Pareceres PGR

Parecer do Conselho Consultivo da PGR
Nº Convencional: PGRP00000328
Parecer: I001081990
Nº do Documento: PIN19910215010800
Descritores: COOPERAÇÃO JUDICIARIA INTERNACIONAL EM MATERIA PENAL
CONFERENCIA DOS MINISTROS DA JUSTIÇA DOS PAISES HISPANO-AMERICANOS
TRAFICO DE ESTUPEFACIENTES
SUBSTANCIA PSICOTROPICA
INFORMAÇÃO
ANTECEDENTE PENAL
REGISTO CRIMINAL
IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL
CERTIFICADO DO REGISTO CRIMINAL
EFEITO DA PENA
CORDENAÇÃO
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
ADESÃO A TRATADO
ASSINATURA DE TRATADO
Livro: 00
Pedido: 09/06/1990
Data de Distribuição: 10/12/1990
Relator: LOURENÇO MARTINS
Sessões: 00
Data Informação/Parecer: 02/15/1991
Data do Despacho da PGR: 02/25/1991
Sigla do Departamento 1: MJ
Entidades do Departamento 1: SEA DO MIN DA JUSTIÇA
Privacidade: [12]
Data do Jornal Oficial: 000000
Indicação 2: ASSESSOR: MEIRIM
Área Temática:DIR INT PUBL * TRATADOS / DIR PROC PENAL.
Ref. Pareceres:P000661984
P001981976
Legislação:DL 39/83 DE 1983/01/25 ART13 ART1 N2 N4 ART6 N4 ART13 A B.; CONST76 ART26 N1 N2 ART30 N4.; DL 60/87 DE 1987/02/02.; DL 305/88 DE 1988/09/02.; DL 43/91 DE 1991/01/22 ART1 ART3 ART4 ART135 N2 ART142 N4 ART151.
Direito Comunitário:
Direito Internacional:
Direito Estrangeiro:
Jurisprudência:
Documentos Internacionais:CONV EUR DE ENTREAJUDA JUDICIARIA PENAL DE 1959/04/20 ART13 ART22 ART26 N2
CONV ONU CONTRA O TRAFICO ILICITO DE ESTUPEFACIENTES E DE SUBSTANCIAS PSICOTROPICAS VIENA 1988/12/19
CONV EUR RELATIVA AO BRANQUEAMENTO DESPISTAGEM APREENSÃO E PERDA DE PRODUTOS DO CRIME
* CONT REF/COMP
Ref. Complementar:* CONT REDINT
CONV HLA SOBRE COMUNICAÇÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS E DE INFORMAÇÃO SOBRE CONDENAÇÕES JUDICIAIS POR TRAFICO ILICITO DE ESTUPEDACIENTES OU SUBSTANCIAS PSICOTROPICAS LISBOA 1984

Conclusões: Mostra-se conforme ao ordenamento juridico portugues a Convenção sobre Comunicação de Antecedentes Criminais e de Informação sobre Condenações Judiciais por Trafico Ilicito de Estupefacientes ou Substancias Psicotropicas, texto assinado ad referendum por Portugal durante a VI Conferencia de Ministros da Justiça dos Paises Hispano-Luso Americanos (Lisboa, 1984), não se vislumbrando obstaculo legal de adesão a mesma.

Texto Integral: SENHOR SECRETARIO DE ESTADO ADJUNTO
DO MINISTRO DA JUSTIÇA,
EXCELÊNCIA:


1

Teve lugar de 2 a 4 de Julho de 1990, em Buenos Aires, a VIII Conferência de Ministros da Justiça dos Países Hispano-Luso-Americanos dedicada ao tema da produção, tráfico e consumo de estupefacientes, na qual Vossa Excelência representou Portugal.

No ponto 2, alínea b) da "Acta final", a Conferência recomenda aos países membros que:

"Adoptem, na forma estabelecida pelo seu direito interno, a Convenção sobre comunicação de antecedentes criminais e de informação sobre condenações judiciais por tráfico ilícito de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas", que a VI Conferência (Lisboa 1984) aprovou e mereceu a adesão dos vários países membros"

2

No mesmo enquadramento, a Conferência recomendou também aos Governos dos países da comunidade hispano-luso-americana que cooperem com o Registo Central de Condenações por tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas que o Governo do Reino de Espanha se compromete a organizar com base na "Norma Reguladora do Registo" sobre a qual a Conferência se pronunciou favoravelmente e consta de um anexo à "Acta final".

Trata-se de algo semelhante a um "regulamento executivo daquela convenção, para o qual expressamente se afasta a sua inclusão na mesma, como resulta do intróito do anteprojecto dessa "Norma Reguladora de Registo".

Ouvido a Polícia Judiciária sobre a oportunidade de uma eventual adesão à Convenção (1) dignou-se Vossa Excelência solicitar o parecer da Procuradoria-Geral da República. Cumpre, pois, emiti-lo.

2

2.1. Na verdade, a VI Conferência de Ministros da Justiça dos Países Hispano-Luso- Americanos e Filipinos (designação dessa época) disse no item IV, 7, da sua "Acta final":

"Que para a eficaz prevenção e repressão do tráfico ilícito de drogas, adoptem com a maior brevidade possível a "Convenção sobre a comunicação de antecedentes criminais e de informações sobre condenações por tráfico ilícito de estupefacientes", aprovada pela Conferência (sublinhado agora) (2) ".



Incumbia-se ainda a Secretaria-Geral da Conferência de elaborar relatório sobre os resultados da aplicação dessa Convenção então adoptada bem como sobre "a possibilidade de criar um Registo Geral de condenações por crimes de tráfico ilícito de estupefacientes e/ou de substâncias psicotrópicas "(ponto 7 das recomendações à Secretaria-Geral).

2.2. Sucede que antes da discussão do projecto de "Convenção sobre a comunicação de antecedentes criminais havia sido ouvida a Procuradoria-Geral da República, que se pronunciou através da Informação nº 66/84, de 6.09.84 (3) .

Na parte que ora interessa, convirá extractar alguns pontos dessa informação, a fim de aquilatar em que medida se mantêm as observações feitas, nomeadamente perante a evolução legislativa entretanto verificada.

2.2.1. Disse-se o seguinte:



"O Projecto de Convenção sobre Comunicação de An-tecedentes Penais e Informação sobre condenações Judiciais por Tráfico Ilícito de Estupefacientes, como resulta do próprio título, abrange:

- o fornecimento de antecedentes penais me-diante solicitação concreta de cada Parte contratante e

- a informação espontânea, sistemática e periódica, das condenações penais proferidas nacionais dos Estados Partes da Convenção pelos Estados Partes onde tais condenações foram proferidas.

1 - Na generalidade

Adiante-se, desde já, que a aprovação do projecto não levanta obstáculo face ao ordenamento jurídico português.

Esta afirmação crê-se ser exacta quer em face da Constituição da República quer perante a lei ordinária, no caso o decreto-lei nº 39/83, de 25 de Janeiro, o último diploma que regulou a identificação criminal, vulgarmente conhecida pelo "registo criminal" (x1) .


2.1.1 - Na Constituição da República encontramos duas normas relacionadas com esta matéria: o artigo 26º, nºs 1 e 2 e o artigo 30º, nº 4.

Diz o primeiro (epígrafe: "outros direitos pessoais"):

“1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.

2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.

E no nº 4 do artigo 30º:

“Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos" (x2) .

Outras exigências da vida em sociedade, nomeadamente o próprio direito à segurança de cada cidadão (artigo 27º, nº 1, da CRP) levam a introduzir algumas restrições ao carácter absoluto daquelas normas do artigo 26º citado, restrições que devem, porém, ser limitadas “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".




É nesta perspectiva que se enquadra o diploma regulador do regime do registo criminal, instituto que embora seja portador ou, pelo menos, possa reflectir o estigma deixado pela intervenção formal da justiça, não é pensável que venha a ser dispensado nos tempos próximos.

Porque não se vê naquele diploma qualquer desconformidade constitucional, passamos de imediato ao exame das disposições pertinentes.

2.1.1 - A despeito de a temática do acesso aos dados do registo criminal ter merecido especiais condicionamentos, ficou consagrada, tal como já vinha, aliás, do antecedente, uma ampla capacidade de conhecimento de tais dados - os antecedentes criminais, que vão bastante além das simples condenações (artigo 3º) - para fins de investigação e instrução de processos criminais.

Dispõe o artigo 13º:

"Podem requisitar certificados de registo criminal:

a) os magistrados judiciais e do ministério público para fins de investigação criminal, de instrução de processos criminais, de execução de penas ou individuais de reclusos;

b) As entidades que, nos termos da lei, e sob orientação ou fiscalização do ministério público pratiquem actos de investigação criminal e para esse fim, incluindo a cooperação internacional, ou recebam delegação judicial para a prática de actos de instrução;

c ) As entidades com competência legal para a instrução dos processos individuais dos reclusos, com vista a esse fim".

Os certificados solicitados nos termos acabados de transcrever contêm a transcrição integral do registo criminal, com excepção das decisões canceladas definitivamente - (artigos 16º e 19º).

Mas o diploma em apreço inclui disposições sobre decisões proferidas contra cidadãos portugueses, no estrangeiro ou contra estrangeiros, julgados em Portugal, que importa destacar, e que facilitam "a priori" a execução do convénio agora em projecto, se vier a ser aprovado e entrar em vigor.

Assim, logo no nº 2, do artigo 19, depois de se fixar o âmbito da identificação criminal - "a recolha e conservação ordenada dos extractos das decisões proferidas por tribunais portugueses contra todos os indivíduos nele acusados" - diz-se:

"São também recolhidos os extractos de decisões da mesma natureza proferidas contra cidadãos portugueses por tribunais estrangeiros"

Quer dizer, portanto, que o registo criminal, no nosso país, abrange também o cadastro dos cidadãos estrangeiros julgados nos tribunais portugueses (v. ainda o nº 2 do artigo 5º) o que é, aliás, natural pois não passa de corolário do principio da territorialidade. Um cidadão estrangeiro pode permanecer no nosso país durante muito tempo; mesmo que expulso pode regressar; e, finalmente, a criminalidade é, cada vez mais, um fenómeno que não conhece fronteiras. Justifica-se, plenamente, esse registo de dados.

Mais se acrescenta no nº 4 do artigo 6º deste diploma:

"Os boletins (de registo criminal que irão constituir o cadastro) referentes a estrangeiros devem ser remetidos em duplicado aos serviços de identificação criminal, que darão a um dos exemplares o destino previsto nas convenções existentes".

Esta norma permitirá, pela sua ampla formulação, dar execução ao disposto no projecto de convénio, se aprovado, fazendo-se a remessa espontânea e sistemática dos antecedentes penais dos cidadãos estrangeiros dos países de que são nacionais.

Por outro lado, e voltando à faculdade de requisição de certificados, casuisticamente, o nº 4 do artigo 13º citado já permitia que tal fosse autorizado às entidades diplomáticas e consulares, observada a regra da reciprocidade, para a instrução processual. Reza o seguinte:

"As autoridades ou entidades diplomáticas e consulares estrangeiras podem ser autorizadas a requisitar certificados do registo criminal, nas mesmas condições das correspondentes autoridades nacionais, para instrução de processos criminais".

Resta aditar que as decisões proferidas por tribunais estrangeiros e incluídas, como vimos, no registo criminal, só serão transcritas nos certificados requisitados pelas autoridades judiciárias ou equiparadas (aludido artigo 13º) conforme se dispõe no nº 2 do artigo 16º.

Aspecto que, para agora, é de somenos importância pois o conhecimento de tais decisões interessará, em via de regra, aos tribunais e autoridades judiciárias portuguesas.

Resumindo: o diploma do registo criminal (a gestão dos arquivos compete ao Centro de Identificação Civil e Criminal (x3) oferece virtualidade para responder às eventuais exigências decorrentes do projecto de convénio, se aprovado, sem necessidade sequer de quaisquer adaptações. O sistema nacional prevê já o registo de decisões criminais proferidas contra cidadãos portugueses no estrangeiro bem como o registo das decisões criminais proferidas, em Portugal, contra cidadãos estrangeiros.

2.1.3 - O projecto ora em análise tem semelhanças evidentes com a Convenção Europeia de Entreajuda Judiciária em Matéria Penal (x4) de 20-4-59, na parte respectiva.



Para além de outros pontos, a que voltaremos na apreciação na especialidade, importa agora salientar o que se dispõe nos artigos 13º, 22º e 26º, nº 2, dessa Convenção.

O artigo 13º compõe, exclusivamente, o capítulo IV, sob o título "casier judiciaire" e refere:

“1. La Partie requise communiquera, dans la mesure où ses autorités judiciaires pourraient elles- mêmes les obtenir em pareil cas, les extraits du casier judiciaire et tous renseignements relatifs à ce dernier qui lui seront demandés par les autorités judiciaires d'une Partie Contractante pour les besoins d'une affaire pénale.

2. Dans les cas autres que ceux prévus au paragraphe Ier du présent article, il sera donné suite à pareille demande dans les conditions prévues para la législation, les règlements ou la pratique de la Partie requise".


Em situação paralela de contexto se encontra o artigo 22º, sob o título "échange d'avis de condamnation", onde se diz:

“1. Chacune des Parties Contractantes donnera à la partie intéressée avis des sentences pénales et des mesures postérieures qui concernent les ressortissants de cette Partie et ont fait l'object d'une inscription au casier judiciaire. Les Ministères de la Justice se communiqueront ces avis au moins une fois par an. Si la personne en cause est considéré comme ressortissante de deux ou plusieurs Parties Contractantes, les avis seront communiqués à chacune des Parties intéressées à moins que cette personne ne possède la nationalité de la Partie sur le territoire de laquelle elle a été condamnée.

2. Em outre, toute Partie Contractante qui a donné les avis précités communiquera à la Partie intéressée, sur sa demande, dans des cas particuliers, copie des sentences et mesures dont il s'agit, ainsi que tout autre renseignement si y réferant, pour lui permettre d'examiner si elles requièrent des mesures sur le plan interne. Cette communication se fera entre les Ministéres de la Justice intéressés" (x5)

Para o plano das relações com outros instrumentos convencionais prevê-se no citado nº 2 do artigo 26º:

"Toutefois la presente Convention n'affectera pas les obligations contenues dans les dispositions de toute autre convention internationale de caractére bilateral ou multilateral, dont certaines clauses régissent ou régiront, dans un domaine déterminé, l'entraide judiciaire sur des points particuliers".

O nº 3 seguinte veda às Partes a conclusão de acordos bilaterais ou multilaterais sobre entreajuda judiciária salvo para completar as disposições da Convenção.


Confrontando o projecto de convénio com os citados preceitos da Convenção Europeia de Entreajuda Judiciária em Matéria Penal verifica-se que contempla uma parcela da mesma (x6) em termos similares.

Como já se referiu, o corpo consultivo desta Procuradoria-Geral da República nada objectou, em geral, à ratificação dessa Convenção e, em particular, quanto aos preceitos agora em foco".

2.2.2. Na especialidade (4) formularam-se então várias observações com vista ao aperfeiçoamento do projecto a debater na VI Conferência.

E a conclusão da aludida Informação nº 66/84, era a seguinte:

"Não conflitua com o ordenamento jurídico português o Projecto de Convénio sobre Comunicações de Antecedentes Penais e de Informação sobre Condenações Judiciárias por Tráfico Ilícito de Estupefacientes, mostrando-se vantajosa a sua aprovação por Portugal, com as emendas ou alterações que se sugerem".


Pode dizer-se que praticamente a totalidade das críticas feitas mereceram acolhimento no texto que resultou da VI Conferência de Ministros da Justiça e que veio a ser aprovado.


3

Bastará então apreciar se a evolução legislativa ocorrida entretanto pode ter afectado a conclusão manifestada naquela informação nº 66/84.

3.1. A 2ª Revisão Constitucional - Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho - não buliu no conteúdo dos citados artigos 26º, nºs 1 e 2, 27º e 30º, nº 4, da Lei Fundamental.

Porém, o diploma do registo criminal, o Decreto-Lei nº 39/83, de 25 de Janeiro, foi objecto de duas alterações, a saber, o Decreto-Lei nº 60/ 7, de 2 de Feve-reiro e o Decreto-Lei nº 305/88, de 2 de Setembro.

O primeiro acrescentou um preceito ao artigo 13º, o artigo 13º-A, repristinador de uma disposição existente no Decreto-Lei nº 64/76, de 24 de Janeiro, a qual vai na linha de uma certa abertura de concessão de certificados de registo criminal a entidades oficiais - não apenas as entidades diplomáticas e consulares - "quando se mostrem necessários à prossecução de fins públicos a seu cargo e não possam ser obtidos dos próprios interessados". Tal autorização compete ao Ministro da Justiça mediante proposta fundamentada do Centro de Identificação Civil e Criminal (5).

Também o segundo trouxe algo de novo, em conexão com a matéria ora em análise.

Com efeito, o aditamento do artigo 13º-B veio permitir, igualmente mediante autorização do Ministro da Justiça, a requisição de informações sobre os antecedentes criminais, por entidades oficiais de Estados membros das Comunidades Europeias, nas mesmas condições das correspondentes autoridades nacionais" para certos fins mencionados na Directiva então introduzida na ordem interna.

3.2. Uma certa evolução ocorreu também relativamente à Con-venção Europeia atrás referida.

Na verdade, acaba de ser publicado o Decreto-Lei nº 43/91, de 22 de Janeiro (6) estabelecendo normas sobre cooperação judiciária internacional em matéria penal.

Diz-se no preâmbulo:

"Como não podia deixar de ser, ela (entenda-se, o di-ploma em causa) inspira-se nos princípios e normas das Convenções Europeias, em ordem a possibilitar a apli-cação dos instrumentos internacionais ratificados ou a ratificar por Portugal, sem embargo de servir para mais ampla cooperação internacional, especialmente baseada em relações de carácter bilateral" (sublinhados agora).



De seguida mencionam-se esses instrumentos que Portugal já assinou, mas ainda não ratificou, nos quais se insere a "Convenção de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal" e seu Protocolo Adicional (7) .

Entrando no texto do diploma haverá que salientar o disposto nos artigos 1º, 3º e algumas normas do Título VI.

Após se especificar o "auxílio Judiciário geral em matéria penal" como uma das formas de cooperação judiciária internacional (artigo 1º, alínea f)), logo no artigo 3º se põe em evidência o carácter subsidiário do diploma. Aí se consignou:

“1. As formas de cooperação a que se refere o artigo 1º regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma.

2. São subsidiariamente aplicáveis as disposições do Código de Processo Penal".


4

No título VI, sob a epígrafe "Auxílio judiciário geral em matéria penal", o nº 2 do artigo 135º refere-se à prestação de informações sobre "antecedentes penais de suspeitos, arguidos e condenados" como uma das modalidades desse auxílio.

Para certos pedidos de auxílio judiciário, nos quais se inclui o envio do certificado de registo criminal, prevê-se a transmissão directa às entidades competentes e a satisfação pela mesma forma (artigo 142º, nº 4).

Mais concretamente ainda dispõe o artigo 151º deste decreto-lei:

“1. O Ministério da Justiça comunica os antecedentes penais solicitados pelas autoridades judiciárias estrangeiras para os efeitos de processo penal seu cargo.


2. As entidades judiciárias portuguesas que necessitem, para efeitos de processo penal, dos antecedentes penais de um estrangeiro solicitam ao Ministério da Justiça que obtenha a correspondente informação junto do Estado da sua nacionalidade o de um terceiro Estado pelas vias previstas neste diploma".

E no artigo 152º seguinte estipula-se sobre o modo de pedir e fornecer informação atinente a extractos de sentenças e outras decisões de processo penal constantes do registo criminal.

3.3. Os mecanismos do Decreto-Lei nº 43/91 (em período de vacatio legis), diploma genérico de cooperação judiciária em matéria penal, assumem carácter subsidiário dos tratados, convenções ou acordos internacionais a que o Estado português se vincule, como já se salientou.

De qualquer modo, o fornecimento de antecedentes penais mediante solicitação concreta de um Estado, ainda que não previsto em instrumento internacional, seria sempre possível com base no princípio da reciprocidade, afirmado expressamente no artigo 4º do Decreto-Lei nº 43/91.

E repare-se que a satisfação de tais pedidos, extensivos a extractos de decisões, pode dizer respeito não apenas a antecedentes penais de estrangeiros como dos próprios nacionais portugueses.

3.4. No domínio específico da luta contra o tráfico ilícito de estupefaciente, Portugal assinou recentemente dois instrumentos internacionais onde se prevêem amplas medidas de cooperação no combate ao tráfico, nomeadamente ao branqueamento de dinheiro e produtos dele provenientes.

Trata-se da Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, adoptada pela Conferência das NU (Viena), na sua 6ª sessão plenária, de 19 de Dezembro de 1988.

A outra é a Convenção relativa ao branqueamento, despistagem, apreensão e perda de produtos do crime, pre-parada pelo Conselho da Europa, e aberta à assinatura no fim do ano passado, também assinada por Portugal.

3.5. Poderemos, nesta apreciação geral, concluir que a evolução legislativa verificada em nada prejudicou a opinião anteriormente expendida sobre a conformidade constitucional e com a legislação ordinária daquele projecto de Convenção que acabou por ser aprovado na VI Conferência (Lisboa, 1984).

Diríamos até que essa evolução confirma a justeza da linha de cooperação internacional aí definida especificamente para o combate ao tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

4

Passemos, de novo, uma mirada na especialidade.

4.1. Através do artigo 1º as Partes comprometem-se a prestar a mais ampla assistência possível nos procedimentos legais desenvolvidos contra o tráfico de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.

No artigo 2º consta a obrigação de transmissão casuística de extractos ou informações sobre antecedentes criminais conforme solicitação enviada nos termos do artigo 3º e transmitida pela via indicada no artigo 4º.

Dispensada da tradução bem como as formalidades de legalização e isenção de encargos (artigo 5º), prescreve-se no artigo 6º a fundamentação de eventual recusa de satisfação do pedido.

De acordo com o disposto no artigo 7º, as Partes obrigam-se a transmitir informação sistemática e periódica (uma vez por ano) sobre as sentenças criminais e medidas subsequentes que afectem os seus nacionais no domínio do tráfico de estupefacientes.

E seguem-se regras de "estilo" sobre ratificação, ade-são ou aceitação, entrada em vigor, denúncia e depósito dos instrumentos.

Enfim, um conjunto de preceitos hoje correntes em convenções do mesmo tipo, como atrás se deu conta.

4.2. Poderá perguntar-se se é justificada a adesão de Por-tugal a mais este instrumento face à lei interna sub-sidiária já referida e a outras convenções, nomeada-mente a das Nações Unidas (1988), que venha a ratifi-car.

A utilidade, pelo menos em teoria, parece facilmente defensável.

Basta atentar no universo não coincidente de países que aderem, aceitam ou ratificam cada uma essas convenções, para antever tal utilidade.

No caso concreto da presente convenção, embora somente ratificada pela Argentina, Espanha, Cuba, Chile e Uru-guai - para entrar em vigor apenas se exigia a ratifi-cação de dois Estados partes - não se poderá olvidar que na Conferência participam países como a Bolívia,

Colômbia, o México, o Perú e a Venezuela, entre outros. Ora, é do conhecimento público que uma forte corrente de tráfico, nomeadamente de cocaína, se dirige hoje no sentido América do Sul/Europa, pelo que um concerto reforçado no auxílio judiciário, ainda que em campo algo restrito, poderá sempre ser considerado benéfico (8) .

Posto que na margem de competência da Procuradoria-Geral da República sempre se poderá afirmar que a eventual adesão a mais esta convenção não aparece como acto despido de interesse prático.

4.3. Deste modo, pode repetir-se, actualizadamente, o juízo formulado em 1984, de não conflito das normas previstas na Convenção em apreço quer com o ordenamento constitucional quer com o ordenamento jurídico ordinário.


5

Como se viu - supra 2.1 - os países intervenientes na VI Conferência, entre os quais Portugal consideraram aprovado o texto da convenção sendo que a "Acta Final" da qual consta essa afirmação foi assinada "ad referendum".

Poderá dizer-se ter sido já assinada por Portugal esta convenção?


Diz A. AZEVEDO SOARES (10) :

"A negociação segue-se a fase da autentificação do texto, depois da qual este não pode ser alterado. A autentificação pode ser feita por intermédio de assinatura, quando o negociador está munido de plenos poderes para assinar, pela assinatura ad referendum, que se tornará definitiva após a sua confirmação, ou pela aposição de iniciais, a que se seguirá, naturalmente, a assinatura de um delegado com plenos poderes para o efeito …”.

A entender-se que a assinatura da "Acta Final" ad referendum contém implícita a assinatura da própria convenção, ignora-se, no entanto, se o Ministro da Justiça de Portugal estava munido de poderes bastantes para proceder aquela assinatura, significativa do termo das negociações e da aprovação do seu texto ou se, na hipótese negativa, foi confirmada posteriormente.

Sendo certo que a convenção não ficou qualquer prazo para a assinatura pareceria ainda possível efectuar agora a assinatura ou confirmá-la na hipótese de ao Ministro da Justiça não terem sido conferidos os respectivos poderes. Simplesmente como a convenção já se encontra em vigor - bastava a satisfação ou aceitação de dois Estados - o caminho a seguir será então da adesão, com os mesmos trâmites de ratificação (11) o que, aliás, se prevê no artigo 8º, nº 1 da convenção.



Compete ao Presidente da República ratificar os tratados internacionais depois de devidamente aprovados -artigo 138º, alínea b), da Constituição da República.

Ao Governo cabe, além de negociar e ajustar as convenções internacionais, aprová-las, com excepção das que são da competência da Assembleia da República - artigo 200º, nº 1, alíneas b) e c), também da CRP.

A aprovação pelo Governo de tratados ou acordos internacionais revestirá a forma de decreto - citado artigo 200º, nº 2 - a promulgar pelo Presidente da República nos termos da alínea b) do artigo 137º da Constituição, na versão de 1989.

Finalmente, embora a matéria em causa apresente alguma conexão com os "direitos, liberdades e garantias" - reserva relativa de competência legislativa da A.R. - demonstrado ficou que a convenção pode ser executada com base nas normas já existentes na legislação interna, pelo que não haverá que a submeter à apreciação da A.R.

Em conclusão:

6


Mostra-se conforme ao ordenamento jurídico português a Convenção sobre Comunicação de Antecedentes Criminais e de Informação sobre Condenações Judiciais por Tráfico Ilícito de Estupefacientes ou Substâncias Psicotrópicas, texto assinado ad referendum por Portugal durante a VI Conferência de Ministros da Justiça dos Países Hispano-Luso Americanos (Lisboa, 1984), não se vislumbrando obstáculo legal de adesão à mesma.


Lisboa, 15 de Fevereiro de 1991

O Procurador-Geral Adjunto,

(A. G. Lourenço Martins)





NOTAS:

(1) Que respondeu, "como força de segurança", não ver inconveniente ofício de 8.08.90.

(2) Na língua portuguesa, o título da convenção contem a referência não só a estupefacientes como a substâncias psicotrópicas.
Servimo-nos, na análise subsequente, de um exemplar proveniente do Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Justiça, que se dá como versão definitiva.

(3) Elaborada pelo signatário, com a qual se dignou concordar o Excelentíssimo Procurador-Geral da República (em exercício), tendo sido remetida ao Ministério da Justiça com o ofício nº 5373, de 6.08.84.

(x1) Dispõe o artigo 130º do Código Penal: "A inscrição no registo criminal das penas e medidas de segurança, bem como a reabilitação, para além do disposto no artigo 70º, será reguladas por legislação especial".

(x2) Norma que já fora incluído no Código Penal (artigo 65º) antes mesmo da revisão constitucional de 1982.

(x3) Cfr. Decretos-lei nºs 63/76 e 64/76, ambos de 24 de Janeiro.

(x4) Sobre esta Convenção se pronunciou a Procuradoria-Geral da República no Parecer nº 198/76, de 16-6-77 (v. também o Processo nº 58/82) tendo-se concluído que "interessa juridicamente a Portugal .... como instrumento eficaz da prevenção e repressão da criminalidade no plano internacional", sendo certo que os seus preceitos "não colidem com a ordem jurídica portuguesa", embora fosse sugerida a formulação de algumas reservas.
Todavia, esta Convenção Europeia ainda não foi ratificada, encontrando-se em curso, ao que parece, o seu processo de ratificação por Portugal.

(x5) Este número 2 foi introduzido pelo Protocolo Adicional, de 17-3-78.

(x6) A Convenção Europeia, para além de estender a entreajuda a todas as infracções, salvo as militares (com possibilidade de recusa quanto às infracções políticas ou conexas), refere-se ainda detalhadamente às cartas rogatórias (título II) ao cumprimento de certos actos de processo ou de execução de decisões, ao comparecimento de testemunhas, peritos ou pessoas arguidas (título III) à denúncia para fim de processo criminal (título VI), num total de 30 artigos.

(4) Cfr. ponto 2.2. da aludida Informação nº 66/84.

(5) No artigo 17º da Proposta de Lei nº 145/V "Lei de Identificação Civil e Criminal" publicada no DAR, II Série, nº 43, de 23.05.90, aprovada na generalidade e agora em discussão na especialidade, estão previstas normas homólogas das hoje vigentes (alíneas e) e f).
Aquela Proposta de Lei, se aprovada, e após regulamentação, revogará os actuais preceitos respeitantes ao Registo Criminal.

(6) Para entrar em vigor no dia 1 de Maio próximo (artigo 156º).

(7) Designação correspondente à que na Informação nº 66/84 se apelidou de "Convenção Europeia de Entreajuda Judiciária em Matéria Penal".

(8) Está fora do âmbito da consulta opinar sobre o Registo Central de Condenações, por tráfico ilícito de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, a organizar em Madrid, o qual surge como medida prática destinada a facilitar a consulta dessa informação (porventura sob forma mais expedita para o nosso país).

(10) "Lições de Direito Internacional”, 4ª edição, Coimbra, 1988, pág. 156.

(11) Segundo N. BESSA LOPES, "A Constituição e o Direito Internacional”
Codeco, 1979, pág. 48, não só a adesão como a declaração solene de aceitação, implica um processo interno de apreciação da própria conveniência e interesse para além do plano da legalidade, com que aqui nos preocupamos em vincular o país a um instrumento concreto de direito internacional.
Cf r. também J. SILVA CUNHA "Direito Internacional Público", 4ª edição, Coimbra, 1988, págs. 200 e segs.