Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:407/25.0BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:ISABEL VAZ FERNANDES
Descritores:INDEFERIMENTO LIMINAR
APAGÃO
JUSTO IMPEDIMENTO
REQUISITOS DE ADMISSÃO
COMPROVATIVO DE PAGAMENTO DE TAXA DE JUSTIÇA
PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
Sumário:I – Nos termos do nº3 do artigo 140º do CPC é do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório
II – O apagão ocorrido em Portugal no dia 28 de Abril de 2025 constitui um facto notório.

III – A rejeição liminar nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 570.º do CPC, implica que se mostre sucessivamente cumprido o preceituado nos n.ºs 3 e 5 do mesmo preceito legal.

Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO

E... , melhor identificada nos autos, veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, em 05 de maio de 2025, que indeferiu liminarmente a Reclamação por si intentada na qual peticionava a dispensa de prestação de garantia a prestar no âmbito do processo de execução fiscal (PEF) n.º 1001202500026395 e apensos, contra si instaurado pelo IGFSS, IP para cobrança coerciva da quantia exequenda global de € 15.681,07, proveniente de contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e juros.
A Recorrente, nas suas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões:

«Pelo exposto, extraem-se, como resenha final, as alíneas subsequentes, com indicação dos fundamentos porquanto se peticiona que se altere a Decisão proferida:

A) A Reclamante foi notificada do indeferimento do pedido de isenção da prestação de garantia por despacho datado de 04.04.2025, tendo a notificação sido recebida em 07.04.2025.

B) Reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276.º do CPPT foi tempestiva, considerando as férias judiciais e o disposto no artigo 138.º, n.º 2 do CPC.

C) O prazo terminava a 28.04.2025 (segunda-feira), mas não foi possível submeter o requerimento nesse dia devido a um apagão elétrico nacional e europeu.

D) A apresentação da Reclamação no dia 29.04.2025 ocorreu por justo impedimento, nos termos do artigo 140.º do Código de Processo Civil, tratando-se de facto público e notório que impossibilitou a prática do ato no prazo.

E) O Tribunal a quo incorreu em erro ao considerar a Reclamação intempestiva.

F) A M.ma Juiz indeferiu liminarmente a Reclamação com fundamento na não junção válida de comprovativo de pedido de apoio judiciário, por este ter sido apresentado no âmbito da Oposição deduzida no mesmo processo executivo.

G) O apoio judiciário junto foi deferido e reporta-se ao mesmo processo executivo (PEF n.º 1001202500026395), pelo que, ainda que se entendesse não ser aplicável à presente Reclamação, deveria a Reclamante ter sido notificada para suprir tal omissão, nos termos do artigo 570.º do CPC.

H) A jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente o STA (Ac. de 06.07.2016, Proc. n.º 0369/16) e o TRP (Ac. de 24.09.2020, Proc. n.º 2283/18.0T8OAZ.P1), confirma que a falta de junção do comprovativo de pagamento da taxa de justiça ou do pedido de apoio judiciário não determina, por si só, o indeferimento liminar, devendo o tribunal conceder prazo para suprimento.

I) A omissão do dever de notificação para suprimento viola os artigos 3.º e 7.º do CPC, o artigo 14.º, n.º 3 do RCP, e o artigo 20.º da CRP, consubstanciando nulidade processual.

J) A presente Reclamação, embora não tramitada como apenso, constitui um incidente diretamente relacionado com a Oposição e com o mesmo processo executivo, o que justifica a aplicação por analogia do artigo 18.º, n.º 4 da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, permitindo a extensão do apoio judiciário concedido na Oposição.

K) A decisão recorrida desconsidera os graves prejuízos que poderão advir para a Reclamante, designadamente a perda da sua habitação própria permanente, não lhe tendo sido dada qualquer oportunidade de sanar a alegada omissão.

L) Impunha-se, assim, a revogação da decisão recorrida e a admissão da Reclamação, com apreciação do pedido de dispensa da prestação de garantia.

M) Deste modo, deverá ser julgado procedente por provado o presente recurso, alterando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, SENDO FEITA JUSTIÇA.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas suprirão, deve ser concedido total provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e proferindo-se nova decisão que reconheça reunidos os pressupostos legais para a admissão da Reclamação Judicial, com as legais consequências daí decorrentes.

Assim se fará a costumada JUSTIÇA!»


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O DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) Em 25/02/2025 a Seção de Processo Executivo (SPE) de Leiria do IGFSS, IP instaurou contra a Reclamante os PEF n.º 1001202500026395 e apensos, para cobrança coerciva de uma quantia exequenda global de € 15.681,07, proveniente de contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e juros – cfr. capa do PEF, certidões de dívida e ofício de citação, juntos ao PEF apenso;

B) Em 10/03/2025 a Reclamante apresentou no Centro Distrital de Leiria do ISS, IP um pedido de proteção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, indicando, como finalidade do pedido, “Apresentar oposição” – cfr. doc. de fls. 232 dos autos (SITAF);

C) Em 24/03/2025 deu entrada neste TAF de Leiria uma oposição à execução fiscal deduzida pela Reclamante no âmbito dos PEF identificados em A) – cfr. comprovativo de entrega e p.i. do processo n.º 327/25.9BELRA;

D) A petição inicial da dita Oposição vinha acompanhada pelo comprovativo de pedido de apoio judiciário identificado em B) – cfr. comprovativo de pedido de apoio judiciário junto ao processo n.º 327/25.9BELRA;

E) Em 26/03/2025 a Reclamante requereu à SPE de Leiria do IGFSS, IP a dispensa de prestação de garantia no âmbito dos sobreditos PEF – cfr. requerimento de fls. 11 e ss. do PEF apenso;

F) Por despacho de 04/04/2025 o Coordenador da SPE de Leiria do IGFSS, IP indeferiu o apontado requerimento – cfr. despacho de fls. 77 do PEF apenso;

G) O que foi notificado à Reclamante por ofício da SPE de Leiria de 04/04/2025, que lhe foi remetido por carta postal registada com a referência alfanumérica RF621140132PT – cfr. ofício de fls. 76 do PEF apenso;

H) A qual foi rececionada em 07/04/2025 – cfr. seguimento de objetos dos CTT, de acesso público on-line;

I) Em 11/04/2025 a Reclamante remeteu à SPE de Leiria do IGFSS, IP a petição inicial dos presentes autos de Reclamação Judicial – cfr. selo aposto no envelope junto com a p.i.;

J) A petição inicial vem subscrita por Advogada – cfr. procuração junta com a p.i.;»


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Factos não provados

«Não há outros factos que cumpra julgar provados ou não provados com interesse para a boa decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.»

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Motivação da decisão de facto

«A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida, particularmente nas informações e documentos oficiais constantes dos autos, bem como nos factos que o Tribunal apurou no exercício das suas funções (cfr. artigo 412.º, n.º 2, do CPC) conforme discriminado a propósito de cada alínea do probatório (cfr. artigo 607.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alíneas e), do CPPT).»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto do recurso que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao rejeitar liminarmente a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 276º do CPPT contra o acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia.

A Recorrente dissente das duas vertentes em que se fundou a decisão ora recorrida.

Por um lado, entende que a reclamação foi apresentada tempestivamente, já que, como é facto notório, no dia 28 de Abril de 2025, em Portugal ocorreu um apagão no sistema de abastecimento de electricidade que impediu a prática do acto processual, e que, a seu ver, configura uma situação de justo impedimento, nos termos do preceituado no artigo 140º do CPC.

Por outro lado, no que respeita à falta de apresentação de documento comprovativo de pedido de apoio judiciário válido ou de pagamento de taxa de justiça, entende que, perante a irregularidade detectada pelo Tribunal na documentação que foi por si entregue, deveria, nos termos do artigo 570º do CPC, ter sido notificada para regularizar a situação.

O que dizer?

Comecemos por apreciar a tempestividade da apresentação da petição inicial, considerando o invocado justo impedimento relacionado com o apagão ocorrido no dia 28 de Abril de 2025.

A decisão recorrida não levou em consideração a ocorrência do evento supra identificado, pelo que, concluiu do seguinte modo:

“(…) O Tribunal não ignora ainda a possibilidade abstrata de a presente petição inicial de reclamação poder ser admitida nos termos da alínea a), do n.º 5, do artigo 139.º do CPC – já que foi apresentada um dia após o termo do prazo perentório ou de caducidade de que a Reclamante dispunha para reagir judicialmente contra o despacho reclamado – cfr. alínea H) dos factos provados (conforme supra exposto, a segunda petição inicial foi apresentada em 29/04/2025, sendo que o prazo para deduzir Reclamação Judicial contra o despacho reclamado terminou em 28/04/2025).

Todavia, não se mostra cumprido pela Reclamante, uma vez mais, o n.º 1, do artigo 79.º do CPTA – requisito de admissão da presente Reclamação – pois o comprovativo do pedido de apoio judiciário ora junto aos autos foi (confessamente) apresentado anteriormente no âmbito de uma Oposição à Execução Fiscal deduzida pela Reclamante.(…)”

A Recorrente refere que não lhe foi possível apresentar a peça processual no dia 28 de Abril por força do apagão que ocorreu em Portugal, o que, a seu ver, consubstancia uma situação de justo impedimento.

Adiante-se que tem razão a Recorrente.

O artigo 140º do CPC dispõe que:
“Justo impedimento
1 - Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.

2 - A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o acto fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3 - É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”


No caso dos autos, o evento que deu origem ao justo impedimento constitui facto notório, pelo que, nos termos no preceituado no nº3 da norma transcrita, a verificação do impedimento é de conhecimento oficioso.

Assim sendo, tendo em conta que o apagão ocorreu no dia 28 de Abril de 2025 e que a Recorrente deu entrada do requerimento em 29 de Abril de 2025, considera-se verificado o justo impedimento, pelo que a apresentação daquele se considera tempestiva, contrariamente ao decidido.

Procede, assim, este segmento da alegação recursiva.

Prossigamos.

Resta, agora, apreciar e decidir se deveria a Juiz a quo ter dado cumprimento ao disposto no artigo 570º do CPC e notificado a Recorrente para regularizar a situação relacionada com o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou de apoio judiciário, antes de ter rejeitado liminarmente a reclamação.

Cumpre, antes de mais, salientar, que é para nós claro, que o pedido de apoio judiciário concedido para a oposição à execução não tem validade para o presente meio processual, como bem considerou a decisão recorrida.

Porém, nos termos do preceituado no artigo 570º do CPC, na falta de junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou de comprovação desse pagamento, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efectuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.

Ora, a verdade é que esta notificação não foi feita, quando o deveria ter sido, nos termos da lei.

Assim sendo, a decisão recorrida não pode manter-se, devendo os autos baixar à 1ª instância para aí prosseguirem com a prolação de despacho a determinar o cumprimento do n.º 3 do artigo 570.º do CPC.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e determinar a baixa dos autos à primeira instância para aí ser proferido despacho nos termos supra expostos.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 15 de Julho de 2025

(Isabel Vaz Fernandes)

(Luísa Soares)

(Lurdes Toscano)