Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 7709/24.1BELSB |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 09/11/2025 |
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Relator: | JOANA COSTA E NORA |
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Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PRESSUPOSTOS |
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Sumário: | I - Sendo a recorrente cidadã turca residente na Turquia, não goza a mesma do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, consagrado no artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. II - Não se pode concluir pela indispensabilidade de uma tutela de mérito urgente se não for alegada factualidade concreta demonstrativa de que a demora na decisão do pedido de autorização de residência e reagrupamento familiar impede o desenvolvimento de uma vida normal (privada, familiar, profissional, etc), pondo em causa um qualquer direito, liberdade e garantia. III - Reconduzindo-se a alegação somente a uma pressa na obtenção da autorização de residência, e a uma expectativa de ver decidido o seu pedido no prazo legal, não se pode concluir por uma situação de urgência na tutela de um direito fundamental. IV - Não tendo sido alegados factos consubstanciadores da indispensabilidade de uma decisão urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. |
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Votação: | Unanimidade |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Comum |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO I…, de nacionalidade turca, residente na Turquia, intentou intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P.. Pede a condenação da entidade demandada “A. Para no prazo de 10 dias úteis, proceder ao agendamento para apresentação do pedido de autorização de residência para investimento e recolha dos dados biométricos da requerente, facultando àquelaoutra várias datas possíveis para se deslocar à aquela entidade. B. Para decidir o pedido e emitir o título de residência da ora requerente no prazo estipulado na Lei.” Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a rejeitar liminarmente a petição por não estarem reunidos os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não sendo aplicável o disposto no artigo 110.º-A. A autora interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm as seguintes conclusões: “I. A Recorrente peticionou na sua Douta Ação que:“(…) “Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V. Exa. que se digne a intimar a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA): A.Para no prazo de 10 dias úteis, proceder ao agendamento para apresentação do pedido de autorização de residência para investimento e recolha dos dados biométricos da requerente, facultando àquelaoutra várias datas possíveis para se deslocar à aquela entidade. B. Para decidir o pedido e emitir o título de residência da ora requerente no prazo estipulado na Lei.” II. O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA NEGOU de forma peremptória o pedido da A. porquanto: “(…)“Em consonância com o expendido, a intimação para proteção de direitos liberdades e garantias apenas será o meio adequado, caso seja possível concluir que, em concreto e atendendo ao alegado no requerimento inicial, o Requerente carece de uma pronúncia urgente sobre o mérito da causa, para tutelar o direito fundamental que invoca, o que acentua o carácter excecional e subsidiário da intimação. (…) A Requerente assevera que a inércia da AIMA, I.P. supra descrita, quanto ao seu pedido de concessão de ARI, viola o seu direito à livre circulação e cidadania, e ainda o direito à igualdade, e tem-na deixado em situação de total vulnerabilidade, criando diversos problemas e prejuízos financeiros, adiando o seu plano de se mudar para Portugal para acompanhar de perto os seus investimentos. (…) Conclui-se, portanto, que as alegações da Requerente são insuficientes para concluir pela adequação do recurso à intimação do artigo 109.º do CPTA, uma vez que, não foi alegada factualidade apta a demonstrar a indispensabilidade de uma célere decisão de mérito para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, nem, tão-pouco, a impossibilidade ou insuficiência da competente ação administrativa. (…)” III. Não concorda a Recorrente concordar com tal Decisão do Tribunal a quo, porquanto é violadora das normas legais e constitucionais e ainda contrária à jurisprudência aclamada pelos Tribunais Superiores, bem como violadora de princípios internacionais intransponíveis. IV. A Douta Decisão é ferida de uma falta de Humanidade e de um tratamento Desigual de cidadãos gritante. V. Dando força jurídica à inércia da Administração Pública. VI. A Recorrente é investidora e escolheu Portugal para aplicar os seus investimentos, lucrando o País com tais investimentos, no entanto, veda-lhe desde 2019 a documentação válida à sua livre circulação. VII. Nos termos do art.º 109.º, n.º 1, do CPTA, “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”. VIII. Para o uso desta intimação exige-se (i) a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP; (ii) e que não seja ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar. IX. O cidadão estrangeiro, enquanto o requerido título de residência não lhe for emitido, ou enquanto a autorização de residência não lhe for concedida, padecerá de todos os males que decorrem de estar ilegal no país, a partir do momento que dá entrada no mesmo. X. Deste modo, considera-se existir uma necessidade imediata da detenção de um título ou uma autorização para se poder residir legalmente em Portugal e aqui viver, trabalhar ou investir na qualidade de estrangeiro com título legal de permanência. XI. A legalização da permanência no nosso território, é uma condição sine qua non para estrangeiro circular, viver, trabalhar e/ou investir, de forma legal, e para que beneficie dos demais direitos, como seja a segurança, tranquilidade, liberdade de circulação e saúde. XII. A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode, pois, ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar – artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. XIII. A falta de um título legal que permita a permanência do requerente em território nacional pode preencher, em abstrato, os pressupostos de recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 109.º do CPTA, perante a omissão de decisão administrativa. XIV. No que concerne à urgência no uso do meio processual intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, perante o alegado na Douta PI da Recorrente, terá de considerar-se um pressuposto verificado: Não existindo qualquer norma que fixe o prazo, quer por lei ou pelo o manual de procedimentos, para a fixação de uma data para a entrega presencial do pedido de autorização de residência dever-se-á observar as estipulações contidas no artigo 86.º do n.º 1 do CPA, ou seja, a AIMA deverá proceder à confirmação do agendamento para entrega presencial do pedido de autorização de residência para investimento, no prazo 10 dias, após a submissão online. Não tendo a Administração, até ao momento, emitido qualquer tipo de decisão, o que determina que a Recorrente esteja indocumentada, por não ser titular nem de uma autorização de permanência, nem de uma autorização de residência. XV. A urgência da situação é evidente e trata-se de uma urgência atual. XVI. Devemos afirmar que o processo deu entrada em 2019, ou seja, 5 anos. XVII. Não obstante, importa referir que nos termos do art.º 13° n° 1 do CPA, “os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público.” XVIII. Em obediência ao disposto no art.° 71.°/2 e 3 do CPTA - e na medida em que decorre dos autos que a Administração ainda não procedeu sequer à cabal instrução do procedimento em causa - deve este tribunal determinar que prossiga a Administração com a instrução necessária de modo seja proferida decisão naquele procedimento, sendo devida a prática de um ato pela Administração, tal como imposto pelo princípio da decisão consagrado nos artigos 266º/1 e 2 da Constituição da República Portuguesa e no art.° 13.° do CPA. XIX. Para a permanência regular em território nacional de cidadãos estrangeiros oriundos de países terceiros em relação à UE, não basta a titularidade de documento de viagem e com visto. Exige-se, nos termos da Lei n.º 23/2007, de 04/07, uma autorização de residência. XX. Está em causa um verdadeiro direito de cidadania previsto no n.º1 do artigo 26.º da CRP, entendido no sentido lato que resulta da previsão do artigo 15.º relativo à equiparação entre estrangeiros e cidadãos nacionais. E, in casu, afeta o reduto básico de direitos pessoais e sociais, que se ligam, todos eles, ao princípio da dignidade da pessoa humana (cfr. artigo 1.º da CRP). XXI. Estando em jogo o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela CRP e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro, mas cuja efetividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência, a garantia do gozo de tais direitos por parte do mesmo não se compagina com uma tutela precária, num cenário que é contingente para o mesmo. XXII. Para a tutela de tais direitos, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é o meio processual mobilizável quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia. XXIII. Dispor de um tempo mínimo de residência regular em território nacional é condição necessária para que um cidadão estrangeiro possa delinear o seu projeto de vida com alguma segurança e estabilidade, a que acrescem ainda facilidades procedimentais (Lei n.º 23/2007). O que está a ser impedido à Recorrente. XXIV. Entende a Recorrente que, o cerceamento dos seus direitos fundamentais decorre das próprias regras da experiência, sendo dedutível por mera presunção judicial. XXV. A Douta Sentença de que se recorre revela-se atentatória de valores fundamentais do Estado de Direito, consiste num obstáculo, desproporcionado no acesso ao Direito e ao processo previsto no artigo 20° da Lei Fundamental. XXVI. Existe uma violação clara do direito à tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 268º, 4 da Constituição da República Portuguesa e se traduz, ainda, claramente num benefício ao infrator – AIMA - que assume uma posição clara de inércia e de clara irresponsabilidade nos presentes autos. XXVII. A Recorrente tem uma proteção multinível no que respeita a direitos fundamentais, sendo-lhe aplicada a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Violou-se o Código Europeu da Boa Conduta Administrativa. Violou-se a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Violou-se o Tratado de Lisboa de Dezembro de 2009. XXVIII. Violaram-se os artigos 1 °, 2o , 12o , 13o , 15°, 20°, 26°, 27°, 36°, 44°, 53°, 58°, 59°, 64°, 67°, 68°, 268°, 4 da Constituição da República Portuguesa, artigos 7o , 15° e 41° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6o e 14° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ainda o artigo 109° CPTA e ainda os das leis 23/2007 de 04/7, lei 59/2017 de 31/7 e lei 102/17 de 28/08 e lei 18/2022 de 25/08 e ainda os artigos 5o , 8°, 10o , 13o todos do CPA e ainda o artigo 607°, 4, do CPC. XXIX. O leque de direitos, liberdades e garantias fundamentais amparáveis pela Intimação é muito amplo, devendo ainda ter-se em conta os direitos fundamentais que resultem de lei ou norma internacional que vincule o Estado Português, como aliás resulta do disposto no artigo 16.º, n. º1 da CRP. E não se pode deixar de reconhecer, também, que está em causa nestes processos a salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana. XXX. Partindo destas premissas, cremos que no caso em análise, a urgência da Recorrente na obtenção de uma decisão não é uma urgência cautelar ou instrumental, tratando-se antes da urgência na obtenção de uma decisão principal de mérito. É que estando em jogo o exercício de direitos, liberdades e garantias fundamentais, formalmente reconhecidos pela CRP e por instrumentos de direito internacional ao cidadão estrangeiro mas cuja efetividade se encontra materialmente comprometida pela falta de decisão do pedido de autorização de residência formulado, a garantia do gozo de tais direitos por parte do cidadão estrangeiro não se compagina com uma tutela precária, num cenário que já é contingente para o mesmo. XXXI. A autorização de residência é imprescindível para que a Recorrente possa efetivar o seu direito a uma legal integração no país, vivendo e efetuando os seus investimentos conforme seria suposto há cinco anos. XXXII. Estando em causa a intimação judicial da Recorrida a emitir uma decisão sobre o pedido de autorização de residência que lhe foi apresentado há mais de cinco anos, quando o prazo legal para proferir decisão sobre tal pretensão foi ultrapassado (cfr. Lei n.º 23/2007, de 4 de julho), só a tutela judicial de mérito é adequada, sendo que a urgência da situação não se compadece com o recurso à ação administrativa. Só a procedência do pedido de intimação lhe poderá proporcionar a plenitude do exercício dos direitos afetados.” A entidade recorrida não respondeu à alegação dos recorrentes. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, pugnou pela improcedência do recurso. Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), cumpre apreciar e decidir. II – QUESTÕES A DECIDIR Face às conclusões das alegações de recurso – que delimitam o respectivo objecto, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC -, a questão que ao Tribunal cumpre solucionar é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A sentença recorrida não fixou factos. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A sentença recorrida rejeitou liminarmente a petição por não estarem reunidos os pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, não sendo aplicável o disposto no artigo 110.º-A. Considerou-se na mesma que a autora não alega qualquer factualidade circunstanciada que permita caracterizar a existência de uma situação actual de grave ameaça ou violação dos direitos, liberdades e garantias, não sendo indicado um cenário concreto em que os direitos invocados sejam violados, ou em que se afigure indispensável uma decisão de mérito para assegurar o seu exercício em tempo útil, além de que, não se encontrando nem residindo em território nacional, não é titular dos direitos que se arroga, nos termos do artigo 15.º da Constituição. Insurge-se a recorrente contra o assim decidido, alegando que, como investidora, tem uma necessidade imediata de obter um título de residência em Portugal para aqui residir legalmente, para circular livremente, e para beneficiar dos demais direitos que assistem aos cidadãos portugueses, pelo que a falta de tal título pode preencher, em abstracto, os pressupostos de recurso à intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 109.º do CPTA, perante a omissão de decisão administrativa dentro do prazo legal para o efeito, como acontece no caso em apreço, decorrendo o cerceamento dos seus direitos fundamentais das próprias regras da experiência, por mera presunção judicial, estando ainda em causa o direito à tutela jurisdicional efectiva. Vejamos. A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias “(…) pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar.” - cfr. artigo 109.º, n.º 1, do CPTA. Trata-se de um meio processual sumário e principal, pois que visa a prolação de uma decisão urgente e definitiva. E tem carácter excepcional porque só pode ser utilizado quando “a célere emissão de uma decisão de mérito (…) se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento de uma providência cautelar”, sendo a regra a da utilização da acção não urgente, sempre que esta, ainda que conjugada com o processo cautelar, seja apta a garantir aquela tutela. Nestes termos, o recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, pressupõe a sua indispensabilidade, a qual ocorrerá quando for necessária uma tutela urgente para assegurar o exercício de um direito, liberdade e garantia, e quando a tutela cautelar não for possível ou suficiente para o efeito. No que concerne à impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar, “A impossibilidade poderá resultar do facto de o juiz, para se pronunciar, ter necessariamente de ir ao fundo da questão, o que, como é sabido, lhe está vedado no âmbito dos procedimentos cautelares. Por sua vez, a insuficiência respeita à incapacidade de uma decisão provisória satisfazer as necessidades de tutela do particular, posto que estas apenas lograrão obter satisfação com uma tutela definitiva, sobre o fundo da questão. Estamos a referir-nos àquelas situações sujeitas a um período de tempo curto, ou que digam respeito a direitos que devam ser exercitados num prazo ou em datas demarcadas, maxime, questões relacionadas com eleições, actos ou comportamentos que devam ser realizados numa data fixa próxima ou num período de tempo determinado (como exames escolares ou uma frequência do ano lectivo), situações de carência pessoal ou familiar em que esteja em causa a própria sobrevivência pessoal de alguém, ou, ainda, casos relativos à situação civil ou profissional de uma pessoa.” – cfr. CATARINA SANTOS BOTELHO, “A intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias: quid novum?”, O Direito, n.º 143, I, 2011, pp. 31-53. Assim, cabe a quem pretenda valer-se deste meio processual alegar factos concretos idóneos ao preenchimento dos referidos pressupostos, a saber: (i) “a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual”, não bastando invocar, genericamente, um direito, liberdade e garantia; e (ii) “a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação” – cfr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha e Mário Aroso de Almeida, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª edição, Almedina, 2017, p. 883. Na p.i., a recorrente alega, em abstracto e de forma conclusiva, que a demora na decisão do seu pedido de autorização de residência e reagrupamento familiar viola os seus direitos de livre circulação e cidadania, causando-lhe prejuízos irreparáveis, que não concretiza minimamente. Ora, os direitos que a recorrente invoca não lhe assistem. Efectivamente, apenas gozam do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados-Membros, consagrado no artigo 45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, os cidadãos da União, podendo ser concedida liberdade de circulação e de permanência, de acordo com os Tratados, aos nacionais de países terceiros que residam legalmente no território de um Estado-Membro – cfr. n.ºs 1 e 2 do referido artigo-, não sendo a recorrente cidadã na União, nem residindo legalmente no território de um Estado-Membro, pelo que não é a mesma titular de tal direito. Quanto ao direito à cidadania, previsto no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, como direito, liberdade e garantia, embora seja garantido a todos os cidadãos, estendendo o artigo 15.º o gozo dos direitos do cidadão português aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal, a recorrente nem se encontra nem reside em Portugal, pelo que, não beneficiando de tal extensão, não lhe assiste aquele direito. Enfim, naturalmente que, em face do princípio da tutela jurisdicional efectiva (consagrado no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa), assiste à requerente o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie a sua pretensão de condenação da Administração à prática do acto administrativo devido, mas tal direito não corresponde à verificação dos pressupostos de recurso ao meio processual da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, na medida em que do mesmo não resulta a indispensabilidade do recurso a tal meio processual para assegurar o exercício, em tempo útil, de qualquer direito, liberdade ou garantia de que a recorrente seja titular. Pois bem, para se poder concluir pela indispensabilidade de uma tutela de mérito urgente no caso concreto, impunha-se à recorrente que alegasse factualidade concreta demonstrativa de que a demora na decisão do pedido de autorização de residência e reagrupamento familiar a impedia de desenvolver uma vida normal (privada, familiar, profissional, etc), pondo em causa um qualquer direito, liberdade e garantia, que lhe assistisse efectivamente, o que, manifestamente, não fez, não só reconhecendo que reside fora de Portugal, mas também omitindo quaisquer factos dos quais se pudesse extrair aquela indispensabilidade. Na verdade, a alegação da recorrente reconduz-se a uma pressa na obtenção da autorização de residência, e a uma expectativa - legítima, aliás – de ver decidido o seu pedido no prazo legal. Todavia, isso não se confunde com uma situação de urgência, não tendo sido alegada qualquer factualidade consubstanciadora de uma situação de urgência na tutela de um direito fundamental, necessária ao preenchimento dos pressupostos de recurso à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias. Assim, atenta a falta de alegação de factos consubstanciadores da indispensabilidade de uma decisão urgente para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, não se mostram verificados os pressupostos de recurso à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias. Termos em que se impõe julgar improcedentes os fundamentos de recurso invocados. * Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais. V – DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso. Sem custas. Lisboa, 11 de Setembro de 2025 Joana Costa e Nora (Relatora) Mara de Magalhães Silveira Marcelo Mendonça |