Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 397/25.0BELRA |
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Secção: | CA |
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Data do Acordão: | 09/11/2025 |
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Relator: | MARIA TERESA CAIADO FERNANDES CORREIA |
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Descritores: | FUMUS BONI IURIS; PROCESSO DISCIPLINAR; ÓNUS DA PROVA |
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Sumário: | 1. Em face do juízo perfunctório concretamente realizado, bem andou o tribunal a quo ao julgar, como julgou, preenchido o requisito do fumus boni iuris, concluindo assim pela elevada probabilidade da procedência da alegação do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto da deliberação ora suspendenda e impugnada em sede de ação principal;
2.O ónus da prova traduz-se na capacidade de perante a prova produzida, em sede de procedimento disciplinar, o titular do poder disciplinar lograr alcançar suficiente prova para se considerarem provados os factos imputados ao arguido no processo disciplinar e, depois, lograr verificar se tais factos consubstanciam infração disciplinar; seguidamente lograr concluir que a conduta daquele arguido consubstancia aquela infração disciplinar; e por fim, se a pena disciplinar aplicada é adequada, tendo em consideração eventuais circunstâncias agravantes e atenuantes; 3.Não só as conclusões da entidade recorrente encerram em si contradição perante os factos indiciariamente apurados, como de acordo com as regras do ónus da prova e do princípio da presunção de inocência, se mostra indiciariamente em causa a apropriação por parte da recorrida dos montantes que não terão sido depositados à ordem da entidade recorrente, mostrando-se, consequentemente, provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente (no caso: ação administrativa de impugnação de ato administrativo), como acertadamente decidido na decisão cautelar recorrida: cfr. art. 120º n. º 1 do CPTA versus art. 73º, art. 180º, art. 183º, art. 187º todos da LGTFP e art. 351º n.º 2 al. e) da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro ex vi art. 4º da LGTFP; art. 32.° n.º 2 e n.º 10 da CRP; art. 24º a art. 26º das MCI do Município de Alcanena. |
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Votação: | COM DECLARAÇÃO DE VOTO |
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Indicações Eventuais: | Subsecção Administrativa Social |
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Aditamento: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul – Subsecção Social: *** MARGARIDA ……………………., com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria – TAF de Leiria, contra o MUNICÍPIO DE ALCANENA, providência cautelar em que peticionou a suspensão da eficácia da deliberação da entidade requerida, tomada em reunião de câmara de 2025-03-17, pela qual lhe foi aplicada a pena disciplinar de despedimento, bem como a determinação de obrigação de reposição nos cofres do Município da importância de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).I. RELATÓRIO: * O TAF de Leiria, por decisão datada de 2025-06-16, julgou procedente o presente processo cautelar e, em consequência, determinou a suspensão da eficácia da deliberação suspendenda: cfr. fls. 879 a 959.* Inconformada a entidade requerida, ora entidade recorrente, interpôs recurso de apelação para este Tribunal Central Administrativo do Sul -TCA Sul, no qual peticionou a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que indefira a providência cautelar, apresentando para tanto as respetivas alegações e conclusões, como se transcreve: “…a. A sentença proferida nos presentes autos deu como verificado os requisitos de “fumus boni iuris” e de “periculum in mora”, previstos no art.° 120.° do CPTA, e em cuja verificação assenta, de facto, o decretamento de qualquer providência. b. Sucede que a conclusão do Tribunal quanto à verificação do primeiro destes pressupostos (fumus boni iuris) assentou numa análise errónea dos factos em presença, e que, se tivessem sido corretamente analisados do seu ponto de vista jurídico, teriam seguramente conduzido a conclusão diferente, concretamente no sentido da não verificação do requisito de fumus boni iuris. c. Em primeiro lugar, os factos relevantes para a apreciação dos vícios invocados pela Recorrida não se limitam aos previstos no art. 67 do relatório final, como mencionado pelo douto Tribunal a quo, sendo este o primeiro erro de apreciação. d. Com este ponto de partida - de que apenas são relevantes os factos descritos no art. 67 do relatório final - o Tribunal a quo desvalorizou e ignorou todo o conjunto de factos que, alem daqueles, foram igualmente apurados e que contextualizam aqueles outros factos descritos no art. 67 que foram considerados centrais pelo Tribunal. e. Sucede que tais factos jamais poderiam ser apreciados isoladamente, como erroneamente o Tribunal a quo decidiu fazer, e que levou a uma conclusão parcelar e deficitária do que efetivamente se verificou no caso concreto e que conduziu à aplicação da sanção disciplinar de despedimento à Requerida. f. Com efeito, são relevantes e deveriam ter sido apreciados pelo Tribunal a quo todos os factos descritos no relatório final como provados, devidamente elencados no ponto 23 da matéria de facto provada na sentença. g. De resto, mesmo tendo apenas por base o teor do art. 67 do relatório final, não é verdade que, com base em tal artigo, estejamos “perante quatro situações de atraso em depositar na conta bancária as quantias que, em numerário ou em cheque ou outro, deram entrada na tesouraria, e perante uma situação em específico de alegada apropriação de dinheiro público, uma vez que em 05.09.2024 e em 30.09.2024 deram entrada, na tesouraria municipal, €7.500,00.” h. O que se verificou, em rigor, foram três situações de atraso e duas situações de apropriação (não alegada, como refere do douto Tribunal a quo) de dinheiro público, uma vez “em 05.09.2024 e em 30.09.2024” não deram entrada na tesouraria do Tribunal um total de 14.000,00 € e não apenas 7.500,00 €, como o Tribunal a quo também incorretamente refere, ao passo que apenas foram depositados, do conjunto de tais montantes, o valor de 7.500,00 €. i. Sem prejuízo do exposto, entendeu o douto Tribunal a quo que, embora não se coloque qualquer dúvida quanto aos “atrasos nos depósitos dos montantes acima descritos na conta bancária do Município”, que reconhece estarem “documentalmente comprovados”, reconduz, todavia, a dúvida quanto à legalidade da sanção disciplinar aplicada exclusivamente por referência à apropriação dos montantes em falta pela Requerida, que o Tribunal entende que não resulta suficientemente comprovada. j. A este respeito, lê-se na sentença proferida que “ (…) k. Perante o exposto, importa não transformar aquilo que é o ónus da prova que, sem qualquer dúvida, nos processos disciplinares impende sobre o titular do poder disciplinar, numa verdadeira prova impossível ou prova diabólica, em que se exija, de forma desproporcionada, que a entidade empregadora para considerar um facto como verificado tenha de o presenciar, sob pena de não poder dar como verificada a sua prática e acusar o trabalhador de o ter praticado. l. Isto porque, na prática, aquilo que o Tribunal a quo defende na sentença proferida é que, como ninguém viu, nem a própria Recorrida confessou ter-se apropriado dos montantes não depositados nos autos, e ainda como se apurou que outras pessoas funcionárias do Recorrente tinham igualmente acesso às chaves do cofre, então não dar-se como provado, (…) que a Recorrida se tenha apropriado das quantias em falta (num total de 7.500,00 €) e que não foram depositadas nas contas do Recorrente. m. Nesse sentido, veio a concluir a sentença recorrida que resultou da prova testemunhal que "várias pessoas teriam acesso ao local onde era guardado o dinheiro a depositar, e não é líquido sequer que alguém se tenha apropriado desses montantes, e muito menos que tenha sido a Requerente a apropriar-se dos mesmos." n. Sucede que não só a prova testemunhal é relevante nos autos, estribando-se a conclusão do Recorrente de que a Recorrida se apropriou das quantias em falta em prova documental reunida e também na análise do próprio procedimento administrativo internamente implementado - e que foi incumprido pela Recorrida -, do qual resulta inequívoco da análise do decurso desse procedimento interno que a Recorrida apropriou-se dos montantes em falta logo na sequência do registo dos depósitos na tesouraria, mais não seja por inerência das suas funções. o. Nada disto foi, contudo, apreciado pelo Tribunal a quo, o qual, por não ter dado a relevância devida ao procedimento administrativo interno que se encontra implementado no Recorrente, acabou por concluir pela inexistência de prova de apropriação por parte da Recorrida dos montantes que nunca foram depositados à ordem do Recorrente. p. É, pois, convicção do Recorrente que, se o douto Tribunal a quo tivesse analisado esse procedimento interno, tal teria sido o suficiente para concluir diferentemente quanto à verificação do requisito de “fumus boni iuris”. q. É que, conforme explicado pelo Recorrente em sede de Oposição à providência cautelar requerida, o que aconteceu e se mostra devidamente registado documentalmente no procedimento disciplinar foi o seguinte (…) r. Com efeito, a partir do momento em que se verifica um movimento de depósito da tesouraria para a conta do Recorrente, é responsabilidade da Recorrida dar-lhe seguimento de acordo com o previsto nos artigos 24.°, 25.° e 26.° da Norma de Controlo Interno (NCI), em que se define o procedimento obrigatório a seguir pela tesouraria e, portanto, pela Recorrida, ao qual não há qualquer dúvida de que esta estava vinculada ao abrigo das suas funções. s. Ora, determina-se no n.º 4 do art.° 24.° desta NCI que, sempre que, no final do dia, se apurasse um montante superior ao previsto no n.º 4 do art.° 24.° da NCI, esse valor “deverá ser depositado em contas bancárias tituladas pelo Município no dia útil seguinte ou, atentas das condições de segurança, por meio de depósito em cofre noturno’’ (negrito e sublinhado nosso), o que significa que, por não ter procedido ao depósito das quantias em apreço nos autos dentro deste prazo de um dia útil, a Recorrida violou desde logo este seu dever laboral, sem nunca ter sequer esclarecido perante a sua entidade empregadora por que é este prazo de um dia útil foi sucessiva e insistentemente incumprido. t. Além disso, o facto de não ter procedido aos depósitos em devido tempo não iliba nem isenta a Recorrida da responsabilidade que sobre o que acontece a esses montantes até que se procedesse ao seu efetivo depósito na conta titulada pelo Município de Alcanena, até porque, insiste-se, estes montantes que dão entrada na Tesouraria do Recorrente como depósitos, ficam na posse e sob a alçada da Recorrida até que sejam efetivamente depositados à ordem do Recorrente na respetiva conta bancária. u. Nesse sentido, sobre o facto de a Recorrida ter o controlo sobre tais quantias a partir do momento em que tais depósitos são registados na Tesouraria e, portanto, existir uma efetiva apropriação desses depósitos por parte da Recorrida, que é decorrência do mero exercício das suas funções, não há qualquer dúvida. v. Assim é, de facto, uma vez que a movimentação destes montantes acontece, em rigor, ao longo de três momentos essenciais: 4. o momento em que “é feito o movimento de um depósito da tesouraria para a conta (...) da Caixa Geral de Depósitos''; 5. o momento em que, após o registo de um depósito na tesouraria, a Recorrida, enquanto tesoureira, procede ao débito desse montante, colocando-o à sua disposição e na sua posse, para que - no tal prazo máximo de 1 dia útil - possa proceder ao seu depósito na conta titulada pelo Município de Alcanena, da Caixa Geral de Depósitos; 6. o momento em que que a Recorrida, enquanto tesoureira, e já com os montantes (em numerário) na sua posse, procede ao depósito dos montantes na conta do Município de Alcanena. w. É por isso, perante a existência deste segundo momento, em que os depósitos são debitados pela Recorrida e, portanto, passa a ser a própria a ter controlo sobre aqueles montantes, se imputa à Recorrida a responsabilidade pelo seu desaparecimento, em primeiro lugar, mas também pela sua apropriação abusiva e ilícita, não fazendo qualquer sentido o argumento de que poderia ter sido qualquer outro trabalhador o responsável pelo desaparecimento dos montantes em discussão nos autos, uma vez que aquele segundo montante supra descrito é realizado pela Recorrida e não por qualquer outro trabalhador. x. Como se não bastasse, está também comprovado nos autos que, no caso dos factos em apreço, o débito daqueles montantes, após o registo do seu depósito na Tesouraria, foi realizado pela Recorrida e não por qualquer outra pessoa a prestar funções no Município. y. Daí que se tenha concluído em sede de decisão final do processo disciplinar que “Por via dos débitos realizados e identificados nas alíneas a), e), i) e l) do ponto 9 supra, o valor correspondente da respetiva receita municipal foi confiado à Tesoureira Municipal, Margarida Alexandre Monteiro, ora arguida, para que a mesma procedesse ao seu depósito em conta bancária titulada pelo Município.". z. Não se trata, portanto, de uma situação em que o Recorrente “desconfia” ou “presume” que tenha sido a Recorrida a apropriar-se e a fazer seus os montantes em falta, num total apurado de 7.500,00 €, mas sim de uma leitura conjugada e dos factos e a sua relação com o procedimento que é seguido pela tesouraria sempre que é registado um depósito, e que conduz inevitavelmente à conclusão de que, se o procedimento seguido foi aquele (supra demonstrado), então o desaparecimento daqueles montantes apenas pode ser imputado à Recorrida, aa. Não porque seja ela a responsável ou tenha qualquer tipo de tutela sobre os serviços de tesouraria, mas porque, na prática, esta realizou um débito dos montantes registados como depósito na Tesouraria naqueles dias específicos, o que fez de si (da Recorrida) a (única) detentora e possuidora dos mesmos e aquela que, em termos fácticos, os poderia manusear, designadamente para efeitos de depósito efetivo de tais montantes na conta do Recorrente, como deveria ter acontecido logo no próprio dia em que se registaram, respetivamente, aqueles depósitos. bb. Tal é, de resto, flagrante no caso em que a Recorrida - e não qualquer outro funcionário - procede ao registo de um depósito de 7.500,00 € na tesouraria, procede ao débito desse valor (a 05.09.2024), mas depois apenas deposita na conta do R. o montante de 7.000,00 €!, e tudo isto sem que a Recorrida tenha considerado que deveria informar a sua entidade empregadora do que quer que seja, como seria igualmente seu dever. cc. No entanto, para cúmulo, nem esta situação concreta foi suficiente para que o Tribunal a quo tenha considerado suficientemente provada a apropriação por parte da Recorrida, sequer, deste concreto montante... dd. Atento o exposto, e perante a factualidade supra invocada, que consta do relatório final elaborado pelo Recorrente e no qual se fundamenta a sanção disciplinar aplicada à Recorrida, não pode deixar de se defender que deveria o Tribunal a quo ter chegado a conclusão diferente quanto à existência de factos suficientes no processo disciplinar da apropriação pela Recorrida dos montantes em falta que não foram depositados à ordem do Recorrente após o registo do respetivo depósito na tesouraria. ee. Com efeito, bastaria analisar de forma cuidada todo o processo interno que deve ser seguido após o registo dos depósitos na tesouraria para se concluir que, aquilo que, à primeira vista, poderia parecer um cenário com vários responsáveis possíveis, rapidamente se transforma numa situação em que, atendendo à realização dos débitos pela Recorrida após o registo dos depósitos, então a apropriação ocorre aí, nesse preciso momento, e isso independentemente de esta colocar ou não os montantes no cofre ou transferi-los para uma conta por si titulada, o que, em bom rigor, é indiferente porque a apropriação propriamente dita já ocorreu. ff. De todo o modo, mesmo que assim não se entendesse, a situação em que a Recorrida se desloca, a 05.09.2024, para proceder ao depósito de 7.500,00 € registados em tesouraria e apenas deposita 7.000,00 € é, pelo menos, inequívoco dessa apropriação por parte da Recorrida, gg. Mais ainda quanto, por forma a ilidir quaisquer responsabilidades e dar cumprimento ao dever de lealdade que deveria ter para com o Recorrente, a Recorrida nada reporta e nada denuncia quanto ao suposto “desaparecimento” de 500,00 € - o que nos leva, portanto, e inevitavelmente, à conclusão de que não houve qualquer desaparecimento, mas sim à sua apropriação por parte da Recorrida. hh. Esta é, aliás, como o próprio Tribunal a quo entendeu, factualidade suscetível de fazer incorrer a Recorrida em responsabilidade criminal, mais concretamente em eventual crime de abuso de confiança, previsto e punido no art.° 205.° do Código Penal. ii. Quanto à verificação deste crime, o Tribunal da Relação de Coimbra, no seu acórdão de 16.05.2007, refere (…) jj. Ora, a partir do momento em que a Recorrida procede ao débito das quantias registadas em depósito na tesouraria e não procede ao seu depósito no prazo de 1 dia útil, como era sua obrigação, procedendo à sua entrega vários dias depois e, nas duas últimas situações, nem sequer procede ao seu depósito - concretamente, no caso do depósito de 05.09.2024, em que não depositou 500,00 € dos 7.500,00 € registados em depósito, e no caso do depósito de 30.09.2024, em que nem sequer depositou qualquer quantia dos 7.000,00 € registados na tesouraria e por si debitados de seguida - justifica-se a conclusão de que a Recorrida fez entrar a coisa no seu património, passando a dispor dela como se fosse sua. kk. Para tal conclusão contribui de forma decisiva, insiste-se, o facto de a Recorrida não ter informado o Recorrente de que apenas depositou 7.000,00 € a 05.09.2024, ficando a faltar 500,00 €, e o facto de não ter procedido ao depósito de 7.000,00 € registados a 30.09.2024, nada dizendo ou comunicando à sua entidade empregadora até que, por motu proprio, a sua entidade empregadora o identificou. ll. Nas palavras do Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 257/11.1TELSB.L2-B.S1, a propósito do crime de abuso de confiança, diz-se que (…) mm. Pergunta-se, portanto: poderá existir maior evidência de que a Recorrida tinha a plena e determinada intenção de não restituir as quantias em falta e por si não depositadas do que o facto de nunca ter comunicado sequer a sua falta à entidade a quem tais quantias efetivamente pertenciam, ou seja, à sua entidade empregadora? nn. Em linha com o exposto, não pode a entidade empregadora pretender ser mais exigente do ponto de vista da exigência da prova do que a própria previsão objetiva e subjetiva do crime subjacente ao comportamento da Recorrida. oo. Nesse sentido, entender e defender o contrário corresponderá, com o devido respeito, a exigir à entidade empregadora que apenas sancione disciplinarmente os seus trabalhadores em situação de flagrante delito, ou em que os mesmos confessem a prática da infração, o que nos parece manifestamente desproporcional e oneroso para qualquer entidade empregadora, permitindo situações de manifesta injustiça de impunidade. pp. Nesta conformidade, não poderia o Recorrente discordar mais das conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo no sentido de que a prova produzida e invocada no processo disciplinar em apreço nos autos não permite fundamentar “para além de toda a dúvida razoável” que a Recorrida praticou os factos que lhe são imputados, concretamente quanto à apropriação das quantias em falta, entendendo-se que tal apropriação resulta demonstrada pela análise do procedimento implementado no Recorrente e pela conduta da Recorrida relativamente aos depósitos em apreço. qq. Termos em que deveria o douto Tribunal a quo ter decidido pela não verificação do requisito de fumus boni iuris, no pressuposto de que a decisão disciplinar proferida não padece de qualquer vicio de violação de lei nos termos invocados pela Recorrida - o que constituiria motivo suficiente para obstar ao decretamento da providência requerida, conforme se requer seja decidido por V. Exas, revogando- se a sentença proferida nessa conformidade. Sem prejuízo do exposto, rr. Não pode também o Recorrente conformar-se com o raciocínio jurídica também defendido na sentença recorrida, em que se dispõe o seguinte (…) ss. Ora, com o devido respeito que o Tribunal a quo nos merece, que é muito, não pode aceitar-se o raciocínio supra exposto, ao qual subjaz o entendimento de que, caso se considere que não está provada a apropriação por parte da Recorrida das quantias em falta, a decisão disciplinar não poderia ser aproveitada quanto às demais imputações feitas à Recorrida no processo disciplinar e fundamentar igualmente a decisão disciplinar de despedimento que foi praticada. tt. O raciocínio defendido pelo douto Tribunal a quo estaria correto se, de facto, a apropriação das quantias em falta por parte da Recorrida fosse o único fundamento da decisão disciplinar em apreço, mas está longe de o ser. uu. Aliás, os atrasos que o douto Tribunal a quo dá como provados e relativamente aos quais não levanta quaisquer dúvidas têm gravidade bastante para fundamentar igualmente a sanção disciplinar de despedimento, quebrando de forma insanável o elo de confiança que deve existir entre a entidade empregador e qualquer trabalhador. vv. Ou seja, mesmo perante a dúvida - que apenas por mera cautela de patrocínio se admite - sobre se a Recorrida se apropriou não das quantias em falta, que entraram na tesouraria e acabaram por não ser depositadas na conta do Município de Alcanena, a verdade é que a restante factualidade provada nos autos permite e legitima igualmente a conclusão de que a violação dos deveres laborais por parte da Recorrida foi de tal ordem e de tal modo graves que não permite a manutenção do vínculo laboral, legitimando a decisão de despedimento da trabalhadora com esse fundamento. ww. Veja-se que, além do apropriação de um total de 7.500,00 € - como é convicção do Recorrente e ficou devidamente demonstrado no processo disciplinar em apreço -, a Recorrida incumpriu gravemente o dispostos nos artigos 24.°, 25.° e 26.° da NCI, gerindo os depósitos recebidos pelo Município de Alcanena como bem entendeu, procedendo ao depósito das quantias que estavam sob a sua tutela e posse várias semanas após o seu registo na tesouraria, como se efetivamente as mesmas lhe pertencessem, além de não ter reportado à sua entidade empregadora o desaparecimento de 7.500,00 €, de que, de resto, nunca negou ter conhecimento. xx. Assim, independentemente de se considerar ou não como provada a apropriação por parte da Recorrida dos montantes não depositados, no total de 7.500,00 €, tudo o mais foi dado como provado pelo Tribunal a quo, e tudo o mais é suficientemente grave para legitimar, de igual modo, a sanção disciplinar de despedimento com justa causa que foi aplicada à Recorrida no processo disciplinar que lhe foi movido. yy. Por conseguinte, mesmo que se considere apenas a factualidade apurada no processo disciplinar respeitante aos atrasos verificados relativamente aos depósitos registados na tesouraria, e a conduta da Recorrida, absolutamente displicente e negligente, relativamente às quantias não depositadas à ordem do Município de Alcanena, no total de 7.500,00 €, de que a Recorrida tinha conhecimento e, conscientemente, optou por não comunicar à sua entidade empregadora, tais factos e tais comportamentos sempre seriam legitimadores da decisão disciplinar que veio a ser praticada. zz. Este era, pois, o raciocínio que deveria ter sido desenvolvido pelo douto Tribunal a quo em sede de apreciação do requisito de fumus boni iuris, uma vez que deste exercício resulta igualmente a legalidade da decisão disciplinar praticada pelo Recorrente e, como tal, a muito provável improcedência da ação principal a intentar pela Recorrida…”: cfr. 960 a 990. * A recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, de que ressalta: “… 3a O aresto em recurso efetuou uma correta interpretação do direito aplicável ao considerar sumariamente preenchido o fumus boni iuris, uma vez que tendo dado por provado que várias pessoas tinham acesso ao dinheiro - o que nem sequer foi questionado pelo recorrente Município - muito naturalmente que não poderia o juiz cautelar deixar de continuar a presumir a arguida inocente e de dar por verificado o fumus boni iuris, (remetendo para sede de ação principal a prova e o apuramento sobre se o dinheiro efetivamente desapareceu e quem é que dele se apropriou), sendo de todo incompatível com o princípio constitucional da presunção da inocência que se entenda que a culpa é sempre do mordomo (in casu, do tesoureiro) só por ser mordomo (in casu, por ser o tesoureiro). (…)4a A tutela cautelar caracteriza-se pela sua provisoriedade e instrumentalidade e a apreciação do fumus boni iuris deve ser feita de acordo com um juízo de prognose sobre a probabilidade da procedência da ação principal (v. Ac. do TCA Norte de 6 /5/2010, Proc. n.º 965/09.7BEAVR e, no mesmo sentido, PAULO PEREIRA GOUVEIA, “As Realidades da Nova Tutela Cautelar”, CJA n.º 55, pág. 9) -, tendo em conta a livre apreciação da prova produzida e o respeito devido ao princípio constitucional da presunção da inocência, que “...se impõe ao longo de todo o litígio administrativo e judicial e que confere ao acusado o estatuto de inocente e o direito de exigir que todos o tratem como tal, com a correspondente obrigação de todos assim o considerarem até ao momento em que haja uma certeza definitiva sobre a sua culpabilidade (…). 5a No exercício da sua livre apreciação da prova, o Tribunal a quo entendeu que a prova produzida legitimava que qualquer outra pessoa se poderia ter apropriado do dinheiro, não podendo, por isso, considerar-se que só por ser tesoureira tinha sido a arguida que se apropriara do dinheiro, razão pela qual, em respeito do principio constitucional da presunção da inocência, havendo uma dúvida razoável sobre quem se apropriara do dinheiro teria de estar sumariamente demonstrado o fumus boni iuris. 6a Não há, por isso, qualquer erro de julgamento, até por ao juiz cautelar não competir apurar ou ter a certeza se e quem é que se apropriou do dinheiro, antes tendo de, em função da prova produzida e da sua livre convicção na apreciação dessa prova, apurar sumariamente se havia prova suficiente para afastar a presunção da inocência. 7a Mesmo que por hipótese - que só por mera cautela de patrocínio se coloca - este douto Tribunal entendesse que a sentença recorrida teria incorrido em erro de julgamento ao considerar como provável a ocorrência de um dos vícios imputados à deliberação punitiva, jamais daí resultaria o indeferimento da tutela cautelar requerida, uma vez que tal só poderia suceder depois do Tribunal a quo se pronunciar sobre os demais vícios que haviam sido alegados para demonstrar o preenchimento do fumus boni iuris…”: cfr. fls. 992 a 1111. * O recurso foi admitido e ordenada a sua subida em 2025-07-22: cfr. fls. 1013.* O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Central, de acordo com o disposto no art. 146º e art. 147º ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos - CPTA, emitiu parecer, concluindo, em síntese, que: “… presente recurso deverá improceder …”: cfr. fls. 1019 a 1022.E, de tal parecer, foram as partes notificadas, nada tendo requerido: cfr. fls. 1023 a 1024. * Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente (cfr. art. 36º nº 2 do CPTA), mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência para julgamento.*** Delimitadas as questões a conhecer pelo teor das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente, e respetivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4 e art. 639°, n°1, nº. 2 e nº 3 todos do Código de Processo Civil – CPC ex vi artº 140° do CPTA), não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas - salvo as de conhecimento oficioso -, importa apreciar e decidir agora se a decisão sob recurso padece do invocado erro de julgamento.II. OBJETO DO RECURSO: *** A – DE FACTO:III. FUNDAMENTAÇÃO: Remete-se para os termos da sentença cautelar da 1.ª instância que indiciariamente decidiu a matéria de facto: cfr. art. 663º n.º 6 do CPC ex vi art. 1.º, art. 7º-A e art. 140.º n.º 3 todos do CPTA. * B – DE DIREITO:DO ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO (v.g. fumus boni iuris): Escreveu-se na decisão recorrida: “ … a Requerente invoca desde logo que a decisão punitiva padece de um vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, uma vez que não praticou as infrações das quais vem acusada, designadamente no que à usurpação de quantias diz respeito. É questão que está, no entendimento do Tribunal, imbricada com o princípio da presunção de inocência, como veremos. Como resulta do relatório final do processo disciplinar, a A. vem acusada de ter violado os deveres de prossecução do interesse público, de informação, de zelo, de obediência, e de lealdade, o que no entendimento da Entidade Requerida constitui infração disciplinar. Conclui-se, enfim, que a Requerente incumpriu com as suas obrigações e deveres funcionais, “e lesou interesses patrimoniais sérios do Município, apropriando-se de receita pública, no valor de €7.500,00 (...), ao permitir o desvio e apropriação de valores pertencentes ao erário público”. (…) Não se duvida, naturalmente, das obrigações e responsabilidades de quem assume as funções de tesoureiro, responsável pela guarda do dinheiro público que se encontra a seu cargo, com a necessária obrigação de reposição do que aí estiver em falta. Mas estamos perante um processo disciplinar, no término do qual a Entidade Requerida aplicou à Requerente uma pena expulsiva, acusando-a expressamente de se ter apropriado de receita pública, no valor de €7.500,00, prática que apelida de muito grave, e passível de fazer a Requerente incorrer em responsabilidade não só disciplinar, mas também criminal. Face ao procedimento em causa nos autos, de pendor sancionatório, é matéria que carece de adequada prova por parte da Entidade Requerida, que não afirma apenas que a Requerente, enquanto responsável pelos montantes à sua guarda, deve devolver o que está em falta. Pelo contrário, é afirmado expressamente que a Requerente se apropriou daquele montante, do que não se nos afigura existir prova suficiente nos autos. (…) Consequentemente, a condenação deve estribar-se em provas que permitam um juízo de certeza, uma convicção segura, que esteja para além de toda a dúvida razoável, de que o arguido praticou os factos que lhe são imputados. Deste modo, no processo sancionador, a prova da prática da infração que é exigida deve ser conclusiva e inequívoca no sentido de que o sancionado é o autor responsável, não podendo impor-se uma sanção com base em simples indícios, presunções ou conjeturas subjetivas. Vejamos então, em particular, a prova produzida no procedimento disciplinar que possa levar a concluir que a Requerente se apropriou dos montantes em falta, no valor de €7.500,00. Resulta desde logo da participação que deu origem ao processo disciplinar que, em todos os dias relevantes, a Requerente se encontrava ao serviço. Depois, resulta das declarações da Requerente que, recebido o dinheiro em numerário, o coloca dentro do cofre, que por seu turno se situa dentro da tesouraria. As chaves do cofre, como resulta da demais prova produzida, são detidas pela própria Requerente, mas também pelas suas duas substitutas, sendo certo que a chave do cofre fica, ainda, na tesouraria num bloco de gavetas. E à tesouraria têm acesso, por terem chave do espaço, não só as colegas substitutas, mas também o pessoal da limpeza. Com relevo, referiu ainda a testemunha Marta (…) e ainda (…). A testemunha Maria (…). Já a testemunha Maria (…). Significa isto que, da prova produzida, se retira que várias pessoas tinham acesso à tesouraria e, por sua vez, acesso ao cofre onde se encontrava o dinheiro, na medida em que as chaves do cofre se encontravam na tesouraria num bloco de gavetas. Ademais, pôde apurar-se igualmente que haveria períodos do dia em que o dinheiro a depositar se encontrava numa pasta azul, dentro da tesouraria, mas fora do cofre. Ora, impunha-se uma análise crítica em função da prova testemunhal produzida, especialmente quanto a estes factos resultantes das declarações prestadas, não podendo a imputação e a prova de uma infração disciplinar, à qual se aplica a pena disciplinar mais gravosa como é o caso do despedimento, sustentar-se nesta base. A aplicação de pena disciplinar deve assentar em prova bastante e clara no sentido de que o infrator praticou efetivamente a infração. Reitera-se, o ónus probatório no processo disciplinar incumbe ao titular do poder disciplinar, cabendo-lhe a prova dos factos constitutivos da infração, sendo que resultando da prova testemunhal que várias pessoas teriam acesso ao local onde era guardado o dinheiro a depositar, e não é líquido sequer que alguém se tenha apropriado desses montantes, e muito menos que tenha sido a Requerente a apropriar-se dos mesmos. Esta questão, carecia, por isso, de apreciação, o que não foi feito, passando-se de imediato para a classificação da infração imputada como muito grave e como tal, concluindo-se pela aplicação da pena de demissão, raciocínio que não pode manter-se por não existir prova que suficientemente o sustente. De facto, perante a prova produzida, fica pelo menos a dúvida de que alguém se tenha apropriado deste montante de €7.500,00 e, por maioria de razão, de que tenha sido a Requerente a fazê-lo. E a dúvida, em processo disciplinar como em qualquer processo sancionatório, tem de resolver-se com o princípio da presunção de inocência, constitucionalmente consagrado no art. 32.° da Constituição da República Portuguesa, e não com a punição do arguido - muito menos com a pena mais gravosa do elenco das sanções disciplinares. O que vem sendo dito é quanto basta para concluir pela elevada probabilidade da procedência destas alegações em sede de ação principal, sem necessidade, nesta sede cautelar, de apreciar as demais alegações, face ao juízo perfunctório que aqui cabe proferir. Concluindo-se que a procedência destas alegações é bastante para, em sede principal, conduzir à anulação do ato, resta julgar verificado o requisito do fumus boni iuris…”. O tribunal a quo julgou ainda verificado o requisito do periculum in mora e considerando a falta de alegação da entidade requerida de que os danos que resultam da concessão da requerida providência são inferiores aos resultantes da sua recusa, julgou totalmente procedente o presente processo cautelar e, em consequência, determinou a suspensão da eficácia da deliberação suspendenda. A análise da situação substantiva em presença mostra-se correta e reivindica a aplicação do quadro jurídico que lhe foi aplicado: cfr. art. 120º n. º 1 do CPTA versus art. 73º, art. 180º, art. 183º, art. 187º todos da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS - LGTFP e art. 351º n.º 2 al. e) da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro ex vi art. 4º da LGTFP; art. 32.° n.º 2 e n.º 10 da CRP. Na verdade, do desenhado quadro fáctico indiciariamente ressalta que, em 2024-11-05, foi lavrada informação sobre irregularidades na Tesouraria da entidade recorrente, comunicação que deu lugar à instauração de um processo disciplinar à então tesoureira, ora recorrida, que culminou com a prolação da deliberação suspendenda, datada de 2025-03-17 e que lhe determinou a aplicação da sanção disciplinar de despedimento/demissão e de reposição do montante de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros): v.g. pontos 4; 13; 23 e 25 da decisão cautelar recorrida. Da factualidade indiciariamente assente resulta ainda que em 2024-06-27 foi registado pela tesoureira um débito (movimento de um depósito da Tesouraria para a Conta PT50 0035 0024 000316 430, da Caixa Geral de Depósitos-CGD, titulada pela entidade recorrente), no valor de € 4.450,00; sendo que só em 2024-07-16, Júlia Almeirão, procedeu ao depósito (creditou) do referido valor, na identificada conta bancária: cfr. pontos 4; 13; 23 e 25 da decisão cautelar recorrida. E que em 2024-08-07 foi registado pela tesoureira um débito (movimento de um depósito da Tesouraria para a supra identificada conta bancária), no valor de €7.000,00; sendo que só em 2024-09-03, a ora recorrida, procedeu ao depósito (creditou) do referido valor, na mencionada conta bancária: cfr. pontos 4; 13; 23 e 25 da decisão cautelar recorrida. E ainda que em 2024-09-05 foi registado pela tesoureira um débito (movimento de um depósito da Tesouraria para a supra identificada conta bancária), no valor de €7.500,00; sendo que só em 2024-09-27, a ora recorrida, procedeu ao depósito (creditou) do valor de €7.000,00, na mencionada conta bancária: cfr. pontos 4; 13; 23 e 25 da decisão cautelar recorrida. E ainda que em 2024-09-30 foi registado pela tesoureira um débito (movimento de um depósito da Tesouraria para a supra identificada conta bancária), no valor de €7.000,00; sendo que, pelo menos, até 2024-11-05, não resulta das reconciliações bancárias, nem dos extratos bancários, ter ocorrido o depósito (crédito) do referido valor na mencionada conta bancária: cfr. pontos 4; 13; 23 e 25 da decisão cautelar recorrida. Aqui chegados, os argumentos aduzidos na decisão cautelar recorrida explicitam pormenorizadamente a motivação e o sentido da decisão em crise e ainda os critérios e normas em que o tribunal a quo se alicerçou para decidir no sentido e no modo, em que o fez, permitindo assim alcançar o inter-cognoscitivo adotado e quais as razões por que se decidiu como se decidiu, especificando assim de forma fundamentada de facto e de direito a decisão cautelar recorrida. A qual não padece do invocado erro de julgamento, na exata medida em que o tribunal a quo decidiu em conformidade com o direito aplicável ao caso em apreço, considerada a prova indiciariamente assente e as concretas circunstâncias processuais. Vale isto por dizer que, em face do juízo perfunctório concretamente realizado, bem andou o tribunal a quo ao julgar, como julgou preenchido o requisito do fumus boni iuris, concluindo assim pela elevada probabilidade da procedência da alegação do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto da deliberação ora suspendenda e impugnada em sede de ação principal. Dito de outro modo, os factos indiciariamente assentes resultaram de toda a prova produzida (testemunhal e documental, ainda que em sede disciplinar, assumindo, sublinhe-se, o processo administrativo instrutor papel relevante, como resulta da indicação da fundamentação de cada um dos pontos da matéria de facto da decisão cautelar recorrida), e aos mesmos mostram-se aplicadas as normas legais e regulamentares que se impunham (nomeadamente as referentes ao procedimento disciplinar e, bem assim as contidas nas Normas de Controlo Interno – NCI): cfr. art. 120º n. º 1 do CPTA versus art. 73º, art. 180º, art. 183º, art. 187º todos da LGTFP e art. 351º n.º 2 al. e) da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro ex vi art. 4º da LGTFP; art. 32.° n.º 2 e n.º 10 da CRP; art. 24º a art. 26º das NCI do Município de Alcanena. A produção de prova no seu conjunto e o procedimento administrativo interno foi assim, e diversamente do alegado pela entidade recorrente, tomado em linha de conta na decisão cautelar recorrida, como se confirma ainda pela leitura do seguinte segmento: “… Se não suscitam dúvidas de maior os atrasos nos depósitos dos montantes acima descritos na conta bancária do Município, aliás documentalmente comprovados, e relativamente aos quais, nesta sede cautelar, a Requerente nenhuma alegação traz que possa abalar o decidido pela Requerida, já não pode dizer-se o mesmo acerca do montante de que a Requerente alegadamente se apropriou. E a decisão disciplinar expulsiva é una, assim como a pena aplicada, não podendo cindir-se, o que significa que a invalidade que afete uma parte dessa decisão afeta, necessariamente, toda a decisão…”. Ponto é que a legalidade da deliberação suspendenda mostra-se indiciariamente abalada por referência ao montante em falta (e que foi identificado na quantia de €7.500,00) e à afirmação da apropriação do montante em falta pela recorrida, na exata medida em que da factualidade indiciariamente provada mostra-se provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente, uma vez que permanecem dúvidas sobre o montante exato em falta e, sobretudo, sobre o seu destino e sobre a/o autor da conduta. E não, como se viu, pelo incumprimento das acima invocadas normas regulamentares quanto ao intempestivo depósito bancário das quantias devidas na conta titulada pela entidade recorrente, ademais deveres a que no exercício das suas especiais funções de Tesoureira a recorrida não podia desconhecer, nomeadamente, considerada a sua antiguidade no exercício. Mais, acresce que, na interpretação explicitada na decisão cautelar sob recurso, o ónus da prova nos processos disciplinares não é, como afirma a entidade recorrente, uma “… verdadeira prova impossível ou prova diabólica, em que se exija, de forma desproporcionada, que a entidade empregadora para considerar um facto como verificado tenha de o presenciar, sob pena de não poder dar como verificada a sua prática e acusar o trabalhador de o ter praticado…”. O ónus da prova traduz-se antes na capacidade de perante a prova produzida, em sede de procedimento disciplinar, o titular do poder disciplinar lograr alcançar suficiente prova para se considerarem provados os factos imputados ao arguido no processo disciplinar e, depois, lograr verificar se tais factos consubstanciam infração disciplinar; seguidamente lograr concluir que a conduta daquele arguido consubstancia aquela infração disciplinar; e por fim, se a pena disciplinar aplicada é adequada, tendo em consideração eventuais circunstâncias agravantes e atenuantes. No caso, os factos fixados em sede disciplinar e, bem assim, os factos indiciariamente assentes na presente sede judicial não consubstanciam pressuposto da aplicação da pena disciplinar de demissão à arguida, ora recorrida, porquanto, aos argumentos aduzidos na decisão cautelar recorrida acresce agora um outro que rechaça a argumentação da entidade recorrente e evidencia a correção da apreciação levada a cabo pelo tribunal a quo. Vejamos: Repisando o sobredito, a entidade recorrente concluiu que: “ … n. a Recorrida apropriou-se dos montantes em falta logo na sequência do registo dos depósitos na tesouraria, mais não seja por inerência das suas funções. t. Além disso, o facto de não ter procedido aos depósitos em devido tempo não iliba nem isenta a Recorrida da responsabilidade que sobre o que acontece a esses montantes até que se procedesse ao seu efetivo depósito na conta titulada pelo Município de Alcanena, (…) ficam na posse e sob a alçada da Recorrida até que sejam efetivamente depositados à ordem do Recorrente na respetiva conta bancária (…) aa. (…) de uma leitura conjugada e dos factos e a sua relação com o procedimento que é seguido pela tesouraria sempre que é registado um depósito, e que conduz inevitavelmente à conclusão de que, se o procedimento seguido (…) foi aquele então o desaparecimento daqueles montantes apenas pode ser imputado à recorrida, não porque seja ela a responsável ou tenha qualquer tipo de tutela sobre os serviços de tesouraria, mas porque, na prática, esta realizou um débito dos montantes registados como depósito na Tesouraria naqueles dias específicos, o que fez de si (da recorrida) a (única) detentora e possuidora dos mesmos e aquela que, em termos fácticos, os poderia manusear, designadamente para efeitos de depósito efetivo de tais montantes na conta do recorrente, como deveria ter acontecido logo no próprio dia em que se registaram, respetivamente, aqueles depósitos…”: vide conclusões das alegações de recurso, nomeadamente n) a bb). Ora, é exatamente a leitura conjugada dos factos indiciariamente assentes e a sua relação com o procedimento que infirmam tal tese, porquanto resulta dos autos indiciariamente assente que apesar de, em 2024-06-27, ter sido foi registado pela recorrida um débito (movimento de um depósito da Tesouraria para a Conta PT50 0035 0024 000316 430, da CGD, titulada pela entidade recorrente), no valor de €4.450,00, o facto é que esse valor foi depositado na referida conta bancária, ainda que, em 2024-07-16, e não pela recorrida, mas sim por Júlia Almeirão: cfr. pontos 4; 13; 23 e 25 da decisão cautelar recorrida. Donde, nem a factualidade assente, nem o argumento de que: “… mais não seja por inerência das suas funções…” (conclusão N in fine) permitem concluir, como a entidade recorrente, que depois do registo dos depósitos na tesouraria, tais montantes ficavam na posse e só sob a alçada da recorrida até que fossem efetivamente depositados na respetiva conta bancária, pois, como se viu, a recorrida não foi a única detentora e possuidora, pelo menos, do identificado valor de €4.450,00, dado que, em termos fácticos, designadamente para efeitos de depósito efetivo, quem procedeu ao seu depósito bancário foi Júlia Almeirão e não a recorrida: cfr. pontos 4; 13; 23 e 25 da decisão cautelar recorrida versus conclusões das alegações de recurso, nomeadamente n) a bb). Assim, não só as conclusões da entidade recorrente encerram em si contradição perante os factos indiciariamente apurados, como de acordo com as regras do ónus da prova e do princípio da presunção de inocência, se mostra indiciariamente em causa a apropriação por parte da recorrida dos montantes que não terão sido depositados à ordem da entidade recorrente, mostrando-se, consequentemente, provável que a pretensão formulada no processo principal venha a ser julgada procedente (no caso: ação administrativa de impugnação de ato administrativo), como acertadamente decidido na decisão cautelar recorrida: cfr. art. 120º n. º 1 do CPTA versus art. 73º, art. 180º, art. 183º, art. 187º todos da LGTFP e art. 351º n.º 2 al. e) da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro ex vi art. 4º da LGTFP; art. 32.° n.º 2 e n.º 10 da CRP; art. 24º a art. 26º das MCI do Município de Alcanena. Conclui ainda a entidade recorrente, em síntese, que mesmo que se considere apenas os atrasos verificados relativamente aos depósitos registados na tesouraria e a conduta da recorrida, que avalia de displicente e negligente, relativamente às quantias não depositadas à ordem do Município tempestivamente, tais comportamentos sempre seriam legitimadores da decisão disciplinar de despedimento: vide v.g. conclusões das alegações de recurso, nomeadamente ww) a zz). Como sobredito, a decisão cautelar recorrida reconheceu os referidos atrasos, mas considerou ainda que: “… a invalidade que afete uma parte dessa decisão afeta, necessariamente, toda a decisão…”. No caso concreto, e porque tais atrasos consubstanciam infração que por si só não justificam a demissão, acompanhamos a conclusão a que chegou o tribunal a quo, mas consideramos que nem em todos os casos assim é: cfr. art. 120º n. º 1 do CPTA versus art. 73º, art. 180º, art. 183º, art. 187º todos da LGTFP e art. 351º n.º 2 al. e) da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro ex vi art. 4º da LGTFP; art. 32.° n.º 2 e n.º 10 da CRP; art. 24º a art. 26º das NCI do Município de Alcanena. Na exata medida em que perante uma situação inversa (ou seja, em que a invalidade recairia sobre os factos que justificaria a aplicação de uma pena disciplinar inferior à demissão, como v.g. a violação dos deveres identificados e referentes ao tempestivo depósito bancário, verificando, todavia, a legalidade da pena de disciplinar de demissão proposta), justificar-se-ia uma solução diferente. Tendo ficado, como, corretamente, ficou prejudicado o conhecimento pelo tribunal a quo, e consequentemente por este Tribunal superior, da gravidade da conduta referente aos atrasos verificados relativamente aos depósitos bancários, sempre se dirá, face ainda à conduta procedimental e processual, que a ocorrer tal apreciação, nunca poderia ser desconsiderado que o princípio da proporcionalidade da atuação administrativa exige que a deliberação seja: adequada (leia-se: apta à prossecução do interesse público visado); necessária (leia-se: exigível a satisfazer o interesse público) e proporcional (leia-se: justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público) às condutas de incumprimento adotadas pela arguida e casuisticamente provadas e, bem assim ainda a conduta procedimental e processual prosseguida pela entidade recorrente e acima melhor identificada: vide CPA anotado por MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO AMORIM, 2º edição, Almedina, pág. 99 a 105; art. 7º do CPA. Termos em que a decisão recorrida não padece do invocado erro de julgamento. *** IV. DECISÃO: Custas a cargo da entidade recorrente. 11 de setembro de 2025 (Teresa Caiado – relatora) (Ilda Côco – 1ª adjunta) (com declaração de voto) (Luis Freitas - 2º adjunto) *** Declaração de voto Embora não possa acompanhar integralmente os respectivos fundamentos, voto o sentido da decisão, por considerar, numa apreciação sumária, própria da tutela cautelar, que os factos que constam do Relatório Final do instrutor do processo disciplinar não são suficientes para imputar à recorrida a infracção disciplinar relativa à apropriação de dinheiros públicos. |