Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul:
I. RELATÓRIO
C…, com os sinais dos autos, vem recorrer da sentença proferida em 2022.09.05, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a oposição por si deduzida ao processo de execução fiscal n° 1350200901088262 e apensos, que contra si reverteu, na qualidade de responsável subsidiário, por dívidas de IRC dos anos de 2005, 2006 e 2007 da sociedade devedora originária “R… Veículos Automóveis, Lda.”, no valor global de € 656 142,59.
Nas alegações de recurso apresentadas, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
A. «Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou improcedente, a oposição à Reversão Fiscal, duma dívida de 656.142,59€ de IRC do ano de 2005,2006 e 2007 da sociedade R… VEÍCULOS AUTOMÓVEIS, LDA.
B. Recurso que se interpõe da douta sentença, com base em erro de julgamento, face à factualidade dada como provada, efectuada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, bem como errónea apreciação dos factos submetidos à sua apreciação e consequentemente uma errada interpretação do direito aplicável.
C. Dos factos dados como provados, (resultantes da análise critica da prova documental e testemunhal) não pode resultar a decisão prolatada.
D. Quer a testemunha G…, nas suas declarações que se encontram gravadas de 2.09m a 9.07m, quer a testemunha L…, de minutos 9.52 a 19.55, ou a testemunha R… de minutos 20.40 a 28.55, todos declararam que o Recorrente era um pessoa presente na empresa, que trabalhava junto dos trabalhadores como se fosse mais um, que chegou a pedir dinheiro emprestado para cumprir com as obrigações da empresa, nomeadamente para pagar os ordenados e que chegou a hipotecar um terreno, que da sucata comprada havia uma percentagem grande que não era aproveitável.
E. Extraí a douta sentença, a conclusão, (quanto a nós errada), que a hipoteca para garantia de crédito não serviria a responsável originária, porque na mesma não era indicado que o crédito estaria relacionado com a R….
F. A empresa responsável originária não tinha bens móveis nem imóveis, a não ser a mercadoria corrente, razão porque o crédito e a garantia por hipoteca foi prestada pelo sócio gerente, ora recorrente.
G. Face a toda a prova produzida, ao contrário do alegado na douta sentença recorrida, deveria considerar-se que o oponente conseguiu ilidir a presunção de culpa, não sendo claramente por culpa sua, o não cumprimento das obrigações fiscais da responsável originária.
H. Como se exarou no Acórdão do TCAS, Proc. 692/12.8BESNT: "Haverá que verificar, operando com a teoria da casualidade, se a actuação do oponente, como gestor da sociedade originária devedora, concretizada quer em actos positivos quer em omissões, foi adequada à insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos."
I. Não tendo sido o oponente, ora recorrente, responsável pela alienação de qualquer activo da responsável originária, que sendo uma pessoa presente na empresa, que trabalhava junto dos trabalhadores como se realmente fosse um deles, que chegou a fazer empréstimos a nível pessoal para fazer face a problemas de tesouraria da empresa e pagar os salários aos trabalhadores e hipotecar um terreno próprio onde funcionava o estaleiro da empresa para garantia de crédito, possa ser considerar-se culpado do não pagamento dos impostos liquidados à empresa, tanto mais que sempre primou por ter a contabilidade da empresa organizada e liquidou os impostos referentes a esses anos dentro do prazo legal, que a dívida revertida foi apurada passados anos pelo serviço de inspecção, que se discorda e impugnou, e que se vivia na altura a grave crise do subprime que efectou a economia mundial e levou à falência milhões de empresas.
J. Pelo que, perante os factos provados e da análise critica da prova, só pode resultar a inexistência de culpa por parte do ora recorrente
Nestes termos, e com o douto suprimento desse Tribunal Administrativo, o presente recurso deve ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, fazendo-se assim JUSTIÇA.
A Recorrida, Autoridade Tributária e Aduaneira, não apresentou contra-alegações.
O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Os autos foram com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
Cumpre, pois, apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso.
Assim, na falta de especificação no requerimento de interposição do recurso, nos termos do artigo 635/3 do Código de Processo Civil, deve-se entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao Recorrente. O objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (artigo 635/4 CPC). Assim, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões e devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.
Atento o exposto, e tendo presentes as conclusões de recurso apresentadas, importa decidir se a sentença padece de erro de julgamento, na interpretação dos factos e aplicação do direito, ao julgar improcedente a oposição.
II.1- Dos Factos
O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:
1. «A sociedade “R… VEÍCULOS AUTOMÓVEIS, LDA.” , nipc 5…, com sede em Rua J…, …, S…, Caldas da Rainha, Leiria, foi constituída em 12/1 0/2 000 tendo como objeto social a “reciclagem de sucatas, óleos, baterias, alumínios, ferros e outros materiais”, tendo o agora oponente, que também é sócio, sido nomeado para o cargo de gerente , situação que manteve até – certidão permanente de fls. 134 e seguintes da cópia do processo de execução em apenso , incluindo contrato de constituição de fls. 140 e seguintes;
2. Em 2009 a AT levou a cabo uma ação de inspeção externa á atividade da referida sociedade, que culminou com o Relatório final de 10/9/2009, no qual consta que o sujeito passivo contabilizou custos suportados em faturas que reputa como sendo falsas, e além das correções em matéria de IVA, efetuou correções à matéria coletável do IRC dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, conforme quadro seguinte:

- fls. 91 a 129 da cópia do processo de execução em apenso, incluindo fls. 117
3. As liquidações resultantes das correções aludidas no ponto anterior foram objeto de impugnação judicial nº 1375 /12.4BELRA, em que são autores os sócios e responsáveis subsidiários, S… e o agora oponente –artigo 14º da p.i. e consulta ao processo eletrónica disponível no SITAF, que aguarda decisão neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria;

- fls. 1, 2, 239, 240, 227 e 228 da cópia do processo de execução em apenso;
4. Em 13/3/2012, no processo de execução nº 1350200901088262 e aps. foi emitida informação na qual se propõe a reversão das dividas referidas no ponto anterior contra o agora oponente e contra a outra sócia (S…) – fls. 197 a 200 da cópia do processo de execução em apenso;
5. No mesmo processo de execução, em 13/3/2012 a AT proferiu despacho contendo projeto de reversão , contra o agora oponente, da divida referentes ao IRC de 2005 a 2007, cujo devedor original é a sociedade referida em 1 supra, no montante total de € 656.142,59 , no qual, além do mais , consta o seguinte: “ Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT] ” , tendo a respetiva notificação sido remetida sob registo postal – fls. 204 e 204 -A da cópia do processo de execução em apenso;
6. 6. O agora oponente não exerceu o direito de audição, pelo que, em 14/9/2012, a AT proferiu despacho de reversão contra o agora oponente, pela quantia exequenda de € 656.142,59, que apresenta teor idêntico ao do projeto aludido no ponto anterior – fls. 222 da cópia do processo de execução em apenso;
7. Em 24 /9/2012 foi assinado o aviso de receção que acompanhou o ofício (nº 680 8, de 14/9/2012) contendo a notificação do despacho de reversão, no qual consta, além do mais, o seguinte: “Inexistência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia (art.º 23º/nº 2 da LGT).
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º/nº 1/b) LGT] ” - fls. 223 a 226 da cópia do processo de execução em apenso;
8. Em 24/10/2012, deu entrada no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha da petição inicial da presente Oposição - cfr. carimbo aposto a fls. 2 e seguintes do processo físico.
Mais se provou que,
9. A sociedade original devedora era um a pequena empresa familiar, com apenas 4 ou 5 trabalhadores ao seu serviço, pelo que o agora oponente trabalhava lado a lado com os seus empregados, tanto nas cargas e descargas como na separação de materiais e nas outras tarefas quotidianas – depoimento das três testemunhas inquiridas;
10. O Oponente assinou em 06/4/2010, na qualidade de sócio gerente um auto de penhora, referente ao processo 1350200901088262 - admissão, artigo 19º p.i., e cópia do referido auto de penhora, referente a um carregador da marca Gommato, uma enfardadeira de marca Louritex e uma pinça GH, no valor total estimado de € 7.500,00 a fls. 10 do PEF em apenso
11. Em 29/5/ 2008 foi constituída uma hipoteca voluntária, pelo valor máximo assegurado de 481.800,00, sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 2… e no registo predial sob a inscrição 1…/2…, de que é titular o Oponente e S… por aquisição registada em 11/04/2008 – artigo 21º da p.i. e fls. 8 e 9 do processo físico.»
Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:
«Com interesse para a boa decisão das questões suscitadas, apuraram - se os seguintes factos julgados não provados:
1. As dificuldades financeiras da empresa decorreram de fatores externos – artigo 17º da p.i., afirmação desacompanhada de qualquer prova, até porque não foi feita qualquer referência a concretos fatores externos à empresa que tivessem determinado as dificuldades financeiras e a falta de pagamento dos tributos dentro do prazo legal estabelecido para o efeito;
2. A hipoteca de bens aludida em 11 supra destinou-se a superar as dificuldades de tesouraria da empresa – artigo 21º da p.i., afirmação desacompanhada de qualquer prova, designadamente porque nada se diz quanto à causa das dificuldades financeiras e de que modo foi aplicado o financiamento concedido pelo B…, não havendo nada nos autos que permita confirmar alguma relação entre a hipoteca e o financiamento da atividade da sociedade R…, Lda.
E quanto à motivação da decisão de facto, consignou-se:
«O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, incluindo o PA e o PEF em apenso, que não foram impugnados, e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados – artigo 74º da LGT - também são corroborados pelos documentos juntos aos autos - artigos 76º, nº 1, da LGT e 362º e seguintes do Código Civil (CC) – identificados em cada um dos factos descritos no probatório.
Os meios probatórios que, no cômputo da prova produzida, apresentaram maior peso na formação da convicção quanto a cada um dos factos assentes encontram–se expressamente indicados junto de cada um desses pontos. No que respeita aos documentos, através da indicação das folhas dos autos em que os mesmos se encontram, e no que respeita à prova testemunhal, pela indicação do depoimento atendido e valorado, para em si mesmo ou em conjunto com a demais prova dar o referido facto como assente.
A valoração dos documentos foi feita atendendo ao seu teor e aos factos que os mesmos comprovam ou são suscetíveis de corroborar em conjugação com o teor dos demais documentos e da prova testemunhal produzida.
A prova testemunhal foi obtida por inquirição das seguintes testemunhas arroladas pelo Oponente:
1º - G…, que referiu conhecer o Oponente por ser seu vizinho e porque trabalhou na empresa R… nos anos 2005/2006, na zona do estaleiro.
2º - L…, que trabalhou na R…desde 2003 a 2008, na parte de cargas e descargas e demais serviços do estaleiro.
3º - R…, que trabalhou na R… durante 4 anos, desde 2005 a 2008 ou 2009.
A prova testemunhal produzida foi valorada relativamente aos factos assentes conforme se indica em 3.1 supra , em conjugação com os documentos integrados nos autos .Além disso, não resulta demonstrado que a hipoteca voluntária a que se reporta o ponto 11 dos factos assentes tenha sido constituída em vista do propósito indicado pelo Oponente, na medida em que a circunstância que motivou a sua constituição - alegadamente atinente a dificuldades de tesouraria da sociedade devedora originária R… - não resulta provada no teor do documento exibido e a prova testemunhal produzida não permitiu alicerçar tal convicção. Na verdade, as testemunhas não revelaram conhecimento direto acerca da gestão da empresa nem das circunstâncias subjacentes às dificuldades financeiras, e nenhuma outra prova foi produzida no sentido de demonstrar que o Oponente tenha aplicado quaisquer valores obtidos ou garantidos por via daquela mesma hipoteca no pagamento de salários ou outras responsabilidades da sociedade executada R….
E, inexistem outros factos a dar como provados ou não provados, na medida em que só os factos alegados na petição inicial com relevo para as questões que se encontram sob apreciação, que aqui não envolvem a apreciação do bem ou mal fundado das correções determinadas pela ação inspetiva, podem ser objeto de prova, assim como os indícios de factos e os factos auxiliares. Tal não sucede no que respeita às afirmações meramente conclusivas, desprovidas da alusão a circunstâncias fácticas, concretização ou início de concretização ou à matéria de direito que integra a alegação contida na petição inicial ou àquelas que se reportam a circunstâncias que não se encontram nestes autos sob apreciação por não integrarem fundamento de Oposição à execução.»
II.2 Do Direito
O Opoente e ora Recorrente, deduziu oposição ao processo de execução fiscal n° 1350200901088262 e apensos, instaurado no Serviço de Finanças de Caldas da Rainha, que contra si reverteu, na qualidade de responsável subsidiário, por dívidas de IRC dos anos de 2005, 2006 e 2007, da sociedade devedora originária “R… Veículos Automóveis, Lda.”, no valor global de € 656 142,59, em suma, com fundamento em não ter tido culpa na insuficiência do património societário para satisfação dos créditos tributários.
Notificado da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a oposição por si deduzida, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.
Nas conclusões das alegações de recurso, o Opoente e ora Recorrente imputa à sentença erro de julgamento de facto e de direito.
O ora Recorrente não impugnou expressamente a matéria de facto fixada na sentença, apenas arguiu o erro de julgamento, discordando do decidido no que respeita ao juízo de apreciação da prova efetuada pelo Tribunal recorrido.
Alega o ora Recorrente que dos factos dados como provados, (resultantes da análise critica da prova documental e testemunhal) não pode resultar a decisão prolatada [cf. conclusão C) das alegações de recurso].
Alega ainda que a sentença errou ao extrair a conclusão que a hipoteca para garantia de crédito não serviria a responsável originária, porque na mesma não era indicado que o crédito estaria relacionado com a R… [cf. conclusão E) das alegações de recurso].
Atentemos ao decidido na sentença no segmento que aqui interessa:
«(…)
Retomando a situação sob apreciação, conforme resulta da matéria de facto provada e não provada, o Oponente não juntou qualquer prova da existência de fatores externos à empresa, alheios à sua vontade e não controláveis por si, que determinaram a alegada situação de dificuldade financeira da empresa.
Em rigor, o oponente nem sequer conseguiu convencer o Tribunal da relação entre as dificuldades financeiras a que alude, e que diz ter resolvido através do recurso a financiamento bancário obtido mediante a hipoteca voluntária de um imóvel, o que ocorreu em 29/5/2008, e a falta de pagamento da divida exequenda, cujo prazo de pagamento terminou em 2/12/2009 e 7/12/2009 (factos 3 e 11 de 3.1 supra)
Ou seja, o oponente não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si recaía, não tendo provado que o não pagamento das dívidas tributárias em execução se deveu a causas externas, e não a culpa sua.
Na petição inicial nada foi concretamente alegado sobre qual o património ou as disponibilidades financeiras da sociedade executada e sobre a razão das invocadas dificuldades de tesouraria.
Naquela peça processual, sobre as dificuldades sentidas a alegação foi genérica e desprovida de concretização e contextualização.
Pese embora tenha sido considerado provado que, por vezes a sociedade devedora se atrasou no pagamento de salários, chegando a atrasar um mês ou mês e meio, tendo as testemunhas afirmado que existem quebras na sucata adquirida (que incluem materiais que não podem ser vendidos para sucata), de tais circunstâncias, por completa ausência de concretização na petição inicial e nas provas exibidas ou produzidas, nada mais se pode retirar. Com efeito, não vem alegado, e por isso não poderia ser provado, em que medida é que a existência de desperdício ou partes sem aproveitamento no negócio da sucata concorreu, e os termos em que contribuiu, no sentido de serem relevantes quanto às alegadas dificuldades sentidas pela empresa, e como poderiam ter sido determinantes para a ausência de pagamento das dívidas em execução e, bem assim, sobre eventuais medidas adotadas pelo Oponente com referência às mesmas, para minimizar o seu impacto.
No que respeita à alegação de que o Oponente hipotecou bem pessoal no ano de 2008, pese embora este fato tenha sido julgado provado em 3.1 supra, todavia não foi considerado provado que a mesma tenha sido constituída pelo Oponente para manter a sociedade executada em laboração, manter os postos de trabalho e ante as dificuldades de tesouraria da mesma sociedade. Pois, não se demonstrou que aquela hipoteca tenha sido constituída em vista do propósito indicado pelo Oponente, na medida em que não resulta do teor do documento junto que as circunstâncias que motivaram a sua constituição fossem atinentes a dificuldades de tesouraria da sociedade executada e a prova testemunhal produzida não permitiu alicerçar essa convicção, nos termos constantes da motivação da decisão de fato.
E, na petição inicial nada mais se especificou sobre concretas medidas adotadas pelo Oponente, indicando concretamente as ações encetadas ou empreendidas pelo Oponente no sentido de combater as dificuldades sentidas no âmbito da sociedade executada.
Sendo certo que a alegação de que o Oponente assinou um auto de penhora como sócio gerente e, já tendo conhecimento por essa altura do relatório de inspeção, se fosse essa a sua intenção teria alienado os bens em causa antes de qualquer penhora, não serve este propósito. Isso nada prova quanto á falta de culpa pela falta de pagamento atempado dos tributos liquidados e notificados.
Ora, sem a alegação de factos concretos, que a serem considerados provados, permitissem ao Tribunal formular juízo sobre a afirmação conclusiva integrada na petição inicial de que “a atuação do ora oponente enquanto gerente da devedora originária não é merecedora de qualquer censura, quer no plano ético quer jurídico”, o Tribunal não pode acompanhar tal conclusão, não se tendo por ilidida a presunção de culpa que sobre o Oponente recai.
Destaca-se que alegar a existência de dificuldades financeiras resultantes de fatores externos não integra propriamente a alegação de um facto. Constitui a afirmação de uma conclusão, a qual apenas é suscetível de ser extraída pelo tribunal se forem alegados factos concretos consubstanciados em dados historicamente localizados, eventualmente verificáveis com base em dados contabilísticos da sociedade devedora originária ou outros, a provar por documentos ou outro meio de prova, dos quais assim resulte. E, embora as partes só sejam obrigadas a alegar os factos essenciais, estes têm de ser factos concretos, historicamente contextualizados, que consubstanciem a sua causa de pedir.
Assim, não se pode considerar ilidida a presunção consagrada na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, apenas com base na alegação da conclusão atinente à falta de culpa pela insuficiência de meios, sem que se tenham alegado os factos que a serem considerados provados, permitiriam ao tribunal alcançar tal conclusão.
Como tem sido o entendimento da jurisprudência, a propósito da ilisão de culpa, a prova dos factos tendentes a demonstrar a falta e culpa não pode assentar numa generalização vaga e sem delimitação concreta, quer no tempo quer nos atos empreendidos, precisamente porque as dívidas também foram incumpridas num período concreto e num montante determinado, pelo que a tentativa de afastar a culpa com um ou vários conceitos genéricos e imprecisos (“crise do sector”, “dificuldades financeiras”, “tudo fez para ...”, “empenhou-se de alma e coração...” etc.) denota uma ligeireza probatória injustificada, que não pode deixar de ser votada ao fracasso.” [cfr. acórdão do TCA Norte de 02-03-2017, proc. n.º 00219/11.9BEPRT, disponível em www.dgsi.pt].
Da conjugação de todo o exposto, na esteira do acórdão do TCA Norte de 07-122017, proferido no processo n.º 01368/09.9BEBRG [disponível em www.dgsi.pt] conclui-se que o Oponente não ilidiu a presunção de culpa que sobre si recai, pois, “a dúvida relativamente à verificação da culpa dos gestores, pela falta de pagamento dos impostos cujo pagamento ou entrega devesse ter sido feito durante o período em que exerceram funções de gestão, sempre terá de ser valorada contra o oponente”.
Em suma, o Oponente não afastou a presunção de culpa pela falta de pagamento (até 2/12/2009 e 7/12/2009) dos impostos em causa, devendo responder ao abrigo da alínea b) do artigo 24.º, n.º 1, da LGT e, deste modo, a presente Oposição não pode lograr proceder com base nesta parte da alegação do Oponente.
Vejamos, então:
Em face do excerto transcrito, desde já adiantaremos que nada há a censurar ao decidido na sentença recorrida.
Como vimos as dívidas em cobrança coerciva são relativas a IRC dos anos de 2005, 2006 e 2007, pelo que o regime de responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores aplicável é o previsto no artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT), o que aliás, não foi posto em causa.
Dizia o nº 1 do artigo 24º da LGT, que tem por epígrafe Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos
1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
Assim, nos termos do nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária (LGT) para acionar a responsabilidade subsidiária não é suficiente a mera gerência ou administração de direito, mas sim o exercício da gestão de facto.
Prevê ainda, esta norma, dois regimes de responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes: relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a) do nº 1 do citado artigo 24º LGT] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b) do mesmo artigo].
Como tem salientado a jurisprudência dos Tribunais Superiores, da qual se cita aqui apenas o Acórdão do STA, de 2013.10.16, Proc. nº 0458/13, disponível em www.dgsi.pt, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova: (i) incumbe em qualquer dos casos à AT comprovar a alegação de exercício efetivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício [alínea a) do nº 1 do artigo 24º da LGT]; (ii) incumbe ao revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo [alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT].
No caso concreto ora em apreciação, a reversão foi efetuada ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, pelo que o ónus da não culpa recai sobre o Opoente e ora Recorrente [cf. despacho de reversão transcrito nas alíneas B) e C) dos factos provados], pelo que cabia ao revertido ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento dos tributos que como vimos já, consagra uma presunção de culpa, que onera o revertido, a aferir pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto – nesse sentido veja-se a jurisprudência deste TCAS nomeadamente nos acórdãos de 2012.05.08, Proc. nº 5392/12; de 2014.11.13, Proc. nº 7549/14, de 2017.04.06, Proc. nº 456/13.1BELLE, de 2018.05.17, Proc. nº 1099/14.8 BELRS, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Vejamos, então se o Opoente e ora Recorrente conseguiu demonstrar não ter contribuído para a situação de falta de pagamento dos tributos no momento do termo do prazo para pagamento voluntário e ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)].
À semelhança do decidido neste TCAS, nomeadamente nos Acórdãos de 2023.03.16, Proc nº 275/11.0BELRS, o qual subscrevemos na qualidade de 1ª Adjunta e com o qual concordámos e aderimos no Acórdão de 2023.06.01, processo nº 550/08.0BESNT, da mesma relatora, dos quais se transcreve com as necessárias adaptações que em face dos factos provados consideramos que não foi afastada a presunção de culpa que impende sobre o Oponente e ora Recorrido.
Com efeito, sendo certo que o êxito na gestão ou a falta dele não se confunde com a culpa, para efeitos de cumprimento do dever de diligência de um gestor criterioso e ordenado, para que seja afastada a presunção de culpa prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT seria necessário demonstrar que, no caso em concreto, as opções de gestão do Recorrido foram as mais adequadas, de acordo com padrões de diligência de um gestor médio, não tendo a sua conduta contribuído para a situação de falta de pagamento da dívida tributária no momento do termo do prazo para pagamento voluntário.
Ora, tal não se consegue extrair da factualidade assente.
Com efeito não se sabe quais as dívidas que o empréstimo garantido pela hipoteca visava garantir, qual o seu peso na vida societária ou em que medida a crise no mercado subprime condicionou a atividade e o destino da devedora originária, numa ótica de avaliação dos atos de gestão do Opoente e ora Recorrente e em que medida estes fatores condicionaram a impossibilidade de pagamento das dívidas tributárias.
E, contrariamente ao alegado, os depoimentos das testemunhas para as quais remete e que ouvimos, são vagos e pouco pormenorizados, nada esclarecendo a este respeito.
Ora, a verdade é que o Opoente e ora Recorrente não conseguiu demonstrar ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado.
Em face do exposto, será de negar provimento ao recurso e de manter a sentença recorrida.
Relativamente à condenação em custas importa considerar que nos termos dos artigos 527/1 CPC: a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa (…).
Assim, atento o princípio da causalidade, consagrado no artigo 527/2, do CPC, aplicável por força do artigo 2º, alínea e), do CPPT, as custas são pelo Recorrente, que ficou vencido.
Por fim, e tendo em consideração que o valor da causa foi fixado em € 656 142,59, considerando a conduta processual das partes a atividade desenvolvida no processo, destacando-se que as questões em causa nos presentes autos foram já objeto de apreciação por este Tribunal Central Administrativo Sul, visto o princípio da proporcionalidade, concluímos que no caso vertente se verificam os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça do artigo 6/7 do RCP.
Sumário/Conclusões:
I - Não vindo impugnado que o Opoente e ora Recorrido era gestor de facto da devedora originária e tendo a reversão sido efetuada ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 24º da LGT, cabia-lhe ilidir a presunção de culpa na falta de pagamento dos tributos.
II - Cumpre ao Opoente demonstrar não ter contribuído para a situação de falta de pagamento dos tributos no momento do termo do prazo para pagamento voluntário e ter atuado com a diligência de um gestor criterioso e ordenado [artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (CSC)].
III – Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente que decaiu, com dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos expostos.
Lisboa, 15 de junho de 2025
Susana Barreto
Luísa Soares
Lurdes Toscano |