois bastara que as aludidas regras venham a ser definidas em conformidade com a Constituição para que nenhuma sequela "por arrastamento" quanto aquela inconstitucionalidade subsista no ambito de aplicação deste artigo 5. XXXVI- De igual forma, as normas dos artigos 11 e 13 do diploma não violam autonomamente a garantia da segurança no emprego, pelas razões referidas anteriormente, nem merecem censura quando cotejadas com os principios da determinabilidade das leis, dado do seu articulado resultarem regras claras e precisas que não sofrem de macula do ponto de vista da Constituição. XXXVII-Dada a intima ligação entre o principio da reserva de lei e o principio da determinabilidade ou precisão das leis, ha-de concluir-se que o "espaço de discricionariedade" deixado a Administração pela imprecisão e vacuidade dos criterios de selecção do pessoal disponivel, constantes do n. 6 do artigo 2, da parte final do n. 1 do artigo 3, e do n. 2 deste artigo, conduz de igual forma a censura constitucional dos aludidos preceitos tambem na optica da reserva de lei em sentido material, pelos fundamentos aduzidos quando da analise da observancia do principio da precisão ou determinabilidade das leis. XXXVIIIPorem, os demais preceitos daqueles dois artigos não merecem censura no enfoque do principio da reserva de lei por razões paralelas as que tambem os isentaram de tal censura quando vistos na perspectiva do mesmo principio da precisão ou determinabilidade. XXXIX- A norma do n. 1 do artigo 6 do Decreto, que preve que o pessoal disponivel, nos termos do artigo 3, possa optar por medidas excepcionais de descongestionamento, desde que integrado nas categorias e carreiras a fixar por despacho do Ministro das Finanças, não sofre de inconstitucionalidade quando confrontada com o principio da reserva de lei. XL - A estatuição legal ali prevista deve ter-se por suficiente face aos valores que estão em jogo e as consequencias decorrentes da decisão que cabe ao Ministro das Finanças tomar, uma vez que a lei (o Decreto em apreço) determina quais as medidas de descongestionamento, em que e que elas consistem, quais os pressupostos para a opção dos funcionarios, o universo de pessoal a que tais medidas se aplicam e os funcionarios e agentes que tenham sido identificados como disponiveis. XLI - Por outro lado, cabendo a Administração tão somente a definição das categorias e carreiras onde a opção do trabalhador por tais medidas pode constituir uma alternativa, voluntariamente assumida, a integração pura e simples no QEI, não contende a solução em causa com o principio da segurança no emprego, devendo a margem de decisão deixada a Administração ter-se por constitucionalmente admissivel, porque compreendida na liberdade de conformação da gestão de recursos humanos que assiste ao Governo enquanto orgão Superior da Administração Publica. XLII - O regimento decorrente do n. 2 do artigo 22 do Decreto, segundo o qual o funcionario que se encontre na situação de licença sem vencimento de longa duração regressara na qualidade de disponivel no caso de serem extintos todos os lugares da respectiva categoria, não pode ser tido como introduzindo uma modificação onerosa do seu estatuto que fruste expectativas legitimas alicerçadas no regime antecedente, uma vez que, face a este regime, tambem o funcionario naquela situação, se a sua categoria fosse extinta e não pudesse regressar ao serviço em categoria equivalente, regressaria na qualidade de excedente (situação que, no Decreto em apreço, e considerada como "disponivel"). XLIII- De igual modo, não constitui uma oneração inadmissivel dos direitos e expectativas do pessoal que se encontre integrado nos QEI's criados pela legislação anterior, a contagem do tempo de serviço na disponibilidade decorrente dessa integração, ao relevar para a aposentação obrigatoria, nos termos do n. 3 do artigo 28, porquanto o que esta em jogo nesta norma e apenas dar um destino ao pessoal excedente a luz do regime anterior, revogado pelo presente diploma. E para esse pessoal, perfilava-se ja no seu horizonte profissional que o tempo de permanencia nessa situação contasse para efeitos de aposentação obrigatoria. XLIV - Assim, quer a norma do n. 2 do artigo 2, quer a do n. 3 do artigo 28, mesmo que o tempo contado ao abrigo desta norma configure uma situação de retroactividade ou retrospectividade, não violam o principio da segurança no emprego, nem o principio da confiança, enquanto corolario do principio do Estado de direito democratico, o qual so sairia violado caso o regime decorrente daquelas normas produzisse uma frustação intoleravel, arbitraria ou demasiado opressiva da expectativa dos destinatarios. XLV - Em sede de fiscalização preventiva, carece de sentido a identificação de "inconstitucionalidades consequenciais", porquanto, pronunciando-se o Tribunal pela inconstitucionalidade de certas normas, o ulterior expurgo ou reformulação dessas normas pelo orgão autor do diploma convalidara, por si so, o regime das demais normas do diploma na parte em que poderiam padecer de qualquer vicio que lhes houvesse sido "comunicado" pelas normas que se mostram desconformes a Constituição. XLVI - Sem prejuizo do que o Tribunal tem afirmado quanto a audição publica referente a normas contidas em autorizações legislativas - afirmação que passa pelo entendimento de que as leis de autorização legislativa estão sujeitas a audição previa prevista nos artigos 54, n. 5, alinea d) e 56, n. 2, alinea a), da Constituição, no que toca a legislação laboral -, tendo o diploma autorizado sido submetido a apreciação previa pelas organizações sindicais, sera de concluir que se encontra plenamente consumado o desiderato daqueles preceitos, pelo que se torna desnecessario apurar os termos e o alcance da audição relacionada com a lei de autorização legislativa. XLVII- Assim sendo, não se pronuncia o Tribunal pela inconstitucionalidade das normas do Decreto quando equacionadas a luz dos requisitos daqueles artigos. XLVIII-Embora a situação da pre-aposentação contemplada nas disposições conjugadas dos artigos 6, n. 1, alinea b) e 8 do Decreto não venha expressamente prevista na alinea b) do n. 1 do artigo 5 da Lei de autorização n. 2/92, ela deve ter-se por compreendida no ambito e sentido da autorização contida no citado preceito, porque alem de ser reconduzivel ao conceito amplo de "mecanismos selectivos de descongestionamento da função publica", ela traduz-se em soluções juridicas que, no seu essencial, podem ter-se por subsumiveis ao regime da aposentação voluntaria, para cuja regulação a aludida alinea b) constitui instrumento habilitador bastante. XLIX - Não extravasando as referidas normas o sentido da autorização legislativa, não padecem as mesmas de inconstitucionalidade organica. L - Atendendo a finalidade a que se subordina, no seu conjunto, a autorização contida na alinea a) do n. 1 do artigo 5 da Lei n. 2/92, que abrange "o regime juridico dos excedentes, o seu estatuto e o respectivo sistema de gestão", não parece crivel que em tal finalidade - a de "assegurar um melhor aproveitamento do pessoal e o mais largo aspectro possivel de saidas profissionais" - se possa incluir a "aposentação obrigatoria" a que se refere o artigo 21 do Decreto. LI - Tanto e assim que o legislador da Lei n. 2/92 curou de tratar autonomamente, na alinea b) do mesmo preceito, daquelas situações que, pela sua especifica natureza, devem ser entendidas como "extravasando" o sentido da autorização contida na precedente alinea a), nela contemplando, entre outros, um titulo habilitador especifico para a aposentação voluntaria, que assim não foi tida como elemento intrinseco do "estatuto" dos disponiveis, com o alcance que a este conceito se pode dar em função da formulação da alinea a). LII - Ora, se a "aposentação voluntaria" não se pode ter por compreendida no aludido conceito de "estatuto", muito menos o podera ser a "aposentação obrigatoria", pelo que sera de entender que o legislador governamental carecia de habilitação para regular o regime da aposentação obrigatoria dos disponiveis. LIII - Embora a "reserva de bases" não equivalha a uma reserva do regime juridico e, embora não seja, de facto, pacifica a determinação das materias que, em cada caso, hão-de ter-se por compreendidas no no conceito de "bases", sempre sera de entender que essa reserva de "bases" representa uma dimensão normativa, em extensão, inferior a da reserva integral das volições primarias compreendidas num regime juridico de materias constantes do elenco do artigo 168 da Constituição. LIV - O artigo 21 do Decreto, ao substituir a norma do artigo 16, n. 2, do Decreto-Lei n. 43/84, de 3 de Fevereiro, alterou os pressupostos da aposentação obrigatoria, substituindo o mecanismo alternativo previsto no Decreto-Lei n. 41/84, de 3 de Fevereiro, por um mecanismo unico de aposentação obrigatoria, alterando tambem os pressupostos quanto a duração da situação de disponibilidade, para aquele efeito, e aditou uma bonificação ao calculo da pensão, modificando, deste modo, em elementos essenciais, o regime anterior, o qual havia sido emitido com base numa credencial parlamentar que expressamente identificava a estabilidade desse mecanismo. LV - O aludido preceito, em função da materia em causa, reentra no ambito das "bases do regime e ambito da função publica", sem que para tal se vislumbre credencial parlamentar bastante no artigo 5 da Lei n. 2/92, pelo que viola o disposto na alinea v), do n. 1, do referido artigo 168, sendo, por isso, organicamente inconstitucional. |
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