Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:27/11.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:RUI A.S. FERREIRA
Descritores:TAXA
POSTOS DE ABASTECIMENTO DE COMBUSTÍVEIS
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I– O tributo previsto no artigo 70º, nº 1.1, da Tabela de Taxas outras Receitas do Município de Sintra, em vigor no ano 2009, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis, tem a natureza de “taxa” (periódica anual), cujo sujeito passivo é o titular da respetiva licença de exploração, ainda que tal atividade se encontre a ser exercida por outra entidade comercializadora ao abrigo de contrato de concessão comercial, caso em que este também será sujeito passivo, em solidariedade (artigo 21º, nº 1, da LGT e 523º, 518º e 524º do CC);
II– Essa taxa assenta no poder da autarquia local de tributar os particulares beneficiários de utilidades prestadas ou geradas pela atividade desse município, designadamente pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da proteção civil ou sobre a realização de atividades dos particulares que oneram permanentemente o ambiente do município, aspetos estes não valorados no quadro do licenciamento.
III- Tal taxa é legítima à luz dos artigos 3º, 4º e 6º do RGTAL, e não padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade tributária no sentido de reserva de lei formal, ínsito nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Contencioso Tributário Comum do Tribunal Central Administrativo Sul
l – RELATÓRIO
A sociedade AAAA deduziu impugnação judicial contra a liquidação da taxa sobre equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos (artigo 70º, nº 1.1 da Tabela de Taxas e outras receitas municipais de Sintra), relativa ao ano 2009, no montante de 2.683,00, efetuada pela Câmara Municipal de Sintra, cuja reclamação graciosa foi indeferida, tendo suscitado, erro na qualificação do tributo como “taxa” e, subsidiariamente, violação do principio da proporcionalidade, bem como dos principio da legalidade e da tipicidade.
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Por sentença proferida em 20/12/2017, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a impugnação totalmente improcedente.
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Na sequência, o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, doravante Recorrente MP, apresentou recurso no qual formulou as seguintes conclusões:
« I – O Ministério Público recorre da aliás douta sentença proferida na data de 20.12.2017, de fls. 177 a 190 (do suporte de papel dos autos), e mediante a qual foi julgada improcedente a impugnação judicial apresentada pela firma “AAAA”, relativamente ao acto de indeferimento da reclamação graciosa que a mesma apresentara previamente, e ainda relativamente ao acto de liquidação de taxa municipal, emitida pelo Município de Sintra, com o valor a pagar na importância de € 2.683,00, e respeitante a equipamentos de abastecimentos de combustíveis.
II – Na sentença foram julgados improcedentes os vícios imputados pela firma Impugnante ao acto de liquidação da taxa municipal, que constitui o objecto (mediato) dos presentes autos.
III – Porém, a sentença é nula na parte em que omitiu a devida pronúncia sobre um outro vício do acto impugnado, que fora invocado pelo Ministério Público no parecer pré-sentencial, quando referira que o acto de liquidação padecia de erro sobre os pressupostos de facto, imputável ao Municio de Sintra, uma vez que a firma Impugnante não era o sujeito passivo da relação jurídica mas a firma concessionária do posto de abastecimento de combustíveis.
IV – Ora, a Mma. Juiz a quo estava obrigada a pronunciar-se sobre tal questão, para mais tratando-se de um vício de fundo, pelo que a decisão recorrida infringiu pois as disposições dos artigos 121º, nº 1, e 124º, nº 2, alínea b), ambos do CPPT, traduzindo nulidade de sentença, por omissão de pronúncia, de acordo com o disposto no artigo 125º, nº 1, igualmente do CPPT.
V – Assim sendo, deve ser julgado procedente o presente recurso, por se verificar a invocada nulidade da sentença, e, em consequência, determinado que os autos voltem á primeira instância para reforma do decidido.
Porém, V.Exas., Senhores Juízes Desembargadores, apreciarão e decidirão como for de Direito!».
Por despacho de 16/4/2018, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra alterou (aditou) a matéria de facto e manteve a decisão.
Na sequência, o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra apresentou alegações complementares e formulou as seguintes conclusões:
«I – O Ministério Público recorre do aliás douto despacho/sentença proferido na data de 16.04.2018, a fls…, dos autos, no qual, e ao suprir a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, que fora invocada no recurso jurisdicional oportunamente também já apresentado pelo Ministério Público, decidiu a Mma. Juiz a quo, em suprimento de tal nulidade, ser improcedente o vício de natureza anulatória que fora invocado pelo Ministério Público no parecer pré-sentencial, por entender a mesma que como o titular da licença dos equipamentos do posto de abastecimento de combustíveis em apreço nos autos não é a entidade concessionária de tal posto, a firma “BBBB”, mas a própria firma Impugnante, a sociedade “AAAA”, será esta empresa que responde perante o ente público emissor da referida licença pelo cumprimento das inerentes obrigações tributárias.
II – Antes de mais importará referir que não obstante o valor da taxa municipal em causa, na importância de € 2.683,00, não ser especialmente elevado, sucede é que a decisão a tomar no presente recurso é de particular interesse para a definição de uma linha jurisprudencial sobre a matéria, e isto porque correm termos por este tribunal tributário outros processos impugnatórios da mesma natureza, mas com a particularidade de nalguns deles a taxa municipal ter sido emitida em favor da firma concessionária do posto de abastecimento de combustíveis
III – Pois bem, a nosso ver, a taxa municipal emitida deve ser perspectivada em função do princípio do utilizador pagador ou do beneficiário pagador, o que significa que o sujeito passiva da relação de taxa radica na empresa que tem o benefício decorrente da efectiva exploração do posto de abastecimento de combustíveis, pois também será a mesma que deve suportar os custos com a actividade pública para fiscalização e salvaguarda do ambiente.
IV – A ser assim o facto tributário não contende com a titularidade da licença do posto de abastecimento de combustíveis, mas com o exercício efectivo de uma actividade, a de exploração do mesmo, e isto também porque no regulamento municipal onde está a previsão da taxa se alude aos “…condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, agua e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competente…”.
V – E tal leva a concluir que, e ao nível da incidência objectiva da taxa, está sobretudo em causa uma actividade de um particular que é geradora de um impacto ambiental negativo e que justifica a actividade do Município na fiscalização dessa actividade, e deste modo é a firma concessionária do posto o sujeito passivo da respectiva relação jurídica tributária, o que significa que o acto de emissão da taxa municipal em favor do titular da licença enferma de vicio de natureza anulatória, a de erro sobre os pressupostos de facto quanto à identificação daquele sujeito.
VI – Neste condicionalismo, a sentença recorrida padece pois de erro de julgamento de direito, uma vez que incorreu também em igual erro quanto aos pressupostos de facto, concretamente quanto à identidade do sujeito passivo da relação jurídica tributária, pelo que será de dar provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, e substituindo-a por outra que considere procedente a impugnação judicial, mas com base no fundamento do vício anulatório imputado pelo Ministério Público ao acto de liquidação da taxa municipal.
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Porém, V.Exas., Senhores Juízes Desembargadores, apreciarão e decidirão como for de Direito!»
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A sociedade AAAA, doravante Recorrente impugnante, também deduziu recurso contra a referida sentença, formulando, a final, as seguintes conclusões:
« i. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida, em 20 de dezembro de 2017, que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrente contra a taxa pelos condicionalismos no plano de tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais e consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes, no valor total de € 2.683;
ii. Na petição inicial de Impugnação Judicial a ora Recorrente invocou, em síntese, i) a inconstitucionalidade da taxa por configurar um verdadeiro imposto; ii) a ilegalidade da liquidação da taxa por violação dos princípios da proporcionalidade e do princípio da equivalência; e iii) ilegalidade da liquidação da taxa por violação do princípio da legalidade e da tipicidade;
iii. A Sentença recorrida concluiu, em síntese, que a referida taxa não se configura como um imposto e que a mesma não viola o princípio da legalidade tributária;
iv. Conforme demonstrado nos presentes autos, o pressuposto da taxa é sempre constituído por uma prestação administrativa que, de acordo com o artigo 4.º, n.º 2 da LGT e com o artigo 3.º do RGTAL, se materializa na (i) prestação de um serviço, (ii) na utilização de um bem do domínio público ou (iii) na remoção de um obstáculo jurídico à atividade do particular;
v. O que significa que na génese da obrigação de pagamento deste tributo está a prestação concreta de um serviço público local, a utilização privativa de um bem público ou a remoção de um obstáculo jurídico à atividade da ora Recorrente;
vi. Sucede, porém, que, contrariamente ao que concluiu a Sentença recorrida, não foi demonstrado nos presentes autos que a Recorrida preste qualquer serviço concreto e individualizado à Recorrente como contrapartida do pagamento da taxa prevista no artigo 70.º, n.ºs 1.1 e 1.2.1 da Tabela de Taxas para 2009;
vii. Por outras palavras, não inexiste um ato administrativo ou uma operação material na raiz dessa obrigação, de tal forma que a Recorrida se limita a especular e a tecer considerações genéricas sobre o facto tributário nas peças processuais apresentadas ao longo do processo;
viii. Esta conclusão é, aliás, confirmada pelo facto de o Tribunal a quo não ter dado como provado que o Município de Sintra preste, de facto, qualquer serviço em favor da ora Recorrente como contrapartida da taxa em apreço, pelo que se deve concluir que, na situação em apreço, a Recorrida não prestou qualquer serviço em favor da ora Recorrente como contrapartida da taxa suportada;
ix. No que se refere ao segundo pressuposto hipoteticamente admissível, não é a utilização privativa de qualquer bem do domínio público ou privado municipal que dá origem à relação jurídico-tributária subjacente ao lançamento da taxa;
x. Pese embora os equipamentos de abastecimento em questão estejam instalados na via pública, uma leitura simples do artigo 70.º, n.ºs 1.1 da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2009 permite logo concluir que o facto tributário não é constituído pelo uso de um bem público;
xi. Na verdade, o próprio enquadramento sistemático do artigo 70.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2009 ajuda a afastar o pressuposto do tributo do uso de um bem público, porquanto está inserido no capítulo dedicado às “Actividades económicas” e não no elenco das taxas pela “Ocupação de espaços de domínio público sob jurisdição municipal” (Capítulo III da Tabela);
xii. Sendo que o corpo do artigo 70.º da Tabela indica que o facto tributário, ou seja, o elemento que origina a relação jurídico-tributária, é constituído pela mera existência de um equipamento de abastecimento, independentemente da sua localização no domínio público ou privado, sendo que o n.º 1.1 leva qualquer intérprete médio a crer que o tributo tem a finalidade de compensar um suposto desgaste ambiental provocado por esses equipamentos;
xiii. Há tão-somente um agravamento do valor do tributo consoante a localização do equipamento de abastecimento, mas daí não decorre que é a utilização de um bem público que desencadeia a liquidação e cobrança;
xiv. Por fim, relativamente ao terceiro pressuposto legal, ficou demonstrado que inexiste qualquer obstáculo jurídico a ser removido com o pagamento do tributo;
xv. Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que o tributo em apreço não tem como pressuposto qualquer um dos factos que a lei associa à criação e legitimação de uma taxa, razão pela qual se impõe a conclusão de que a taxa em apreço se configura, na verdade, como um imposto ou, no limite, de uma contribuição especial e que, por conseguinte, a liquidação enferma de ilegalidade;
xvi. Do mesmo modo, ficou demonstrado que a taxa em apreço não se enquadra na categoria de remoção de um obstáculo jurídico à actividade do particular e, em simultâneo, pela prestação de um serviço público;
xvii. No caso concreto, basta uma leitura do artigo 70.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para se constatar que a contrapartida do tributo, seja ela qual for, não se prende com a remoção de um obstáculo jurídico;
xviii. Com efeito, tratando-se de equipamentos de abastecimento de combustíveis, a própria Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra indica que a taxa devida pelo respetivo licenciamento é a que se encontra no artigo 69.º e não no artigo 70.º;
xix. Sucede que, no caso concreto, não está em jogo um licenciamento, i.e., a remoção de um obstáculo jurídico ao funcionamento dos equipamentos, mas sim um tributo que é cobrado todos os anos pelo simples facto de os equipamentos de abastecimento existirem, o que invalida, em absoluto, este argumento;
xx. Ficou também demonstrado que a taxa em apreço não é enquadrável nas alíneas d), f) e g) do n.º 1 do artigo 6.º do RGTAL;
xxi. Importa, pois, uma vez mais, reiterar que não foi demonstrado pela Recorrida a existência de qualquer contrapartida pela prestação dos serviços ou pelas atividades previstas naquelas alíneas do n.º 1 do artigo 6.º do RGTAL, sendo evidente que, por força do disposto no artigo 74.º da LGT, incumbia à Recorrida o dever de a comprovar nos autos que esses serviços foram efetivamente prestados à Recorrente ou que as atividades foram de facto praticadas;
xxii. Do mesmo modo, não se pode aceitar que o Tribunal a quo tenha considerado que a mera criação da taxa em apreço pressupõe a prestação de um serviço, uma vez que o artigo 4.º, n.º 2, da LGT não deixa margem para quaisquer dúvidas: as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares;
xxiii. Do mesmo modo, ficou demonstrado que não se pode aceitar o argumento dos supostos riscos ambientais e do pretenso “acréscimo de trânsito” decorrentes do funcionamento das instalações de abastecimento de combustíveis para justificar a existência de um sinalagma quando não foi demonstrado;
xxiv. Com efeito, este argumento não encontra qualquer suporte na realidade e carece de prova, pelo que o argumento de que a taxa tem fundamento nas alíneas d), f) e g) do n.º 1 do artigo 6.º do RGTAL é desprovida de qualquer apoio na realidade dos factos que foram demonstrados nos autos, razão pela qual se deve concluir que a Sentença recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento;
xxv. Do mesmo, é absolutamente infundado o entendimento, sustentado pela Recorrida e acolhida pela Sentença recorrida, de que o tributo em questão visa prosseguir finalidades ambientais;
xxvi. É que mesmo admitindo que as taxas podem ser fixadas atendendo a finalidades extrafiscais não se pode concordar com a simples alusão ao pretenso “impacto ambiental negativo” de um posto de abastecimento de combustíveis para afastar o princípio que norteia o regime de criação de taxas, ou seja, o princípio da equivalência;
xxvii. Com efeito, o artigo 4.º do RGTAL veio consagrar de forma expressa o princípio da equivalência – não apenas jurídica mas também económica – como critério fundamental de justa repartição das taxas locais, pelo que qualquer derrogação ao mesmo tem, necessariamente, carácter excecional;
xxviii. O princípio da equivalência impõe que a taxa seja cobrada em função de uma prestação efetivamente dirigida ao particular e ainda que o seu valor corresponda ao custo/valor dessa prestação ou do benefício auferido pelo particular;
xxix. Quer isto dizer que na criação de um tributo cujo valor exorbita o custo da prestação pública ou o benefício, ou seja, derroga a equivalência, a Administração Pública deve demonstrar que existe um interesse extrafiscal atendível e, para além disso, mostrar que esta derrogação é absolutamente imprescindível por força do espacial relevo que aquele interesse assume no caso concreto;
xxx. Acontece que, no caso vertente, e como referido em primeira instância, a Recorrida limitou-se a alegar, como se fosse uma verdade incontestável, que atividade de exploração de um posto de abastecimento de combustíveis é poluente, pelo que, necessariamente, a taxa tem natureza ambiental;
xxxi. Não foi, pois, invocado qualquer argumento racional ou com relevância suficiente para derrogar – e de forma flagrantemente onerosa para o sujeito passivo – o princípio da equivalência;
xxxii. Ora, em face da primazia do princípio da equivalência, as razões de extrafiscalidade devem ter dignidade e relevância suficientes para acarretarem desvios àquela, do que se extrai que deve efetuar-se sempre uma comparação entre a lesão provocada pela derrogação à equivalência e a razão extrafiscal invocada;
xxxiii. Isso significa que se a taxa é criada com função desmotivadora, o agravamento face ao custo ou benefício não deve ultrapassar o estritamente necessário para a realização do objeto extrafiscal;
xxxiv. Todavia, no caso concreto é flagrante que o lançamento da taxa não visa dar cobertura a qualquer desígnio ambiental mas sim angariar receitas para os cofres municipais com base na capacidade contributiva revelada pelos contribuintes, como se fosse um imposto;
xxxv. O “impacto ambiental negativo” invocado é meramente hipotético e não existe qualquer prestação concreta por parte do município, pelo que não estamos perante qualquer tipo de taxa mas sim perante um imposto, cuja criação, como é consabido, está vedada às autarquias locais;
xxxvi. De qualquer forma, ainda que por mera hipótese de raciocínio assumíssemos que existia uma qualquer finalidade ambiental a prosseguir com a cobrança desse tributo, não bastava fazer uma referência genérica à suposta perigosidade de um posto de abastecimento de combustíveis para enquadrar o tributo na previsão do n.º 2 do artigo 6.º do RGTAL;
xxxvii. Por outro lado, são evidentes as dificuldades em demonstrar a bilateralidade que é necessária para a qualificação como taxa;
xxxviii. Em face do exposto, não restam quaisquer dúvidas de que, contrariamente ao que conclui a Sentença recorrida, a taxa, mesmo que revista contornos de “taxa ambiental”, constitui um autêntico e inadmissível imposto, pelo que outra não pode ser a solução que a anulação do ato de liquidação da taxa em apreço.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE-RÁ O PRESENTE RECURSO MERECER PROVIMENTO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A SENTENÇA RE-CORRIDA E SUBSTITUÍDA A MESMA POR UM ACÓRDÃO QUE DÊ TOTAL PROVIMENTO À PRETENSÃO DO RE-CORRENTE, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS
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O Município de Sintra, doravante “Recorrido”, apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:
« 1. O recorrido pugna pela manutenção da douta sentença proferida, em 20 de dezembro de 2017, que julgou improcedentes os vícios invocados pela ora recorrente em sede de impugnação, contra a taxa devida em virtude dos condicionalismos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da actividade nos recursos naturais (ar, água e solo) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”, porquanto a sua criação e cobrança não ofende o princípio da legalidade.
2. A douta sentença recorrida ao contrário do alegado pelo recorrente não padece do erro de julgamento ao qualificar o tributo objeto dos autos como uma taxa e não um imposto, tendo aplicado norma da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra que respeita o princípio da legalidade tributária consagrado nos referidos preceitos constitucionais.
3. Nestes autos o recorrente veio deduzir impugnação judicial contra o indeferimento expresso das reclamações graciosas e consequentemente dos atos de liquidação da renovação das taxas devidas por equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados no domínio publico, relativos ao ano de 2009, no valor de € 2.683,00.
4. O ato de liquidação da taxa tem como fundamento a norma prevista no nº 1, ponto 1.1., e 1.2.1 do artº 70. da TTORMS e do n.º 1.1. do art.º 69.º da TTORMS devidas “ em virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da atividade nos recursos naturais (ar, águas e solo) e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais” acrescida da taxa correspondente aos equipamentos “instalados inteiramente em domínio público”.
5. Os equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos em causa encontram-se inteiramente instalados em domínio público.
6. A atividade da recorrente traduzida na exploração dos postos de abastecimentos de combustíveis interfere permanentemente, com a conformação de bens públicos, como o ambiente (ar, águas e solos), o urbanismo o ordenamento do território e a gestão do tráfego, tendo o município como atribuição proteger tais bens.
7. A atividade da recorrente é causa de uma atividade de vigilância e de ações de prevenção por parte do município, não só para dar cumprimento à lei, como principalmente para evitar que os riscos quanto à segurança de pessoas e bens, os riscos para a saúde pública e os riscos ambientais associados à existência e funcionamento daquelas instalações se materializem.
8. As taxas das autarquias locais são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais, ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição da autarquia nos termos da lei, nos termos previstos no artº 3º da Lei 53-E/2006, de 29-12.
9. A taxa impugnada assenta na prestação de serviço público e, simultaneamente na remoção de um obstáculo jurídico à atividade da impugnante, reconduzindo-se ao art.º 3.º do RGTAL.
10. A atividade do município em ordem a garantir a integridade dos valores ambientais resultante da atividade da impugnante constitui a contrapartida que dá causa ao pagamento do tributo impugnado que reveste a natureza jurídica de taxa, nos termos previstos no artº 3º do RGTAL
11. A obrigação do Município de suportar a atividade de exploração que permanentemente interfere com a conformação de bens públicos que tem por atribuição proteger constituem também contrapartida que dá causa ao pagamento da taxa impugnada, sendo que a remoção do obstáculo jurídico não tem que permitir necessariamente a utilização de um bem do domínio público.
12. O tributo em causa reveste a natureza jurídica de taxa existindo claramente sinalagma traduzido na contraprestação do município que funda a exigência do tributo.
13. A contraprestação do município que fundamenta o pagamento da taxa ocorre independentemente do postos de abastecimento se encontrarem implantados inteiramente em propriedade privada ou em terrenos do domínio público, sendo que no caso encontram-se inteiramente instalados no domínio público.
14. Os municípios têm poderes tributários próprios nos termos previstos no n.º 4 do art.º 238.º, n.º 2 do art.º 254.º CRP e artº 3.º do RGTAL.
15. Aliás, decorre do texto constitucional o dever de defesa do ambiente extensivo a toda a administração (art.º 66.º da CRP).
16. As taxas sobre atividades de impacto ambiental negativo que representam um risco para os bens jurídicos consagrados na Lei 11/87, aplicável ex vi do disposto no n.º 2 do art.º 4.º e n.º 2 do artº 6.º do RGTAL.
17. É notório que a atividade de exploração de um posto de abastecimento de combustíveis é poluente, quer pela emissão de gases na altura do abastecimento dos depósitos do posto, como os emanados no abastecimento pelos próprios consumidores, como ainda pelas infiltrações de substâncias químicas no solo e subsolo e nas águas envolventes.
18. O funcionamento de um PAC determina desde logo desgaste ambiental significativo quer do ar, quer dos solos e águas residuais, decorrente do manuseamento de combustíveis e das possíveis infiltrações, somando a estes um fator de risco acrescido pela própria natureza dos materiais utilizados, ainda que sejam cumpridas todas as normas de segurança exigíveis na atividade em questão.
19. Ao que acima se disse, acrescem todas as condicionantes urbanísticas decorrentes da localização de um PAC, designadamente as previstas na Portaria n.º 131/2002, de 9 de Fevereiro que, ao abrigo do DL 302/2001 aprova o regulamento de construção e exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis.
20. Atentas as atribuições e competências do município, torna-se claro que cada PAC representa um acréscimo de serviços a executar pelo município, no âmbito das suas atribuições e competências.
21. Ao abrigo do ordenamento jurídico ora em vigor só pode concluir-se que a norma prevista no art.º 70.º, n.º 1, ponto 1.1. da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, para o ano de 2008, aplicável no ano de 2009, não padece da alegada inconstitucionalidade, nem de qualquer outra invalidade.
22. É entendimento da jurisprudência que o tributo em causa reveste a natureza jurídica de taxa.
23. O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 581/2012, de 05-5-12, proferido no Proc.º nº 204/12, julgou não inconstitucional, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, o artº 70º, nº 1, 1.1. da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para 2008, norma idêntica à que serviu de fundamento aos atos de liquidação em causa.
24. A Decisão Sumária do Tribunal Constitucional nº 108/2013, de 20-02, proferida no Processo nº 789/12, formulou idêntico juízo de não inconstitucionalidade da norma contida no artº 70º, nº 1, 1.1. da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, para 2008.
25. A norma regulamentar que fundamentou os atos de liquidação impugnados não padece do alegado vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, não se verificando qualquer violação das regras de reserva de lei previstas nos art.ºs 103.º, nº 2 e 165.º, nº 1 al. i) da C.R.P.
26. Pelo que deve ser julgada improcedente o presente recurso mantendo-se os atos de liquidação impugnados.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas., colendos Desembargadores, melhor suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente e mantida na integra a douta sentença recorrida.».
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O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento a ambos os recursos.
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Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.
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2. QUESTÕES A DECIDIR:
Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil (CPC), o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos Recorrentes no âmbito das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Assim, resulta das conclusões formuladas pelos Recorrentes que são as seguintes as questões a decidir:
a) A sentença padece de nulidade por omissão de pronúncia sobre o vício do ato impugnado, que fora invocado pelo Ministério Público no parecer pré-sentencial, quando referira que o ato de liquidação padecia de erro sobre os pressupostos de facto, imputável ao Municio de Sintra, uma vez que a sociedade Impugnante não era o sujeito passivo da relação jurídica mas a sociedade concessionária do posto de abastecimento de combustíveis (recurso do MP)?
b) O despacho que sustenta a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito na parte em que considera que o facto tributário se verifica quanto ao sujeito titular da licença, ora Recorrente Impugnante (alegações complementares do Recorrente MP)
c) A sentença padece de erro de julgamento na qualificação do tributo como taxa, em vez de imposto, com consequente inconstitucionalidade (Recurso da Recorrente Impugnante)?
d) A sentença padece de erro de julgamento quanto à questão da ilegalidade da liquidação por violação dos princípios da proporcionalidade e equivalência (Recurso da Recorrente Impugnante)?
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3 – FUNDAMENTAÇÃO
3.A. - De facto
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
«A) O Município de Sintra emitiu a liquidação da taxa devida por equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos, referente ao ano de 2009, em nome da Impugnante, em “virtude dos condicionamentos no plano de trafego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da actividade nos recursos naturais (ar, água e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”, prevista no n.º 1.1 do artigo 70.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra em vigor para o ano de 2009, no montante de € 2.683,00 – cfr. doc. 1 junto à p.i.
B) A liquidação a que alude a alínea A) reporta-se a 4 equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados no posto sito na ..., calculada na base de 4un.x80,00€/un./ano, acrescendo 4un.x590,00€/un./ano por se encontrarem instalados inteiramente no domínio público e imposto de selo – cfr. doc. 1 junto à p.i.
C) Em 17.06.2010, a Impugnante deduziu reclamação contra a liquidação identificada em A), dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra – cfr. doc. 2 junto à p.i.
D) A reclamação identificada na alínea que antecede foi indeferida por deliberação da Câmara Municipal de Sintra de 27.10.2010 – cfr. doc. 3 junto à p.i.
E) A 07.01.2011 foi deduzida a presente impugnação judicial – cfr. fls. 3 do suporte físico dos autos.
Por despacho de 16/4/2018, o ... aditou o seguinte facto:
F) A licença relativa à exploração dos equipamentos referidos em B) foi emitida em nome da sociedade ora Impugnante – cfr. fls. 66 do processo instrutor apenso.»
Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC, este Tribunal modifica a redação do facto B supra de maneira a que nele passe a constar o seguinte:
B) - A liquidação a que alude a alínea A) reporta-se a 4 equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos instalados no posto sito na ..., explorada pela sociedade concessionária BBBB, e foi calculada na base de 4un.x80,00€/un./ano, acrescendo 4un.x590,00€/un./ano por se encontrarem instalados inteiramente no domínio público e imposto de selo – cfr. doc. 1 junto à p.i.
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Refere-se ainda na sentença recorrida:
«Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão do mérito da causa e que importe dar como provados ou não provados».
Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:
«A decisão da matéria de facto provada efetuou-se com base no exame dos documentos que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.».
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3.B. - De Direito
Antes do mais, importa apurar a ordem pela qual as questões decidir hão de ser apreciadas pelo Tribunal.
Este Tribunal fixa a seguinte ordem de conhecimentos das questões a decidir acima sintetizadas:
a. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre o vício do ato impugnado, que fora invocado pelo Ministério Público no parecer pré-sentencial, quando referira que o ato de liquidação padecia de erro sobre os pressupostos de facto, imputável ao Municio de Sintra, uma vez que a sociedade Impugnante não era o sujeito passivo da relação jurídica mas a sociedade concessionária do posto de abastecimento de combustíveis (recurso do MP);
b. Do erro de julgamento de direito na parte em que o despacho de sustentação da sentença recorrida considera que o facto tributário se verifica quanto ao sujeito titular da licença, ora Recorrente Impugnante (alegações complementares do Recorrente MP);
c. Do erro de julgamento na qualificação do tributo como taxa, em vez de imposto, com consequente inconstitucionalidade (Recurso da Recorrente Impugnante);
d. Do erro de julgamento quanto à questão da ilegalidade da liquidação por violação dos princípios da proporcionalidade e da equivalência (Recurso da Recorrente Impugnante).
Apreciando de imediato:
A. - Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
O Recorrente MP alega que a sentença é nula por omitir pronúncia sobre o vício do ato impugnado que fora invocado pelo Ministério Público no parecer pré-sentencial, onde se referia que o ato de liquidação padecia de erro sobre os pressupostos de facto, imputável ao Municio de Sintra, uma vez que a sociedade Impugnante não era o sujeito passivo da relação jurídica mas a sociedade concessionária do posto de abastecimento de combustíveis.
Notificado para o efeito, a Recorrente impugnante acompanha a posição do Recorrente MP.
Apesar de notificado, o Recorrido Município não se pronunciou sobre essa questão.
Decidindo:
No despacho de sustentação, de 16/4/2018, o Tribunal recorrido pronunciou-se nos seguintes termos: “conforme resulta provado na alínea F) do probatório – facto agora aditado à fundamentação de facto da decisão recorrida – a titular da licença dos equipamentos de combustíveis em apreço nos autos não é a entidade concessionária, mas a própria Impugnante, a sociedade “AAAA”, sendo esta quem responde, perante o ente público emissor da referida licença, pelo cumprimento das inerentes obrigações tributárias.
Em face do exposto, e sem necessidade de considerações acrescidas, improcede a invocada ilegalidade substanciada na ilegitimidade substantiva da Impugnante na relação jurídico-tributária.
Notifique, incluindo o DMMP, este nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do art.º 617.º do CPC.”.
De facto, resulta do artigo 617º, nº 1, do CPC que, se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso , e, nos termos do nº 2 do mesmo dispositivo, se o juiz suprir a nulidade, considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante desta, ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão.
Assim, o referido despacho sanou a referida omissão de pronúncia, integrando-se na própria sentença, ficando essa questão prejudicada.
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B. - Do erro de julgamento de direito na parte em que o despacho de sustentação da sentença recorrida considera que o facto tributário se verifica quanto ao sujeito titular da licença, ora Recorrente Impugnante
Na sequência do despacho referido no ponto anterior, o Recorrente MP alega que a sentença recorrida padece de erro de julgamento na parte em que considera que o facto tributário se reporta ao titular da licença para exploração do posto de abastecimento de combustíveis (AAAA) e não à sociedade que efetivamente exerce essa atividade (BBBB), não reconhecendo a ilegitimidade passiva da Recorrente Impugnante.
A Recorrente Impugnante não se pronuncia sobre essa questão.
O Recorrido Município também não se pronuncia.
Decidindo;
Está em causa a questão de saber quem é o sujeito passivo da relação jurídica-tributária no caso do tributo previsto no artigo 70º, nº 1.1 , do Regulamento de Taxas de Sintra, referente ao ano 2009.
Relembre-se que se consideram “relações jurídico-tributárias” as estabelecidas entre a administração tributária, em sentido amplo (nº 3 do artigo 1º da LGT), agindo como tal, e as pessoas singulares e coletivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas (artigo 1º, nº 2, da LGT).
Subjacente a qualquer relação jurídico-tributária tem de estar sempre a ocorrência de um facto tributário, que consiste na verificação da previsão de uma norma de incidência tributária, a qual justifica e exige a ação da administração tributária.
Especificamente, no caso de taxas municipais, a relação jurídico-tributária geradora da obrigação de pagamento do tributo é a estabelecida entre o município, agindo como sujeito ativo, e as pessoas singulares ou coletivas e outras entidades legalmente equiparadas, na situação de obrigadas (sujeitos passivos).- artigo 1º, nº 2, do RGTAL (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, aprovado pela Lei nº 53-E/2006, de 29 de dezembro).
Para este efeito, sujeito passivo é a pessoa ou entidade equiparada que está vinculada, nos termos da lei, ao cumprimento da prestação tributária (artigo 18º, nº 3 e 4, da LGT). Ou seja, é o sujeito indicado na norma de incidência pessoal ou, na sua falta, aquele a que se imputa a causa justificativa do tributo.
O Recorrente MP considera que a taxa municipal emitida deve ser perspectivada em função do princípio do utilizador pagador ou do beneficiário pagador, o que significa que o sujeito passiva da relação de taxa radica na empresa que tem o benefício decorrente da efectiva exploração do posto de abastecimento de combustíveis, pois também será a mesma que deve suportar os custos com a actividade pública para fiscalização e salvaguarda do ambiente (conclusão III das alegações complementares), pelo que o acto de emissão da taxa municipal em favor do titular da licença enferma de vicio de natureza anulatória, a de erro sobre os pressupostos de facto quanto à identificação daquele sujeito (conclusão V).
A ser assim importaria saber quem tem o benefício decorrente da efetiva exploração do posto de abastecimento.
O Recorrido alega que o ato de liquidação da taxa tem como fundamento a norma prevista no nº 1, ponto 1.1., e 1.2.1 do artº 70º da TTORMS e do n.º 1.1. do art.º 69.º da TTORMS devidas “em virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da atividade nos recursos naturais (ar, águas e solo) e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais” acrescida da taxa correspondente aos equipamentos “instalados inteiramente em domínio público”.
Portanto, a ser assim importaria saber quem é o sujeito causador dos referidos condicionamentos do tráfego rodoviário ou do impacto ambiental negativo e da consequente atividade de fiscalização.
Ora, este Tribunal considera que a questão se deve resolver através da análise da estrutura da relação jurídico-tributária.
Como qualquer relação jurídica, a relação jurídico-tributária é a relação, disciplinada pelo Direito (tributário), que se estabelece entre os respetivos sujeitos (partes) mediante a atribuição a um deles de um direito subjetivo (direito de tributar) e a correspondente imposição ao outro de um dever ou de uma sujeição (Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina 1964, Vol. I, pág. 2.
Como se sabe, a relação jurídica integra os seguintes elementos: os sujeitos – pessoas ou entidades legalmente equiparadas entre as quais se estabelece a relação (o sujeito ativo é a entidade pública titular do direito subjetivo de tributar, e por isso integrada na “administração tributária”, e o sujeito passivo, que é a pessoa ou entidade legalmente equiparada abrangida pela regra de incidência, e que por isso fica obrigada ou numa situação de sujeição – artigo 18º da LGT); objeto – aquilo sobre que incide o direito subjetivo e determina a obrigação ou sujeição; o facto jurídico – acontecimento ou ação previsto na norma de incidência tributária e que dá origem à relação, garantia – conjunto de providências a adotar pelo Estado para tutelar a relação.
Não há dúvida de que as Autarquias Locais (e os Municípios) têm poder tributário (artigos 238º, nº 4 e 254º, nº 2, e Lei nº 2/2007), integrando, quando agem no uso desses poderes, a “administração tributária” (artigo 1º, nº 3, da LGT).
As regras de incidência das taxas municipais encontram-se, genericamente, nos artigos 6º e 7º do RGTAL e, concretamente, nos respetivos Regulamentos de Taxas.
O artigo 70º, nº 1, 1.1, da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra para o ano de 2008, na versão publicada pelo Aviso nº 26235/2008 do Diário da República, II Série, de 31 de outubro de 2008, e mantido em vigor, sem qualquer atualização no ano de 2009, por deliberação da Assembleia Municipal de Sintra, de 27 de fevereiro de 2009, conforme o nº 1 do Aviso nº 5156/2009, publicado no Diário da República nº 47, II Série, de 9 de Março, determina o seguinte:
«Artigo 70.º
Equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos – Alínea d) do n.º 7 do artigo 64.º da Lei 169/99 de 1 de janeiro, com a redação introduzida pela Lei 5-A/2002, de 11 de janeiro; RMOVPMS; Reg. Obras Trabalhos no Subsolo de Domínio Público, n.º 2 do artigo 6.º da Lei 53-E/2006 de 29 de dezembro; Lei de Bases do Ambiente – Lei n.º 11/87 de 7 de abril
1 – Por cada um e por ano: € 80,00 (d).
1. – Em virtude dos condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, do impacto ambiental negativo da atividade nos recursos naturais (ar, águas, solos) e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes:
Desta norma resulta imediatamente que se está perante um tributo periódico, de período anual. Na falta de outra indicação, esse período coincide com o ano civil.
Trata-se, portanto, de um tributo diferente, posterior e autónomo do licenciamento, embora conexo à atividade e objeto do licenciamento.
Também resulta da mesma norma que o pressuposto de facto que justifica a tributação é a existência de um posto de abastecimento de combustíveis (PAC), independentemente de este estar localizado no domínio público ou em domínio privado.
Uma vez que o tributo assenta nos condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, no impacto ambiental negativo da atividade nos recursos naturais (ar, águas, solos) e da consequente atividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes, conclui-se com certeza que a tributação pressupõe a existência de impacto negativos no tráfego (designadamente na sua fluidez, atendendo à localização num centro urbano especialmente denso) e necessidade de alternativas, dificultando as acessibilidades, o que só por si já será gerador de impacto ambiental negativo; além disso, a tributação está justificada pelo facto de estar em causa o armazenamento e manuseamento de produtos petrolíferos, combustíveis e, portanto, naturalmente voláteis, inflamáveis e com elevado potencial explosivo e poluente do ambiente. Essa especial perigosidade da atividade exercida nos postos de abastecimento de combustível para veículos automóveis justifica a exigência de especial atenção, com permanente conhecimento das circunstâncias, implicando serviços de monitorização ou fiscalização e a existência de meios de prevenção e segurança e de combate a eventuais sinistros (designadamente bombeiros e serviços médicos).
Em suma, o tributo em causa justifica-se por na área territorial do município de Sintra haver um equipamento gerador de impacto negativo para o tráfego e acessibilidades (e para a qualidade de vida dos cidadãos) e, por nele ser explorada uma atividade especialmente perigosa, gerar custos acrescidos para o Município e impacto negativo para o ambiente (ao menos potencialmente).
Sendo assim deve concluir-se que o imposto deve incidir sobre a entidade responsável pela atividade exercida.
No caso concreto, resulta do probatório que o PAC em causa se encontra licenciado em nome da Recorrente Impugnante e que a sua exploração concreta se encontra concessionada à sociedade BBBB
Embora a factualidade fixada nada diga quanto a natureza da referida concessão, afigura-se que se está perante um contrato de concessão comercial, pelo qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender os produtos por si produzidos ou distribuídos à contraparte (o concessionário), a qual se obriga a comprá-los e a (re)vendê-los a terceiros, por sua conta e de modo estável, numa determinada circunscrição. Existe um contrato de concessão comercial quando o cessionário exerce uma atividade de compra e venda dos produtos fornecidos pelo cedente em regime de exclusividade em todo o território nacional, durante vários anos, comparticipando o cedente nas despesas de promoção e publicidade dos produtos vendidos e prestando regularmente assistência ao concessionário. O concedente pode também beneficiar de uma “comissão” sobre as vendas – Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 01/10/2013, proferido no processo nº 4189/09.5TBOER.L1-7 e Ac. STJ de 22/04/1999, proferido no processo nº 99B054.
Ou seja: A AAAA produz combustíveis para automóveis e pretende vendê-los, por grosso ou a retalho, pelo que o Município de Sintra concedeu à AAAA a licença de exploração do BBBB, para que esta agisse como revendedora dos produtos petrolíferos da concedente.
Portanto, é manifesto que ocorreram pelo menos duas relações jurídicas, sucessivas: a primeira, estabelecida entre a AAAA (sujeito passivo) e o Município de Sintra (sujeito ativo), decorrente da pretensão de explorar o PAC em causa, consumou-se com o respetivo licenciamento – trata-se claramente de uma relação jurídico-tributária, de natureza pública; a segunda, estabelecida entre a AAAA (concedente) e a sociedade BBBB (concessionária), consumou-se com o contrato de concessão comercial – trata-se de uma relação jurídico-comercial, de natureza privada.
A questão que o Recorrente coloca ao Tribunal é a de saber se existe uma terceira relação, de natureza jurídico-tributária, entre a concessionária (BBBB), por ser esta o efetivo sujeito passivo da obrigação de pagamento, de acordo com o princípio poluidor-pagador, decorrente do exercício, por si mesmo e em seu nome, da exploração efetiva do PAC.
A questão agora sob análise é pertinente dado ser indubitável que a sociedade concessionária é sujeito passivo na relação jurídico tributária relativa ao IRC (tributação do rendimento obtido das vendas de combustíveis) e de IVA e de outros tributos eventualmente resultantes das operações praticadas naquele estabelecimento; além disso, sendo revendedor de combustíveis também deverá observar as normas legais que regulamentam essa atividade.
Todavia, no caso concreto, nada permite concluir que desse contrato de concessão resulta que a taxa municipal em causa deve ser suportada direta e exclusivamente pelo concessionário.
Assim, o enquadramento legal dos postos de abastecimento de combustíveis remonta à Lei n.º 1947, de 12 de fevereiro de 1937, que tinha por objeto o licenciamento de instalações de armazenagem de petróleos brutos, seus derivados e resíduos. Este diploma veio a ser regulamentado pelo Decreto n.º 29034, de 1 de outubro de 1938, que aprovou o «Regulamento de Segurança das Instalações para Armazenagem e Tratamento Industrial de Petróleos Brutos, Seus Derivados e Resíduos».
No entanto, por se considerar que a implantação e exploração daqueles postos de abastecimento carecia de um estatuto mais específico e atualizado do ponto de vista técnico que acautelasse as respetivas condições de segurança em geral, tendo em consideração o desenvolvimento de políticas de prevenção conducentes à melhoria das condições de bem-estar e segurança dos cidadãos bem como a preservação da qualidade do ambiente, veio a ser aprovado pelo Decreto-Lei n.º 246/92, de 30 de outubro, o «Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis».
Este diploma definiu novas regras aplicáveis à construção e exploração dos postos de abastecimento, com especial destaque para as matérias referentes aos locais de implantação dos postos, às distâncias mínimas a observar em relação a outras infraestruturas e construções, à forma de implantação dos reservatórios e à envolvente da unidade de abastecimento, às precauções a observar na exploração e utilização dos equipamentos, à qualidade dos materiais a empregar e, em especial, à proibição da colocação dos postos de abastecimento debaixo de edifícios. A fiscalização da sua observância foi cometida, “no âmbito do Ministério da Indústria e Energia, às respetivas delegações regionais” (cfr. o artigo 2.º).
O simples enunciado destas matérias elucida sobre a interferência da implantação e funcionamento deste tipo de equipamentos com os interesses públicos da segurança de pessoas e bens, do urbanismo e do ordenamento do território e da preservação do meio ambiente e o consequente potencial de conflito entre os interesses de «vizinhos» e os interesses económicos associados à sua exploração.
Posteriormente, a Lei n.º 159/99, de 14 de setembro, no quadro do reforço da descentralização administrativa e dando concretização ao princípio da subsidiariedade, previu a transferência para os municípios de competências relativas ao licenciamento e à fiscalização de postos de abastecimento de combustíveis até aí exercidas pelo Governo, em especial pelo Ministério da Economia. Fê-lo, designadamente no seu artigo 17.º, n.º 2, alínea b), nos termos do qual passou a ser da competência dos órgãos municipais o “licenciamento e fiscalização de instalações de armazenamento e abastecimento de combustíveis salvo as localizadas nas redes viárias regional e nacional”.
Em conformidade, o Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro (republicado pelo Decreto-Lei nº 389/2007, de 30 de novembro, e depois, de novo, pelo Decreto-Lei nº 195/2008, de 6 de outubro) – diploma que, nos termos do seu artigo 1.º, alínea b), estabelece os procedimentos e define as competências para efeitos de licenciamento e fiscalização de instalações de abastecimento de combustíveis líquidos e gasosos derivados do petróleo, também legalmente designado «postos de abastecimento de combustíveis» - veio disciplinar o respetivo licenciamento municipal.
Desconhece-se a data do inicio da relação jurídico-tributária em causa
«Artigo 4.º
Requisitos para o licenciamento
1 - A construção, exploração, alteração de capacidade, renovação de licença e outras alterações que de qualquer forma afectem as condições de segurança da instalação ficam sujeitas a licenciamento nos termos do presente diploma.
2 - Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os elementos a fornecer pelo promotor e os requisitos e condições técnicas a observar para a instalação, construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação e exploração da instalação são definidos em portaria conjunta do ministro responsável pela área da economia e do membro do Governo responsável pela área das autarquias locais.
Artigo 5.º
Licenciamento municipal
1 - É da competência das câmaras municipais:
a) …;
b) O licenciamento de postos de abastecimento de combustíveis não localizados nas redes viárias regional e nacional
2 - Os procedimentos administrativos de instalação, construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação e exploração das instalações de armazenamento e dos postos de abastecimento de combustíveis seguem a tramitação aplicável à respectiva operação urbanística nos termos dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 4.º e do n.º 3 do artigo 6.º do regime jurídico da urbanização e da edificação.
Artigo 6.º
Licenciamento pela administração central
3 - É ainda da competência das DRE:
a) O licenciamento de postos de abastecimento de combustíveis localizados nas redes viárias regional e nacional;.
Artigo 7.º
Processo de licenciamento
1 – A entidade promotora apresenta o pedido de licenciamento à entidade competente, a quem incumbe a instrução do respectivo processo.
Artigo 3º
Definições
Para efeitos do disposto no presente diploma, entende-se por:
a) Combustíveis líquidos: gasolinas de aviação e gasolinas auto, petróleos de iluminação e carburantes, jet-fuel, gasóleos e fuelóleos
d) ‘Entidade exploradora’ a entidade que, sendo ou não proprietária das instalações de armazenagem e das redes e ramais de distribuição de gás, procede à exploração técnica das mesmas, como definido no Decreto -Lei n.º 125/97, de 23 de Maio;
e) ‘Titular da licença de exploração’ o promotor a quem é concedida a licença de exploração, o qual não coincide necessariamente com o titular da licença de comercialização prevista no Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de Fevereiro;
j) ‘Licença de exploração’ o título concedido ao promotor no termo do processo de licenciamento que habilita o funcionamento dos postos de abastecimento, ou das instalações de armazenamento contempladas neste diploma não abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 125/97, de 23 de Maio, assumindo as formas de alvará de autorização de utilização ou licença de exploração, consoante sejam concedidos pela câmara municipal ou pela administração central, respectivamente;
s) Promotor/requerente: proprietário da instalação, ou quem legitimamente o represente nas relações com os organismos competentes, no âmbito deste diploma.
Artigo 15.º
Validade das licenças de exploração
1 - As licenças de exploração das instalações a que este diploma respeita terão a duração de 20 anos, salvo o disposto no número seguinte.
Artigo 16.º
Alteração e cessação da exploração
1 - O titular da licença de exploração de uma instalação de armazenamento, ou de um posto de abastecimento de combustíveis, deve comunicar ao licenciador, em pedido devidamente documentado, no prazo de 30 dias a partir da ocorrência, solicitando o respectivo averbamento no processo correspondente:
a) A transmissão, a qualquer título, da propriedade;
b) A mudança de entidade exploradora e de responsável técnico;
c) A mudança de produto afecto aos equipamentos;
d) A suspensão de actividade por prazo superior a um ano.
Taxas
Artigo 22.º
Taxas de licenciamento e de vistorias
1 - É devido o pagamento de taxas pelos seguintes actos:
a) Apreciação dos pedidos de aprovação dos projectos de construção e de alteração;
b) Vistorias relativas ao processo de licenciamento;
c) Vistorias a realizar para apreciação de recursos hierárquicos, quando se trate de licenciamentos previstos no artigo 6.º;
d) Vistorias para verificação do cumprimento das medidas impostas nas decisões proferidas sobre reclamações;
e) Vistorias periódicas;
f) Repetição da vistoria para verificação das condições impostas;
g) Averbamentos.
h)
2 - Os montantes das taxas previstas nas alíneas a) a g) do número anterior são definidos em regulamento municipal ou em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia, consoante a entidade licenciadora seja o município ou uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 6.º, respectivamente.
Artigo 23.º
Forma e pagamento das taxas
1 — As taxas e os quantitativos correspondentes a despesas feitas pelos serviços que constituam encargo do detentor da licença são pagas no prazo de 30 dias na forma e local a indicar pela entidade licenciadora, mediante guias a emitir por esta, devendo ser devolvido documento comprovativo do pagamento das mesmas.
Em suma, a implantação e exploração de postos de abastecimento de combustíveis era, à data em que foram aplicadas as taxas objeto de impugnação no presente processo – 2009 - disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 267/2002, de 26 de novembro (com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 195/2008, de 6 de outubro), no que se refere aos procedimentos e às competências em matéria de licenciamento e de fiscalização; e, quanto aos requisitos de construção e de exploração, pelo Decreto-Lei n.º 302/2001, de 23 de novembro, e, bem assim, pelo «Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis», aprovado pela Portaria n.º 131/2002, de 9 de fevereiro.
Com interesse para o presente recurso importa salientar a justificação para este regime: o simples funcionamento e a exploração de postos de abastecimento de combustíveis (altamente inflamáveis e gravemente poluentes), situação que envolve riscos para a segurança e a saúde das pessoas e interfere com o tráfego rodoviário e com a «qualidade do ambiente» (no sentido dado a esta expressão no artigo 5.º, n.º 2, alínea e), da Lei n.º 11/87, de 7 de abril – a Lei de Bases do Ambiente: “a adequabilidade de todos os seus [do ambiente] componentes às necessidades do homem”).
Tudo conforme Acórdão n.º 316/2014 do Tribunal Constitucional, proferido em 1/4/2014.
A AAAA defende que o PAC se encontra localizado em propriedade privada, querendo dizer que não pertence ao Município, que não integra o domínio privado municipal nem o domínio público municipal (o Município alega que o PAC se encontra totalmente na via pública, afigurando-se que o estabelecimento ao serviço da sociedade BBBB consistia no rés-do-chão, onde funcionava uma oficina de automóveis, que seria propriedade privada, e os equipamentos do PAC, instalados sobre o passeio da via pública, ficando os depósitos sob a via pública, que integra o domínio público municipal)1.
Além disso, mesmo que assim não seja, nada nos autos permite afirmar que o estabelecimento constituído pelo PAC é propriedade da concessionária BBBB, apenas se podendo assumir que esta usa o estabelecimento da concedente para os efeitos e nos termos do contrato de concessão comercial celebrado entre essas partes.
Logo, para o Município apenas pode relevar a existência de um sujeito passivo de todas as obrigações conexas com o licenciamento daquele estabelecimento: o titular da licença de exploração, ou seja, a AAAA.
O facto de esta ter celebrado um contrato de concessão comercial nada altera nessa relação jurídico tributária, que continua a fluir entre os mesmos sujeitos, mesmo quando o Município presta serviços de fiscalização ao PAC ou suporta encargos necessários para manter os serviços públicos de prevenção de riscos do estabelecimento e de segurança concreta e comunitária, incluindo os serviços que acrescem por decorrência dos constrangimentos urbanísticos provocados pelo licenciamento daquele estabelecimento especialmente perigoso.
Assim, uma vez que o estabelecimento se encontra licenciado em nome e no interesse do concedente, AAAA, é este o sujeito passivo de todas as taxas em causa, e não o concessionário que circunstancialmente o explora sob autorização do titular da licença.
Na verdade, o nome da sociedade concessionária só vem à colação porque existe a obrigação legal de a entidade licenciada comunicar a existência do contrato de concessão [o artigo 16º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 267/2002, dispunha, na sua redação inicial, que “A entidade exploradora de uma instalação de armazenamento ou de um posto de abastecimento deve comunicar ao licenciador, em pedido devidamente documentado, solicitando o respectivo averbamento no processo correspondente: b) A mudança de entidade exploradora e de responsável técnico”].
A finalidade dessa obrigação de comunicação da alteração das condições de exploração do PAC não visa a modificação da relação jurídico tributária nem a criação de novas relações com o mesmo objeto (o mesmo estabelecimento).
Dada a especial perigosidade da atividade ali exercida, a comunicação acima referida destina-se a dar consciência às autoridades públicas de todas as nuances da situação, em caso de catástrofe originada naquele PAC.
A relação jurídico-tributária entre o Município e a sociedade concessionária BBBB não nasce da mera situação de facto acima descrita. A existência de tal relação exigiria a intimidação normativa que impusesse ao particular algum vinculo público relacionado com o PAC, designadamente a necessidade de licenciamento para o exercício dessa atividade.
Porém, nada nos autos se refere a isso.
O despacho de sustentação, de 16/04/2018, refere, além do mais, que «conforme resulta provado na alínea F) do probatório – facto agora aditado à fundamentação de facto da decisão recorrida – a titular da licença dos equipamentos de combustíveis em apreço nos autos não é a entidade concessionária, mas a própria Impugnante, a sociedade “AAAA”, sendo esta quem responde, perante o ente público emissor da referida licença, pelo cumprimento das inerentes obrigações tributárias.
Em face do exposto, e sem necessidade de considerações acrescidas, improcede a invocada ilegalidade substanciada na ilegitimidade substantiva da Impugnante na relação jurídico-tributária.»
E, de facto, os revendedores de combustíveis, quando não sejam os titulares da licença de exploração, passaram a estar sujeitos a licenciamento, mas apenas a partir do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro (artigo 19º), entrado em vigor no dia seguinte, embora esse diploma remeta, quanto as condições para o exercício dessa atividade, para legislação complementar (artigo 20º, nº 2) e mantenha em vigor toda a legislação complementar que não for incompatível com ele (artigo 41º).
De tudo o exposto resulta que, em 2009, o explorador do PAC era a AAAA e que o comercializador ao consumidor final era, por concessão comercial, a sociedade BBBB
Em tal situação, afigura-se que existe coresponsabilidade de ambas as entidades privadas pelos impactos negativos gerados pelo PAC em causa.
Ou seja, no caso concreto, o facto tributário verifica-se simultaneamente quanto a ambos os sujeitos, explorador e concessionário dessa exploração, tanto mais que os produtos e condições de venda são determinados em grande parte pelo concedente e responsável pelas instalações.
O artigo 21º, nº 1, da LGT determina que “Salvo disposição da lei em contrário quando os pressupostos de facto tributário se verifica em relação a mais de uma pessoa todas são solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária.”
Por outro lado, havendo solidariedade passiva, o cumprimento da obrigação por qualquer dos obrigados dispensa os restante (artigo 523º do CC), não havendo benefício de divisão da obrigação (artigo 518º do CC), mas apenas direito de regresso contra os codevedores (artigo 524º do CC).
No caso concreto, o sujeito passivo cedente (AAAA) não nega a sua responsabilidade, antes a aceita implicitamente.
Assim, também este Tribunal considera que a liquidação não padece de erro quanto à identificação do sujeito passivo da obrigação.
Isso equivale a dizer que o Recurso do Ministério Público não merece provimento, devendo manter-se o decidido, embora com a presente fundamentação.
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C. – Do erro de julgamento na qualificação do tributo como taxa, em vez de imposto, com consequente inconstitucionalidade
A Recorrente Impugnante alega que a sentença fez errada qualificação do tributo como “taxa”, em vez de “imposto”, dado que lhe falta a bilateralidade e visa apenas a angariação de receitas municipais.
O Recorrido Município contrapõe que a taxa impugnada assenta na prestação de serviço público e, simultaneamente na remoção de um obstáculo jurídico à atividade da impugnante, reconduzindo-se ao art.º 3.º do RGTAL, constituindo a contrapartida da atividade do município em ordem a garantir a integridade dos valores ambientais resultante da atividade da impugnante, da introdução de condicionantes urbanísticas, bem como da obrigação de o Município suportar a atividade de exploração do PAC que, por ser intrinsecamente perigosa (dada a natureza inflamável dos combustíveis) e poluente (do ar, do solo e das águas), permanentemente interfere com a conformação de bens públicos que este tem por atribuição proteger, atividade pública que ocorre independentemente do posto de abastecimento se encontrar implantado inteiramente em propriedade privada ou em terrenos do domínio público, sendo que no caso se encontra inteiramente instalado no domínio público.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal considera que a sentença não padece dos vícios que lhe vêm imputados.
Decidindo:
Está em causa a questão de saber se a sentença errou ao qualificar o tributo em causa como taxa, em vez de imposto, e, portanto, ao considerar que não se verifica a sua inconstitucionalidade orgânica do artigo 70º, nº 1.1, da Tabela de Taxas municipais do município de Sintra, por violação das regras de reserva de lei previstas nos artigos 103.º, nº 2, e 165.º, nº 1, al. i), da C.R.P.
Sabe-se que os tributos compreendem os impostos, as taxas e contribuições financeiras a favor de entidades públicas (artigo 3º, nº 2, da LGT).
Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, enquanto as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares (artigo 4º, nº 1 e 2, da LGT).
A criação de impostos é feita por lei formal da Assembleia da República ou sob sua autorização, que determina a sua incidência, taxa, benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, sob pena de oi respetivo pagamento não ser obrigatório, nos termos dos artigos 103º, nº 2 e 3, e 165º, nº 1, al. i), da CRP.
As taxas e as contribuições financeiras não estão sujeitas a esse regime.
A criação de taxas municipais depende da verificação dos requisitos previstos no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais , RGTAL, aprovado pela Lei nº 53-E/2006, de 29 de dezembro (artigo 3º, nº3, da LGT).
As “Contribuições” são um terceiro género da espécie “tributos”, discriminando-se as contribuições especiais, que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou de criação ou ampliação de serviços públicos ou um especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade, consideradas como impostos (artigo 4º, nº 3, da LGT), das demais contribuições financeiras, que têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário (artigo 3º, nº 2, da LGT e Ac. SCT do STA de 23/10/2024, processo nº 0617/14.6BEALM, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b6bc0055a66f028380258bc50035cdde?OpenDocument&ExpandSection=1).
Quer os impostos quer as contribuições podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efetivo e direto beneficiário.
O elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade compensatória a que se dirigem.
A distinção entre as contribuições e as taxas assenta essencialmente na circunstância de aquelas não se dirigirem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas, à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica.
As contribuições financeiras não estão abrangidas pelo domínio de incidência do artigo 103.º, n.º 2, da CRP. É que deixou de fazer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar.
No sentido vindo a referir se pronunciou o Ac. SCT do STA de 23/10/2024, processo nº 0617/14.6BEALM, acima referido.
Assim, quer se qualifique o tributo em causa nos autos como taxa ou como contribuição financeira a sua criação pelo Município não enferma de inconstitucionalidade orgânica, pois, a ausência de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras, por parte da AR não impede as Autarquias Locais de aprovar a criação de contribuições financeiras, no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo de a AR sempre poder revogar, alterar ou suspender a regulamentação criada pelo Município (ou pelo Governo).
Importa, portanto averiguar se o tributo em causa se integra na espécie imposto, como defende a Recorrente Impugnante, caso em que ocorrerá a invocada inconstitucionalidade, ou numa das outras espécies (taxa ou contribuição financeira), como defende o Recorrido Município, caso em que não se verificará a invocada inconstitucionalidade.
Questão absolutamente semelhante já foi apreciada pelo Supremo tribunal Administrativo (STA), designadamente no seu acórdão de 17/6/2020, proferido no processo nº 01693/14.7BESNT, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/dbd3212b8903906e802585920051 9744?OpenDocument.
No sumário desse douto aresto consta o seguinte:
I - A taxa prevista no n.º 1.1 do art. 69.º da Tabela de Taxas e Outras Receitas do Município de Sintra, vigente à data, quando aplicável a equipamentos de abastecimento de combustíveis líquidos inteiramente localizados em propriedade privada, não assenta em qualquer atribuição ou competência para licenciar o posto de abastecimento de combustíveis, mas antes no poder de tributar os particulares beneficiários de utilidades prestadas ou geradas pela actividade do município, designadamente pela prestação de serviços no domínio da prevenção de riscos e da protecção civil ou sobre a realização de actividades dos particulares que oneram permanentemente o ambiente do município, aspectos estes não valorados no quadro do licenciamento.
II - Essa taxa não padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade tributária no sentido de reserva de lei formal, ínsito nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i) e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Esta jurisprudência, embora relativa ao mesmo tributo referente ao ano 2014, a que se aplica uma norma que não vigorava na altura dos factos em causa no presente recurso, mas que é perfeitamente transponível para a situação concreta, atenta a semelhança material dos normativos aplicáveis.
No referido acórdão, o Ministério Público junto daquele Tribunal supremo emitiu parecer, acolhido na decisão, segundo o qual:
«De acordo com o estatuído no artigo 238.º/4 da CRP e artigo 20.º da Lei 13/2013, de 3/9, as autarquias locais podem criar taxas, nos termos da Lei, RGTAL, Lei 53-E/2006, de 29/12.
Nos termos do estatuído nos artigos 4.º da LGT e 3.º do RGTAL, enquanto os impostos assentam essencialmente na capacidade produtiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património, as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
Na primeira modalidade de taxas, denominadas de taxas administrativas, a prestação pública traduz-se na utilização pelo particular de um serviço público individualizável.
Será o caso clássico da taxa exigida pela recolha do lixo.
Na segunda modalidade referida, as taxas de utilização, a prestação pública traduz-se na utilização de um bem do domínio público. Para o enquadramento nesta categoria não releva se a utilização se traduz num serviço privativo ou num uso comum ou indiferenciado. 1 [1 Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, 1974, páginas 50/51.]
Na terceira modalidade, as chamadas taxas de licenciamento, a prestação pública traduz-se na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
Todavia, apenas serão de qualificar como taxas aquelas cujo pagamento dá lugar à remoção de obstáculo real ou substantivo e já não aquelas em que está em causa um obstáculo criado artificialmente, com o intuito de exigir do particular um pagamento pela sua remoção. 2 [2 Casalta Nabais, O dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra 1998, páginas 261/263.]
Como é sabido ao conceito de sinalagma não importa a equivalência económica, mas a equivalência jurídica. 3 [3 Teixeira Ribeiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117.º, página 294.]
Todavia, a taxa pressupõe uma ideia de proporcionalidade entre o montante cobrado e a prestação pública disponibilizada.
Efectivamente, o valor da taxa terá de aferir-se em razão do custo dos serviços ou actos da administração e não, como acontece nos impostos, em função da capacidade contributiva.
A verdade é que o acórdão 316/2014 do TC, tirado em plenário, com 5 votos de vencido e 1 declaração de voto (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), admitiu dois alargamentos significativos do conceito tradicional de taxa.
De facto, por um lado admitiu que a prestação de um serviço público possa ser presumida a partir de um dever legal específico e permanente de fiscalização da actividade tributada.
Por outro lado, o TC admitiu, na linha do decidido no Acórdão n.º 177/2010, que a mera inacção administrativa em face de uma actividade que interfere no gozo de determinados bens públicos, tais como o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território ou a gestão do tráfego, possa consubstanciar uma contrapartida da respectiva tributação, satisfazendo o requisito, essencial ao conceito de taxa da bilateralidade ou comutatividade.
Ora, como sustenta o Município recorrente, o caso em análise parece não ter a ver com a situação analisada no acórdão 379/18 do TC, antes sendo similar à apreciada no acórdão 316/2014 desse mesmo tribunal e cuja doutrina se afigura transponível para os presentes autos.
Assim sendo, o tributo é em causa será uma verdadeira taxa e não um imposto, não sofrendo a norma do artigo 69.º/1.1 da TTORMS de inconstitucionalidade orgânica, sendo a liquidação sindicada conforme com o ordenamento jurídico».
No citado Acórdão do STA considerou-se o seguinte:
«A questão que se suscita no presente processo – qual seja a de saber se o acto impugnado padece de vício de violação de lei, por inconstitucionalidade orgânica da norma do n.º 1.1. do art. 69.º da TTORMS (() Para o ano de 2014 foi mantida em vigor, conforme consta do Aviso n.º 802/2014, publicado no Diário de República, 2.ª Série, de 17 de Janeiro de 2014, a TTORMS de 2013, publicada pelo Aviso n.º 6660/2013 no Diário da República, 2.ª Série, de 21 de Maio de 2013.), em violação do disposto nos arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n,º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (CRP) – tem sido objecto de julgamento uniforme e reiterado por esta Secção de Contencioso Tributário, relativamente a outros municípios e a taxas substancialmente semelhantes à ora em causa, de que são exemplos os acórdãos de 15 de Novembro de 2017, proferido no processo com o n.º 173/15 (952/12.8BEAVR) (() Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4ade436839a1b4d9802581df003a97f8.), de 12 de Fevereiro de 2020, proferido no processo com o n.º 359/14.2BEAVR (() Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0de21a5faf6fc6cb8025851f0050621a.) e de 3 de Junho de 2020, proferido no processo com o n.º 388/13.3BEAVR.
Por outro lado, essa jurisprudência, no que se refere ao juízo de conformidade constitucional de taxas municipais substancialmente idênticas à ora sob escrutínio (() Designadamente, a prevista no art. 70.º, n.º 1.1, do TTORMS na versão publicada pelo Aviso n.º 26235/2008 no Diário da República, 2.ª Série, de 31 de Outubro de 2008, a prevista nos pontos 7.1.2 e 7.2.2 da “Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais” anexa ao Regulamento Municipal de Taxas, Licenças e Outras Receitas do Município de Estarreja, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 26 de Março de 2010 e a prevista arts. 55.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Regulamento Municipal da Defesa da Paisagem, Publicidade e Ocupação do Espaço Público de Vila Nova de Gaia e 25.º, n.º 3, da Tabela de Taxas do Regulamento de Taxas e Outras Receitas do Município de Vila Nova de Gaia.), devidas por equipamentos de abastecimento de carburantes líquidos, ar e água, inteiramente localizados em propriedade privada, tem vindo a ser confirmada pelo Tribunal Constitucional (() Vide os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
- n.º 623/2019, proferido em 23 de Outubro de 2019, no processo com o n.º 107/2019, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190623.html;
- n.º 204/2019, proferido em 27 de Março de 2019, no processo n.º 78/18, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20190204.html;
- n.º 316/2014, proferido em 1 de Abril de 2014, no processo n.º 204/12, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140316.html;
- n.º 581/2012, proferido em 5 de Dezembro de 2012, no processo n.º 204/12, disponível em
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20120581.html.).
Porque, em face do disposto no art. 8.º, n.º 3, do Código Civil, se nos impõe o respeito pela orientação jurisprudencial seguida por este Supremo Tribunal, e porque se nos impõe também acatar as decisões do Tribunal Constitucional quanto à interpretação constitucional das normas constitucionais, cumpre julgar procedente o recurso e revogar a sentença recorrida, remetendo, no essencial e também de acordo com o parecer do Procurador-Geral-Adjunto acima transcrito (em 1.4), para a fundamentação expendida no referido acórdão de 15 de Novembro de 2017, proferido no processo com o n.º 173/15 (952/12.8BEAVR), ao abrigo da faculdade que nos é concedida pelo n.º 5 do art. 663.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.».
Efetivamente, sendo certo que o tributo em causa não é um imposto, já que não assenta na capacidade contributiva revelada pelo rendimento, consumo ou património do sujeito passivo, mas numa prestação sinalagmática, efetiva ou presumida, independentemente de se considerar que o beneficiário do serviço público (de prevenção de riscos e da proteção civil e fiscalização dessas atividades) ou causador dos constrangimentos urbanísticos ou de prejuízos ambientais) é um sujeito individualizado (taxa) ou um grupo relativamente restrito (contribuição), constituído pelos titulares de licenças de exploração de PACs situados no território municipal de Sintra, são será de se reconhecer a violação das normas constitucionais invocadas.
O que equivale a dizer que o fundamento sob análise deve ser julgado improcedente.
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D. Do erro de julgamento quanto à questão da ilegalidade da liquidação por violação dos princípios da proporcionalidade e da equivalência
Relativamente a esta questão, a Recorrente Impugnante alega que a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à violação dos princípios de proporcionalidade e da equivalência, previstos no artigo 4º do RGTAL. Alega que, no caso vertente, e como referido em primeira instância, o Recorrido Município limitou-se a alegar, como se fosse uma verdade incontestável, que a atividade de exploração de um posto de abastecimento de combustíveis é poluente, pelo que, necessariamente, a taxa tem natureza ambiental; não foi, pois, invocado qualquer argumento racional ou com relevância suficiente para derrogar – e de forma flagrantemente onerosa para o sujeito passivo – o princípio da equivalência, que impõe que a taxa seja cobrada em função de uma prestação efetivamente dirigida ao particular e ainda que o seu valor corresponda ao custo/valor dessa prestação ou do benefício auferido pelo particular.
O Recorrido Município contrapõe que é notório (pelo que não carece de prova) que a atividade de exploração de um posto de abastecimento de combustíveis é poluente, quer pela emissão de gases na altura do abastecimento dos depósitos do posto, como os emanados no abastecimento pelos próprios consumidores, como ainda pelas infiltrações de substâncias químicas no solo e subsolo e nas águas envolventes. O Recorrido defende que, com o funcionamento de um PAC e consequente manuseamento de combustíveis líquidos, altamente inflamáveis, a esse desgaste ambiental soma-se um fator de risco acrescido pela própria natureza dos materiais utilizados, ainda que sejam cumpridas todas as normas de segurança exigíveis na atividade em questão. A isso, acrescem todas as condicionantes urbanísticas decorrentes da localização de um PAC, designadamente as previstas na Portaria n.º 131/2002, de 9 de Fevereiro que, ao abrigo do DL 302/2001, aprova o regulamento de construção e exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis.
Pelo que, dadas as atribuições e competências do município, o Recorrido Município alega que cada PAC representa um acréscimo de serviços a executar pelo município, no âmbito das suas atribuições e competências, com consequente acréscimo de custos administrativos, que devem ser suportados, tanto quanto possível, pelo beneficiário do serviço ou causador desses custos.
Decidindo:
Está em causa um tributo que incide sobre o licenciamento de posto de abastecimento de combustíveis derivados de petróleo (gasolina, gasóleo, GPL).
O PAC implica a existência de tanques de depósito para esses combustíveis e de equipamentos para o abastecimentos das viaturas automóveis.
É público e notório que o petróleo e os seus derivados são muito perigosos e poluentes, especialmente quando em estado liquido ou gasoso, como é o caso dos combustíveis em causa nos autos.
Os momentos de maior perigo, para além da sua extração e transporte, são os do seu manuseamento, dada maior probabilidade de derrames e ou libertação de gases.
Também é sabido que os hidrocarbonetos podem apresentar diversos perigos para a saúde humana, para a segurança de pessoas e bens, e para o meio ambiente, dada a sua elevada toxicidade (aguda ou crónica), inflamabilidade e explosividade, bem como a sua persistência poluente, tanto no ar como no solo e água.
Portanto, os combustíveis derivados do petróleo e os postos de abastecimento de combustíveis como o que está em causa nos autos apresentam uma especial perigosidade, que justifica a adoção de especiais medidas de prevenção e segurança.
Já o Decreto nº 36270, de 9 de Maio de 1947, que aprovou o Regulamento de Segurança das Instalações para Armazenagem e Tratamento Industrial de Petróleos Brutos, Seus Derivados e Resíduo, referia, no seu preâmbulo, que o decreto regulamentar número 29034, de 1de outubro de 1938, manda aplicar estas instalações a legislação sobre os estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos. mas não só as especialíssimas características dos Petróleos brutos e seus produtos derivados indicam a necessidade de uma legislação especial, como a dispersão e critérios antiquados daquela legislação impõem a sua atualização para esta especialidade.
Por considerar que estão em causa estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos, o seu artigo 6º proibia a construção e funcionamento destes tipos de instalações em inúmeros locais, como na proximidade inconveniente em relação a casas de habitação, edifícios públicos, hospitais, escolas, quartéis, explorações industriais m comerciais ou agrícolas, em zonas de turismo ou interesse cientifico, histórico ou militar, em locais normalmente inundáveis ou em que as aguas residuais possam inquinar as águas , estragar culturas, pecarias ou viveiros, sobre falhas geológicas ou terrenos suscetíveis a deslocamentos, etc.. Também por isso, o artigo 11º fixa zonas, à volta desses estabelecimentos consideradas perigosas, de risco imediato (10 metros da sua periferia) e não imediato, bem como de zonas de proteção (Tabela I anexa).
Reconhecendo-se a necessidade de atualização da legislação vigente, o Decreto-Lei nº 246/92, de 30 de outubro, aprovou o Regulamento de Construção e Exploração de Postos de Abastecimento de Combustíveis e seus anexos, definindo como tal “instalação destinada ao abastecimento de gasolinas, gasóleo e gases de petróleo liquefeitos para veículos automóveis, o qual poderá englobar uma ou mais unidades de abastecimento” [artigo 2º, al. a)], sendo Unidade de Abastecimento o conjunto de um ou mais equipamentos de abastecimento, localizados numa plataforma denominada «ilha» [al. b)]. Esse diploma estabeleceu novas regras aplicáveis à construção e exploração dos postos de abastecimento, nomeadamente sobre os locais de implantação dos postos, as distâncias mínimas a observar em relação a outras infraestruturas e construções, a forma de implantação dos reservatórios e a envolvente da unidade de abastecimento, as precauções a observar na exploração e utilização dos equipamentos, a qualidade dos materiais a empregar e, em especial, a proibição da colocação dos postos de abastecimento debaixo de edifícios.
Por se entender que, desde então, as circunstâncias que envolvem a construção e exploração dos postos de abastecimento de combustíveis sofreram significativas modificações que exigem e determinam, justificadamente, a introdução de padrões de segurança mais rigorosos e eficazes, quer quanto à qualidade dos materiais a utilizar quer quanto às condições dos locais destinados à implantação e exploração dos postos. Por esse motivo, o Decreto-Lei n.º 302/2001, de 23 de novembro, estabeleceu um novo enquadramento jurídico das normas técnicas de construção e exploração de postos de abastecimento de combustíveis.
Esse diploma foi regulamentado pela Portaria nº 131/2002, de 9 de fevereiro, que estabeleceu novas regras de implantação e construção (artigos 4º a 15), zonas de segurança e proteção e regras de exploração de PACs, incluindo as respetivas medidas de segurança.
Designadamente, o artigo 9º da Portaria exige que as entradas e saídas de veículos de postos de abastecimento devem ser efetuadas diretamente da via pública, por vias de sentido único exclusivamente adstritas ao seu funcionamento ou às catividades complementares do posto de abastecimento, que se denominam “vias de ligação”, nas quais não autorizado o estacionamento, o artigo 10º exige que o PAC seja dotado de um sistema de recuperação de vapores provenientes do enchimento dos reservatórios de armazenamento e o artigo 11º exige que nas zonas onde exista a possibilidade de derrames, nomeadamente zonas de abastecimento, zonas de enchimento dos reservatórios de combustíveis líquidos e bacias de retenção dos reservatórios, os pavimentos devem ser impermeáveis, com drenagem encaminhada para o sistema de tratamento de águas residuais contaminadas com hidrocarbonetos, nos termos previstos na legislação específica. Por sua vez, o artigo 18º dispõe que a distância mínima entre as unidades de abastecimento de gasolina ou gasóleo e o limite da propriedade na qual se situa o posto de abastecimento, ou um edifício habitado, ocupado, ou integrado, deverá ser de 2 m, a distância mínima entre as unidades de abastecimento de gasolina ou gasóleo e um edifício que recebe público deverá ser de 10 m, e, no caso de novas construções, a distância mínima de unidades de abastecimento de gasolina ou gasóleo a áreas sensíveis deverá ser de 25 m.
Tais distâncias impõem, portanto, condicionamentos urbanísticos que cumpre ao município fazer observar, aquando dos licenciamentos, e que se impõem aos respetivos promotores ou donos da obra, para sua própria segurança, dado o risco proveniente daqueles estabelecimentos.
Assim, sendo os “Postos de Abastecimento de Combustíveis” estabelecimentos especialmente perigosos, insalubres e ou tóxicos, e geradores de condicionamentos urbanísticos e de tensão rodoviária localizada, não existe liberdade de construção e exploração de tais estabelecimentos, pelo que compete ao município, em primeira linha, remover os obstáculos jurídicos a esse comportamento, e, depois, prestar serviços de prevenção e segurança (serviços de proteção civil) e outros, diretamente relacionados com essa atividade, designadamente, serviços de bombeiros para combate contra incêndios, emanações tóxicas ou derrames e contaminação de solos e água. A isso acrescem serviços municipais derivados dos referidos condicionamentos urbanísticos, traduzidos em licenciamentos com especiais regras de distanciamento das edificações solicitadas e respetiva fiscalização.
Ora, como acima já se viu, os tributos incluem as taxas (além dos impostos e contribuições financeiras). Para este efeito, taxas (das autarquias locais) são tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização privada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei (artigo 3º).
Todavia, nos termos do disposto no artigo 4º do RGTAL, referente ao principio da equivalência jurídica, o valor das taxas das autarquias locais é fixado de acordo com o princípio da proporcionalidade e não deve ultrapassar o custo da atividade pública local o benefício auferido pelo particular o valor das taxas respeitando a necessária proporcionalidade pode ser fixado com base em critérios de incêndio desincentivo à prática de certos atos ou operações.
Este principio traduz um critério de repartição, de acordo com a igualdade de tratamento (artigo 13º da CRP), e um critério de quantificação, de acordo com a proporcionalidade estrita e com a justa repartição dos encargos
No caso concreto, afigura-se que, como invocado pelo Recorrido Município, está em causa a prestação concreta ou genérica de serviços públicos, de licenciamento (para construção e exploração do PAC), prevenção de riscos (proteção civil contra riscos de incêndio, ou de contaminação do ar, solo e de águas) e fiscalização da atividade potencialmente perigosa e poluente, bem como a remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de uma atividade (útil, mas) naturalmente perturbadora do trânsito, do ambiente e potencialmente perigosa para a comunidade
Todos esses inconvenientes terão de ser suportados pelos cidadãos; pelo que é justo que a proteção dos cidadãos e a mitigação desses inconvenientes compita ao Município que removeu os obstáculos à exploração das atividades que os geraram.
Do mesmo modo, é justo que o beneficiários das vantagens que resultam da exploração de tais estabelecimentos comparticipem no financiamento dos inerentes custos públicos, de acordo com o princípio da equivalência.
Ora, nada nos autos permite concluir que o montante da taxa em causa seja superior ao valor total dos custos suportados pelo Município de Sintra, tendo em conta o benefício resultante da remoção do obstáculo jurídico ao exercício da atividade em causa e os custos dos serviços públicos inerentes.
Até porque, sendo inadmissível o recurso genérico, competia ao Recorrente Impugnante o ónus de identificar os factos que permitam quantificar o montante total a comparar com o montante da taxa e, portanto, sustentar que este é desproporcional em relação àquele. Ónus que não se encontra minimamente cumprido.
Razão pela qual entendemos, sem necessidade de mais, ponderações, que não se verifica o invocado vicio da decisão administrativa e, consequentemente, que o presente fundamento do recurso deve ser julgado improcedente.
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4 - DECISÃO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento aos recursos e manter a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente Impugnante, dada a dispensa de que goza o Recorrente Ministério Público.
Registe e Notifique.
Lisboa, em 15 de julho de 2025 – Rui. A. S. Ferreira (Relator), Teresa Costa Alemão, Vital Lopes (Adjuntos)


1. - Consulta feita nesta data a …………………………, imagem reportada a 08/2009:
[IMAGEM; NA ÍNTEGRA NO ORIGINAL]