Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2090/22.6BELRS-R2
Secção:CT
Data do Acordão:07/15/2025
Relator:ISABEL VAZ FERNANDES
Sumário:
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul

J... , veio reclamar para a conferência, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 652º do CPC, da decisão sumária proferida em 20 de Novembro de 2024 pela anterior Relatora, que indeferiu a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 643º do CPC, pedindo que sobre a decisão proferida recaia um acórdão.



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Notificada a parte contrária, nada disse.



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A DMMP junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação.



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Com dispensa de vistos, vêm os autos à conferência.


O instituto da reclamação para a conferência, actualmente previsto no nº3 do artigo 652º do CPC, fundamenta a sua existência no carácter de tribunal colectivo que revestem os Tribunais Superiores, nos quais a regra é a decisão judicial demandar a intervenção de três juízes, os quais constituem a conferência, e o mínimo de dois votos conformes.


Assim, sempre que a parte se sinta prejudicada por um despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode dele reclamar para a conferência. O que se visa com a reclamação é, afinal, a substituição do órgão excepcional (o relator) pelo órgão normal (a conferência como tribunal colectivo) para proferir determinada decisão.


Como se diz no Acórdão da Relação do Porto de 23.02.2015, tirado no recurso nº RP201502231403/04.7TBAMT-H.P1, no regime do artigo 652º nº 1 c) e nº 3 ex vi 656º CPC a reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária, conhecimento limitado às questões especificadas pelo recorrente nas conclusões de recurso.


Vejamos, então.



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A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:


“ J... , com os demais sinais nos autos principais de reclamação de atos do órgão de execução fiscal n.º oposição à execução fiscal, vem nos termos do disposto no artigo 643º do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável por força do disposto no artigo 281° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para este Tribunal Central Administrativo Sul do despacho da Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, proferido em 01/08/2024 de não admissão do recurso por si interposto da sentença proferida, em 06/07/2023, no processo principal.


Na reclamação em apreciação o Reclamante formulou as seguintes conclusões:


“1. Veio a ser interposto recurso, o qual no entendimento do douto Tribunal de primeira instância, não deveria proceder e, como tal, de mérito pronunciando-se, determina a recusa de admissão do recurso interposto, i e, determina a RETENÇÃO do recurso interposto endereçado ao douto Tribunal superior.


2. Por esta mesma razão, o douto Tribunal de primeira instância, determinou o indeferimento do recurso interposto e obstou à sua ulterior tramitação processual, mesmo que a si não se encontre endereçado.


3. Na síntese o douto Tribunal a quo, encontra-se a reter o recurso interposto, tendo sobre o mesmo pronunciando-se de mérito o douto Tribunal, ainda que sem poderes para o efeito, pois que apenas o douto Tribunal superior o poderá fazer.


4. Sob pena de violação de competências atribuídas aos doutos Tribunais, e por forma a garantir e assegurar o acesso aos Tribunais e Justiça, deverá ser assim determinada a subida processual do recurso interposto,


5. Devendo assim o douto Tribunal superior pronunciar-se de mérito sobre o mesmo, no legitimo exercício das competências que estão adjudicadas a cada uma das instâncias, devendo ser reconhecida procedência da presente reclamação de indeferimento de recurso, ser o mesmo admitido e prosseguir-se a demais ulterior tramitação processual.


6. Sendo que delimitado que está o presente objecto da reclamação é apenas e só o indeferimento do requerimento de interposição de recurso e respectivas alegações, verificando-se que estavam cumpridos todos os pressupostos processuais quanto ao recurso interposto, oportuno e tempestivamente;


7. Pelo que, não pode ser um poder discricionário do meritíssimo juiz a quo, que com toda a bondade e mérito possa ter, decidir arbitrariamente sobre quais os recursos que de mérito sobem ou não sobem aos Tribunais superiores.”



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Devidamente notificada para o efeito, a ATA vem dizer que:


“1. Nos presentes autos, foi proferida sentença e notificada ao aqui Recorrente, em 07-07-2023, em cujo segmento decisório se lê, entre o mais: "A divida exequenda não se encontra, pois, prescrita.”


Não obstante a infinidade de requerimentos de interposição de recurso, reclamações, pedidos de reforma, entre outros, apresentados pelo aqui (uma vez mais) Recorrente, ainda inconformado, vem interpor recurso (cerca de decorrido um ano) daquela decisão.


3. Como é fácil de constatar, o que o Recorrente pretende é a reapreciação dos factos apurados e sua interpretação ou a reapreciação das regras e princípios de direito aplicados.


4. O que lhe está vedado, agora, por lei, como bem sabe e não desconhecer o mui ilustre causídico.


5. Isto posto, o despacho ora reclamado, que recusou a admissão do recurso apresentado na sequencia da prolação do despacho de 01-07-2024, não merece qualquer censura porquanto, como ali se lê "O pretenso recurso do despacho de 01.07.2024 ora apresentado pelo Reclamante incide, integralmente sobre a questão prescrição da dívida exequenda, e termina com o pedido de anulação "da sentença recorrida". Tais alegações de recurso do despacho de 01.07.2024 mais não são, pois, do que uma tentativa de recorrer da própria decisão de fundo dos autos, já proferida e transitada e julgado, a qual já não é, manifestamente,


recorrível.”


6. Assim, a apresente reclamação porque, salvo melhor opinião, se destina a protelar a execução do decidido, não é oportuna.”



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Já neste TCA, os autos foram com vista à Exmo. Procurador Geral Adjunto que emitiu o seu parecer no sentido da improcedência da reclamação, nos termos que a seguir parcialmente se transcrevem: “(…) Considerou o Tribunal a quo na decisão reclamada que as alegações de recurso apresentadas "não são (...) admissíveis, pela mesma razão pela qual o Tribunal recusou qualquer pronúncia relativamente ao requerimento de 17.06.2024, a saber, encontrar-se extinto o poder jurisdicional do Juiz, em virtude da prolação de Sentença transitada em julgado sobre a matéria dos autos e objecto desse requerimento e das Alegações de recurso ora apresentadas. " Inconformado com o teor da decisão, o Reclamante apresentou reclamação para este Tribunal Central Administrativo Sul, ao abrigo do disposto no art. 643°, n° 1, do C.P.Civil, defendendo, em síntese, que o Tribunal de primeira instância pronunciou-se de mérito relativamente ao recurso apresentado, o que lhe estava vedado fazer por tal ser da competência do tribunal superior e, indevidamente, reteve o recurso, sendo certo que não o podia fazer porque endereçado a este tribunal, o que configura violação do direito de acesso à justiça.



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Analisados os autos, no entanto, e salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que os fundamentos da reclamação não deverão proceder. Com efeito, como se extrai do douto despacho recorrido, o fundamento para a não admissão do recurso consistiu em encontrar-se esgotado o poder jurisdicional do juiz para apreciação do requerimento apresentado pelo Reclamante em 17.06.2024, que foi objeto de indeferimento com esse mesmo fundamento pelo despacho de que se recorre, por sobre o peticionado existir sentença já transitada em julgado que julgou a mesma matéria que o Recorrente pretende ver de novo apreciada (prescrição da dívida exequenda). Como refere a Fazenda Pública na resposta à reclamação, o que o Recorrente pretende "é a reapreciação dos factos apurados e sua interpretação ou a reapreciação das regras e princípios de direito aplicados". O douto despacho que reteve o recurso não configura uma decisão de mérito, pois o fundamento da retenção assentou, tão só, no efeito jurídico decorrente da circunstância de encontrar-se esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto ao mérito da causa, o que ocorre por via da prolação da sentença (cfr. art. 613°, n° 1, do C.P.Civil) e, sobretudo, pelo trânsito em julgado desta. A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação (cfr. art. 628° do C.P.Civil) - como é o caso dos autos - e, transitada em julgado a sentença, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele (cfr. art. 619°, n° 1, do C.P.Civil).


Não se olvida, no entanto, que, perante o que se dispõe no art. 621° do C.P.Civil, sempre poderá existir renovação do pedido, apesar do caso julgado, nas circunstâncias especificadas no preceito - ou seja, nos casos em que o decaimento ocorreu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, admitindo-se a renovação quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique. Porém, na presente situação nenhuma daquelas circunstâncias se verifica, pois, como resulta do despacho recorrido: Cerca de um ano após a prolação e notificação da Sentença, em 17.06.2024 o Reclamante apresentou o Requerimento constante de fls. 529 do processo electrónico, pelo qual veio requerer exactamente aquilo em que consiste parte do petitório da Reclamação já decidida por Sentença transitada em julgado, isto é, o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda, apresentando a argumentação para o efeito. (...) O pretenso recurso do despacho de 01.07.2024 ora apresentado pelo Reclamante incide, integralmente sobre a questão prescrição da dívida exequenda, e termina com o pedido de anulação "da sentença recorrida". Tais alegações de recurso do despacho de 01.07.2024 mais não são, pois, do que uma tentativa de recorrer da própria decisão de fundo dos autos, já proferida e transitada e julgado, a qual já não é, manifestamente, recorrível. Ao recorrer (formalmente) do despacho de 01.07.2024 o Reclamante pretende, em substância, apresentar novamente recurso da Sentença recorrida." Analisadas as alegações recursivas, constata-se que nas mesmas nada se invoca, de facto ou de direito, tendente a demonstrar que, após o decaimento resultante da sentença, sobrevieram circunstâncias que impõem a modificação desta, designadamente que após a sua prolação ocorreu, entretanto, o termo final do prazo de prescrição, o qual não tinha ainda decorrido à data da sentença. Ora, o Recorrente defende que a prescrição ocorreu em setembro de 2014 ou de 2016, sendo que, se assim é, essa eventualidade mostra-se já apreciada e decidida na sentença proferida, datada de 06.07.2023, já transitada em julgado, pelo que não opera a possibilidade de renovação do pedido a que alude art. 621º do C.P.Civill.”



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Autuada e devidamente instruída a reclamação, cumpre apreciar e decidir, nos termos previstos no artigo 643º, nº4 do CPC, considerando que a tal nada obsta.


Apreciando.


Nesta sede, constatamos com a perplexidade que o pedido que nos vem formulado visa o despacho proferido pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 01/07/2024, que recusa a admissão do recurso apresentado em 17/06 do mesmo ano à sentença proferida em 06/07/2023 e notificada às partes em 07/07/2023, ou seja, cerca de um ano após a prolação e notificação da sentença, como bem refere o despacho reclamado, que, de resto se mostra cristalino e legalmente sustentado, não nos merecendo qualquer censura. Como reforço do decidido acompanhamos o mui douto parecer do digno Magistrado do Ministério Público que, por inteira concordância e pela amplitude e certeza na apreciação fazemos nosso.


Termos em que por desnecessidade de quaisquer outras apreciações, mantemos na ordem jurídica, a decisão proferida, porque nela nenhuma afronta à lei foi cometida.


Decisão


Termos em que se decide indeferir a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 643º do CPC e manter o despacho reclamado de não admissão do recurso.


Custas pelo reclamante.


Registe e Notifique.”



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DECISÃO


Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente a presente reclamação para a conferência, confirmando-se a decisão sumária reclamada, proferida em 20/11/2024.

Condena-se o Reclamante pelo presente incidente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s.


Registe e Notifique.

Lisboa, 15 de Julho de 2025

(Isabel Vaz Fernandes)

(Lurdes Toscano)

(Luísa Soares)