Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19810/22.1T8SNT.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CLÁUSULA CONTRATUAL
REMISSÃO
INSTRUMENTO DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
CADUCIDADE
MATÉRIA DE FACTO
CASO JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Os factos apreciados positiva e negativamente na sentença proferida num processo não se impõem noutro processo, não tendo os mesmos qualquer “eficácia probatória” neste último.
II – Do facto de à trabalhadora, enfermeira, ter sido retirado pelo empregador um sistema de assistência médica e de comparticipação em medicamentos, consultas e exames, de que a mesma beneficiou durante mais de 35 anos, pode inferir-se, por presunção judicial, que a trabalhadora sentiu necessidade de subscrever um seguro de saúde para manter o nível de assistência médica e à saúde que antes detinha.
III – A aplicabilidade de um instrumento de regulamentação colectiva pode ser vinculativa para as partes quando convencionada em sede do contrato individual de trabalho entre elas ajustado através das denominadas cláusulas de remissão.
IV – Verifica-se um encontro de vontades entre as partes no sentido de as cláusulas de um AE ficarem “absorvidas” pelo contrato individual de trabalho se o empregador envia à trabalhadora a minuta de uma declaração com a menção de que é de preenchimento “obrigatório”, da qual consta que a trabalhadora “declara, para todos os efeitos, que adere a todas as condições de trabalho fixadas no AE” ali identificado e que as relações de trabalho entre as partes passam “a ser regidas pelas cláusulas daquele AE, que é globalmente mais favorável e ficam absorvidas pelo respetivo CIT", tendo a trabalhadora subscrito tal declaração.
V – Sendo convencionada nestes termos a aplicabilidade de um instrumento de regulamentação colectiva, a força vinculativa do mesmo equivale à força do próprio contrato individual.
VI – A remissão dinâmica do contrato de trabalho para o Acordo de Empresa não implica que a cessação de efeitos deste, enquanto fonte de vinculação entre os entes colectivos outorgantes, por força da sua caducidade em 28 de Abril de 2019, acarrete, do mesmo passo, a cessação dos efeitos das cláusulas do contrato de trabalho que assumiram a configuração das cláusulas do instrumento de regulamentação colectiva, por força do consenso das partes do contrato de trabalho, no exercício da sua autonomia privada, verificado em 01 de Setembro de 1997.
VII – Conforme convencionado, as cláusulas do AE ficaram “absorvidas” pelo contrato de trabalho em vigor entre as partes, incorporando o conteúdo deste, sem que para tanto releve ter o AE deixado de vigorar enquanto fonte de regulação colectiva.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:
П
1. Relatório
1.1. AA, intentou a presente acção declarativa comum contra Sindicato da Banca, Seguros e Tecnologias - Mais Sindicato, pedindo que seja o Réu condenado a ser condenado a:
A. cumprir todas as condições individualmente acordadas com Autor no contrato individual de trabalho;
B. reconhecer o direito da Autora aos benefícios do sistema de assistência à saúde do SAMS, de forma imediata, pagando o valor correspondente à compartipação que a Autora devia ter beneficiado pela sua despesa em medicamentos efectuada durante o ano de 2021 até ao momento, no montante a apurar nos presentes autos;
C. indemnizar a Autora pela despesa que esta se viu ainda obrigada a ter que subscrever seguros de saúde, conforme despesas supra identificadas, o que lhe causou um dano patrimonial total no valor de € 2.091,22;
D. reconhecer e atribuir a correcta retribuição à Autora e, pagar a título de retribuição base mensal o valor de € 2.220,49;
E. pagar os créditos laborais devidos a diferenças de retribuição base no valor de € 2.807,10 que não foram pagas no período de Janeiro de 2011 a Outubro de 2022, e a pagar todas os créditos laborais que não forem pagos desta natureza subsequentes até trânsito em julgado na presente acção;
F. pagar à Autora o valor correspondente a danos morais, em valor nunca inferior a € 3.000,00
G. pagar à Autora juros de mora sobre as quantias supra peticionadas, desde a data do seu vencimento, até integral e efectivo pagamento.
Para tanto alegou, em síntese: que celebrou um contrato de trabalho em 19 de Março de 1984 com a Ré, sendo ainda hoje trabalhadora da mesma na qual exerce as funções de Enfermeira; que em 01 de Setembro de 1997, o R. lhe enviou uma declaração de preenchimento obrigatório para sócios do SEP (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses), no âmbito da qual a A. declarou, para todos os efeitos, aderir a todas as condições de trabalho fixadas no Acordo de Empresa (AE) outorgado entre o R. e o SEP, publicado em BTE 1a série nº 31 de 22 de Agosto de 1996, passando as relações de trabalho entre as partes a ser regidas pelas cláusulas daquele AE, que ficam absorvidas pelo respetivo contrato individual de trabalho; que entre as normais cláusulas contratuais que constam nos contratos de trabalho (função ou categoria, valor da retribuição, local de trabalho, horário e período normal de trabalho, etc.), ficou previsto no seu contrato de trabalho (através da aplicação do ACT do sector bancário, publicado no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1984) que teria direito a receber um valor a título de doença (cláusula 139.ª), um valor a título de doença ou reforma (cláusula 139.ª), um valor a título de falecimento (cláusula 144.ª), os benefícios do SAMS (Serviço de Assistência Médico-Social), mediante pagamento das contribuições previstas no respectivo regulamento (cláusula 146.ª), e, ainda, a um prémio de antiguidade, quando completasse 15, 25 e 35 anos de bom e efectivo serviço, correspondente a um, dois ou três meses da sua retribuição mensal efectiva (cláusula 152.ª) tendo todas estas condições individualmente acordadas entre as partes sido pontualmente cumpridas; que em 21 de Setembro de 2011, a Ré denunciou o supra referido Acordo de Empresa, e após o processo negocial previsto no Código do Trabalho, o acordo de empresa cessou a sua vigência, por caducidade, no dia 28 de Abril de 2019 (conforme aviso sobre a data da cessação da vigência do AE, publicado no BTE n.º 23, de 22 de Junho 2020); que em 20 de Janeiro de 2021 a Ré celebrou um Acordo de Empresa com o Sindicato dos Enfermeiros (SE), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 9, de 8 de Março de 2021, tendo no dia 11 de Fevereiro de 2021 enviado comunicado aos trabalhadores, onde referia os mecanismos para que o novo AE fosse aplicado, mais referindo que a assistência em saúde no SAMS cessaria com a não adesão ao Acordo de Empresa ou caso não existisse sindicalização no Sindicato subscritor, com efeitos a 01 de Março de 2021; que em 01 de Abril de 2021 o R., cumprindo o que havia anunciado, deixou de aplicar as normas que tinha contratualizado no contrato individual de trabalho da A. no que respeita a comparticipação do SAMS nas despesas médicas, assistência na saúde, actualizações salariais (de acordo com o AE de 1996 que remete para o ACTV); que com a caducidade do AE de 1996 ficou, ao abrigo do seu contrato de trabalho de 1984, com as regras do ACTV dos bancários; que as regras e condições previstas no AE de 1996 ficaram absorvidas no seu contrato individual de trabalho, não podendo ser retiradas e que, ainda que o Acordo de Empresa tenha caducado, as condições dele constantes, porque incorporadas no seu contrato individual de trabalho, eram-lhe plenamente aplicáveis não aceitando qualquer modificação ou retirada aos direitos laborais de que era titular.
Realizada a audiência de partes, o R. apresentou contestação na qual defendeu a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido, e alegou, no essencial: que não só lhe não retirou (nem pretende retirar) o acesso ao SAMS, como a A. tem, querendo, o direito potestativo a beneficiar do mesmo, bastando apenas que o exerça através da filiação no sindicato outorgante do AE de 2021 (SE - Sindicato dos Enfermeiros), ou aderindo individualmente a esse AE (artigo 497.º do CT); que a A. não tem direito à actualizações salariais do ACTV por via da claúsula 3.ª, n.º 9, do AE de 1996, pois a R. denunciou o mesmo em 2011 e deixou de aplicar o ACTV desde então, designadamente no que diz respeito a actualizações salariais e subsídio de alimentação; que com a sua adesão ao AE de 996 a A. aceitou renunciar ao clausulado do seu contrato de trabalho nas matérias com ele conflituantes, e que a caducidade do AE não permite a repristinação do contrato de trabalho, passando a aplicar-se o Código do Trabalho com excepção das matérias do artigo 501.º, n.º 8, e que o AE de 2021 é o único instrumento normativo que rege o regime do SAMS.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e dispensada a enunciação dos temas da prova. Fixou-se à causa o valor de € 30.000,01.
Realizou-se audiência de discussão e julgamento e, em 16 de Janeiro de 2024, o Mmo. Julgador a quo proferiu sentença que julgou a improcedente a acção e, consequentemente, absolveu o réu dos pedidos contra si deduzidos pela autora.
1.2. A A., inconformada, interpôs recurso desta decisão e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
(...)
1.3. O R. apresentou resposta às alegações, defendendo que o recurso seja improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.
(…)
1.4. O recurso foi admitido por despacho de 23 de Maio de 2024, no qual o Mmo. Juiz da 1.ª instância se pronunciou pela inexistência de nulidades na sentença.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, em douto Parecer, no sentido de que o recurso não merece provimento.
Ambas as partes responderam a este Parecer, reiterando as posições antes assumidas, respectivamente, nas suas alegações.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
*
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – .artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação do tribunal são pela ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª da nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Processo Civil;
2.ª – da impugnação da decisão de facto no que concerne aos seguintes pontos da decisão: factos provados F., P., RR., e NN. e factos não provados sob os números 2., 5., 6., 7. e 8.;
3.ª – se a autora tem direito a manter, após a entrada em vigor do Acordo de Empresa celebrado entre o réu e o Sindicato dos Enfermeiros, publicado no BTE, n.º 9, de 08 de Março de 2021, os direitos e obrigações decorrentes do ACTV do sector bancário, publicado no BTE n.º 29, de 08 de Agosto de 2016, ou os decorrentes do Acordo de Empresa publicado no BTE, n.º 31, de 22 de Agosto de 1976;
4.ª – dos efeitos da aplicabilidade do clausulado destes instrumentos ao contrato de trabalho da autora, vg. no que concerne às peticionadas indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais.
*
3. Das nulidades
A recorrente argui a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b) e d) do CPC por entender que o Tribunal não se pronunciou, nem especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sobre duas questões e pedidos da petição inicial, nomeadamente o peticionado em D] e E], relacionado com a correcta retribuição base da A. e com o pagamento devido das diferenças salariais que não foram pagos pela R. no período de Janeiro de 2011 a Outubro de 2022, para além dos períodos subsequentes até trânsito em julgado da presente acção.
Reporta-se a recorrente aos pedidos de condenação da R. a reconhecer e atribuir a correcta retribuição à A. e pagar a título de retribuição base mensal o valor de €2.220,49 (dois mil, duzentos e vinte euros e quarenta e nove cêntimos) e a pagar as diferenças de retribuição base no valor de € 2.807,10 (dois mil, oitocentos e sete euros e dez cêntimos), que não foram pagas no período de Janeiro de 2011 a Outubro de 2022, e todos os créditos laborais que não forem pagos desta natureza subsequentes até trânsito em julgado.
Ainda neste quadro da nulidade decisória, invoca a recorrente que, relativamente à factualidade que releva no que toca a esta parte – que identifica como os pontos os pontos PP, QQ, RR, SS por forma a sustentar a sua decisão de improcedência dos pedidos formulados –, a sentença não refere qualquer justificação nem fundamento, não especificando os fundamentos de facto e de direito que fundamentaram a improcedência destes dois pedidos.
Comecemos pela imputada omissão de pronúncia.
A nulidade prevista na alínea d) do artigo 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – o juiz deixar “de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” – relaciona-se com o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, nos termos do qual “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” e “[n]ão pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Tem-se entendido que “questões”, para efeitos do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, são aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as excepções por elas assumidas1. Ou, numa outra formulação com o mesmo significado essencial, trata-se das “questões” que o juiz deve resolver na sentença, a que alude aquele normativo legal, e se relacionam com a definição do âmbito do caso julgado, não abrangendo os meros raciocínios, argumentos, razões, considerações ou fundamentos (mormente alegações de factos e meios de prova) produzidos pelas partes em defesa das suas pretensões2.
No caso em análise, as questões que a recorrente invoca não terem sido apreciadas reportam-se aos pedidos que formulou nas alíneas D) e E), acima transcritos, de reconhecimento do direito a um determinado valor de retribuição base e do pagamento das inerentes diferenças salariais.
Ora a sentença sob recurso, após emitir a decisão de facto – em que se pronunciou concretamente sobre os factos necessários ao conhecimento dos pedidos em causa, como reconhece a apelante –, analisou os factos provados e enfrentou a questão de saber se à relação contratual existente entre as partes se aplicam as regras constantes dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva em presença, com os decorrentes benefícios, ou não, e em que termos é que essa aplicação decorre, vindo a considerar que as declarações negociais emitidas em 01 de Setembro de 1997 implicariam uma cláusula estática no tocante à remissão para o Acordo de Empresa de 1996, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 31, de 22 de Agosto de 1996, o que implicaria que as normas constantes deste instrumento fizessem parte integrante do contrato de trabalho da Autora, sendo como tais indiferentes a qualquer caducidade daquele, mas, por ser a própria Autora a reconhecer que as sucessivas alterações ao Acordo de Empresa decorrentes da adesão (alterações posteriores e sucessivas publicadas no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1998, no BTE n.º 3, de 22 de Janeiro de 2001, no BTE n.º 21, de 08 de Junho de 2007 e no BTE n.º 43, de 22 de Novembro de 2007), lhe foram aplicadas sem quaisquer restrições, a remissão é dinâmica, e as normas do AE estavam sujeitas à caducidade, que operou.
E concluiu que, tendo ocorrido a caducidade do Acordo de Empresa de 1996, ao abrigo do qual a Autora pretende fazer valer os seus direitos, e não se tendo demonstrado a adesão da Autora ao Acordo de Empresa de 2021, nada mais lhe resta senão absolver a Ré de todos os pedidos contra esta formulados, vindo depois, em conformidade, a absolver a R. dos pedidos, incluindo os constantes das alíneas D) e E) da petição inicial.
Ora, se a A. fez radicar os pedidos formulados de actualização da retribuição base e subsídio de alimentação e inerentes diferenças salariais no indicado AE de 1996 entre o R. e o SEP – ao alegar no artigo 69.º da petição inicial que “[d]esde 2011 que A. deixou de ver actualizada a sua retribuição base, pese embora estivesse previsto no Acordo de Empresa outorgado entre a R. Sindicado dos Bancários do Sul e Ilhas (denominação dessa época) e o SEP – Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º31, de 22 de Agosto de 1996 (com alterações posteriores no BTE n.º28, de 29 de Julho de 1998; no BTE n.º3, de 22 de Janeiro de 2001; no BTE n.º21, de 08 de Junho de 2007; no Boletim do Trabalho e Emprego n.º43, de 22 de Novembro de 2007), na sua Cláusula 3.ª que as actualizações de natureza pecuniária previstas no ACTV do sector bancário seriam aplicáveis ao Acordo de Empresa aplicável à relação laboral entre A. e R” – é patente que a sentença se pronuncia sobre tais pedidos, e enuncia as razões por que o faz, quando afirma que este AE ao abrigo do qual a A. pretendia fazer valer os seus direitos caducou e que seria necessária a adesão individual da A. ao novo AE de 2021 e que tal tem como consequência a absolvição da R. de “todos os pedidos contra esta formulados”, vindo no dispositivo a expressar a sua decisão absolutória designadamente quanto aos pedidos das alíneas D) e E) acima identificados, reproduzindo expressis verbis as pretensões deles constantes.
Assim, não deixou de emitir pronúncia sobre aqueles pedidos, absolvendo a R. dos mesmos e expondo as razões que, naturalmente na sua perspectiva, eram suficientes para determinar aquela improcedência: não se aplicar ao contrato de trabalho em apreço o AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 31, de 22 de Agosto de 1996 (com as suas alterações posteriores) por o mesmo ter caducado e a A. não ter aderido as novo AE de 2021.
Apesar de se tratar de uma referência muito sucinta aos pedidos em análise, o Mmo. Juiz a quo fez incidir a sua atenção sobre os mesmos, emitindo pronúncia inequívoca quanto a eles e observando o disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC.
No que respeita à imputada falta de fundamentação – prevista como causa de nulidade da sentença na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil –, a análise da sentença denota que na mesma estão especificados os fundamentos de facto necessários ao conhecimento dos pedidos da petição inicial, como a própria recorrente acaba por reconhecer.
Quanto aos fundamentos de direito, decorre do já exposto que a decisão recorrida é efectivamente sucinta na fundamentação para a opção tomada de absolver a recorrida daqueles pedidos, sem dissecar designadamente, a amplitude temporal dos pedidos em causa e os termos em que neles se reflecte a caducidade do invocado instrumento de regulamentação colectiva, mas é possível apreender nela as razões em que assenta.
Cabe não esquecer os ensinamentos do Prof. Alberto dos Reis, a propósito desta causa de nulidade da sentença, quando adverte que “[h]á que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”3. No mesmo sentido, mais de meio século depois, decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2024-01-24, Proc. n. º 2529/21.8T8MTS.P1.S1, que a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, b), do CPC, só se verifica quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto e/ou de direito das decisões, não abrangendo as eventuais deficiências dessa fundamentação4.
Esta perspectiva é conforme com a ratio que subjaz à exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais (artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa), levando a que não se apode a decisão de nula, nestes termos, desde que permita ao cidadão destinatário da decisão apreender de modo suficiente as razões do decidido.
No caso vertente a fundamentação de direito é sucinta, dir-se-á, mesmo, demasiado sucinta, mas não deixou de ser feita e de ter âncora na decisão de facto, sendo que, quanto a esta, é a própria recorrente que, apesar de alegar que a sentença não especificou os fundamentos de facto dos pedidos das alíneas D) e E) (vide as conclusões I., WWWWWWW. e CCCCCCCC.) acaba por reconhecer que não há falta de fundamentação e inexiste mesmo qualquer deficiência a este nível, pois, segundo alega (vide a conclusão FFFFFFF.) o tribunal deu como provados os factos que, de acordo com a tese que advoga, justificam a procedência dos pedidos que formulou.
Não padece a sentença das arguidas nulidades previstas nas alíneas b) e d) do artigo 615.º do CPC.
Improcede, neste aspecto, o recurso.
*
4. Fundamentação de facto
*
4.1. Foi a seguinte a decisão de facto da 1.ª instância (transcreve-se a decisão para melhor compreensão da sua ulterior impugnação):
«A) Factos provados:
Face à prova produzida em audiência de julgamento:
A. A Autora celebrou um contrato de trabalho em 19 de Março de 1984 com a Ré, tendo esta empregadora outra denominação, nessa época, sendo a Autora ainda hoje trabalhadora da empregadora Ré.
B. Foi contratada para o desempenho das funções de Enfermeira.
C. Este início da relação laboral ocorreu após a Autora ter sido convocada, através de carta procedente do Conselho de Gerência, ref.a 48/CG, para entrevista às 19h na Rua... a 13 de Fevereiro de 1984.
D. A admissão da Autora no Centro Clínico XX aconteceu após deliberação do CG e publicado em acta com o nº 96 de 02/03/84, onde se lia no que me respeitava a certa altura:”...deliberado admitirem 19/03/1984, por proposta do Conselho de Gerência dos SAMS ficando integrada na carreira profissional do pessoal para-médico com o nível 5 as Enf.as AA....”.
E. A 01 de Outubro de 1984, a Autora foi colocada no Posto Clínico YY, (hoje Clínica ZZ), após solicitar transferência para o mesmo, que foi inaugurado nesta data e onde não foram colocadas alterações ao que tinha sido estipulado no acto de admissão.
F. A 19 de Março de 1986, a Autora foi promovida ao nível 6 por referência ao ACTV bancário, por antiguidade.
G. No mês de Janeiro de 1989, a Ré alterou o horário de trabalho de 6h para 7h com 1h de almoço, razão que levou a Autora, conjuntamente com outras colegas, propor uma acção em Tribunal de Trabalho, que teve resolução favorável no Supremo Tribunal de Justiça a 29/09/1993.
H. No número 6 deste acórdão alínea i' deu-se como provado: “Às relações laborais entre as autoras e o réu sempre se aplicou o instrumento de regulamentação colectiva do trabalho em cada momento vigente para o sector bancário
I. Em todos os IRCT supra identificados, previa-se os trabalhadores teriam direito a assistência médica através do SAMS.
J. Aos restantes trabalhadores Enfermeiros aplicava-se, ainda, desde 1994, as regras das “Normas Reguladoras da Prestação de Trabalho dos Enfermeiros”, que reproduzia, no fundo, o que já constava no ACT do sector bancário.
K. No ano de 1991, a Autora foi promovida por antiguidade ao nível 7.
L. No ano de 1993, a Autora foi promovida por antiguidade ao nível 8.
M. Em 18 de Julho de 1995, a Autora sofreu um corte do seu subsídio de doença, por iniciativa da Ré.
N. Em 26 de Junho de 1997, a Autor foi promovida por antiguidade ao nível 9.
O. Em 01 de Setembro de 1997, foi enviado à Autora, pela Direcção de Recursos Humanos da Ré, uma declaração de preenchimento obrigatório para sócios do SEP (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses), que se transcreve:
“DRH-Adesão ao Acordo dos Enfermeiros
A Enfermeira AA a exercer funções no Posto Clínico YY e abrangida pelo ACTV do sector bancário, solicitou a 11/08/1997 a sua eventual adesão ao AE dos Enfermeiros”
“Eu abaixo assinada, AA, sócio 17120 a) do SEP enfermeira ao serviço dos SAMS do SBSI declara, para todos os efeitos, que adere a todas as condições de trabalho fixadas no AE outorgado entre aquele sindicato e o dos Enfermeiros Portugueses, publicado em BTE 1a série nº31 de 22/8/96, passando as relações de trabalho entre as partes a ser regidas pelas cláusulas daquele AE, que é globalmente mais favorável e ficam absorvidas pelo respetivo CIT, a partir das datas na nota de Serviço Interna nº11/96. ”.
P. Provado apenas que o ACT do sector bancário, publicado no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1984) consagrava o direito (i) a receber um valor a título de doença (cfr. Cláusula 139.a), (ii) a um valor a título de doença ou reforma (cfr. Cláusula 139.a), (iii) a um valor a título de falecimento (cfr. Cláusula 144.a) (iv) aos benefícios do SAMS (Serviço de Assistência Médico-Social), mediante pagamento das contribuições previstas no respectivo regulamento (cfr. Cláusula 146.a), e, ainda, a um prémio de antiguidade, quando se completasse 15, 25 e 35 anos de bom e efectivo serviço, correspondente a um, dois ou três meses da sua retribuição mensal efectiva (cfr. Cláusula 152a).
Q. Todas estas condições individualmente acordadas entre as partes foram sendo pontualmente cumpridas.
R. Em 22 de Agosto de 1996, foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego o Acordo de Empresa outorgado entre a Ré Sindicado dos Bancários do Sul e Ilhas (denominação dessa época) e o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, publicado no BTE n.º 31, de 22 de Agosto de 1996 (com alterações posteriores no BTE n.º28, de 29 de Julho de 1998; no BTE n.º3, de 22 de Janeiro de 2001; no BTE n.º21, de 08 de Junho de 2007; no BTE n.º43, de 22 de Novembro de 2007).
S. Em 22 de Agosto de 1996, foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego o Acordo de Empresa outorgado entre a R. Sindicado dos Bancários do Sul e Ilhas (denominação dessa época) e o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, publicado no BTE n.º 31, de 22 de Agosto de 1996 (com alterações posteriores no BTE n.º28, de 29 de Julho de 1998; no BTE n.º3, de 22 de Janeiro de 2001; no BTE n.º21, de 08 de Junho de 2007; no BTE n.º43, de 22 de Novembro de 2007).
T. Assim, vinha previsto no referido Acordo de Empresa o seguinte: “Cláusula 95.a (e 93.a-C na revisão do AE em 2007)
Doença
1 — O SBSI garante a título de complemento de subsídio de doença a diferença entre a retribuição mensal efectiva líquida a que o trabalhador teria direito se não estivesse com baixa e os benefícios decorrentes de con tribuições para a segurança social com fundamento na prestação de serviços ao SBSI.
2 — O SBSI pode não atribuir o benefício a que se refere a presente cláusula nos casos de elevado absentismo.”
U. O mesmo sucedeu na Cláusula 96.a (e 93.a-D na revisão do AE em 2007) do Acordo de Empresa, que previa o seguinte:
“Cláusula 96.a (e 93. a-D na revisão do AE em 2007)
Invalidez ou reforma
Quando os enfermeiros passarem à situação de reforma da segurança social, o SBSI garante-lhes:
a) Um complemento de pensão de reforma, pago 12 vezes por ano, em função do tempo de serviço no SBSI, cujo montante mensal se calculará de acordo com a fórmula referida na alínea d);
b) Um complemento de pensão de reforma, referente ao subsídio de Natal, de montante igual ao referido na alínea a), a satisfazer no mês de Novembro;
c) Um complemento de pensão de reforma, referente ao 14.º mês, de montante igual ao referido na alínea a), a satisfazer no mês de Abril, sendo-lhe aplicável o princípio estabelecido no n.º 3 da cláusula 68.a;
d) O montante mensal do complemento de pensão de reforma referida na alínea a) é calculado de acordo com a fórmula seguinte: (...)”
V. O mesmo sucedeu na Cláusula 97.a do Acordo de Empresa (e 93.a-E na revisão do AE em 2007), que previa o seguinte:
“Cláusula 97." (e 93. a-E na revisão do AE em 2007)
Falecimento
1 — Por morte do enfermeiro o SBSI garante aos respectivos beneficiários os seguintes benefícios:
a) Um complemento de subsídio de morte correspondente à diferença entre seis mensalidades da retribuição mensal efectiva líquida a que o falecido teria direito e o valor pago a esse título pela segurança social;
b) Um complemento de pensão de sobrevivência, pago 12 vezes por ano, igual a 60% do valor do complemento de pensão de reforma a que o falecido teria direito, ou do complemento de pensão de reforma já em pagamento;
c) Um complemento de pensão de sobrevivência, referente ao subsídio de Natal, de montante igual ao referido na alínea b), a satisfazer no mês de Novembro;
d) Um complemento de pensão de sobrevivência, referente ao 14.o mês, de montante igual ao referido na alínea b), a satisfazer no mês de Abril, sendo-lhe aplicável o princípio estabelecido no n.º3 da cláusula 68.a.
2 — A determinação dos benefícios dos complementos previstos no n.º 1 far-se-á segundo as regras estabelecidas pelos organismos oficiais que atribuem os respectivos subsídios e pensões. (...)”
W. Também na Cláusula 99.a do Acordo de Empresa (e 99.a na revisão do AE em 2007) previa-se o seguinte:
“Cláusula 99.a Assistência médica
1 — Os enfermeiros e respectivo agregado familiar têm direito a assistência prestada pelo SBSI nos termos do respectivo regulamento.
2 — As contribuições para os SAMS do SBSI, previstas no respectivo regulamento para efeitos de atribuição/manutenção de direito à assistência, terão como limite mínimo o valor correspondente à aplicação das percentagens fixadas a 50% da remuneração do escalão 1. ”
X. E, na Cláusula 106.a do Acordo de Empresa (e 99.a na revisão do AE em 2007) previa-se o seguinte:
“Cláusula 106.0 Prémio de antiguidade
1 — Os enfermeiros no activo que completem 15, 25 e 35 anos de bom e efectivo serviço têm direito, nesse ano, a um prémio de antiguidade de valor igual, respectivamente, a um, dois ou três meses da sua retribuição mensal efectiva, calculada em função do disposto na cláusula 98.a.
2 — Os enfermeiros no activo que forem colocados na situação de invalidez ou reforma com mais de 25 e menos de 35 anos de bom e efectivo serviço, no momento da passagem a essa situação, têm direito à parte proporcional do prémio de antiguidade atribuído aos enfermeiros que perfazem 35 anos de bom e efectivo serviço, calculada na base de um décimo por cada ano completo de bom e efectivo serviço para além do 25. º.
3 — Para efeitos de aplicação dos números anteriores, considerar-se-ão todos os anos de serviço do SBSI. (...) ”
Y. A Autora subscreveu o Acordo de Empresa, o que o fez em 01 de Setembro de 1997, através de minuta fornecida pela Ré.
Z. Assim, a relação laboral decorreu sem grandes sobressaltos entre Autora e Ré, tendo sido pontualmente cumpridas todas as obrigações assumidas entre as partes.
AA. Quando a Autora completou 20 anos de antiguidade, em Março de 2004 (a Autora só recebeu aos 20 anos de antiguidade o prémio de 15 anos porque teve alguns dias sem trabalhar sem trabalhar em alguns anos de serviço); quando a Autora completou 25 anos de antiguidade (sem faltas) em 2014, a Ré efectuou o pagamento correspondente ao prémio de antiguidade de valor igual a duas retribuições mensais efectivas e; quando a Autora completou 35 anos de antiguidade em 2019, a Ré só não efectuou o pagamento correspondente ao prémio de antiguidade de valor igual a duas retribuições mensais efectivas porque a Autora tinha alguns anos de “penalização”, devido a não ter prestado trabalho por ausência por motivos médicos.
BB. A Autora teve sempre direito aos benefícios do SAMS, sem qualquer condicionamento.
CC. Em 21 de Setembro de 2011, a Ré denunciou o supra referido Acordo de Empresa de 2003, e após o processo negocial previsto no Código do Trabalho, o acordo de empresa cessou a sua vigência, por caducidade, no dia 28 de Abril de 2019, conforme informação constante sobre aviso sobre a data da cessação da vigência do acordo de empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de Junho 2020.
DD. A partir do início de 2020 e, em particular, do momento da referida publicação do aviso (22 de Junho de 2020), a Autora e a generalidade dos trabalhadores da Ré começaram a receber diversas comunicações internas da empregadora acerca dessa nova realidade.
EE. Durante o resto do ano de 2020 nenhum acontecimento especial sucedeu na relação laboral entre Autora e Ré, até que em 20 de Janeiro de 2021 a Ré celebrou um novo Acordo de Empresa, com o Sindicato dos Enfermeiros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 9, 8 de Março de 2021.
FF. Em 19 de Janeiro de 2021, a Ré enviou uma comunicação aos trabalhadores, onde publicitava as vantagens em subscrever o novo Acordo de Empresa, em comparação com o regime previsto no Código do Trabalho e no Contrato Colectivo da Hospitalização Privada.
GG. Uns dias mais tarde, em 28 de Janeiro de 2021, a Ré enviou novo comunicado a reforçar o seu entendimento de que o novo Acordo de Empresa era bastante vantajoso, anexando minutas de declarações de adesão ao mesmo, tendo no dia seguinte enviado novo e-mail com a divulgação do conteúdo do novo Acordo de Empresa.
HH. No dia 11 de Fevereiro de 2021, a Ré voltou a enviar novo comunicado aos trabalhadores, onde referia os mecanismos para que o novo Acordo de Empresa fosse aplicado, mais referindo que a assistência em saúde no SAMS cessaria com a não adesão ao Acordo de Empresa ou caso não existisse sindicalização do Sindicato subscritor, com efeitos a 1 de Março de 2021.
II. Em 26 de Fevereiro de 2021 a Ré enviou uma última comunicação a informar que a aplicação do sistema de saúde do SAMS seria aplicável aos trabalhadores até 31 de Março de 2021.
JJ. O Acordo de Empresa de 2021 só foi publicado, no entanto, no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 9, 8 de Março de 2021.
KK. A Autora, enviou duas comunicações à Ré, por cartas datadas de 25 de Fevereiro de 2021 e 04 de Março de 2021 onde comunicou o seguinte:
i) Que com a caducidade do AE de 1996, que ficou ao abrigo do seu contrato individual de trabalho inicial, com as regras do ACTV dos bancários;
ii) Que as regras e condições previstas no AE de 1996 tinham ficado absorvidas no seu contrato individual de trabalho, não podendo ser retiradas;
iii) Ainda que o Acordo de Empresa tenha caducado, as condições dele constantes, porque incorporadas no seu contrato individual de trabalho, eram-lhe plenamente aplicáveis;
iv) Não aceitaria qualquer modificação ou retirada aos direitos laborais de que era titular.
LL. A Ré não respondeu às duas cartas da Autora.
MM. A Autora deixou de beneficiar dos direitos relativos ao SAMS, deixando de beneficiar da comparticipação em medicamentos, consultas, exames complementares de diagnóstico.
NN. A Autora teve despesas em medicamentos e consultas conforme quadro que se indica infra:
(…)
OO. A Autora deixou de beneficiar do valor mais reduzido enquanto beneficiária do SAMS por cada uma das despesas que teve que efectuar supra, relativamente à totalidade de despesas que teve com actos médicos e medicamentos, no montante total de €1.564.24 (mil, quinhentos e sessenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos).
PP. Desde 2011 que Autora deixou de ver actualizada a sua retribuição base, pese embora estivesse previsto no Acordo de Empresa outorgado entre a Ré Sindicado dos Bancários do Sul e Ilhas (denominação dessa época) e o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, publicado no BTE n.º 31, de 22 de Agosto de 1996 (com alterações posteriores no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1998; no BTE n.º3, de 22 de Janeiro de 2001; no BTE n.º21, de 08 de Junho de 2007; no BTE n.º43, de 22 de Novembro de 2007), na sua Cláusula 3.a que as actualizações de natureza pecuniária previstas no ACTV do sector bancário seriam aplicáveis ao Acordo de Empresa aplicável à relação laboral entre Autora e Ré. 
QQ. Nesta sequência, sucederam as seguintes actualizações salarais previstas no ACTV do sector bancário, com efeitos aos seguintes anos:
a) Ano de 2011 - aumento salarial de 1,00% da retribuição base com efeitos a 01 de Janeiro desse ano, com aumento do subsídio de alimentação de €9,00 para €9,03 por cada dia trabalhado;
b) Ano de 2016 - aumento salarial de 0,75% da retribuição base com efeitos a 01 de Janeiro desse ano, com aumento do subsídio de alimentação de €9,03 para €9,10 por cada dia trabalhado;
c) Ano de 2017 - aumento salarial de 0,75% da retribuição base com efeitos a 01 de Janeiro desse ano, com aumento do subsídio de alimentação de €9,10 para €9,17 por cada dia trabalhado;
d) Ano de 2018 - aumento salarial de 1,00% (para níveis 7 a 9, que o é caso da Autora) da retribuição base com efeitos a 01 de Janeiro desse ano, com aumento do subsídio de alimentação de €9,17 para €9,50 por cada dia trabalhado;
e) Ano de 2019 - aumento salarial de 0,80% (para níveis 7 a 9, que o é caso da Autora) da retribuição base com efeitos a 01 de Janeiro desse ano, com aumento do subsídio de alimentação de €9,50 para €9,65 por cada dia trabalhado
f) Ano de 2020 - aumento salarial de 0,30% da retribuição base com efeitos a 01 de Janeiro desse ano, com aumento do subsídio de alimentação de €9,65 para €9,72 por cada dia trabalhado;
g) Ano de 2021 - aumento salarial de 1,10% da retribuição base com efeitos a 01 de Janeiro desse ano, com aumento do subsídio de alimentação de €9,72 para €9,90 por cada dia trabalhado.
R. Até à entrada em vigor de um Acordo de Empresa específico da área de enfermagem (o que só ocorreu em 1996), a Ré, em matéria de retribuição, aplicava, por referência, aos seus trabalhadores. as tabelas salariais do ACTV Bancário;
SS. Na cláusula 3.a do Acordo de Alteração do Contrato Individual de Trabalho, menciona-se “Compromete-se ainda o segundo outorgante a promover a primeira outorgante ao nível 9, da tabela salarial vigente nos SAMS/SBSI (…)”
TT. No que diz respeito aos trabalhadores médicos, a Ré efetivamente decidiu, por ato de gestão, estender-lhes o benefício do SAMS (nos termos previstos no Acordo de Empresa celebrado com a FETESE, em 2021, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 8 de março de 2021).
UU. A Ré, em 2021, atribuiu a todos os trabalhadores, incluído à Autora um aumento salarial aos trabalhadores cuja relação de trabalho não está regulada pelo ACT do setor bancário: (i) 1% para os trabalhadores com remuneração até aos 1000€; (ii) 0,75% para os trabalhadores com remuneração superior a 1000€ e inferior a 2000€; e (iii) 0,5% para os trabalhadores com ordenado superior a 2000€.
VV. Aquando da celebração pela Ré, em 22 de Agosto de 1996, do Acordo de Empresa de 1996 com o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, a Ré fez circular uma nota de serviço interna.
WW. Com a entrada em vigor do Acordo de Empresa de 1996, as relações laborais dos trabalhadores da Ré passaram a reger-se, a título principal, por esta convenção coletiva de trabalho, que passou a regular as mesmas matérias antes tratadas por outras normas regulamentares ou pelos contratos individuais de trabalho.
XX. A Autora aderiu ao Acordo de Empresa de 1996 em 1 de Setembro de 1997, através de declaração de adesão e no âmbito da qual declarou “para todos os efeitos, que adere a todas as condições de trabalho fixadas no Acordo de Empresa outorgado entre o aquele Sindicato e o dos Enfermeiros Portugueses (...), passando as relações de trabalho entre as partes a ser regidas pelas cláusulas daquele Acordo de Empresa, que é globalmente mais favorável e ficam absorvidas pelo respetivo contrato individual de trabalho”.
YY. A Ré celebrou em 22 de Agosto de 1996 um Acordo de Empresa com o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, o Acordo de Empresa de 1996, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 31, de 22 de Agosto de 1996, com as alterações posteriores e sucessivas publicadas no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1998, no BTE n.º 3, de 22 de Janeiro de 2001, no BTE n.º 21, de 08 de Junho de 2007 e no BTE n.º 43, de 22 de Novembro de 2007.
ZZ. O mencionado Acordo de Empresa, na revisão do Acordo de Empresa em 2007, a propósito do benefício SAMS, estabelecia na cláusula 99.a (“Assistência médica”) que: “1 — Os enfermeiros e respectivo agregado familiar têm direito à assistência prestada pelos SBSI nos termos do respectivo regulamento. 2 — As contribuições para os SAMS do SBSI, previstas no respectivo regulamento para efeitos de atribuição/manutenção do direito à assistência, terão como limite mínimo o valor correspondente à aplicação das percentagens fixadas a 50% da remuneração do escalão 1
AAA. Ainda no mesmo Acordo de Empresa, no âmbito da revisão do Acordo de Empresa operada em 2007, a propósito do complemento de reforma, estabelecia-se na cláusula 93.a-D (“Reforma”) que: “I — Quando os trabalhadores passarem à situação de reforma da segurança social, o SBSI garante-lhes: a) Um complemento de pensão de reforma, pago 12 vezes por ano, em função do tempo de serviço no SBSI, cujo montante mensal se calculará de acordo com a fórmula referida na alínea d); b) Um complemento de pensão de reforma, referente ao subsídio de Natal, de montante igual ao referido na alínea a), a satisfazer no mês de Novembro; c) Um complemento de pensão de reforma, referente ao 14.º mês, de montante igual ao referido na alínea a), a satisfazer no mês de Abril, sendo-lhe aplicável o princípio estabelecido no n.º 3 da cláusula 68 a.) ; d) O montante mensal do complemento de pensão de reforma referida na alínea a), calculado de acordo com a fórmula seguinte (…)”.
BBB. No que diz respeito ao complemento de pensão de sobrevivência, na revisão do Acordo de Empresa em 2007 a cláusula 93.a-E (“Falecimento”) determinava que: “I — Por morte do trabalhador o SBSI garante aos respectivos beneficiários os seguintes benefícios: a) Um complemento de subsídio de morte correspondente à diferença entre seis mensalidades da retribuição mensal efectiva líquida a que o falecido teria direito e o valor pago a esse título pela segurança social; b) Um complemento de pensão de sobrevivência, pago 12 vezes por ano, igual a 60% do valor do complemento de pensão de reforma a que o falecido teria direito, ou do complemento de pensão de reforma já em pagamento; c) Um complemento de pensão de sobrevivência, referente ao subsídio de Natal, de montante igual ao referido na alínea b) a satisfazer no mês de Novembro; d) Um complemento de pensão de sobrevivência, referente ao 14.º mês, de montante igual ao referido na alínea b) a satisfazer no mês de Abril, sendo-lhe aplicável o princípio estabelecido no n.º 3 da cláusula 68 a. 2 — A determinação dos benefícios dos complementos previstos no n.º 1 far-se-á segundo as regras estabelecidas pelos organismos oficiais que atribuem os respectivos subsídios e pensões ”.
CCC. A propósito do subsídio de doença, e na sequência da referida revisão do Acordo de Empresa de 2007, a cláusula 93.a-C (“Doença”) estabelecia que: “1 - O SBSI garante a título de complemento de subsídio de doença a diferença entre a retribuição mensal efetiva líquida a que o trabalhador teria direito se não estivesse com baixa e os benefícios decorrentes de contribuições para a segurança social com fundamento na prestação de serviços ao SBSI. 2 - O SBSI pode não atribuir o beneficio a que se refere a presente cláusula nos casos de elevado absentismo’.
DDD. A cláusula 106.º (“Prémio de antiguidade”), com redação resultante da revisão do Acordo de Empresa operada em 2007. estabelecia ainda que: “I- Os enfermeiros no activo que completem 15, 25 e 35 anos de bom e efectivo serviço têm direito, nesse ano, a um prémio de antiguidade de valor igual, respectivamente, a um, dois ou três meses da sua retribuição mensal efectiva (...)
EEE. A Ré, em 21 de Setembro de 2011, denunciou o Acordo de Empresa de 1996.
FFF. Após a referida denúncia, a Ré e o SEP encetaram negociações diretas e promoveram junto da Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (“DGERT”) um processo de conciliação e um de mediação, tendo todos os procedimentos sido encerrados sem que as partes tivessem chegado a um acordo.
GGG. Nesta sequência, depois de longas e infrutíferas negociações e respeitado que foi o processo de sobrevigência do referido Acordo de Empresa de 1996 este cessou a sua vigência, por caducidade, em 28 de Abril de 2019, conforme publicação do aviso sobre a data da cessação da vigência do acordo de empresa, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de junho de 2020.
HHH. Na sequência de tal caducidade, e porque as partes não chegaram a acordo quanto aos efeitos do Acordo de Empresa de 1996 que se deveriam manter à luz do qual, “Após a caducidade e até à entrada em vigor de outra convenção ou decisão arbitral, mantêm-se os efeitos acordados pelas partes ou, na sua falta, os já produzidos pela convenção nos contratos de trabalho no que respeita à retribuição do trabalhador, categoria e respetiva definição, duração do tempo de trabalho e regimes de proteção social cujos benefícios sejam substitutivos dos assegurados pelo regime geral de segurança social ou com protocolo de substituição do Serviço Nacional de Saúde, de parentalidade e de segurança e saúde no trabalho”.
III. A Ré comunicou que, face à caducidade do Acordo de Empresa de 1996, “manter-se-ão em vigor as seguintes cláusulas do mencionado Acordo de Empresa: Retribuição: cláusulas 11.º; 59.º; 60.º; 61.º; n.º1; e 62.º; Categoria e respetiva definição: cláusula 7.º; Duração do tempo de trabalho: cláusula 28.º, n.º 2 e 3; Parentalidade: cláusulas 100.º e 102.º, com as atualizações do Código do Trabalho, na atual redação; Higiene e Segurança no Trabalho: Lei 102/2009, de 10 de setembro. Adicionalmente, o SBSI concede manter os benefícios socais de assistência médica, subsídio infantil e subsídio de estudo, pelo período de 6 meses ou prazo inferior se as negociações do novo acordo de empresa terminarem antes do referido período”.
JJJ. O mencionado Acordo de Empresa de 2021, celebrado entre a Ré e o SE, a propósito do benefício SAMS, estabelece na cláusula 60.ª (“Assistência médica”) que: A. “1. Os enfermeiros com horário semanal igual ou superior a 35 horas semanais, admitidos até 31 de dezembro de 2020, têm, conjuntamente com o seu agregado familiar, direito à assistência médica prestada pelo MAIS Sindicato, mediante comparticipação no valor de 1,5% da sua retribuição.
2. Os enfermeiros com horário semanal entre as 25 horas e a 34 horas semanais, admitidos até 31 de dezembro de 2020, têm, conjuntamente com o seu agregado familiar, direito à assistência médica prestada pelo MAIS Sindicato mediante comparticipação no valor de 1,5% da sua retribuição, tendo por referência o horário das 35 horas semanais.
3. Os enfermeiros com horário semanal inferior a 25 horas semanais e admitidos até 31 de dezembro de 2020, não terão direito à assistência médica prestada pelo MAIS Sindicato.
4. Os enfermeiros com horário semanal igual ou superior a 35 horas semanais e admitidos a partir de 1 de janeiro de 2021, têm, mediante comparticipação no valor de 1,5% da sua retribuição, direito à assistência médica prestada pelo MAIS Sindicato, não sendo, todavia, tal regime extensível ao seu agregado familiar.
5. Os enfermeiros com horário semanal inferior a 35 horas semanais e admitidos a partir de 1 de janeiro de 2021, não terão direito à assistência médica prestada pelo MAIS Sindicato.
6. O presente regime é objeto de regulamentação autónoma e especifica”.
KKK. Qualquer trabalhador poderia (e pode) beneficiar do regime SAMS através da filiação no sindicato outorgante do atual Acordo de Empresa em vigor ou mediante adesão individual ao Acordo de Empresa.
LLL. Sendo as duas vias de solução do conhecimento da Autora.
MMM. A Ré sempre os alertou, incluindo a Autora, que os benefícios previstos no Acordo de Empresa de 1996 iriam ser substituídos pelo Acordo de Empresa de 2021, tendo emitido diversos comunicados onde, nomeadamente, sugeriu a adesão individual dos trabalhadores não filiados a este novo Acordo de Empresa.
B) Factos não provados:
1. O contrato de trabalho referido em A. supra foi celebrado a termo certo.
2. Nesta entrevista foi dito que a Autora seria abrangida pelo Contrato Coletivo dos Bancários e atribuído o nível 5.
3. Para dar como executada a decisão do Acórdão proferida pelo Supremo, mais anos decorreram até se ter chegado a um acordo com o SBSI- Mais Sindicato em 26 de Junho de 1997, onde teve lugar a um Acordo de Alteração do Contrato Individual de Trabalho, que resultou: “A primeira outorgante aceita praticar o horário de trabalho regular ou por turnos que lhe for determinado pelo segundo outorgante, em conformidade com os horários vigentes nos serviços deste, mantendo como CIT o ACT bancário ”.
4. A Autora, desde o primeiro momento e assim que recebeu a primeira comunicação a este respeito, informou a Ré que não aceitaria qualquer retirada dos direitos de que era titular.
5. A Autora viu-se ainda obrigada a ter que subscrever seguros de saúde o que lhe causou um dano patrimonial total no valor de €2.091,22 (dois mil e noventa e um euros e vinte e dois cêntimos).
6. A Autora sentiu-se usada e vexada pela Ré.
7. Já que a Ré coloca dolosamente a Autora numa situação de desconsideração profissional e até pessoal perante os colegas de trabalho, que lhe acarretou vexame e humilhação perante si próprios e terceiros.
8. Em consequência das atitudes da Ré, em manifesto abuso de poder e de má-fé, a Autora sofreu de profunda angústia, um crescente stress e ansiedade, sentindo que depois de tanta dedicação e empenho na execução do seu trabalho, foi tratado com total indiferença e desprezo, que para além de ter afectado a sua dignidade profissional, afectou igualmente a sua estabilidade psicológica e emocional, bem como da sua família.»
*
4.2. Como se deduz das conclusões e do corpo das alegações, a A. apelante impugna a decisão de facto fixada na 1.ª instância no que concerne aos factos provados F., P., RR., e NN. e aos factos não provados sob os números 2., 5., 6., 7. e 8..
Mostram-se cumpridos, de modo suficiente, os ónus de impugnação prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art.º 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho no que diz respeito a estes pontos da decisão.
Foram reanalisados nesta instância todos os elementos probatórios que integraram a instrução dos presentes autos em 1.ª instância, ouvindo-se toda a prova pessoal produzida no julgamento que se realizou e analisando a documentação constante deste processo, conferindo particular atenção aos documentos e passagens da gravação assinalados pelas partes nas suas alegações e contra-alegações de recurso.
Cabe pois averiguar, examinando a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, ponderando as provas documentais e gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos, bem como procurando a sua própria convicção face à prova produzida, se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação, impondo-se uma decisão diversa nesta instância (cfr. o artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Vejamos.
4.2.1. Quanto aos factos provados F., P. e RR. e ao ponto 2. dos factos não provados
Ficou provados em tais pontos da decisão que:
“F. A 19 de Março de 1986, a Autora foi promovida ao nível 6 por referência ao ACTV bancário, por antiguidade.
(…)
P. Provado apenas que o ACT do sector bancário, publicado no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1984) consagrava o direito (i) a receber um valor a título de doença (cfr. Cláusula 139.a), (ii) a um valor a título de doença ou reforma (cfr. Cláusula 139.a), (iii) a um valor a título de falecimento (cfr. Cláusula 144.a) (iv) aos benefícios do SAMS (Serviço de Assistência Médico-Social), mediante pagamento das contribuições previstas no respectivo regulamento (cfr. Cláusula 146.a), e, ainda, a um prémio de antiguidade, quando se completasse 15, 25 e 35 anos de bom e efectivo serviço, correspondente a um, dois ou três meses da sua retribuição mensal efectiva (cfr. Cláusula 152a).
(…)
RR. Até à entrada em vigor de um Acordo de Empresa específico da área de enfermagem (o que só ocorreu em 1996), a Ré, em matéria de retribuição, aplicava, por referência, aos seus trabalhadores. as tabelas salariais do ACTV Bancário;
Considerando o tribunal a quo como “não provado” que:
2. Nesta entrevista foi dito que a Autora seria abrangida pelo Contrato Coletivo dos Bancários e atribuído o nível 5.
A recorrente defende que os primeiros três pontos da decisão passem a ter distinta redacção, a saber:
- quanto ao facto F. devia ter sido dado como provado que “A 19 de Março de 1986, a Autora foi promovida ao nível 6 do sector bancário, por antiguidade", atento o facto do ACTV do sector bancário ser o IRCT aplicável à relação laboral e não que tal tenha sido feito por “referência";
- quanto ao facto RR, devia ter sido dado como provado que “Até à entrada em vigor de um Acor[d]o de Empresa específico da área de enfermagem (o que só ocorreu em 1996), a Ré, em matéria de retribuição, aplicava, aos seus trabalhadores, as tabelas salariais do ACTV Bancário", atento o facto do ACTV do sector bancário ser o IRCT aplicável às relações laborais desta carreira e não que tal tenha sido feito por "referência":
- quanto ao facto P., devia ter sido dado como provado que “Entre as normais cláusulas contratuais que constam nos contratos de trabalho [função ou categoria, valor da retribuição, local de trabalho, horário e período normal de trabalho, etc.), ficou previsto no contrato de trabalho (através da aplicação do ACT do sector bancário, publicado no BTE n.º28, de 29 de Julho de 1984) que a A. teria direito (i) a receber um valor a título de doença (cfr. Cláusula 139.ª), (ii) a um valor a título de doença ou reforma (cfr. Cláusula 139.ª), (iii) a um valor a título de falecimento (cfr. Cláusula 144.ª) (iv) aos benefícios do SAMS (Serviço de Assistência Médico-Social), mediante pagamento das contribuições previstas no respectivo regulamento (cfr. Cláusula 146.ª), e, ainda, a um prémio de antiguidade, quando completasse 15, 25 e 35 anos de bom e efectivo serviço, correspondente a um, dois ou três meses da sua retribuição mensal efectiva (cfr. Cláusula 152.ª).", por ter sido de facto o que foi acordado entre as partes no início da relação laboral.
E sustenta se considere provado que “2 - No início da relação laboral, foi dito que a Autora seria abrangida pelo ACTV dos bancários e atribuído 0 nível 5", em vez de “não provado”, como ficou no ponto 2. da sentença.
Invoca a prova documental reproduzida no facto H. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que contém numa alínea do seu elenco de facto que “Às relações laborais entre as autoras e o réu sempre se aplicou o instrumento de regulamentação colectiva do trabalho em cada momento vigente para o sector bancário”) e a declaração enviada pela Direcção de Recursos de Humanos da R., à A. em 26 de Junho de 1997, constante do facto provado O., bem como os depoimentos de BB e da testemunha CC.
Das diferenças de redacção propostas, infere-se que a recorrente pretende, essencialmente, ver constar da decisão que, quando foi admitida, acordou com a recorrida que lhe seria aplicável o ACTV do sector bancário (facto 2.), que quando foi promovida aos indicados níveis, foi ao próprio nível do ACTV e não “por referência” a ele (facto F.), que a R. aplicava aos seus trabalhadores as tabelas salariais do ACTV do sector bancário (facto RR.) e que ficou previsto no seu contrato de trabalho, através da aplicação do ACT do sector bancário, que a A. teria os direitos constantes das cláusulas do mesmo que a sentença reproduziu na matéria de facto (facto P.).
Ora, quanto ao que ficou indicado como facto provado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1993.09.29, referido no facto H., deve dizer-se que, embora uma decisão judicial se corporize num documento público dotado de eficácia probatória plena, os factos apreciados positiva e negativamente na sentença proferida num processo não se impõem noutro processo, não tendo os mesmos qualquer “eficácia probatória” no segundo. A sentença prova plenamente apenas a realização do julgamento (os actos praticados pelo juiz), mas não a realidade dos factos dados como provados, pelo que os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente5.
No que respeita à afirmação dos Recursos Humanos da R. de que a A. se encontra “abrangida” pelo ACTV do sector bancário (facto O.), não é de molde a poder afirmar-se que a R. efectivamente aplicava à A. o clausulado daquele ACTV. Trata-se de uma afirmação dos Recursos Humanos, que não é fonte de vinculação da R. e que pouco esclarece quanto aos termos da abrangência ali referida, sendo certo que prova testemunhal invocada pela recorrente não confirma que à relação laboral sub-judice o R. aplicasse directamente o ACTV do sector bancário.
Com efeito, a própria testemunha BB, Chefe de Serviços da R. que a recorrente invocou nas suas alegações, afirmou que as revisões salariais que tinham anualmente “por norma estavam indexadas aos aumentos que eram dados à banca”, que “as negociações acompanhavam as negociações da banca” e que “as percentagens que se aplicavam na Banca por norma eram aplicáveis aos trabalhadores do sindicato”, o que mais se coaduna com os termos em que o Mmo Juiz a quo decidiu os factos impugnados do que com aqueles que a recorrente pretende ver provados.
E o mesmo se diga quanto à outra testemunha invocada pela recorrente, CC (trabalhador do R. desde 1979), que denotou conhecer os factos a que depunha e que, fazendo um enquadramento histórico, afirmou que os Acordos de Empresa “aparecem já em 95/96, após a abertura do hospital do SAMS” que foi o grande marco, e que, até lá, na regulamentação da carreira dos enfermeiros vigoravam essencialmente os “contratos individuais de trabalho” e, depois, umas “normas que foram responder a alguma regulamentação do ACTV”, pois na altura (79/80), havia enfermeiros nos bancos (o que depois acabou) e o ACTV “também regulamentava a carreira dos enfermeiros”, justificando deste modo que se tenha ido ao ACTV “beber algum do normativo” nesta matéria. Esclarece, depois, que estas “normas eram avulsas e de alguma forma regulamentavam as respectivas carreiras”, o que está em conformidade com o documento junto a fls. 24 verso a 38 verso, intitulado “Normas Reguladoras da Prestação de Trabalho dos Enfermeiros”, que corrobora este depoimento. Mas não vislumbramos que afirme no seu depoimento a aplicação directa do ACTV do sector bancário, nem a recorrente invoca qualquer excerto do mesmo em que a testemunha o faça.
É ainda de notar que no documento de fls. 125, subscrito por ambas as partes e datado de 26 de Junho de 1997, que demonstra a promoção da A. ao nível 9 referida no facto N., é dito expressamente que o R. se compromete a promover a A. “ao nível 9 da tabela salarial vigente nos SAMS/SBSI” com efeito a partir daquela data, o que denota haver uma tabela própria aplicável no R., que não a tabela do ACTV que a recorrente invoca ser na altura directamente aplicada.
Ou seja, não se evidencia da prova produzida uma aplicação directa aos trabalhadores do R. da tabela salarial do ACTV do sector bancário, como pretende a recorrente que se afirme, ainda que esta tabela possa ter servido de referência daquela, como o Mmo. Juiz a quo afirmou – e bem – na factualidade provada. Pelo que não se justifica alterar os pontos F. e RR. da decisão de facto.
Não temos dúvidas, face à prova produzida de que antes de surgirem os Acordos de Empresa que o R. ulteriormente subscreveu como entidade empregadora (de que é exemplo o firmado com o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 31 de 1996), grande parte do regime laboral dos seus trabalhadores tinha como referência o regime plasmado no ACTV do sector bancário que o R. subscrevia (e subscreve) há longos anos, nas vestes de organização sindical representativa de trabalhadores bancários, com as entidades bancárias para quem estes prestam trabalho e de que as cláusulas dos AE’s subsequentes se inspiraram em muitas das cláusulas daquele ACTV.
Mas daí a afirmar que eram aplicadas aos trabalhadores do R. as próprias tabelas e níveis salariais do ACTV do sector bancário, vai um passo que a prova produzida nos presentes autos não autoriza a dar.
Por outro lado, nenhuma prova se fez do que ocorreu no momento da contratação da recorrente pelo recorrido, designadamente do que foi então convencionado quanto ao instrumento de regulamentação colectiva aplicável e ao nível salarial que integraria a recorrente, pelo que também nenhuma censura merece a decisão de “não provado” que ficou a contar do ponto 2. dos factos “não provados”.
No que concerne ao ponto P. dos factos provados, é igualmente patente, face aos meios de prova já ponderados, que os mesmos não são de molde a demonstrar que no contrato de trabalho ficou previsto ter a A. os direitos constantes das cláusulas do ACTV publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 28 de 1984, através da aplicação do ACT do sector bancário, cujas cláusulas a sentença reproduziu no ponto P. da matéria de facto. Nem há escrito que titule o contrato de trabalho celebrado entre as partes que evidencie formalmente a consagração desses direitos no convénio, nem os meios de prova indicados na apelação, como já se viu, são de molde a que se considere provado que as partes convencionaram a aplicabilidade daquele ACTV ou, sequer, que o R. sempre aplicou à A. o ACTV do sector bancário até à adesão ao AE de 1996.
Assim, e sem prejuízo do que infra se dirá quanto ao conteúdo deste ponto P. da decisão (vide 4.2.4.2.), não pode ao mesmo aditar-se a matéria que a recorrente pretende ver provada.
Não procede a apelação no que concerne a este segmento da decisão de facto.
4.2.2. Quanto aos factos provados NN., e ao ponto 5. dos factos não provados
Ficou provados na sentença que:
“NN. A Autora teve despesas em medicamentos e consultas conforme quadro que se indica infra:
(…)”
E foi considerado “não provado” que:
“5. A Autora viu-se ainda obrigada a ter que subscrever seguros de saúde o que lhe causou um dano patrimonial total no valor de €2.091,22 (dois mil e noventa e um euros e vinte e dois cêntimos).”
A recorrente defende que o facto NN. passe a ter distinta redacção, a saber: “A Autora teve despesas em seguros de saúde, medicamentos e consultas conforme quadro que se indica infra: (…)”.
E sustenta se considere provado que “5 - A Autora viu-se ainda obrigada a ter que subscrever seguros de saúde o que lhe causou um dano patrimonial total no valor de €2.091,22 (dois mil e noventa e um euros e vinte e dois cêntimos)", em vez de “não provado”, como ficou no ponto 5. dos factos “não provados” da sentença.
Invoca os factos OO. e MM., que resultam de prova documental e por acordo das partes, alegando que não foram retiradas as conclusões jurídicas que se impunham das despesas em medicamentos e consultas que a A. teve após a retirada unilateral do acesso ao SAMS pela R., constantes dos factos provados OO. e MM., e que, atendendo à “prova documental existente nos autos, mas também à prova testemunhal, produzida na audiência de julgamento”, se conclui que a A. teve, para além de despesas com medicamentos, referidas no ponto NN, outras com seguros de saúde que foram desconsideradas pelo Tribunal, apesar de constarem na listagem dada como provada nos próprios autos.
E invoca que “de todo os pontos e documento acabado de referir”, ressalta que a A. viu-se obrigada a subscrever seguros de saúde, após a retirada unilateral e ilícita do SAMS pela R..
Apesar de referir a existência de “prova documental” e “prova testemunhal”, a recorrente não identifica neste excerto da sua apelação um só documento constante dos autos susceptível de fundar a pretendida prova do que quer ver acrescentado ao facto NN. e do que quer ver provado relativamente ao ponto 5. dos factos “não provados”.
O que não cumpre o dever consignado no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, e nos impede de reapreciar meios probatórios que se desconhecem.
Seja como for, tendo em atenção que a recorrente pretende igualmente se demonstrem factos por ilação de outros que se consideraram provados (os factos OO. e MM.), ilação ou presunção judicial que é lícita como meio de considerar assentes factos a atender para a decisão jurídica do pleito em conformidade com o artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil e nos termos prescritos no artigo 351.º do Código Civil, analisaremos a sua pretensão neste âmbito.
As presunções naturais, também designadas judiciais, simples ou de facto, referidas neste preceito são as que são tiradas pelo julgador em resultado da “experiência (das máximas da experiência), do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos6.
A este propósito, o Mmo. Juiz a quo afirmou na motivação da sua convicção que “não considerou como provado o facto de a Autora ter sido forçada a celebrar um seguro de saúde uma vez que nada se provou no que a essa matéria diz respeito, sendo claro que a esta restava uma alternativa, a saber, o serviço nacional de saúde”.
Ora, a nosso ver, dos factos provados de a Autora ter deixado de beneficiar em Abril de 2021 dos direitos relativos ao SAMS, deixando de beneficiar da comparticipação em medicamentos, consultas, exames complementares de diagnóstico (facto MM.), e de ter deixado de beneficiar do valor mais reduzido enquanto beneficiária do SAMS por cada uma das despesas que teve que efectuar com actos médicos e medicamentos (facto OO.), pode inferir-se, por presunção judicial, que naturalmente sentiu a necessidade de subscrever um seguro de saúde para manter o nível de assistência médica e à saúde que detinha antes e que, consabidamente, confere maior protecção do que a emergente do serviço nacional de saúde. Aliás, a recorrida denota que assim o entende pois quanto a esta matéria que a A. alegou nos artigos 59.º e 88.º da petição inicial se limitou a impugná-la chamando a atenção de que a A. poderia, por ato unilateral, continuar a beneficiar do SAMS, desde que aderisse a um AE que não foi subscrito pelo Sindicato dos Enfermeiros Portugueses em que se mostra filiada (o SEP) ou se filiasse no Sindicato dos Enfermeiros (SE) subscritor desse AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 9, de 8 de Março de 20217. Ou seja, bem compreendeu a recorrida que era gravoso para a trabalhadora ter deixado de beneficiar em Abril de 2021 do sistema do SAMS de protecção na saúde de que beneficiava desde que foi admitida em 1984, sendo certo que as alternativas que lhe confere para dele beneficiar – e que reitera na apelação (vide a conclusão 32.) – não se traduzem numa mera declaração de vontade com esse sentido, implicando ainda a prática de actos que contendem, até, com a liberdade sindical da trabalhadora, com consagração constitucional no artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa, o que constitui condição inadmissível (cfr. o artigo 271.º do Código Civil).
Deverá, pois, considerar-se provado o que ficou a constar do ponto 5. dos factos “não provados”, ainda que apenas na medida do que é possível inferir por presunção judicial nos termos assinalados, a saber, que naquele circunstancialismo a A. sentiu necessidade de subscrever um seguro de saúde. Já vai além da presunção judicial de que a trabalhadora sentiu necessidade de subscrever um seguro de saúde após ter deixado de beneficiar do SAMS em Abril de 2021, afirmar que a mesma tenha sido “obrigada” a subscrever um seguro de saúde.
Muito menos pode afirmar-se, apenas por presunção, que com tal subscrição despendeu especificamente o valor de € 2.091,22. Simplesmente, procedendo ao cômputo dos valores despendidos pela recorrente em seguros de saúde que se encontram provados já desde a 1.ª instância no facto NN., alcança-se que a A. despendeu a esse título o valor de € 2.326,03, pelo que é possível afirmar ter a A. despendido o valor de, pelo menos, € 2.091,22, com seguros de saúde, nesta medida se acolhendo a pretensão recursória da recorrente.
Razão por que se adita à decisão um facto, que provém do ponto 5. dos factos “não provados”, ficando o mesmo com a seguinte redacção:
“MM-1. Por esse motivo, a Autora sentiu necessidade de subscrever um seguro de saúde no que despendeu pelo menos o valor de €2.091,22 (dois mil e noventa e um euros e vinte e dois cêntimos)”
Além disso, cabe alterar o ponto NN. dos factos provados, para lhe conferir coerência, na medida em que os valores nele elencados, como resulta da sua simples leitura, se reportam a gastos com medicamentos e consultas, é certo, mas também a gastos com seguros de saúde. Fica o mesmo com a seguinte redacção:
“NN. A Autora teve despesas em medicamentos, consultas e seguros de saúde conforme quadro que se indica infra: (…)”
Assim, neste ponto procedendo parcialmente a impugnação da decisão de facto
4.2.3. Quanto aos pontos 6., 7. e 8. dos factos não provados
Neste segmento da decisão de facto, o tribunal a quo considerou como “não provado” que:
“6. A Autora sentiu-se usada e vexada pela Ré.
7. Já que a Ré coloca dolosamente a Autora numa situação de desconsideração profissional e até pessoal perante os colegas de trabalho, que lhe acarretou vexame e humilhação perante si próprios e terceiros.
8. Em consequência das atitudes da Ré, em manifesto abuso de poder e de má-fé, a Autora sofreu de profunda angústia, um crescente stress e ansiedade, sentindo que depois de tanta dedicação e empenho na execução do seu trabalho, foi tratado com total indiferença e desprezo, que para além de ter afectado a sua dignidade profissional, afectou igualmente a sua estabilidade psicológica e emocional, bem como da sua família.”
A recorrente defende que estes factos se considerem provados.
Invoca o depoimento da testemunha DD.
Invoca também prova documental que não identifica, nem situa, razão por que a nossa análise passará pela reponderação do depoimento da testemunha DD.
A propósito desta matéria, o Mmo. Juiz a quo afirmou ser de “salientar que, pela testemunha DD, foi confirmado os transtornos sofridos pela Autora ao longo do período de tempo descrito nos autos sendo que, porém, do que se extraiu do seu depoimento, é que tais transtornos não passaram disso mesmo, ou seja, de incómodos os quais não tiveram a dimensão a que se refere a mesma na factualidade por si alegada com vista a sustentar os danos de natureza não patrimonial, situação que justifica assim a sua inclusão nos factos considerados como não provados”.
Reponderada a prova produzida, e particularmente analisado o depoimento da testemunha DD, a nossa apreciação não diverge da efectuada na sentença.
Na verdade, é desde logo de salientar que apenas o depoimento desta testemunha é invocado pela recorrente, não tendo a mesma identificado qualquer outro meio probatório para sustentar perante esta instância os danos não patrimoniais que alega ter sofrido. A referência que faz para estes efeitos aos factos que resultam de “prova documental” constantes dos factos provados H. e O. (o acima referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1993.09.29 e a declaração enviada à A. pela Direcção de Recursos Humanos do R. em 1997.06.26) não é de molde a sustentar a verificação dos alegados danos, nem tão pouco o facto ilícito, na medida em que a conduta da R. que a A. alega ter-lhe retirado direitos e causado danos é pela mesma situada em 2021.04.01.
Além disso, a testemunha tem um processo contra o R. “muito semelhante” ao que a A. instaurou e o seu depoimento é disso reflexo. É o que resulta claramente do excerto em que refere que “claro que” a A. se sentiu “muito prejudicada” a partir da altura em que “se constou a retirada dos direitos por não assinatura do acordo de empresa”, e que a partir daí tem estado “muito mais” nervosa, ansiosa e “muito mais susceptível a qualquer coisa do meio”.
Deste excerto invocado pela recorrente verifica-se que a testemunha alude aos danos que disse terem afectado a A. como uma decorrência óbvia da retirada de direitos, mais do que como um relato daquilo que teria percepcionado, o que nos leva a não conferir inteira credibilidade ao que disse. Além disso, também evidencia que o alegado facto danoso (a retirada de direitos pelo R. por não assinatura do AE) não teria provocado directamente os sentimentos negativos e estados psíquicos que refere (tem estado “muito mais”), mas apenas teria agravado estes danos. Acresce que a referência da testemunha a que a A. lhe disse que “não dorme”, além de não resultar de uma percepção directa da testemunha, se reporta a facto que nem sequer a A. alegou no articulado em que formulou o pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
Assim, perante apenas este singular depoimento, entendemos que bem andou o Mmo. Juiz a quo em não considerar o mesmo apto a demonstrar os factos que veio a verter nos pontos 6. a 8. da factualidade “não provada”, devendo os mesmos aí manter-se.
Improcede a apelação neste segmento da decisão de facto.
4.2.4. Ainda em sede de matéria de facto, há dois aspectos que oficiosamente nos incumbe conhecer.
4.2.4.1. Em primeiro lugar, verifica-se que não ficou a constar dos factos provados qualquer alusão à data em que a A. deixou de beneficiar dos direitos relativos ao SAMS, sendo certo que tal facto se mostra admitido por acordo nos articulados da acção.
A A. alegou efectivamente no artigo 86.º da petição inicial que deixou de beneficiar do sistema de assistência à saúde do SAMS “a partir de 1 de abril de 2021” e a R. alegou no artigo 49.º da sua contestação que “[i]mpugna-se, igualmente, o artigo 86.º, na parte onde se diz que devia continuar a beneficiar do sistema de assistência à saúde do SAMS”, explicando depois as razões por que entende que o benefício do SAMS não é devido, mas não questionando, quer que se verificou tal perda de benefício, quer a data a partir da qual a mesma aconteceu.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 607.º, n.º 4 (por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito), pelo que os factos admitidos por acordo ou plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância devem ser tidos em consideração pelo Tribunal da Relação, se relevantes para a decisão do pleito.
Assim, para colmatar a constatada falta, cabe alterar oficiosamente o facto MM., situando-o no tempo, pois que esta localização temporal constitui facto plenamente provado por acordo das partes nos termos do disposto no artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil – alegado na segunda parte do artigo 86.º da petição inicial e não impugnado pela ré como resulta do que fez constar do artigo 49.º da contestação –, e é essencial para que o elenco da matéria de facto seja compreensível e se mostre descrito de uma forma lógica e cronológica, sem dar azo a equívocos.
Passa o mesmo a ter a seguinte redacção:
“MM. A partir de 1 de Abril de 2021 a Autora deixou de beneficiar dos direitos relativos ao SAMS, deixando de beneficiar da comparticipação em medicamentos, consultas, exames complementares de diagnóstico.”
4.2.4.2. Em segundo lugar, cabe ter presente que, embora na lei processual civil actualmente em vigor inexista preceito igual ou similar ao artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil revogado, a separação entre facto e direito continua a estar, como sempre esteve, presente nas várias fases do processo declarativo, quer na elaboração dos articulados, quer no julgamento, quer na delimitação do objecto dos recursos8. O direito aplica-se a um conjunto de factos que têm que ser realidades demonstráveis e não podem ser juízos valorativos ou conclusivos, ou de natureza jurídica.
Mesmo à luz do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o artigo 607.º, n.º 3 prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados” e as provas continuam a ter por função a demonstração da realidade dos factos – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil.
Como é patente, a aplicabilidade a determinadas relações de trabalho de um instrumento de regulamentação colectiva objecto de publicação em documento oficial – o Boletim de Trabalho e Emprego – não constitui um facto concreto mas uma afirmação de direito que deve extrair-se de outros factos provados.
O mesmo deve dizer-se da descrição do conteúdo de cláusulas de instrumento de regulamentação colectiva que se mostram publicados no Boletim do Trabalho e Emprego, bem como da afirmação de que o conteúdo de determinado instrumento ou documento constitui reprodução do que consta de um certo instrumento de regulamentação colectiva, afirmações que são patentemente de natureza jurídica, bem como de natureza valorativa e conclusiva e que, por isso, não deveriam ter sido incluídas no elenco de facto.
Há ainda a ter em consideração que a sentença deve ser elaborada “com base em princípios de racionalidade, em que a matéria de facto apurada revele, de forma escorreita e segundo uma enunciação lógica ou cronológica, a realidade que será juridicamente integrada no segmento posterior9, o que o Tribunal da Relação deve também ter presente quando altera a decisão de facto no âmbito dos poderes que a lei lhe confere.
Assim, porque constituem reprodução das previsões de instrumentos de regulamentação colectiva objecto de publicação oficial ou constituem conclusões da sua leitura, eliminam-se os pontos da decisão com a seguinte numeração: I., J. segunda parte, P., R., S., T. a X., PP. segunda parte, ZZ. a DDD. e JJJ.
E eliminam-se ainda, ou aglutinam-se com alterações, por constituírem repetições e conterem imprecisões que tornam a decisão equívoca:
- os pontos Y. e XX., dando origem a um novo ponto O-1. com a seguinte redacção: “O-1. Em 1 de setembro de 1997, a Autora aderiu ao Acordo de Empresa outorgado em 1996 entre a Ré e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, subscrevendo a declaração de adesão referida no facto O.”;
- os pontos CC. e EEE. a GGG., que se reportam exactamente à mesma realidade (decorre de evidente lapso a alusão ao AE de 2003 no primeiro ponto, pois que se trata do AE de 1996, como se infere do próprio texto da sentença), passando a matéria respectiva, expurgada da sua vertente conclusiva ou de direito, a constar dos seguintes pontos
CC. Em 21 de Setembro de 2011, a Ré denunciou o supra referido Acordo de Empresa de 1996”;
CC-1. Após a referida denúncia, a Ré e o SEP encetaram negociações diretas e promoveram junto da Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (“DGERT”) um processo de conciliação e um de mediação, tendo todos os procedimentos sido encerrados sem que as partes tivessem chegado a um acordo.
CC-2. Nesta sequência, depois de infrutíferas negociações e respeitado que foi o processo de sobrevigência do referido Acordo de Empresa de 1996 este cessou a sua vigência, por caducidade, em 28 de Abril de 2019.
- os pontos N. e SS., referentes ao mesmo documento que consta de fls.125, estando o segundo desenquadrado em termos cronológicos; elimina-se pois o ponto SS. e passa o ponto N. a ter a seguinte redacção:
N. Em 26 de Junho de 1997, a Autora foi promovida por antiguidade ao nível 9 em conformidade com a cláusula 3.ª do Acordo de Alteração do Contrato Individual de Trabalho nessa data subscrito e documentado a fls. 125, na qual se menciona “Compromete-se ainda o segundo outorgante a promover a primeira outorgante ao nível 9, da tabela salarial vigente nos SAMS/SBSI (…)”
- o ponto JJ., que é eliminado pois repete o afirmado na segunda parte do ponto EE..
E eliminam-se por se revestirem de natureza conclusiva, devendo as pertinentes conclusões extrair-se de outros factos concretos:
- os pontos Q. e Z., por conclusivos e também irrelevantes, dado não estar em causa o modo como, antes, se processou o contrato de trabalho;
- a primeira parte do ponto EE., pelas mesmas razões.
Também por parcialmente conclusivos e se revestirem de natureza jurídica afirmações deles constantes, altera-se a redacção dos seguintes pontos:
- o ponto BB. (onde se afirmava que a Autora sempre teve direito a determinados benefícios), para o seguinte “BB. A Autora sempre usufruiu dos benefícios do SAMS, sem qualquer condicionamento”;
- o ponto HHH. (cuja segunda parte constitui a reprodução da norma do artigo 501.º, n.º 8, do Código do Trabalho, tal como alegado no artigo 70.º da contestação) para o seguinte: “HHH. Na sequência da caducidade do Acordo de Empresa de 1996, as partes não chegaram a acordo quanto aos efeitos daquele Acordo que se deveriam manter.
Altera-se ainda o ponto DD. nele fazendo constar a data da publicação do aviso de caducidade no Boletim do Trabalho e Emprego, para melhor compreensão e uma vez que o facto nele afirmado tem como momento inicial da sua verificação a data de tal publicação. Passa o mesmo a ter a seguinte redacção:
DD. A partir do início de 2020 e, em particular, do momento da publicação do aviso sobre a data da cessação da vigência do acordo de empresa (publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de junho de 2020), a Autora e a generalidade dos trabalhadores da Ré começaram a receber comunicações internas da empregadora acerca dessa nova realidade.
Também por uma questão de clareza expositiva e para dar sequência cronológica, na medida do possível, aos factos provados, elimina-se o ponto YY. dos factos provados (em que se afirma a celebração do AE de 1996, o que é distinto da simples afirmação da sua publicação que constava dos factos R. e S., já eliminados e também desenquadrados temporalmente) e passa a matéria de facto do mesmo constante para um novo facto com a seguinte identificação e redacção:
M-1. A Ré celebrou em 22 de Agosto de 1996 um Acordo de Empresa com o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, que veio a ser publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 31, de 22 de Agosto de 1996,
O comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos aplica-se, também, ao Tribunal da Relação (cfr. o art, 663.º, n.º 2 do CPC), impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em descrições jurídicas ou de natureza conclusiva.
Destarte, altera-se oficiosamente a decisão de facto em conformidade com o supra exposto.
*
4.3. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa são, assim, os seguintes (destacam-se a traço grosso os que foram objecto de alteração ou aditamento):
A. A Autora celebrou um contrato de trabalho em 19 de Março de 1984 com a Ré, tendo esta empregadora outra denominação, nessa época, sendo a Autora ainda hoje trabalhadora da empregadora Ré.
B. Foi contratada para o desempenho das funções de Enfermeira.
C. Este início da relação laboral ocorreu após a Autora ter sido convocada, através de carta procedente do Conselho de Gerência, ref.ª 48/CG, para entrevista às 19h na Rua... a 13 de Fevereiro de 1984.
D. A admissão da Autora no Centro Clínico XX aconteceu após deliberação do CG e publicado em acta com o nº 96 de 02/03/84, onde se lia no que me respeitava a certa altura:”...deliberado admitirem 19/03/1984, por proposta do Conselho de Gerência dos SAMS ficando integrada na carreira profissional do pessoal para-médico com o nível 5 as Enf.as AA....”.
E. A 01 de Outubro de 1984, a Autora foi colocada no Posto Clínico YY, (hoje Clínica ZZ), após solicitar transferência para o mesmo, que foi inaugurado nesta data e onde não foram colocadas alterações ao que tinha sido estipulado no acto de admissão.
F. A 19 de Março de 1986, a Autora foi promovida ao nível 6 por referência ao ACTV bancário, por antiguidade.
G. No mês de Janeiro de 1989, a Ré alterou o horário de trabalho de 6h para 7h com 1h de almoço, razão que levou a Autora, conjuntamente com outras colegas, propor uma acção em Tribunal de Trabalho, que teve resolução favorável no Supremo Tribunal de Justiça a 29/09/1993.
H. No número 6 deste acórdão alínea i' deu-se como provado: “Às relações laborais entre as autoras e o réu sempre se aplicou o instrumento de regulamentação colectiva do trabalho em cada momento vigente para o sector bancário
I. Eliminado
J. Aos restantes trabalhadores Enfermeiros aplicava-se, ainda, desde 1994, as regras das “Normas Reguladoras da Prestação de Trabalho dos Enfermeiros”.
K. No ano de 1991, a Autora foi promovida por antiguidade ao nível 7.
L. No ano de 1993, a Autora foi promovida por antiguidade ao nível 8.
M. Em 18 de Julho de 1995, a Autora sofreu um corte do seu subsídio de doença, por iniciativa da Ré.
M-1. A Ré celebrou em 22 de Agosto de 1996 um Acordo de Empresa com o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, que veio a ser publicado no Boletim de Trabalho e Emprego n.º 31, de 22 de Agosto de 1996.
N. Em 26 de Junho de 1997, a Autora foi promovida por antiguidade ao nível 9 em conformidade com a cláusula 3.ª do Acordo de Alteração do Contrato Individual de Trabalho nessa data subscrito e documentado a fls. 125, na qual se menciona “Compromete-se ainda o segundo outorgante a promover a primeira outorgante ao nível 9, da tabela salarial vigente nos SAMS/SBSI (…)”
O. Em 01 de Setembro de 1997, foi enviado à Autora, pela Direcção de Recursos Humanos da Ré, uma declaração de preenchimento obrigatório para sócios do SEP (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses), que se transcreve:
“DRH-Adesão ao Acordo dos Enfermeiros
A Enfermeira AA a exercer funções no Posto Clínico YY e abrangida pelo ACTV do sector bancário, solicitou a 11/08/1997 a sua eventual adesão ao AE dos Enfermeiros”
“Eu abaixo assinada, AA, sócio 17120 a) do SEP enfermeira ao serviço dos SAMS do SBSI declara, para todos os efeitos, que adere a todas as condições de trabalho fixadas no AE outorgado entre aquele sindicato e o dos Enfermeiros Portugueses, publicado em BTE 1a série nº31 de 22/8/96, passando as relações de trabalho entre as partes a ser regidas pelas cláusulas daquele AE, que é globalmente mais favorável e ficam absorvidas pelo respetivo CIT, a partir das datas na nota de Serviço Interna nº11/96. ”.
O-1. Em 01 de Setembro de 1997, a Autora aderiu ao Acordo de Empresa de 1996 outorgado entre a Ré e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, subscrevendo a declaração de adesão referida no facto O.
P. a Z. Eliminados
AA. Quando a Autora completou 20 anos de antiguidade, em Março de 2004, recebeu o prémio de 15 anos (porque teve alguns dias sem trabalhar sem trabalhar em alguns anos de serviço); quando a Autora completou 25 anos de antiguidade (sem faltas) em 2014, a Ré efectuou o pagamento correspondente ao prémio de antiguidade de valor igual a duas retribuições mensais efectivas e; quando a Autora completou 35 anos de antiguidade em 2019, a Ré só não efectuou o pagamento correspondente ao prémio de antiguidade de valor igual a duas retribuições mensais efectivas porque a Autora tinha alguns anos de “penalização”, devido a não ter prestado trabalho por ausência por motivos médicos.
BB. A Autora sempre usufruiu dos benefícios do SAMS, sem qualquer condicionamento.
CC. Em 21 de Setembro de 2011, a Ré denunciou o supra referido Acordo de Empresa de 1996.
CC-1. Após a referida denúncia, a Ré e o SEP encetaram negociações diretas e promoveram junto da Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (“DGERT”) um processo de conciliação e um de mediação, tendo todos os procedimentos sido encerrados sem que as partes tivessem chegado a um acordo.
CC-2. Nesta sequência, depois de infrutíferas negociações e respeitado que foi o processo de sobrevigência do referido Acordo de Empresa de 1996 este cessou a sua vigência, por caducidade, em 28 de Abril de 2019.
DD. A partir do início de 2020 e, em particular, do momento da publicação do aviso sobre a data da cessação da vigência do Acordo de Empresa (publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de Junho de 2020), a Autora e a generalidade dos trabalhadores da Ré começaram a receber comunicações internas da empregadora acerca dessa nova realidade.
EE. Em 20 de Janeiro de 2021 a Ré celebrou um novo Acordo de Empresa, com o Sindicato dos Enfermeiros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 9, 8 de Março de 2021.
FF. Em 19 de Janeiro de 2021, a Ré enviou uma comunicação aos trabalhadores, onde publicitava as vantagens em subscrever o novo Acordo de Empresa, em comparação com o regime previsto no Código do Trabalho e no Contrato Colectivo da Hospitalização Privada.
GG. Uns dias mais tarde, em 28 de Janeiro de 2021, a Ré enviou novo comunicado a reforçar o seu entendimento de que o novo Acordo de Empresa era bastante vantajoso, anexando minutas de declarações de adesão ao mesmo, tendo no dia seguinte enviado novo e-mail com a divulgação do conteúdo do novo Acordo de Empresa.
HH. No dia 11 de Fevereiro de 2021, a Ré voltou a enviar novo comunicado aos trabalhadores, onde referia os mecanismos para que o novo Acordo de Empresa fosse aplicado, mais referindo que a assistência em saúde no SAMS cessaria com a não adesão ao Acordo de Empresa ou caso não existisse sindicalização do Sindicato subscritor, com efeitos a 1 de Março de 2021.
II. Em 26 de Fevereiro de 2021 a Ré enviou uma última comunicação a informar que a aplicação do sistema de saúde do SAMS seria aplicável aos trabalhadores até 31 de Março de 2021.
JJ. Eliminado
KK. A Autora, enviou duas comunicações à Ré, por cartas datadas de 25 de Fevereiro de 2021 e 04 de Março de 2021 onde comunicou o seguinte:
i) Que com a caducidade do AE de 1996, que ficou ao abrigo do seu contrato individual de trabalho inicial, com as regras do ACTV dos bancários;
ii) Que as regras e condições previstas no AE de 1996 tinham ficado absorvidas no seu contrato individual de trabalho, não podendo ser retiradas;
iii) Ainda que o Acordo de Empresa tenha caducado, as condições dele constantes, porque incorporadas no seu contrato individual de trabalho, eram-lhe plenamente aplicáveis;
iv) Não aceitaria qualquer modificação ou retirada aos direitos laborais de que era titular.
LL. A Ré não respondeu às duas cartas da Autora.
MM. A partir de 1 de Abril de 2021 a Autora deixou de beneficiar dos direitos relativos ao SAMS, deixando de beneficiar da comparticipação em medicamentos, consultas, exames complementares de diagnóstico.
MM-1. Por esse motivo, a Autora sentiu necessidade de subscrever um seguro de saúde no que despendeu pelo menos o valor de €2.091,22 (dois mil e noventa e um euros e vinte e dois cêntimos).
NN. A Autora teve despesas em medicamentos, consultas e seguros de saúde conforme quadro que se indica infra:
(…)
OO. A Autora deixou de beneficiar do valor mais reduzido enquanto beneficiária do SAMS por cada uma das despesas que teve que efectuar supra, relativamente à totalidade de despesas que teve com actos médicos e medicamentos, no montante total de €1.564.24 (mil, quinhentos e sessenta e quatro euros e vinte e quatro cêntimos).
PP. Desde 2011 que Autora deixou de ver actualizada a sua retribuição base.
QQ. Eliminado
RR. Até à entrada em vigor de um Acordo de Empresa específico da área de enfermagem (o que só ocorreu em 1996), a Ré, em matéria de retribuição, aplicava, por referência, aos seus trabalhadores. as tabelas salariais do ACTV Bancário;
SS. eliminado
TT. No que diz respeito aos trabalhadores médicos, a Ré decidiu, por ato de gestão, estender-lhes o benefício do SAMS (nos termos previstos no Acordo de Empresa celebrado com a FETESE, em 2021, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 8 de março de 2021).
UU. A Ré, em 2021, atribuiu a todos os trabalhadores, incluído à Autora um aumento salarial aos trabalhadores cuja relação de trabalho não está regulada pelo ACT do setor bancário: (i) 1% para os trabalhadores com remuneração até aos 1000€; (ii) 0,75% para os trabalhadores com remuneração superior a 1000€ e inferior a 2000€; e (iii) 0,5% para os trabalhadores com ordenado superior a 2000€.
VV. Aquando da celebração pela Ré, em 22 de Agosto de 1996, do Acordo de Empresa de 1996 com o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, a Ré fez circular uma nota de serviço interna.
WW. Com a entrada em vigor do Acordo de Empresa de 1996, as relações laborais dos trabalhadores da Ré passaram a reger-se, a título principal, por esta convenção coletiva de trabalho, que passou a regular as mesmas matérias antes tratadas por outras normas regulamentares ou pelos contratos individuais de trabalho.
XX. a GGG. Eliminados
HHH. Na sequência da caducidade do Acordo de Empresa de 1996, as partes não chegaram a acordo quanto aos efeitos daquele Acordo que se deveriam manter.
III. A Ré comunicou que, face à caducidade do Acordo de Empresa de 1996, “manter-se-ão em vigor as seguintes cláusulas do mencionado Acordo de Empresa: Retribuição: cláusulas 11.º; 59.º; 60.º; 61.º; n.º1; e 62.º; Categoria e respetiva definição: cláusula 7.º; Duração do tempo de trabalho: cláusula 28.º, n.º 2 e 3; Parentalidade: cláusulas 100.º e 102.º, com as atualizações do Código do Trabalho, na atual redação; Higiene e Segurança no Trabalho: Lei 102/2009, de 10 de setembro. Adicionalmente, o SBSI concede manter os benefícios socais de assistência médica, subsídio infantil e subsídio de estudo, pelo período de 6 meses ou prazo inferior se as negociações do novo acordo de empresa terminarem antes do referido período”.
JJJ. eliminado
KKK. Qualquer trabalhador poderia (e pode) beneficiar do regime SAMS através da filiação no sindicato outorgante do atual Acordo de Empresa em vigor ou mediante adesão individual ao Acordo de Empresa.
LLL. Sendo as duas vias de solução do conhecimento da Autora.
MMM. A Ré sempre os alertou, incluindo a Autora, que os benefícios previstos no Acordo de Empresa de 1996 iriam ser substituídos pelo Acordo de Empresa de 2021, tendo emitido diversos comunicados onde, nomeadamente, sugeriu a adesão individual dos trabalhadores não filiados a este novo Acordo de Empresa.
*
5. Fundamentação de direito
*
5.1. A questão de direito essencial a decidir nestes autos consiste em aferir se a autora tem direito a manter, após a entrada em vigor do Acordo de Empresa celebrado entre o réu e o Sindicato dos Enfermeiros, publicado no BTE, n.º 9, de 08 de Março de 2021, os direitos e obrigações decorrentes do ACTV do sector bancário, publicado no BTE n.º 29, de 08 de Agosto de 2016, ou os decorrentes do Acordo de Empresa publicado no BTE, n.º 31, de 22 de Agosto de 1976.
Esta questão deve dilucidar-se à luz do regime estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (LRCT) no que diz respeito à aplicação do ACTV para o sector bancário à data da contratação da A., à luz do regime estabelecido pelo Código do Trabalho de 2003 no período que se desenrolou a partir de 1 de Dezembro de 2003 (n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003) e à luz do Código do Trabalho de 2009 no período que se desenrolou a partir de 17 de Fevereiro de 2009 (artigo 2.º da Lei n.º 7/2009), por serem esses os diplomas sucessivamente em vigor ao longo da execução do contrato de trabalho que vincula as partes.
Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto «[s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento» e de modo similar dispõe o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
Perante qualquer dos regimes sucessivos, o ordenamento jurídico português acolheu o “princípio da filiação”, de acordo com o qual o instrumento de regulamentação colectiva de trabalho tem somente eficácia entre as entidades jurídicas que o subscreveram. Por isso, o âmbito subjectivo ou pessoal da convenção é determinado, em regra, pela filiação do empregador (salvo quando a celebre directamente) e do trabalhador nas associações de empregadores e de sindicatos outorgantes, nos termos dos artigos 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro (LRCT), dos artigos 552.º e 553.º do Código do Trabalho de 2003 e do artigos 496.º do Código do Trabalho de 200910.
Quanto aos acordos colectivos (os outorgados por associações sindicais e uma pluralidade de empregadores para uma pluralidade de empresas) e aos acordos de empresa (os subscritos por associações sindicais e um só empregador para uma só empresa) – artigo 2.º do Código do Trabalho – aplica-se igualmente esta regra delimitativa básica: os acordos obrigam apenas aqueles que, durante a respectiva vigência, estiverem filiados ou se filiarem nas entidades outorgantes (associações patronais e sindicatos) e ainda os empregadores que os outorguem directamente.
Na ausência de uma portaria de extensão ou regulamento de extensão (na nomenclatura adoptada pelo Código do Trabalho de 2003 – artigos 2.º, n.º 4 e 573.º e ss.), para que possa concluir-se pela aplicação de uma dada convenção colectiva de trabalho é necessário que se prove a verificação do condicionalismo previsto, sucessivamente, no n.º 1 do artigo 7.º da LRCT, no n.º 1 do artigo 552.º do Código do Trabalho e no n.º 1 do artigo 496.º do Código do Trabalho de 2009, isto é, que o trabalhador e o empregador se encontrem filiados e inscritos nas associações subscritoras.
Quer à luz da LRCT, quer à luz dos Códigos do Trabalho 2003 e de 2009, admite-se ainda como vinculativa a aplicação facultativa das Convenções Colectivas de Trabalho, dos AE ou dos ACT por parte do empregador subscritor a todos os seus trabalhadores, independentemente da sua filiação sindical, designadamente para uniformizar as condições de trabalho na empresa, por não haver obstáculo legal a tal realidade, e fazendo apelo ao valor que o n.º 2 do art.º 12 da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.) e o artigo 1.º do Código do Trabalho conferem aos “usos”11. A aplicação de um instrumento de regulamentação colectiva por decisão unilateral do empregador a todos os trabalhadores da empresa, incluindo os não abrangidos pelo princípio da filiação, pode ainda ter na sua origem os regulamentos internos previstos no artigo 7.º da LCT, nos quais o empregador verte a sua vontade negocial, presumindo-se a aceitação do trabalhador caso este nada diga. Esta norma passou para o Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, respectivamente nos artigos 95.º e 104.º. Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 Junho de 2019, as ordens de serviço, atento o seu caráter genérico, podem assumir a natureza de um regulamento, estando aqui em causa, não a faceta normativa do regulamento de empresa, mas antes a faceta negocial do mesmo (daí que, aquando da admissão de um trabalhador, este possa opor-se à aplicação do regulamento no prazo de 21 dias ou, se o regulamento surgir na pendência do contrato de trabalho, no mesmo prazo a contar da sua divulgação)12.
A jurisprudência e a doutrina, têm admitido também como vinculativa a aplicabilidade de um instrumento de regulamentação colectiva, quando convencionada em sede do contrato individual de trabalho ajustado entre as partes, através das denominadas cláusulas de remissão, muitas vezes surgidas na sequência de ordens de serviço do empregador 13. Assim como as partes podem convencionar no contrato o que lhes permite o princípio da liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil), desde que não afrontem disposições legais imperativas, e ali podem hipoteticamente registar todas as condições que estão estabelecidas num instrumento de regulamentação colectiva, nada parece obstar a que, por remissão para um convénio deste tipo, se vinculem em conformidade com as condições nele estabelecidas, no todo ou em parte.
No caso sub judice, apesar de o ter alegado, a recorrente não logrou provar qualquer convenção com o recorrido no sentido de lhe ser aplicável o ACTV para o sector bancário.
A despeito de este constituir o instrumento de referência para alguns aspectos do desenvolvimento da relação (vide os factos F. e RR.) e de a Direcção de Recursos Humanos do recorrido chegar ao ponto de afirmar que a A. estaria por ele “abrangida” (seja o que fôr que tal signifique), bem como apesar de o ACTV constituir uma referência para as soluções adoptadas no Acordo de Empresa de 1996 outorgado entre o recorrido e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses em que a A. se mostra sindicalizada (factos O. e O-1.), como se retira do cotejo entre os dois instrumentos de regulamentação colectiva, nada autoriza se afuirme a sua aplicabilidade ao contrato de trabalho sub judice em virtude de qualquer uma das circunstâncias em que, à luz da lei, pode radicar essa aplicabilidade.
Já no que se reporta ao Acordo de Empresa outorgado entre o empregador ora recorrido e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, publicado em Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, n.º 31, de 22 de Agosto de 1996, o mesmo não poderá dizer-se.
Com efeito, ficou expressamente provado que em 01 de Setembro de 1997, foi enviado à recorrente, pela Direcção de Recursos Humanos da Ré, uma declaração de preenchimento “obrigatório” para sócios do SEP (Sindicato dos Enfermeiros Portugueses), declaração que a recorrente subscreveu nessa mesma data e que tinha o seguinte teor:
“Eu abaixo assinada, AA, sócio 17120 a) do SEP enfermeira ao serviço dos SAMS do SBSI declara, para todos os efeitos, que adere a todas as condições de trabalho fixadas no AE outorgado entre aquele sindicato e o dos Enfermeiros Portugueses, publicado em BTE 1a série nº31 de 22/8/96, passando as relações de trabalho entre as partes a ser regidas pelas cláusulas daquele AE, que é globalmente mais favorável e ficam absorvidas pelo respetivo CIT, a partir das datas na nota de Serviço Interna nº11/96. ”.
[factos O. e O-1.]
É patente, a nosso ver, que estes factos corporizam um encontro de vontades entre a A. e o R. no sentido de as cláusulas do identificado AE de 1996 ficarem “absorvidas” pelo contrato individual de trabalho que os vinculava. O R. envia à A. a declaração com este teor e a menção de que o preenchimento é “obrigatório” e a A. anui e subscreve a indicada declaração, assim se perfectibilizando o convénio.
Analisada esta declaração negocial da recorrente, previamente aceite pela parte contrária, de acordo com a doutrina objectivista da impressão do destinatário plasmada no artigo 236.º do Código Civil, é de concluir que com a mesma as partes pretenderem uma absorção, pelo contrato de trabalho, das cláusulas constantes do AE nela referenciado.
Em conformidade com este convénio, cuja validade não se mostra questionada nestes autos, ficou provado que: quando a Autora completou 20 anos de antiguidade, em Março de 2004, recebeu o prémio de 15 anos (porque teve alguns dias sem trabalhar em alguns anos de serviço); quando a Autora completou 25 anos de antiguidade (sem faltas) em 2014, o Réu efectuou o pagamento correspondente ao prémio de antiguidade de valor igual a duas retribuições mensais efectivas; quando a Autora completou 35 anos de antiguidade em 2019, a Ré só não efectuou o pagamento correspondente ao prémio de antiguidade de valor igual a duas retribuições mensais efectivas porque a Autora tinha alguns anos de “penalização”, devido a não ter prestado trabalho por ausência por motivos médicos (facto AA.).
E ficou provado, também, que a Autora sempre usufruiu dos benefícios do SAMS, sem qualquer condicionamento (facto BB.).
O que denota ter o recorrido aplicado à recorrente, no desenvolvimento do contrato de trabalho, as cláusulas do AE que subscreveu com o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 31 de 1996, que estabeleciam, designadamente, o direito do trabalhador a um prémio de antiguidade e o acesso à assistência médica do SAMS.
Com efeito, na cláusula 106.ª do Acordo de Empresa de 1996 (que veio a dar lugar à cláusula 99.ª na revisão do AE publicada no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 43 de 22 de Novembro de 2007) previa-se que:
“Cláusula 106.ª
Prémio de antiguidade
1. — Os enfermeiros no activo que completem 15, 25 e 35 anos de bom e efectivo serviço têm direito, nesse ano, a um prémio de antiguidade de valor igual, respectivamente, a um, dois ou três meses da sua retribuição mensal efectiva, calculada em função do disposto na cláusula 98.ª
2. — Os enfermeiros no activo que forem colocados na situação de invalidez ou reforma com mais de 25 e menos de 35 anos de bom e efectivo serviço, no momento da passagem a essa situação têm direito à parte proporcional do prémio de antiguidade atribuído aos enfermeiros que perfazem 35 anos de bom e efectivo serviço, calculada na base de um décimo por cada ano completo de bom e efectivo serviço para além do 25.º
3. — Para aplicação dos números anteriores, considerar-se-ão todos os anos ao serviço dos SAMS.
(…)”
E na cláusula 99.ª do mesmo Acordo de Empresa (numeração que se manteve em 2007) previa-se o seguinte:
“Cláusula 99.ª
Assistência médica
1. — Os enfermeiros e respectivo agregado familiar têm direito à assistência prestada pelos SAMS nos termos do respectivo regulamento.
2. — As contribuições para os SAMS, previstas no respectivo regulamento para efeitos de atribuição/manutenção do direito à assistência, terão como limite mínimo o valor correspondente à aplicação das percentagens fixadas a 50 % da remuneração do escalão 1.”
As partes actuaram pois em conformidade com estas cláusulas 99.ª e 106.ª do Acordo de Empresa de 1996, não demonstrando a matéria de facto qualquer divergência entre ambas a este propósito até à denúncia deste AE por parte do recorrido em 21 de Setembro de 2011.
A questão só vem a suscitar-se na sequência desta denúncia e posterior caducidade do Acordo de Empresa de 1996, por as negociações com o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) se terem revelado infrutíferas. O aviso sobre a data da cessação da vigência do AE de 1996 foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de Junho de 2020, aí se situando a cessação dessa vigência no dia 28 de Abril de 2019.
E agudizou-se a partir da publicação no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 9, de 08 de Março de 2021 de um outro Acordo de Empresa entre o recorrido e o Sindicato dos Enfermeiros (SE).
Resulta, na verdade, dos factos provados que a Autora deixou de ver actualizada a sua retribuição base desde 2011 (facto PP.), situação que esta invoca não observar a previsão da cláusula 3.ª do Acordo de Empresa outorgado entre o recorrido e o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, publicado no BTE n.º 31, de 1996 (com alterações posteriores no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1998; no BTE n.º3, de 22 de Janeiro de 2001; no BTE n.º21, de 08 de Junho de 2007; no BTE n.º43, de 22 de Novembro de 2007), da qual decorreria que as actualizações de natureza pecuniária previstas no ACTV do sector bancário seriam aplicáveis ao Acordo de Empresa aplicável à relação laboral entre Autora e Ré. 
Além disso, resulta também da factualidade apurada: que no dia 11 de Fevereiro de 2021, o recorrido enviou um comunicado aos trabalhadores, onde referia os mecanismos para que o novo Acordo de Empresa de 2021 celebrado com o SE fosse aplicado, mais referindo que a assistência em saúde no SAMS cessaria com efeitos a 1 de Março de 2021 caso não houvesse adesão ao Acordo de Empresa ou caso não existisse sindicalização no Sindicato subscritor; que em 26 de Fevereiro de 2021 o recorrido enviou uma última comunicação a informar que a aplicação do sistema de saúde do SAMS seria aplicável aos trabalhadores até 31 de Março de 2021; e, que a partir de 1 de Abril de 2021 a recorrente deixou de beneficiar dos direitos relativos ao SAMS, deixando de beneficiar da comparticipação em medicamentos, consultas, exames complementares de diagnóstico (factos HH. a MM. e MMM.).
Haverá, pois, que responder à questão de saber se, por efeito da denúncia e ulterior cessação da vigência do AE publicado no BTE n.º 31, de 1996 por caducidade, o contrato de trabalho da recorrente, que em 1997 absorveu as suas cláusulas, deixa de ser pelas mesmas regido.
Entendeu a sentença que a interpretação da declaração negocial implicaria uma cláusula estática no tocante à remissão para o instrumento de regulamentação colectiva, passando as normas deste a fazer parte integrante do contrato de trabalho e sendo, com tais, indiferentes à sua caducidade.
Porém, afirmando que a A. reconhece terem-lhe sido aplicadas as sucessivas alterações ao AE de 1996, e desse modo delas beneficiou, conclui que não pode fazer valer os seus direitos com base na imutabilidade das cláusulas e que, tendo o AE de 1996 (celebrado com o SEP) caducado e não tendo a A. aderido ao AE de 2021 (celebrado com o SE), deve ser a R. absolvida dos pedidos.
Vejamos.
Cremos não haver grandes dúvidas, face ao texto do convénio firmado entre as partes em 01 de Setembro de 1997, ter sido convencionado entre ambas que as cláusulas do AE publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 31 de 1996 entre o recorrido e o SEP, em que a A. se encontrava filiada (e que, por isso, à mesma seria aplicável por força do princípio da filiação14), seriam “absorvidas pelo respectivo CIT”, ou seja, passariam a integrar o respectivo contrato individual de trabalho.
O texto é claro e não deixa margem para distinta interpretação, a qual sempre seria impedida pela norma do artigo 238.º do Código Civil, nos termos da qual “[n]os negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.
Quando as partes de um contrato de trabalho nele inserem cláusulas a considerar aplicável àquela relação um dado instrumento de regulamentação colectiva, ou quando convencionam que determinados aspectos da relação – vg. retribuição ou categoria profissional – se regem por determinado instrumento de regulamentação colectiva, esta estipulação constitui um exercício de autonomia privada.
O mesmo acontece quando as partes convencionam que as cláusulas de determinado instrumento de regulamentação colectiva ficam “absorvidas” pelo respectivo contrato de trabalho, como aconteceu no caso vertente.
Sendo convencionada nestes termos a aplicabilidade de um instrumento de regulamentação colectiva, a força vinculativa do mesmo equivale à força do próprio contrato individual, o que é particularmente patente na última hipótese, face aos termos literais da declaração. Com a cláusula de remissão para as normas do instrumento de regulamentação colectiva15, não há propriamente uma vinculação ao Acordo de Empresa, nem uma ampliação do seu âmbito pessoal (assim se distinguindo da possibilidade prevista no artigo 497.º do Código do Trabalho), mas uma incorporação no contrato de trabalho do conteúdo da disciplina do instrumento de regulamentação colectiva para o qual as partes remetem, no todo ou em parte16.
A partir do momento em que se verifica essa incorporação, as condições do instrumento de regulamentação colectiva passam a constituir condições previstas no contrato de trabalho, que o empregador se encontra obrigado a respeitar em conformidade com o princípio pacta sunt servanda (artigos 406.º do Código Civil, 19.º da LCT , 119.º do Código do Trabalho de 2003 e 126.º do Código do Trabalho de 2009).
O que significa que no caso vertente o recorrido passou a estar obrigado, a partir de 01 de Setembro de 1997, a aplicar a disciplina do Acordo de Empresa de 1996 ao contrato de trabalho que o vinculava à recorrente como fonte de raiz colectiva (atento o princípio da dupla filiação), mas, também, como disciplina a que as partes individualmente se vincularam, pois as suas cláusulas, por consenso, foram “absorvidas” pelo contrato de trabalho.
Como refere Júlio Gomes, citando doutrina alemã, a cláusula de remissão “tem apenas, como já foi mencionado, o efeito de incorporar no conteúdo do contrato individual de trabalho a convenção (ou parte dela) para a qual se remete. Sendo assim, mesmo o trabalhador filiado em sindicato outorgante de outra convenção poderia invocar o princípio do tratamento mais favorável, consagrado entre nós no art.º 476.º do CT, o qual permite que as disposições do IRCT sejam afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis ao trabalhador” o que pode ser feito “por remissão para outra convenção colectiva17.
As cláusulas de remissão podem ser estáticas (quando remetem para uma concreta Convenção Colectiva de Trabalho, numa determinada redacção, sem aceitar revisões futuras da mesma) ou dinâmicas (quando abrem a relação laboral à evolução da CCT chamada à aplicação, aceitando as partes que as revisões futuras possam influir na sua relação de trabalho). Dentro deste segundo tipo de cláusulas, podem as mesmas ser dinâmicas amplas (quando não identificam concretamente a CCT que pretendem ver aplicada, mas p. ex. a aplicável a determinado sector) e dinâmicas restritas (quando identificam a CCT e acolhem a sua evolução).
Bruno Mestre, que traça estas importantes distinções no seu estudo «Cláusulas de Remissão a CCT»18, individualiza dentro das cláusulas dinâmicas restritas as denominadas cláusulas semi-dinâmicas, que são as inseridas nos contratos de trabalho em que o empregador está vinculado à CCT e deseja que a cláusula vigore só na pendência da sua vinculação, terminando o dinamismo da remissão quando cessa a vinculação do empregador e cessam os efeitos da CCT sobre os trabalhadores sindicalizados. Em tais circunstâncias, como nota este autor, ficam “as condições de trabalho previstas na última versão da CCT como que congeladas no contrato por via da remissão”, ou seja, “a remissão semi-dinâmica torna-se estática com a desvinculação19.
No caso em análise, a cláusula de remissão plasmada no documento a que alude o facto O. parece à primeira vista estática, na medida em que identifica o instrumento de regulamentação colectiva com a localização precisa do Boletim do Trabalho e Emprego em que se encontra publicado.
Mas o certo é que ambas as partes nos seus articulados, denotam ter sido sua vontade real a de irem atendendo às sucessivas versões do Acordo de Empresa outorgado entre o recorrido e o SEP - Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, publicado no BTE n.º 31, de 22 de Agosto de 1996. Ambas invocam, com efeito, as alterações posteriores ao AE publicadas no BTE n.º28, de 29 de Julho de 1998, no BTE n.º3, de 22 de Janeiro de 2001, no BTE n.º21, de 08 de Junho de 2007 e no BTE n.º43, de 22 de Novembro de 2007 no decurso da respectiva alegação – vide os artigos 22.º e ss. da petição inicial e os artigos 62.º e ss. da contestação – pelo que, nos termos do preceituado no artigo 236.º, n.º 2, do Código Civil, segundo o qual “[s]empre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”, entendemos ter sido vontade de ambas aceitar submeter o contrato de trabalho à evolução do AE20, o que permite qualificar a cláusula de remissão em análise como dinâmica, tal como fez a sentença.
É também uma cláusula dinâmica restrita, pois identifica o instrumento de regulamentação colectiva que vai ser absorvido pelo contrato de trabalho.
Além disso, estando o empregador ora recorrido vinculado ao AE (pois que nele outorgou), deve considerar-se que a remissão é semi-dinâmica.
Assim sendo, tendo em consideração que com a caducidade do Acordo de Empresa celebrado entre o recorrido e o SEP cessou a vinculação do recorrido ao clausulado do AE, que não foi substituído por qualquer outro com os mesmos outorgantes, é de entender que as condições de trabalho previstas neste Acordo de Empresa, atendendo à sua última versão, se mantiveram incorporadas no contrato por via da remissão21.
Deste modo se observando estritamente o que ficou convencionado em 01 de Setembro de 1997, a saber, que as cláusulas do AE ficaram “absorvidas” pelo contrato de trabalho em vigor entre as partes, incorporando o conteúdo deste por força e nos termos do convénio individual, sem que para tanto releve ter o AE deixado de vigorar enquanto fonte de regulação colectiva.
Ao invés do dito na sentença, a remissão dinâmica do contrato de trabalho para o Acordo de Empresa não implica que a cessação de efeitos deste enquanto fonte de vinculação entre os entes colectivos outorgantes, por força da sua caducidade em 28 de Abril de 2019, acarrete, do mesmo passo, a cessação dos efeitos das cláusulas do contrato de trabalho que assumiram a mesma configuração das cláusulas do instrumento de regulamentação colectiva, apenas por força do consenso das partes do contrato de trabalho, no exercício da sua autonomia privada, verificado em 01 de Setembro de 1997.
É assim de concluir, respondendo à 3.ª questão enunciada quando se traçou o objecto do recurso, que a recorrente tem direito a manter, após a entrada em vigor do Acordo de Empresa celebrado entre o réu e o Sindicato dos Enfermeiros (SE), publicado no BTE, n.º 9, de 08 de Março de 2021, os direitos e obrigações decorrentes do Acordo de Empresa celebrado entre o réu e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) publicado no BTE, n.º 31, de 22 de Agosto de 1976, na sua última redacção, os quais foram absorvidos e se incorporaram no respectivo contrato de trabalho.
Procede, neste aspecto, a apelação.
*
5.2. Resta analisar as consequências desta decisão, face aos pedidos formulados, assim enfrentando a quarta questão enunciada no objecto do recurso.
O tribunal da 1.ª instância absolveu o R. do pedido formulado pela A. na sua petição na medida em que julgou inaplicáveis as cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiva em que a mesma fundou tal pedido.
Consequentemente cabe a este tribunal, nos termos do artigo 665.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, conhecer das questões que deixaram de ser conhecidas pelo tribunal recorrido, uma vez que os autos fornecem para tanto todos os elementos necessários, sendo as insuficiências que se detectam susceptíveis de ser colmatadas através do incidente de liquidação de sentença previsto no artigo 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Afigura-se-nos desnecessário ouvir de novo recorrente e recorrido, nos termos previstos no artigo 665.º, n.º 3 do CPC, dado que no decurso do processo as questões inerentes aos pedidos enunciados pela trabalhadora foram discutidas, podendo as partes, agindo com a diligência devida, pronunciar-se sobre as mesmas. Além disso, a recorrente defendeu na apelação que a sentença seja substituída por decisão que “considere procedentes os pedidos da A., atento até aos factos provados nos autos” [vg. na conclusão HHHHHHHH.] e peticionou expressamente no final da sua peça, além de explicitar alguns segmentos do pedido constante da petição inicial, que este tribunal revogue a decisão recorrida e a substitua “por outra que reconheça o correspondente direito da Apelante aos direitos jurídico-laborais reclamados e peticionados na presente acção e que foram considerados improcedentes pelo Tribunal” [alínea f) do peticionado na apelação]
Pelo que o recorrido teve, já nesta fase de recurso, a oportunidade de sobre tal pretensão se pronunciar nas suas contra-alegações e a decisão a proferir nunca constituirá decisão-surpresa, sendo a consequência natural do reconhecimento de que a recorrente tem direito a manter os direitos e obrigações decorrentes do Acordo de Empresa celebrado entre o réu e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) publicado no BTE, n.º 31, de 22 de Agosto de 1996, que se incorporaram no seu contrato de trabalho por força do convencionado entre as partes em Setembro de 1997.
A recorrente peticionou também se lhe reconheça o direito aos benefícios do sistema de assistência à saúde do SAMS, pagando o valor correspondente à comparticipação de que devia ter beneficiado pela sua despesa em medicamentos efectuada durante o ano de 2021 até ao momento, no montante a apurar nos presentes autos, pedidos que devem proceder na medida do apurado, por força do que estabelece a cláusula 99.ª do AE de 1996, acima transcrita, que se incorporou no contrato de trabalho da recorrente e que ao recorrido se impõe observar, garantindo a esta sua trabalhadora enfermeira e respectivo agregado familiar o “direito a assistência prestada pelo SBSI nos termos do respectivo regulamento”.
Ficou provado na sentença que a partir de 1 de Abril de 2021 a Autora deixou de beneficiar dos direitos relativos ao SAMS, deixando de beneficiar da comparticipação em medicamentos, consultas, exames complementares de diagnóstico (facto MM.) e que a mesma teve despesas em medicamentos e consultas enunciadas (conforme quadro constante do facto NN.). Ficou também provado que a recorrente deixou de beneficiar do valor mais reduzido enquanto beneficiária do SAMS por despesas que teve com actos médicos e medicamentos, no montante total de €1.564.24 (facto OO.).
Deve, pois, o recorrido ser condenado a pagar à recorrente o valor correspondente às comparticipações devidas nos termos do respectivo regulamento relativamente a este valor despendido. Quanto ao montante devido a título de comparticipações, a factualidade provada é insuficiente para o determinar, não havendo elementos para que se dê cumprimento ao artigo 75.º, n.º 1, do Código do Processo do Trabalho, nos termos do qual “sempre que a acção tenha por objecto o cumprimento de obrigação pecuniária, o juiz deve orientá-la por forma que a sentença, quando for condenatória, possa fixar em quantia certa a importância devida”. Deverá o mesmo ser ulteriormente apurado em liquidação de sentença nos termos prescritos nos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Pediu ainda a recorrente que o recorrido a indemnize pela despesa que se viu obrigada a realizar, subscrevendo seguros de saúde e tendo as inerentes despesas, o que lhe causou um dano patrimonial total no valor de € 2.091,22.
Ficou provado nestes autos que a partir de 1 de Abril de 2021, e em conformidade com o anúncio feito pelo recorrido de que o sistema de saúde do SAMS seria aplicável até 31 de Março de 2021, a Autora deixou de beneficiar dos direitos relativos ao SAMS, deixando de beneficiar da comparticipação em medicamentos, consultas e exames complementares de diagnóstico (factos II. e MM.).
E ficou também provado que, por esse motivo, a recorrente sentiu necessidade de subscrever um seguro de saúde e nele despendeu, pelo menos, o valor de € 2.091,22 (factos MM-1. e NN.).
Sendo a conduta do recorrido de retirar o benefício do SAMS violadora das cláusulas contratuais do AE de 1996 que se lhe impunha observar por terem sido absorvidas pelo contrato de trabalho da recorrente, bem como culposa (o que se presume nos termos do artigo 799.º do Código Civil), e tendo tal conduta provocado à recorrente o dano resultante da justificada necessidade que esta sentiu de subscrever um seguro de saúde por lhe ter sido ilicitamente retirado aquele benefício, é de reconhecer à recorrente o direito a indemnização pelo prejuízo sofrido neste domínio – cfr. o artigo 798.º do Código Civil.
Assim, porque responsável pelo ressarcimento do prejuízo sofrido pela A. a este título, deve o recorrido ser condenado no pagamento à recorrente do valor de € 2.091,22, atenta a limitação constante do peticionado, valor este acrescido de juros de mora vencidos desde a data da citação (artigos 804.º e 805.º, n.º 1, do Código Civil).
No que concerne ao pedido de reconhecimento do direito à retribuição base mensal de € 2.220,49 e no pagamento dos créditos laborais devidos a diferenças de retribuição base no valor de 2.807,10 que não foram pagas no período de Janeiro de 2011 a Outubro de 2022, e até trânsito em julgado, ficou provado que desde 2011 a retribuição base da A. deixou de ser actualizada (facto PP.).
No Acordo de Empresa outorgado entre o recorrido e o SEP, publicado no BTE n.º 31, de 22 de Agosto de 1996, mostra-se estabelecido na sua Cláusula 3.ª, n.º 9, que “[s]e qualquer das partes não proceder à respectiva denúncia e revisão nos prazos estabelecidos e na forma prevista nesta cláusula, a tabela salarial e as cláusulas com expressão pecuniária serão actualizadas e revistas nos termos, medidas quantitativas e períodos de vigência igualmente aplicados no ACTV do sector bancário”.
A última revisão global deste AE mostra-se publicada no BTE n.º 21, de 08 de Junho de 2007.
A condição estabelecida no n.º 9 da cláusula em causa – não se ter verificado a denúncia do AE – não é convocável no âmbito das relações contratuais estabelecidas entre recorrente e recorrido na medida em que alude a um mecanismo (a denúncia de um instrumento de regulamentação colectiva) que não tem quaisquer efeitos em cláusulas contratuais firmadas em contrato individual de trabalho, regendo quanto a este o princípio pacta sunt servanda.
Assim, não tendo sido o AE revisto após 2007 e deixando a retribuição base da recorrente de ser actualizada a partir de 2001, é de lhe reconhecer o direito às actualizações de natureza pecuniária previstas no ACTV do sector bancário, o que não lhe foi concedido (facto PP.). 
Não dispõe este Tribunal da Relação de elementos suficientes para quantificar os exactos valores devidos à recorrente a título de retribuição base, e das consequentes diferenças, por força da aplicação da cláusula 3.ª do AE de 1996, quer porque não constam da matéria de facto os valores efectivamente auferidos pela trabalhadora no período em análise, quer porque se provou ter o recorrido, em 2021, atribuído a todos os trabalhadores cuja relação de trabalho não está regulada pelo ACT do setor bancário, incluindo a recorrente, um aumento salarial em determinada percentagem consoante os valores retributivos auferidos (facto UU.), o que não pode deixar de ser ponderado no apuramento das diferenças devidas.
Não havendo também aqui elementos para que se dê cumprimento ao artigo 75.º, n.º 1, do Código do Processo do Trabalho, o apuramento final do valor efectivamente devido a título de diferenças salariais de retribuição base deve ser feito em incidente de liquidação de sentença nos termos prescritos nos artigos 609.º, n.º 2 e 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, sendo o valor apurado acrescido de juros de mora, à taxa legal a contar da data dos respectivos vencimentos, pois que se trata de obrigações com prazo certo.
No que concerne ao pedido indemnizatório de danos não patrimoniais, a matéria de facto provada não revela que a recorrente tenha sofrido danos indemnizáveis com tal natureza, razão por que, sem necessidade de outras considerações, não cabe arbitrar qualquer indemnização a tal título, improcedendo o inerente pedido por indemonstrados os factos constitutivos do direito a indemnização por danos não patrimoniais (cfr. os arts. 342.º, n.º 1 e 483.º do Código Civil).
*
5.3. As custas deverão ser suportadas por recorrente e recorrido, na proporção do decaimento que se fixa provisoriamente em 10% para a recorrente e 90% para o recorrido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo de ulterior correcção em fase de liquidação. Mostrando-se pagas as taxas de justiça e não havendo encargos a contar neste recurso que, para efeitos de custas processuais, configura um processo autónomo (artigo 1.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais), a condenação é restrita às custas de parte que haja.
*
5. Decisão
Em face do exposto:
5.1. julga-se improcedente a arguida nulidade da sentença;
5.2. julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto e, em consequência, altera-se o respectivo ponto NN. e adita-se o ponto MM-1., nos termos sobreditos;
5.3. altera-se oficiosamente a decisão de facto nos termos sobreditos;
5.4. concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, condena-se o recorrido:
5.4.1. a reconhecer que a recorrente tem direito a manter os direitos e obrigações decorrentes do Acordo de Empresa celebrado entre o réu e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) publicado no BTE, n.º 31, de 22 de Agosto de 1976, na sua última redacção, que se incorporaram no seu contrato de trabalho por força da cláusula de remissão convencionada em 01 de Setembro de 1997, incluindo os benefícios do sistema de assistência à saúde do SAMS e o direito à retribuição base mensal que decorre do seu clausulado;
5.4.2. a pagar à recorrente a quantia de € 2.091,22, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento;
5.4.3. a pagar à recorrente o valor correspondente à comparticipação de que esta deveria ter beneficiado pela sua acima referida despesa de € 1.564,24 com actos médicos e medicamentosos, a apurar em liquidação de sentença, se necessário, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a liquidação e até integral pagamento;
5.4.4. a pagar à recorrente o valor relativo a diferenças salariais na retribuição base no período de Janeiro de 2011 em diante, a apurar em liquidação de sentença, se tal se revelar necessário, acrescido de juros de mora à taxa legal desde as datas dos vencimentos das parcelas em dívida, até integral pagamento.
No mais, vai o recorrido absolvido do peticionado, confirmando-se a sentença neste segmento absolutório.
Condenam-se provisoriamente a recorrente e o recorrido nas custas de parte que haja, na proporção de 10% e 90%, respectivamente.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
Lisboa, 20 de Novembro de 2024
Maria José Costa Pinto
Leopoldo Soares
Sérgio Almeida
_______________________________________________________
1. Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.07.01, proferido no processo n.º 3445/08, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
2. Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2012.01.10, no proc. n.º 515/07.0TBAGD.C1.S1, in www.dgsi.pt.
3. In «Código de Processo Civil Anotado», volume V, Coimbra, 1981, pág. 140,
4. Em conformidade coma jurisprudência que ao longo do tempo vem sendo emitida pelo mesmo Supremo Tribunal de Justiça a propósito da nulidade por falta de fundamentação. De acordo com esta jurisprudência, tal nulidade ocorre quando haja falta absoluta de justificação do julgado, o que não sucede quando a sentença seja incompleta ou deficiente [vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 90.02.01 (in BMJ 395/479), de 2003.06.26 (Recurso n.º 2294/02, da 2.ª Secção), de 2003.10.09 (Recurso n.º 327/03, da 2.ª Secção), de 2003.10.16 (Recurso n.º 3103/02, da 7.ª Secção) e de 2004.01.22 (Recurso n.º 4278/03, da 7.ª Secção), entre muitos outros arestos]. Ou seja, a nulidade da sentença por falta de fundamentação não resulta da fundamentação deficiente, errada ou medíocre, mas, apenas, da sua falta absoluta.
5. Vide Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra, 1984, p. 697, Maria José Capelo, in A Sentença entre a Autoridade e a Prova, p. 114 e ss., e, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2018.05.17, proferido no processo 3811/13.3TBPRD.P1.S1, e de 2021.11.11, proferido no processo 1360/20.2T8PNF.P1.S1.
6. Vide Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pp.214-215.
7. É o seguinte o teor do artigo 39.º da contestação: “Impugna-se também os artigos 59.º, 62.º e 88.º da P.I. na medida em que a A. alega que “passou a ter a necessidade de ter seguro de saúde” (artigo 59.º), e “viu-se ainda obrigada a ter que subscrever seguros de saúde” (artigos 62.º e 88.º), pois a verdade é que a A. poderia (e pode), querendo, e por ato unilateral, continuar a beneficiar do SAMS mediante uma adesão individual ao atual Acordo de Empresa ou mediante filiação no SE – Sindicato dos Enfermeiros, associação sindical outorgante do Acordo de Empresa 2021.”
8. Tem a jurisprudência entendido que continua a impender sobre as instâncias o dever de não incluir juízos jurídico-valorativos no acervo factual – vide o Ac do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Dezembro de 2018, proferido no processo n.º 857/08.7TVLSB.L1.S2 – fixando-se neste apenas as ocorrências da vida corrente e os factos materiais ou puros como diz o Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, III, 3ª edição, reimpressão, 1981, p 215.
9. Vide Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Parte Geral e Processo de Declaração, 3.ª edição, Coimbra, 2023, p. 773.
10. Vide Luís Gonçalves da Silva, in Estudos de Direito do Trabalho (Código do Trabalho), vol. I, 2.ª edição, Coimbra, 2008, p. 195.
11. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2002.12.04, Revista n.º 3494/02, e de 2003.12.11, Recurso n.º 632/03 - 4.ª Secção, sumariados no mesmo sítio. Vide ainda Bernardo Lobo Xavier, “A sobrevigência das convenções colectivas de trabalho”, in A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra, 2004, p. 595, ligando os usos laborals à contratação colectiva (artigo 56.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa), que seria base de legitimação constitucional desses mesmos usos, e defendendo que poderá e deverá ser dada eficácia geral a uma convenção colectiva de trabalho quando relativamente a ela se estabelecer uma prática geral, pacífica e uniforme na empresa (ou no sector) de aplicar o clausulado respectivo.
12. Acórdão proferido no processo n.º 4595/16.3T8LSB.L1.S1, neste excerto citando Maria do Rosário Palma Ramalho.
13. Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2005-05-25, Recurso n.º 259/05, de 2005-11-02, Recurso n.º 1454/05, de 2006-12-06, Recurso n.º 1825/06, de 2007-11-07, Recurso n.º 2624/07 e de 2007-12-19, Recurso n.º 1931/07, todos ambos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt. Ainda que não previstas no âmbito da Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (L.C.T.), a lei passou a fazer alusão expressa a estas cláusulas na legislação codicística – cfr. os artigos 96.º do Código do Trabalho de 2003 e 105.º do Código do Trabalho de 2009.
14. Não obstante, na sua cláusula 2.ª, n.º 2, o AE estabelecia que “Todos os enfermeiros admitidos antes da entrada em vigor deste AE entregarão aos SAMS documento devidamente assinado, donde conste a respectiva adesão ao presente acordo, que, porque globalmente mais favorável, revogará integralmente os contratos individuais de trabalho preexistentes”, o que, note-se, fica aquém do conteúdo da declaração subscrita pela recorrente.
15. Cuja admissibilidade, em geral, resulta, no Código do Trabalho de 2009, do disposto na parte final do seu artigo 105.º, os termos do qual “[o] regime das cláusulas contratuais gerais aplica-se aos aspectos essenciais do contrato de trabalho que não resultem de prévia negociação específica, mesmo na parte em que o seu conteúdo se determine por remissão para instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.
16. Vide Júlio Gomes, Algumas Questões sobre o Âmbito Pessoal de Aplicação da Convenção Colectiva à luz do Código do Trabalho, in RDES, Ano LVII, 2016, n.º 1-4, pp. 44 e ss.
17. In artigo citado, pp. 46-47.
18. In Questões Laborais, Ano XIV, n.º 30, Julho/Dezembro de 2007, pp. 139 e ss.
19. In estudo citado, p. 146.
20. Segundo Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, Coimbra, 2007, p. 477, nota 1215, a abertura ao futuro limita-se ao quadro da mesma convenção.
21. Vide Bruno Mestre, in estudo citado, p. 146.
Decisão Texto Integral: